A CARTA DO ACHAMENTO, Pero Vaz de Caminha
Estilo
de época
O primeiro período da história da
literatura brasileira é chamado de Quinhentismo. Começou em 1500, ano em que
Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, enviou a D.
Manuel I a famosa Carta, em que se
comunicava ao soberano o “achamento” das terras brasileiras. Em 1601foi
publicado o poema “Prosopopeia”, de Bento Teixeira, tradicionalmente
considerado a obra inicial do Barroco literário brasileiro.
A produção literária do Brasil do
século XVI liga-se a duas necessidades práticas principais da empresa
colonizadora portuguesa: a de fornecer informação sobre a nova terra e a de
converter os indígenas ao cristianismo. Nessa literatura de valor
principalmente documental, encontramos elementos importantes para a compreensão
de nossas origens históricas e literárias.
Essa produção literária proveio
principalmente dos esforços iniciais de conquista das novas terras. Dessa
forma, houve várias manifestações em prosa, em sua maioria tratados, cartas e
diários, cuja principal finalidade era descrever a paisagem e a vida brasileiras,
atuando como fonte de informação aos europeus. Além disso, o teatro conheceu
algum desenvolvimento sob forma de autos versificados compostos pelos jesuítas
em seu trabalho de catequização do índio. Também ocorreram algumas
manifestações poéticas, principalmente de caráter religioso, ligados ao esforço
catequético.
A
apresentação da Carta
A carta de Pero Vaz de Caminha ao
rei de Portugal, D. Manuel I, foi escrita na ocasião da descoberta do Brasil. O
autor fazia parte da frota comandada por Pedro Álvares Cabral que aportou no
litoral brasileiro no ano de 1500. É a primeira representação literária da
realidade brasileira. Fixa a nossa origem, inaugura a visão do que somos,
iniciando a formação da identidade do país e da nossa formação cultural.
O conteúdo da Carta de Caminha
dialoga com a História, sendo considerada, por isso, um documento histórico. O
autor se revela o primeiro cronista do Brasil. A carta realiza uma espécie de
relatório para o rei sobre a descoberta da nova terra e o autor se posiciona
como testemunha ocular dos fatos. Registra os primeiros momentos do encontro do
português com a região, descreve a geografia física e humana do Novo Mundo e
revela o impacto cultural dos estrangeiros com os Ameríndios.
A carta classifica-se como gênero
epistolar por possuir, em sua estrutura formal, remetente, destinatário e
mensagem. Mas como sua mensagem foi redigida durante vários dias e o seu
conteúdo foi dividido a partir dos principais acontecimentos de cada um deles,
ela também classifica-se como um Dário. O texto de Caminha pode ser denominado
como carta-diário ou um diário atípico.
Contexto Histórico
No séc. XV, Portugal deu início à
expansão marítima com o objetivo de conquistar e colonizar outras partes do
mundo. Essa atitude atendia a necessidade de Portugal de resolver carências e
conflitos internos gerados pela crise do século XIV (fomes, pestes e guerras),
que ocasionou a desintegração do Sistema Feudal. Assim, as Grandes Navegações
atendiam a necessidade da sociedade portuguesa, organizada em um Estado
Nacional, em se adequar às transformações sociais (ascensão da classe burguesa)
e, sobretudo, econômicas (afirmação do Mercantilismo como sistema) vivenciadas
pela Europa Ocidental, no início da Era Moderna.
Em relação aos interesses
mercantilistas, a Coroa Portuguesa desejava, ao mesmo tempo, angariar regiões
para a exploração de metais preciosos e para a expansão do comércio. O primeiro
alvo das expansões ultramarinas foi a África, mas a vontade maior de Portugal
era encontrar a rota marítima que o conduziria às Índias. Nessa época, as
Índias eram consideradas o berço dos artigos de luxo e das especiarias,
produtos ambicionados pelos europeus. Esses produtos chegavam à Península
Ibérica por meio de intermediários árabes, judeus ou através do próspero
comércio italiano. O projeto de singrar os mares “nunca dantes navegados”, contornar
a África e conquistar o Oceano Índico livraria os portugueses desses
intermediários. Através de acordos, pressões e, mesmo, utilizando-se da força,
os responsáveis pelas expedições ultramarinas tentariam o monopólio do comércio
em algumas cidades indianas, especialmente Calicute. Mas não eram apenas as
transações mercantis que interessavam a Portugal no seu projeto expansionista.
