Sobre a autora:
Nascida
em Fortaleza, em agosto de 1951, Ana Miranda viveu grande parte de sua vida
fora do Ceará. Aos cinco anos de idade, mudou-se para o Rio de Janeiro e em
1959 foi para Brasília. Chegou a estudar Artes no Rio de Janeiro. A autora,
como se vê, cresceu nas cidades que mais intensamente viveram os efeitos das
radicais transformações e da efervescência na vida política, social e,
sobretudo, cultural do país. Nesse período, podemos destacar a bossa nova, a
contracultura hippie, os festivais de música que deram origem ao Tropicalismo,
principal movimento cultural da época, isso tudo em meio a ditadura militar que
exercia forte repressão. Enfim, Ana
Miranda é de uma geração que não consegue, e nem tenta, ignorar a história.
É essa história que figura em sua obra como principal cerne, adornado pela sua
ficção internacionalmente reconhecida. Ana Miranda publicou vários livros entre
poesias, romances, crônicas e contos. Estreou com o livro de poesia Anjos e
Demônios, em 1978, mas foi seu primeiro romance, Boca do Inferno, publicado em 1989, que rendeu a escritora o
reconhecimento nacional e internacional, prova disso está no grande número de
traduções do livro. A obra foi publicada na França, Inglaterra, Itália, Estados
Unidos, Argentina, Noruega, Espanha, Suécia, Dinamarca, Holanda e Alemanha. Já
nesse primeiro romance, notamos a propensão de Ana Miranda ao romance histórico, fazendo dessa obra
uma recriação histórico-literária do
Brasil colonial, trazendo personagens como o poeta Gregório de Matos e o
jesuíta Antônio Vieira. Por esse livro a autora recebeu o prêmio Jabuti, em
1990. A recriação aparece também no livro publicado em 1996, Desmundo. Dessa vez, a recriação é
feita na linguagem do século XVI, contando a história de órfãs mandadas de
Portugal ao Brasil para se casar com os colonos. O romance histórico mistura história e ficção, reconstruindo
ficticiamente acontecimentos, costumes e personagens. Nessa mistura que se
edifica Desmundo mesclam-se fatos identificados na história do Brasil com o
viço ficcional edificado pela perspicaz escritora.
Enredo
Em
1570, Oribela, uma órfã, jovem sensível
e religiosa, é mandada de Portugal, junto com sete outras, a mando da Rainha
para se casarem com colonos no Brasil. No caminho, os relatos sobre a viagem e
os medos gerados por ela dão o tom da narrativa.
Outra personagem,
mandada para o Brasil também é uma viúva, a Velha, que, devido a sua experiência de vida, acaba por se tornar
uma espécie de conselheira das mulheres que foram mandadas para o degredo. Logo
que chegam ao Brasil, hospedam-se em uma pensão, enquanto os casamentos são
arranjados. Oribela casa-se com Francisco de Albuquerque, rico colono,
proprietário de terras e escravos, mesmo que ela só reconhecesse nele o que há
de mais repugnante no mundo (seu cheiro, seu aspecto físico, seu passado de
viajante...). Ainda virgem, é forçada a manter relações sexuais com Francisco
na noite de núpcias. Após isso, ele a deixa livre para que, quando ela tivesse
vontade de se entregar para ele, que o viesse procurar, pois ele não mais a
forçaria. Oribela arquiteta planos para a fuga, buscando encontrar uma forma de
retornar para Portugal. Descobre um meio: entrar clandestina (fantasiada de
homem) em uma nau. Para tanto, precisava arranjar dinheiro para subornar as
pessoas que lhe deixariam embarcar. Durante meses (enquanto se esperava a
chegada da nau), junta dinheiro. Mas, ao fugir de casa e dirigir-se para
embarcar, é enganada e quem deveria ajudá-la rouba seu dinheiro e a estupra.
Durante o estupro, seu marido, Francisco, aparece, mata os estupradores e leva
Oribela novamente para casa, onde a prende com uma corrente nos pés. Ao sair
para suas expedições de caça de índios,
Oribela é obrigada a
viver o cotidiano da casa, durante o qual torna-se cada vez mais íntima de Temericô, uma índia que trabalhava na
casa, a quem ensina um pouco do português e de quem aprende a língua indígena,
além de receber diversos costumes.
Durante uma das
expedições, Francisco de Albuquerque a leva junto. É quando vê uma certa
grandeza em seu marido, ao guerrear com os indígenas, mas esse reconhecimento
do valor do marido não é suficiente para gerar nela amor. Ao retornarem, com
milhares de índios cativos (que em parte seriam vendidos como escravos, em
parte seriam aproveitados nas terras do marido), Oribela sente pena deles. As
terras de Francisco de Albuquerque são atacadas pouco tempo depois e é quando
Oribela aproveita a confusão para fugir novamente. Torna a esperar por uma nau
que a pudesse levar para Portugal, mas desta vez esconde-se na casa de Ximeno Dias, um mouro. Apesar dele se
mostrar gentil, educado, instruído, de possuir livros (que Oribela não vê
sentido), os preconceitos dela sobre os mouros estão sempre a fazendo
desconfiar dele. A sua cor (vermelho), o seu corpo sem pelos, ao mesmo tempo
que a atraem, fazem com que ela reconheça nele a possibilidade dele ser o
diabo, mas por fim acaba por entregar-se a ele. Logo da chegada de uma nova
nau, meses depois de sua fuga, é descoberta pelo marido que vagava pela cidade
a buscá-la. Está grávida. É levada para casa, onde tem o bebê. Pouco tempo
depois do nascimento, Francisco de Albuquerque pega o filho e parte com ele
para Portugal.
Oribela, não
desejando nada daquele homem, queima a casa onde moravam com tudo que nela
houvesse. Parte, então, sozinha, para enfrentar a vida na colônia, um lugar que
não gostaria de estar, lembrando de Portugal, mas sentindo ódio de toda essa
situação.
Análise da obra: Entre ficção e história: Desmundo, de Ana
Miranda