12 de nov. de 2015

Análise literária Iracema, José de Alencar

ANÁLISE DA OBRA

Iracema, de José de Alencar, conta a trágica história da bela índia tabajara apaixonada pelo guerreiro branco. Considerado por muitos 'um poema em prosa', tem o ritmo e a força de imagens próprios da poesia.

Em Iracema, José de Alencar construiu uma alegoria perfeita do processo de colonização do Brasil e de toda a América pelos invasores portugueses e europeus em geral. O nome Iracema é um anagrama da palavra "América". O nome de seu amado Martim remete a Marte, o deus romano da Guerra e da Destruição. Já a partir do título, o autor demonstra um evidente trabalho de construção de uma linguagem e de um estilo que possam representar melhor "a singeleza primitiva da língua bárbara", com "termos e frases que pareçam naturais na boca do selvagem". O livro foi publicado em 1865 e, em pouco tempo, agradou aos leitores e aos críticos literários, a começar pelo jovem Machado de Assis, então com 27 anos, que escreveu sobre Iracema no Diário do Rio de Janeiro em 1866: 
"Tal é o livro do Sr. José de Alencar, fruto do estudo e da meditação, escrito com sentimento e consciência... Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao tempo, e dão plena fiança do futuro... Espera-se dele outros poemas em prosa. Poema lhe chamamos a este, sem curar de saber se é antes uma lenda, se um romance: o futuro chamar-lhe-á obra-prima."

A lenda e a história
Iracema, subintitulado Lenda do Ceará, conta a triste história de amor entre a índia tabajara Iracema, a virgem dos lábios de mel, e Martim, o primeiro colonizador português do Ceará. Além disso, como resume Machado de Assis, o assunto do livro é também a história da fundação do Ceará e do ódio de duas nações inimigas – tabajaras e pitiguaras. Os pitiguaras habitavam o litoral cearense e eram amigos dos portugueses. Os tabajaras viviam no interior e eram aliados dos franceses.

Para lembrar
José de Alencar recorreu a circunstâncias históricas, como a rixa entre os índios tabajaras e pitiguaras, e utilizou personagens reais, como Martim Soares Moreno e o índio Poti, que depois viria a adotar o nome cristão de Antônio Felipe Camarão. Mas cercou-os de uma fértil imaginação e de um lirismo próprios da poesia romântica.

A heroína idealizada
Filha de Araquém, pajé da tribo tabajara, Iracema deve manter-se virgem porque "guarda o segredo da jurema e o mistério do sonho. Sua mão fabrica para o Pajé a bebida de Tupã". Um dia, Iracema encontra na floresta Martim, que se perdera de Poti, amigo e guerreiro pitiguara com quem havia saído para caçar e agora andava errante pelo território dos inimigos tabajaras. Iracema leva Martim para a cabana de Araquém, que abriga o estrangeiro: para os indígenas, o hóspede é sagrado. O momento em que Martim encontra Iracema revela a idealização romântica em seu grau mais elevado:
"Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto. Iracema saiu do banho: o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste. [...]

Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.

O narrador, seguidas vezes, compara Iracema à natureza exuberante do Brasil. E a virgem leva sempre vantagem. Seus cabelos são mais negros e mais longos; seu sorriso, mais doce; seu hálito, mais perfumado; seus pés, mais rápidos. 
Anote!
Iracema é descrita por um narrador que, embora se apresente na terceira pessoa, é claramente emotivo e apaixonado. Retrata-a, portanto, como a síntese perfeita das maravilhas da natureza cearense, brasileira e americana. Iracema é muito mais do que uma mulher. A heroína é o próprio espírito harmonioso da floresta virgem.
Para lembrar
José de Alencar retrata o processo de estranhamento e fascínio mútuo que dominou o encontro dos dois povos. Começavam a se conhecer, sem sequer suspeitar as trágicas consequências que dele adviriam para os indígenas.