Ele também visava os interesses da classe feudal e da Igreja. O Estado também
almejava resolver os problemas de escassez de cereais, alargar a lavoura
açucareira e, não poderíamos nos esquecer, dilatar a fé católica. Inclusive, a
campanha religiosa será largamente usada para justificar as colonizações
portuguesas.
Durante quase um século, várias
expedições foram enviadas pela Coroa e o mar foi gradativamente se alargando
para o europeu. Em 1498, a expedição comandada por Vasco da Gama finalmente
consegue o caminho para as Índias, fato que será celebrado na famosa epopéia Os
Lusíadas, escrita por Luís de Camões. Dois anos depois, uma nova armada parte
de Lisboa em uma dupla missão: a primeira de ordem religiosa, apoiada por Roma,
objetivava catequizar os povos das Índias. A segunda, de natureza financeira,
tinha compromissos com a burguesia (os patrocinadores financeiros e comerciantes),
de estabelecer o monopólio comercial com os governantes de Calicute, criando
uma feitoria nessa cidade.
O
autor: Pero Vaz de Caminha
Pero Vaz de Caminha foi escolhido
pelo rei D. Manuel para desempenhar a função de escrivão na feitoria de
Calicute, na qual exercia o cargo de contador. Era, portanto, súdito e servidor
direto do rei. Além de descrever sobre os acontecimentos importantes da viagem,
sua profissão exigia que tivesse um olhar avaliativo sobre as atuações
financeiras da expedição.
Nesse sentido, com a descoberta do
Brasil – chamada na ocasião de Ilha de Vera Cruz – Pero Vaz se viu na obrigação
de compartilhar com o rei sobre a nova terra conquistada por Portugal. Revelando-se
um exímio observador, com singelo olhar realista, envia a D. Manuel informações
precisas sobre o valor da terra, procurando analisar suas águas, o clima e
ares, a possibilidade de existência de ouro e prata, a natureza dos nativos.
Caminha, como um bom representante
das Grandes Navegações, apresenta-se imbuído da ideologia mercantilista e do
cristianismo. Inclusive faz recomendações sobre o maior e melhor aproveitamento
da terra e dos homens.
A
abertura da carta
A abertura da Carta apresenta duas
ideias que nortearão todo o discurso de Pero Vaz de Caminha. A primeira delas
encontra-se no trecho em que o escrivão, ao anunciar a notícia da descoberta do
Brasil como motivo da sua escrita ao rei, refere-se a “Nova Terra” como uma
propriedade de Portugal. Assim, é possível compreender que a chegada da frota
de Pedro Álvares Cabral ao território brasileiro assinala o início da dominação
lusitana sobre essa região e o relato de Caminha, dentro desta perspectiva,
orienta-se no sentido de avaliar o que a terra oferece ou não como riquezas à
Coroa.
A segunda ideia revela o autor da
carta como testemunha ocular dos fatos. Pero Vaz de Caminha participa do
episódio e sua escrita ganha a dimensão de um documento histórico. Dessa
maneira, seu relato possui certa objetividade, onde descreverá, com inúmeros
detalhes, a exuberância da natureza, o fenômeno e modos de vida dos indígenas,
o encontro entre as culturas, as riquezas da terra. Entretanto, Caminha ao
mesmo tempo em que manifesta o desejo de escrever uma exposição mais objetiva,
evitando distorcer os episódios, ele não deixará de colocar as suas impressões,
ou seja, de projetar sua subjetividade. Assim, o olhar do cronista não é
neutro. Os valores pessoais de Pero Vaz misturado aos interesses maiores do
projeto das grandes navegações, de quem ele é porta-voz, interferirão na
maneira de interpretar os episódios do encontro com o Brasil.
Portanto, o escritor, em sua carta,
presta contas ao rei sobre os possíveis benefícios de sua nova propriedade.
Para isso, realiza uma espécie de relatório, onde observará várias
características daquele mundo. Mas Caminha não se furtará em interpretá-las.
Molda os dados da realidade a partir da visão de mundo européia e do impacto
que o novo mundo causará ao português.