A sedução
Enquanto esperam a volta de Caubi, o irmão de Iracema que reconduziria o guerreiro branco às terras pitiguaras, Iracema apaixona-se por Martim, mas não pode entregar-se a ele, pois, como afirma o Pajé, "se a virgem abandonou ao guerreiro branco a flor de seu corpo, ela morrerá...". Uma noite, Martim pede a Iracema o vinho de Tupã, já que não consegue resistir aos encantos da virgem. O vinho, que provoca alucinações, permitiria que ele, em sua imaginação, possuísse a jovem índia como se fosse realidade. Iracema lhe dá a bebida e, enquanto ele imagina estar sonhando, Iracema "torna-se sua esposa". É muito importante notar o valor alegórico dessa passagem. Ao "possuir" Iracema, Martim está inconsciente, completamente seduzido e inebriado. Esse gesto provocará a destruição da virgem, assim como a invasão do Brasil pelos portugueses provocará a destruição da floresta virgem.
Anote!
Assim como Martim não tinha qualquer intenção de provocar a morte de sua amada – fazendo-o por paixão –, os destruidores da natureza brasileira o fizeram de forma inconsciente e inconsequente. A consciência ecológica de Alencar vai muito além da ingênua defesa das nossas matas: percebe com clareza o seu processo de destruição.

O conflito
Martim é ameaçado pelo chefe guerreiro Irapuã que, enciumado, quer invadir a cabana de Araquém e matá-lo. Apesar da advertência de Araquém de que Tupã puniria quem machucasse seu hóspede, os guerreiros de Irapuã cercam a cabana, que é protegida por Caubi. Iracema encontra Poti, que está próximo à aldeia dos tabajaras e deseja salvar o amigo. Planejam, então, a fuga de Martim. Durante a preparação dos guerreiros tabajaras para a guerra com os pitiguaras, Iracema serve-lhes o vinho da jurema e, enquanto os guerreiros deliram, ela leva Martim e Poti para longe da aldeia. Quando já estão em terras pitiguaras, Iracema revela a Martim que ela agora é sua esposa e deve acompanhá-lo. Mas os tabajaras descobrem que Iracema traíra "o segredo da jurema" e perseguem os fugitivos. Os pitiguaras, avisados da invasão dos tabajaras, juntam-se aos fugitivos e é travado um sangrento combate. Iracema luta ao lado de Martim contra a sua tribo. Os pitiguaras ganham a luta e Iracema se entristece pela morte dos seus irmãos tabajaras.

O exílio
Iracema acompanha Martim e Poti e passa a morar com eles no litoral. Durante algum tempo, todos são muito felizes e a alegria completa-se com a gravidez de Iracema. Porém, Martim acaba por "saturar-se de felicidade" e seu interesse pela esposa e pela vida ao seu lado começa a esfriar. Iracema ressente-se da frieza do marido e sofre. Martim ausenta-se com frequência em caçadas e batalhas contra os inimigos dos pitiguaras. Enquanto guerreia, nasce seu filho, que a índia



chama Moacir, que significa "nascido do meu sofrimento, da minha dor". 
Para lembrar
Iracema dá ao filho o nome indígena correspondente ao nome hebraico Benoni, que também significa "filho de minha dor". Este é o nome dado por Raquel, mulher do patriarca bíblico Jacó, ao seu último filho. Raquel morre depois de dar à luz. Mas Jacó muda o nome do menino para Benjamim. 
Os filhos de Jacó dão origem às tribos que formarão a nação Israel, assim como o filho de Iracema representa o início de uma nação.
Solitária e saudosa, Iracema tem dificuldade para amamentar o filho e quase não come. Desfalece de tristeza. Martim fica longe dela durante oito luas (oito meses) e, quando volta, encontra Iracema à beira da morte. Ela entrega o filho a Martim, deita-se na rede e morre, consumida pela dor. Poti e Martim enterram-na ao pé do coqueiro, à beira do rio. Segundo Poti: "Quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará que é tua voz que fala entre seus cabelos". O lugar onde viveram e o rio em que nasceu o coqueiro viriam a ser chamados, um dia, pelo nome de Ceará.
Anote!
Martim partiu das praias do Ceará levando o filho. Alencar comenta: "O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?". 
O guerreiro branco volta alguns anos depois, acompanhado de outros brancos, inclusive um sacerdote "para plantar a cruz na terra selvagem". Começa a colonização e a narrativa termina: "Tudo passa sobre a terra". 

O narrador
O romance é narrado na terceira pessoa, mas o narrador está longe de se manter neutro e ser um mero observador. Multiplicam-se os adjetivos reveladores de admiração, principalmente em referência à natureza brasileira (Iracema). Em alguns momentos, o narrador arrebatado chega a revelar-se na primeira pessoa: "O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu".
Anote!
Tais arroubos do narrador justificam-se pela afirmação, no início da obra, de que essa é "Uma história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci". Assim, Alencar justifica a intromissão da voz na primeira pessoa em uma obra narrada na terceira.

O indianismo O índio começou a ser adotado como tema literário no Brasil pelos árcades, principalmente Basílio da Gama – que via o índio como "homem natural" – e Santa Rita Durão – para quem o índio era apenas o "comedor de carne humana, que só o Cristianismo salvaria". 
A busca de uma "poesia americana"
Já no Romantismo, o culto do passado e o nacionalismo literário permitiram aos escritores cultivarem a chamada "poesia americana". Esta valia-se da natureza, da História, de cenas e de costumes nacionais, fórmula a que o indianismo se encaixava perfeitamente.


2 de nov. de 2015

Análise da tela "A primeira missa no Brasil", de Cândido Portinari


A arte revisando criticamente a história:
o índio ausente se faz visto



CÂNDIDO PORTINARI

               1903 - Nasce em Brodósqui, no Estado de São Paulo. Filho de imigrantes italianos. Cursa apenas o curso primário.
               1918 - Vai para o Rio e, na Escola Nacional de Belas-Artes, estuda pintura.
               1929-1931 - Temporada em Paris.

               1931 - Volta renovado, com mudança na estética das obras, valorizando mais as cores e a ideia da obra. Retrata o povo brasileiro nas suas telas.


               1936 - Painéis no Monumento Rodoviário, na Via Dutra; afrescos do MEC (Rio), temática social, que será o fio condutor de toda a sua obra a partir de então.

               1943 - Executa oito painéis conhecidos como Série Bíblica, com influência  picassiana de “Guernica” e sob o impacto da Segunda Guerra Mundial.
               No  final da década de quarenta deixa de lado a dramaticidade expressiva e a temática social e busca temas históricos através da afirmação do muralismo.
               MURALISMO: arte e técnica da pintura ou da composição de murais. Corrente artística do século XX caracterizada pela execução de grandes pinturas murais sobre temas populares ou de propaganda nacional.
               1948 - Portinari se autoexila no Uruguai, por motivos políticos, onde pinta o painel “A Primeira Missa no Brasil”. Dá início à exploração dos temas históricos através da afirmação do muralismo.
               1949 - Grande painel “Tiradentes”, episódios do julgamento e execução do herói brasileiro. Por este trabalho recebeu, em 1950, a Medalha de Ouro do júri do Prêmio Internacional da Paz  (Varsóvia).
               1952 - Painel com temática histórica:” A Chegada da Família Real Portuguesa à Bahia”, e esboços dos painéis “Guerra e Paz”, de 14m x 10m cada, doados pelo governo brasileiro à  sede da ONU.
               1954 - Realiza o painel “Descobrimento do Brasil”. Tem sintomas de intoxicação por tintas.
               1961 - O pintor tem diversas recaídas da doença que o atacara em 1954 - a intoxicação pelas tintas.
                1962 - Tendo produzido cerca de cinco mil obras, Cândido Portinari falece no dia 6 de fevereiro, vítima de intoxicação pelas tintas que utilizava.

Característica da produção de Candido Portinari

               Forte influência cubista: uso de figuras geométricas; geometrização das formas.
               Deformação geométrica das pessoas.
               Uso de tons mais escuros.
               Expressionismo: sua produção exprime a crueza da realidade dos brasileiros. Sua abordagem é realista, não idealiza a condição dos sofrimentos do homem nascido aqui. A miséria, a fome e também a revisão crítica da história da pátria compõem sua obra.
               Valorização da cultura brasileira ao tematizar o brasileiro e sua condição de lutador frente às dificuldades do viver.
               Retrato dos tipos humanos do Brasil: do trabalhador braçal ao sofredor nordestino.
               Temática social. 


Na "Primeira missa"

               Revisão crítica da história brasileira: ao tematizar a “primeira missa”, Portinari “apaga” a presença do índio, tal como a aculturação fez com o nativo. Na perspectiva de Portinari, a primeira missa não fora oferecida a todos, mas apenas a uma elite dominante formada por religiosos, comerciantes e integrantes da coroa portuguesa.
               O tema está retratado com uma criticidade tipicamente moderna, diferente do que acontece na produção de Victor Meirelles. O cenário apresentado é artificial, pouco natural, o que denota a pouca reverência religiosa da tela. No centro, uma grande caixa representa o altar, mas não há ali uma figura explícita que remonte à cruz católica, a não ser a da bandeirola, posta de lado, que sugere mais uma representação de um símbolo militar, já que o militarismo está presente na produção. Portinari dispõe em grupos frades, fidalgos, marujos e soldados.
               Não há presença de vegetação ou qualquer alusão à flora e fauna brasileira.