Roteiro
de viagem
Apesar de declarar-se incapaz por
não ter conhecimentos técnicos necessários, Pero Vaz faz um resumo do percurso
marítimo realizado pela frota: a saída de Belém, Portugal, no dia nove de
março, a passagem pelas Ilhas Canárias, no dia 14 de março; e pelas Ilhas do
Cabo Verde, no dia 22; e afinal, o encontro com uma desconhecida região do lado
ocidental. Antes, porém, de Cabral vislumbrar o Brasil, o escrivão relata o
esforço do comandante-mor em encontrar a nau comandada por Vasco de Ataíde, que
estranhamente desapareceu. Apesar de o tempo estar tranqüilo e não haver ventos
contrários, não foi possível encontrar a embarcação.
O
achamento
No dia 21 de abril, oito dias após o
primeiro domingo de Páscoa, os marinheiros dos navios reconheceram algumas
plantas típicas do litoral: botelhos e rabo-de-asno. Esse dia é considerado o
marco do descobrimento do Brasil, mas pela carta de Caminha, na data só foram
encontrados alguns sinais de terra.
No dia 22, pela manhã, algumas aves
foram avistadas e, no período da tarde, a terra finalmente é encontrada.
Primeiramente, um grande monte denominado Montes Pascoal e, em seguida, a
planície chamada de Ilha de Vera Cruz.
Dia
23 de Abril
Nesse dia, os portugueses
avizinharam-se um pouco mais da terra e ancoraram. Viram, então, cerca de vinte
homens andando pela praia. Nicolau Coelho, por ordem do capitão-mor, desce de
batel para pesquisar sobre o rio. Alguns nativos, com arco e setas na mão,
caminham em direção ao barco. O capitão pede para abaixarem as armas, no que é
prontamente obedecido.
Estabelece-se uma troca de
presentes. Nicolau Coelho entrega seu chapéu, gorro e barrete, em troca, recebe
sobreiros de penas de aves e um colar.
Pero Vaz faz a primeira descrição
dos homens do lugar. Seu comentário nos colocaria diretamente com a sua
tentativa de definir-lhes a raça e o grau de civilidade. Nesse último caso, os
nativos se mostram bastantes primitivos por estarem nus. Se pensarmos que a
palavra “vergonha”, significando a parte sexual, possui sentido moral – vergonha
deve ficar encoberta – poderíamos presumir um olhar moralista sobre os nativos.
Mas não é isso o que acontece. A nudez dos nativos não será indício de
libertinagem ou promiscuidade. O
europeu, nesse primeiro contato, avaliará como uma nova prova de inocência, de
ausência de uma consciência civilizada. Aqui é possível falar sobre o caráter
adâmico, pois o índio é apresentado em um estado tal de pureza que se assemelha
a Adão, primeiro homem criado e habitante do paraíso, o Éden, criado por Deus.
Os habitantes da nova terra não haviam sido corrompidos pela civilização, eram
naturalmente bons, vivendo no seio de uma natureza sã e acolhedora. Estavam
então isentos do pecado e aguardavam apenas que até eles fosse levada a Palavra
de Deus para se tornarem bons cristãos, conforme a visão católica.
Dia
24 de Abril
Nesse dia, os portugueses
desenvolvem uma pesquisa maior sobre o lugar. Depois de velejarem à procura de
um lugar mais tranquilo e ancorarem, Pedro Álvares Cabral envia o piloto Afonso
Lopes averiguar as condições do lugar. Este captura dois nativos e leva-os para
serem interrogados. Nessa ocasião, Caminha descreve o corte e o arranjo dos
cabelos desses selvagens, ressaltando a limpeza e o trato cuidadoso com a
aparência. De certa maneira, existe nesse ponto um traço de superioridade dos
nativos em relação aos portugueses, que ficará nítida no trecho em que o
escrivão compara as moças daquele lugar às portuguesas.
Os dois homens “mancebos e de bons
corpos” são recebidos por Pedro Álvares Cabral. Eles não fazem menção de
cumprimentar o capitão, o que revela mais um choque cultural de não
reconhecimento da cortesia almejada e da hierarquia social vigente entre os
portugueses.