Comparando as telas: Victor Meirelles e Cândido Portinari

Enquanto a versão de Vitor Meirelles [era] nitidamente naturalística, subordinada à realidade histórica, a detalhes pitorescos da natureza, com índios espantados em volta (…) em Portinari, essa suposta realidade histórica não existe. Tampouco se preocupa ele com as descrições da carta de Pero Vaz, com o pitoresco (natureza exuberante) intrínseco à cena, paisagens e personagens coloridas, mataria tropical densa, selvagens nus ou seminus, de cocares e penas, bichos.

Análise da tela de VICTOR MEIRELLES


A arte fabricando a história


A CARTA DE CAMINHA: O ENCONTRO ENTRE COLONIZADOR E COLONIZADOS

Os portugueses chegaram ao Brasil em suas expedições no dia 22 de abril, do ano de 1500. Logo avistaram um monte – o qual foi denominado Monte Pascoal –, depois seguiram para um lugar mais reservado no sul da Bahia, em Porto Seguro, mais especificamente na praia da Coroa Vermelha. Foi ali onde se realizou a primeira missa no Brasil.
A primeira missa brasileira foi realizada pelo frei Henrique de Coimbra com a ajuda de seus assistentes, poucos dias após o descobrimento do Brasil, em 26 de abril. Nela estavam presentes portugueses e índios da região. Existem poucos relatos sobre o desenrolar dessa missa, mas, pelo que se sabe, foi uma cerimônia consideravelmente fácil. Os índios por natureza eram ligados a certos tipos de rituais, assim, facilitaram o processo de realização da missa. Conta-se também que os índios ao verem os portugueses em seus preparativos, talhando a madeira com ferramentas de ferro, ficaram surpreendidos e admirados.

A PRIMEIRA MISSA

Pero Vaz de Caminha, escrivão mais notório da esquadra portuguesa, narrou em sua carta ao rei de Portugal alguns de seus pontos de vista, além de relatos sobre a primeira missa. Depois de quarenta e sete dias de viagem pelo mar, todos os preparativos para a missa encontravam-se terminados. À frente da missa estava o frei, oito missionários e franciscanos, além de alguns sacerdotes. Um altar foi erguido, e nele, o capitão Pedro Álvares Cabral portando “a bandeira de Cristo” convocou seus  marinheiros, oficiais e subalternos, que totalizavam mil homens, todos armados à maneira europeia. Da praia do continente,


cerca de duzentos índios acompanhavam atentamente a missa que se passava naquela ilha, a qual foi “ouvida por todos com muito prazer e devoção”.
Caminha também faz esta citação: “E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles (os índios) se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado: e então tornaram-se a assentar como nós… e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.”

A MISSA E A CATEQUIZAÇÃO

Ao terminar a missa, o sacerdote subiu em uma cadeira alta e fez uma “solene e proveitosa pregação”, onde foi narrada a vinda dos portugueses. Com a concretização da missa, acreditava-se que a ideia de uma futura catequização dos indígenas não seria algo difícil, pois estes, conforme relatos de Caminha, foram muito respeitosos durante a cerimônia, assim, apenas bastaria uma seleção de bons padres e a conversão dos índios ao catolicismo seria possível.

INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A TELA E A CAPTURA DO MOMENTO HISTÓRICO

- Quatro dias depois da chegada de Pedro Álvares Cabral no Brasil, exatamente num domingo de páscoa, foi celebrada a primeira missa no Brasil pelo

Frei Henrique Soares Coimbra em Porto Seguro na Bahia. A missa foi retratada pelo pintor Victor Meirelles (1832-1903), irmão do também pintor Aurélio de Figueiredo, autor da tela acima. O pensamento cristão dominante está representado pela cruz, em paralelo a aceitação e curiosidade indígena demonstrado na tela.

Sobre o autor: Victor Meirelles
- O autor da “Primeira Missa no Brasil” nasceu em Desterro, atual Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, em agosto de 1832, na casa atualmente transformada em museu e na rua que hoje leva o seu nome.
- A pintura foi produzida em Paris, durante a longa viagem de estudos do artista (1853–1861) como bolsista da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro. 
- Tentativa de retratar o país e sua cultura.
- Projeto civilizatório: Família Real no Brasil - 1808
- 1816 – Missão Artística Francesa no Brasil: objetivo: desenvolver a cultura artística no Brasil. Esse fato se consolidou mais tarde, em 1826, com a criação da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro.
- 1822 – Independência do Brasil: necessidade de construção de uma identidade nacional.
- Referência ao descobrimento do país
- Identidade brasileira associada ao catolicismo
INTERTEXTUALIDADE:  “Lê Caminha, pinta e então caminha”: CConselho dado por Manuel Araújo Porto-Alegre, diretor da academia de Belas Artes do Brasil produzida após a leitura da Carta do Achamento, de Pero Vaz de Caminha.
- Nativismo; uso de cores vivas.
- Presença do nativo brasileiro, indígena.
- Portugueses posicionados ao lado direito da tela, ao lado do mar. Ideia de invasão, mesmo com a ausência de atos violentos (trata-se de uma invasão cultural).
- Polarização na tela: desencontro, mundos antagônicos.
- Perfeição na representação do corpo humano.
- Predominância da cultura portuguesa: catolicismo.
- Cruz no centro: imposição religiosa, aculturação indígena.
- Índios: descontraídos, curiosos e irreverentes.
- Imposição X conversão

Victor Meirelles: o pintor e sua colaboração no projeto de construção nacional

O autor da “Primeira Missa no Brasil” nasceu em Desterro, atual Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, em agosto de 1832, na casa atualmente transformada em museu e na rua que hoje leva o seu nome. Seu interesse precoce pela aprendizagem do ofício de pintar, habilidade que começou a desenvolver quando ainda era menino e vivia em sua ilha natal, fez com que,  aos 14 anos  incompletos, fosse conduzido ao Rio de  Janeiro para integrar o grupo de estudantes da Imperial Academia de Belas Artes, onde iniciou uma trajetória de estudos que o levou ao Prêmio de Viagem à Europa, nos principais centros artísticos de então, na Itália e na França.

PROJETO CIVILIZATÓRIO DO BRASIL
A “Primeira Missa no Brasil”, antes de ser a produção isolada de um artista, é uma síntese visual do “Projeto Civilizatório” de cunho nacionalista do Segundo Império. Por isso, para compreender esta pintura é necessário ir àquele contexto.




A “Primeira Missa no Brasil” é o resultado de uma complexa rede de relações entre as ideias e utopias que se desenvolveram dentro do chamado “Projeto Civilizatório”, presente no imaginário da elite cultural e política do século XIX brasileiro. Este projeto se torna mais evidente, de forma direta ou indireta, com a transferência da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, e se consolida com as monarquias que se seguiram depois (1822–1889).
Com a vinda da Corte, o Rio de Janeiro se modernizava, perdendo aos poucos o aspecto colonial. Em torno dela se desenvolveu uma cultura laica, mundana, cortesã e aristocrática. A Corte divertia-se com touradas, cavalhadas, teatros, saraus e musicais. É neste cenário que emergiu a primeira academia de arte do País.
Devido a mudanças políticas entre Portugal e a França, como parte de uma estratégia de reaproximação dos dois países, que teria surgido a ideia de trazer para o Brasil uma Missão Artística Francesa, em 1816, com a finalidade de institucionalizar o ensino artístico no Brasil. Este fato se consolidou mais tarde, em 1826, com a criação da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro.
O País se firmava como nação independente. Pensava-se em criar uma identidade nacional, e a arte era considerada um lugar privilegiado para pensar a sociedade e para inventar uma nova identidade para a jovem nação, independente desde 1822.


O índio brasileiro e o movimento romântico: o nativo como símbolo nacional

É no movimento literário romântico que vamos encontrar a figura do índio tomando forma desde 1826, quando o francês Ferdinand Diniz, empregado consular, chama a atenção dos brasileiros para a necessária substituição das tendências clássicas em favor das características locais. Defendia-se a descrição da natureza e dos costumes, nos quais o índio devia ser valorizado como primeiro e mais autêntico habitante do Brasil.
Assim, a história da Imperial Academia de Belas Artes e a produção dos seus alunos não podem ser dissociadas das significações maiores do Império. Esta história ainda está por ser mais bem contada, principalmente no que diz respeito à existência de um projeto civilizatório associado à construção do Estado e da nação.