Os índios fazem gestos que fazem com
que os portugueses entendam que há ouro e prata nas terras brasileiras. A
linguagem gestual é interpretada conforme os interesses mercantilistas
europeus, deixando escapar outras possibilidades de sentido. O próprio Caminha,
um pouco depois, relativiza a interpretação dada:
Viu um deles umas contas de
rosário, brancas, acenou que lhas dessem e folgou muito com elas e lançou-as no
pescoço e depois tirou--as e embrulhou-as no braço; e acenava para a terra e
então para as contas e para o colar do capitão, como que dariam ouro por
aquilo. Isto tornávamos nós assim por o desejarmos; mas, se ele queria dizer
que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, porque
lhos não havíamos de dar.
O interrogatório continuará sempre
de maneira amigável. Os portugueses mostram-lhes alguns animais, com o intuito
de verificar quais são pertencentes àquele mundo. A ausência de criação de
galinhas, por exemplo, será interpretado como indício de primitivismo, de
desenvolvimento de meios materiais subsistência. Mais adiante, veremos que o
contato entre viajantes e nativos ficará mais familiar: serão menos
resistentes, inclusive, à comida dada pelos portugueses.
Dia 25 de Abril
Nicolau Coelho e Pero Vaz de Caminha
dirigem-se à praia para devolverem os dois índios. Junto a eles é enviado um
degredado, Afonso Ribeiro. Os degradados, condenados à morte por seus crimes em
Portugal, embarcavam nestas expedições justamente para realizarem as piores
missões durante as viagens, geralmente aquelas que demandavam riscos de vida.
Alguns nativos continuaram perto dos
barcos e trocavam cabaços de água por presentinhos ou ajudavam os portugueses a
reabastecerem de água enchendo seus barris. Um início claro da exploração da
mão de obra indígena. Pero Vaz, mas próximo dos ameríndios, observa e sublinha
a diversidade de seus adereços e também a pintura de seus corpos. Observa
também algumas moça que andavam pela praia. Destaca-lhes a nudez, sobretudo, o
asseio da parte sexual. Numa outra passagem, Caminha faz nova referência às
índias, comparando-as às portuguesas:
“E
uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima, daquela tintura e certo
era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha tão graciosa que a muitas
mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições envergonhara, por não terem as
suas como ela...”.
Novamente o aspecto sadio e o asseio dos
corpos são elogiados por Caminha.
Dia 26 de Abril
A primeira missa acontece em Ilhéus,
sem a presença dos nativos e é celebrada pelo padre Frei Henrique Soares de
Coimbra. Enquanto a missa transcorre, os nativos dançavam, saltavam e tocavam
alguns instrumentos a fim de chamarem a atenção dos estrangeiros. Nessa parte
da narrativa, vê-se a decisão de enviar a Portugal a notícia do “achamento” das
novas terras. O autor expõe claramente que o tratamento cordial dado aos índios
estava de acordo com um plano bem definido pelos conquistadores. Esse projeto
determinava que era preferível evitar um conflito com os nativos para facilitar
a pesquisa sobre o local e posteriormente a dominação do seu povo. Ainda nesse
dia é possível perceber a tentativa dos viajantes de terem maior contato com a
terra e seus habitantes. Eles trocam presentes. Os nativos oferecem arco e
flecha por qualquer coisa dada pelos estrangeiros, o que revela certa
infantilidade dos índios. Um dos viajantes, Diogo Dias, chega a dançar com os
indígenas.
Caminha relata ao Rei o modo
instável dos nativos brasileiros: ora “amansavam-se” ora afastavam-se. Pero Vaz
conclui que eles são selvagens, primitivos, que vivem livres como animais:
Porém e com tudo isso andam muito curados e muito.
E naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses, às
quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque os corpos seus
são tão, tão gordos e tão formosos, que não pode mais ser. Isto me faz presumir
que não têm casas nem moradas a que se acolham, e o ar, a que se criam, os faz
tais. Nem nós ainda até agora vimos nenhuma casa ou maneira delas.
É importante destacar aqui a condição edênica da
nova terra e do homem nativo como um ser adâmico. Sobre esse trecho, o crítico
Luis Roncari observa:
“A impressão é a de que a harmonia homem-mundo ainda
não tinha sido quebrada, os diferentes seres e elementos da natureza estão mais
próximos e por isso se alimentam e se lembram mutuamente.”
Caminha conclui que eles vivem ao ar livre, sem
nenhum tipo de moradia. Conclusão equivocada, pois os viajantes acompanham os
indígenas à aldeia.