A “Primeira Missa no Brasil”

Imagem simbólica da cultura brasileira, a “Primeira Missa no Brasil”, assim como seus numerosos estudos preparatórios, hoje fazem parte das coleções do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro sob o tombo nº 901. Foi produzida durante o Império de D. Pedro II, na França, entre 1859 e 1860, chegando ao Brasil em 1861.
A “Primeira Missa no Brasil” tem importante papel na construção de uma representação sobre o “Descobrimento” e sobre a identidade brasileira vinculada ao catolicismo e ao sentido de conversão que a navegação portuguesa trouxe consigo, o que amplia a importância desta pintura na construção do nosso imaginário cultural.
Em 1845, D. Pedro passou a custear o Prêmio de Viagem, aberto anualmente, que financiava estudos de alunos da Academia de Belas Artes no Exterior. O Imperador recebeu o título de Fundador e Protetor Perpétuo da Academia Imperial; proteger a Academia e os artistas era também uma forma de garantir a produção da iconografia oficial. Da Academia e de seus artistas, além da pintura “Primeira Missa no Brasil”, saíram os inúmeros retratos, as cenas familiares e de poder da Família Real que até hoje ilustram nossa história. A pintura histórica era o gênero mais valorizado na Academia em meados do século XIX. Como bem explicita Jorge Coli (1998: 117)
Meirelles atingiu a convergência rara das formas, intenções e significados que fazem com que um quadro entre poderosamente dentro de uma cultura. Essa imagem do descobrimento dificilmente poderá
vir a ser apagada, ou substituída. Ela é a primeira missa no Brasil. São os poderes da arte fabricando a história.
Os professores da Academia de Belas Artes e o corpo governamental do país estavam esperando que surgissem talentos.

Meirelles: garoto prodígio

Antes de Victor Meirelles a Academia enviou outros artistas para a Europa, através do sistema de bolsas de estudos, mas eles produziram pouco e voltaram logo. O primeiro que realmente se vê nos documentos e que tinha noção do que estava acontecendo é o pintor catarinense. Ele foi para a Europa e atendeu às exigências da Imperial Academia no Brasil nas obrigações dele esperadas. Enquanto os outros artistas mandavam um desenho ou dois, Victor Meirelles mandava dez ou vinte. Então o Imperador e os intelectuais da Academia sentiram que encontraram o artista que procuravam. E é por isso que Victor Meirelles conseguiu a prorrogação da bolsa de estudos por oito anos. O período normal era apenas de três anos.
Uma vez feito o primeiro esboço da “Missa”, Victor Meirelles enviou-o para a Academia no Brasil. A elite cultural queria criar esse tipo de imagem para ficar na memória cultural do País. Por isso, uma vez aceito o esboço da “Primeira Missa no Brasil”, o pintor de Desterro ganhou o financiamento para mais dois anos de estada na França e para as despesas da execução da obra.
Victor Meirelles analisou vasta documentação sobre o índio e sobre o Brasil, e também A carta de Caminha. Estudou a carta com afinco para representar a missa descrita por Caminha.


Antes de ser produto da mente isolada de um artista, a “Primeira Missa no Brasil” é uma síntese visual do projeto civilizatório de cunho nacionalista do  Segundo Império brasileiro, e Victor Meirelles de Lima foi o homem que concretizou em forma de pintura as ideias deste projeto.
Além de estudar a carta de Caminha e de seguir uma minuciosa orientação de Manuel de Araújo Porto Alegre, há um outro fato importante a considerar na construção da obra em questão: Victor Meirelles buscou inspiração para a cena principal de sua obra em outra missa, a do pintor Francês Horace Vernet (1789–1863). A missa pintada por Vernet intitula-se “Première messe en Kabyli” (1853), lembrando que o procedimento por citação é absolutamente legítimo dentro do gênero Pintura Histórica. O desconhecimento das regras da pintura histórica pela crítica de arte nacional causou grande polêmica quando a pintura chegou ao Brasil, e Victor Meirelles inclusive foi acusado de plagiário.


Há ainda a hipótese de que o tema da missa era então recorrente. No Museu Granet, na Provença, França, encontramos outra missa intitulada “Une messe au Louvre pendant la Terreur”, datada de 1847, de autoria de Marius Granet (1775–1849) . O altar no centro, com um padre levantando a hóstia, e outro de joelhos segurando suas vestes lembram a cena principal da “Missa” de Victor Meirelles. Este procedimento também teria sido legítimo dentro do contexto cultural estético das academias de arte do século XIX.
Abandonado e discriminado pelos republicanos, Victor Meirelles morreu pobre em 1903, no Rio de Janeiro.


Uma parte do texto acima foi adaptado da página: http://www.dezenovevinte.net/obras/vm_missa.htm


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