Ali
na aldeia, apesar dos diferentes costumes apresentados pelos indígenas, Caminha
intui uma mínima organização. Entretanto, o olhar do europeu se inclinará cada
vez mais para ver esse novo mundo como uma espécie de paraíso terrestre, um
lugar não alcançado pela civilização.
Dia 28 de Abril
Uma
cruz começa a ser construída nesse dia. Os nativos acompanham o trabalho dos
carpinteiros. Não estão interessados pela cruz, pois desconhecem sua
simbologia, mas sim pelas ferramentas de ferro que os portugueses traziam,
principalmente porque seus instrumentos de corte eram simples, feitos de pedra.
Caminha aprecia a quantidade e variedade de pássaros existentes na ilha. Os
portugueses ficam deslumbrados com as espécies brasileiras.
Dia 30 de Abril
Na
manhã desse dia, os dois hóspedes abrigados pelos portugueses no dia 29,
comeram de tudo oferecido sem nenhuma desconfiança, uma atitude diferente dos
dois nativos do dia 24. Um deles recebeu de presente uma presa de javali e a
ajeitou no furo da boca. Seu contentamento foi tal que Caminha observa que para
ele o adereço foi tomado como algo de grande valor. Os viajantes não
conseguiram constatar a presença de metais preciosos na região, mas é certo que
esses nativos não saberiam informá-los, uma vez que, seus valores eram
completamente diferentes dos europeus.
O
discurso de Pero Vaz toma rumo neste final de relato. Se o primeiro objetivo
das grandes navegações eram os interesses mercantilistas, e eles não foram
alcançados nesta rápida pesquisa da região, o alvo agora passa a ser o segundo
objetivo das viagens ultramarinas: a expansão do catolicismo.
Caminha
conta ao rei que o capitão Pedro Álvares Cabral impeliu seus companheiros a
beijarem a cruz para mostrarem aos homens da terra a forte devoção que tinham
por ela. Os nativos, por sua vez, imitaram os gestos dos portugueses. Diante
desse fato, Pero Vaz observa:
Parece-me
que é gente de tal inocência que, se entendessem logo a nós, seriam logo
cristãos, porque eles, segundo parece, não têm nem entendem nenhuma crença.
De
acordo com o fragmento, o único obstáculo para a conversão dos índios seria a
diferença de linguagem entre os dois povos, que prejudicava em grande medida a
comunicação, mas era um problema facilmente superável. O autor sugere que o rei
deveria mandar pessoas disponíveis para permanecerem no lugar e realizarem um
trabalho efetivo de catequese.
Pero
Vaz sempre ressalta a imagem dos nativos como uma mistura de selvageria e
bondade, ou melhor, o bom selvagem. Porém, as qualidades apontadas pelo
escrivão – primitividade, bondade, ingenuidade – são positivas para os
portugueses, pois facilitariam a dominação sobre eles.
Em
outras palavras, não podemos dizer que não existia um sentimento humanista do
português em querer catequizar os índios. Na perspectiva do europeu, aquele
povo era vazio de espiritualidade – os índios agiam como crianças que
precisavam de uma formação religiosa, mas ao mesmo tempo, mostraram-se abertos
aos valores dos viajantes. Assim, a catequese era um meio para a continuação do
domínio.
1º de Maio
O
tema da conversão domina as considerações finais do discurso de Caminha. Nesse
dia, acontece uma segunda missa, mas agora com a participação dos nativos. Mais
uma vez há uma da facilidade da expansão do catolicismo naquele meio.
Finalmente, cumprindo sua função de avaliar a terra.
Primeiramente dá uma noção da extensão territorial:
Esta
terra, senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até à outra
ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será
tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao
longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas
brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De
ponta a ponta, é toda praia parma, muito chã e muito formosa.
Caminha chega à conclusão que não foi
possível saber sobre a presença de metais preciosos, mas, por outro lado, a
terra oferecia muito em temos de riquezas naturais:
Nela, até
agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou
ferro;
Nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
Nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
Em sua despedida, Pero Vaz de Caminha faz um pedido
pessoal ao rei de D. Manuel. Solicita a volta de seu genro que se encontrava
degredado em São Tomé, condenado por seus crimes. Caminha inaugura não apenas a
nossa tradição escrita, mas, infelizmente, deixa marcas de uma prática cultural
extremamente difundida em nossa sociedade: a troca de favores.
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