ANÁLISE
DA OBRA
Iracema, de
José de Alencar, conta a trágica história da bela índia tabajara apaixonada
pelo guerreiro branco. Considerado por muitos 'um poema em prosa', tem o ritmo
e a força de imagens próprios da poesia.
Em Iracema, José de Alencar construiu uma alegoria perfeita
do processo de colonização do Brasil e de toda a América pelos invasores
portugueses e europeus em geral. O nome Iracema é um anagrama da palavra
"América". O nome de seu amado Martim remete a Marte, o deus romano
da Guerra e da Destruição. Já a partir do título, o autor demonstra um evidente
trabalho de construção de uma linguagem e de um estilo que possam representar
melhor "a singeleza primitiva da língua bárbara", com "termos e
frases que pareçam naturais na boca do selvagem". O livro foi publicado em
1865 e, em pouco tempo, agradou aos leitores e aos críticos literários, a começar
pelo jovem Machado de Assis, então com 27 anos, que escreveu sobre Iracema no Diário do Rio de
Janeiro em 1866:
"Tal é o livro do Sr. José de
Alencar, fruto do estudo e da meditação, escrito com sentimento e
consciência... Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao
tempo, e dão plena fiança do futuro... Espera-se dele outros poemas em prosa.
Poema lhe chamamos a este, sem curar de saber se é antes uma lenda, se um
romance: o futuro chamar-lhe-á obra-prima."
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A lenda e a história
Iracema, subintitulado Lenda do Ceará, conta a triste história de amor entre a índia
tabajara Iracema, a virgem dos lábios de mel, e Martim, o primeiro colonizador
português do Ceará. Além disso, como resume Machado de Assis, o assunto do
livro é também a história da fundação do Ceará e do ódio de duas nações
inimigas – tabajaras e pitiguaras. Os pitiguaras habitavam o litoral cearense e
eram amigos dos portugueses. Os tabajaras
viviam no interior e eram aliados dos franceses.
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A heroína idealizada
Filha de Araquém, pajé da tribo tabajara, Iracema
deve manter-se virgem porque "guarda o segredo da jurema e o mistério do
sonho. Sua mão fabrica para o Pajé a bebida de Tupã". Um dia, Iracema
encontra na floresta Martim, que se perdera de Poti, amigo e guerreiro
pitiguara com quem havia saído para caçar e agora andava errante pelo
território dos inimigos tabajaras. Iracema leva Martim para a cabana de
Araquém, que abriga o estrangeiro: para os indígenas, o hóspede é sagrado. O
momento em que Martim encontra Iracema revela a idealização romântica em seu
grau mais elevado:
"Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte,
nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos
mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O
favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque
como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem
corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da
grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde
pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do sol,
ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da
oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre
esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros
ameigavam o canto. Iracema saiu do banho: o aljôfar d'água ainda a roreja,
como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma
das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata,
pousado no galho próximo, o canto agreste. [...]
Diante dela e todo a contemplá-la,
está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da
floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o
azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o
corpo.
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O narrador, seguidas vezes, compara Iracema à natureza exuberante do Brasil. E a virgem leva sempre vantagem. Seus cabelos são mais negros e mais longos; seu sorriso, mais doce; seu hálito, mais perfumado; seus pés, mais rápidos.
A sedução
Enquanto
esperam a volta de Caubi, o irmão de Iracema que reconduziria o guerreiro
branco às terras pitiguaras, Iracema apaixona-se por Martim, mas não pode
entregar-se a ele, pois, como afirma o Pajé, "se a virgem abandonou ao
guerreiro branco a flor de seu corpo, ela morrerá...". Uma noite, Martim
pede a Iracema o vinho de Tupã, já que não consegue resistir aos encantos da
virgem. O vinho, que provoca alucinações, permitiria que ele, em sua
imaginação, possuísse a jovem índia como se fosse realidade. Iracema lhe dá a
bebida e, enquanto ele imagina estar sonhando, Iracema "torna-se sua
esposa". É muito importante notar o valor alegórico dessa passagem. Ao
"possuir" Iracema, Martim está inconsciente, completamente seduzido e
inebriado. Esse gesto provocará a destruição
da virgem, assim como a invasão do Brasil pelos portugueses provocará a
destruição da floresta virgem.
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O conflito
Martim
é ameaçado pelo chefe guerreiro Irapuã que, enciumado, quer invadir a cabana de
Araquém e matá-lo. Apesar da advertência de Araquém de que Tupã puniria quem
machucasse seu hóspede, os guerreiros de Irapuã cercam a cabana, que é
protegida por Caubi. Iracema encontra Poti, que está próximo à aldeia dos
tabajaras e deseja salvar o amigo. Planejam, então, a fuga de Martim. Durante a
preparação dos guerreiros tabajaras para a guerra com os pitiguaras, Iracema
serve-lhes o vinho da jurema e, enquanto os guerreiros deliram, ela leva Martim
e Poti para longe da aldeia. Quando já estão em terras pitiguaras, Iracema
revela a Martim que ela agora é sua esposa e deve acompanhá-lo. Mas os
tabajaras descobrem que Iracema traíra "o segredo da jurema" e
perseguem os fugitivos. Os pitiguaras, avisados da invasão dos tabajaras,
juntam-se aos fugitivos e é travado um sangrento combate. Iracema luta ao lado
de Martim contra a sua tribo. Os pitiguaras ganham a luta e Iracema se
entristece pela morte dos seus irmãos tabajaras.
O exílio
O exílio
Iracema
acompanha Martim e Poti e passa a morar com eles no litoral. Durante algum
tempo, todos são muito felizes e a alegria completa-se com a gravidez de
Iracema. Porém, Martim acaba por "saturar-se de felicidade" e seu
interesse pela esposa e pela vida ao seu lado começa a esfriar. Iracema
ressente-se da frieza do marido e sofre. Martim ausenta-se com frequência em
caçadas e batalhas contra os inimigos dos pitiguaras. Enquanto guerreia, nasce
seu filho, que a índia
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Solitária e saudosa,
Iracema tem dificuldade para amamentar o filho e quase não come. Desfalece de
tristeza. Martim fica longe dela durante oito luas (oito meses) e, quando
volta, encontra Iracema à beira da morte. Ela entrega o filho a Martim,
deita-se na rede e morre, consumida pela dor. Poti e Martim enterram-na ao pé
do coqueiro, à beira do rio. Segundo Poti: "Quando o vento do mar soprar
nas folhas, Iracema pensará que é tua voz que fala entre seus cabelos". O
lugar onde viveram e o rio em que nasceu o coqueiro viriam a ser chamados, um
dia, pelo nome de Ceará.
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O guerreiro branco
volta alguns anos depois, acompanhado de outros brancos, inclusive um sacerdote
"para plantar a cruz na terra selvagem". Começa a colonização e a
narrativa termina: "Tudo passa sobre a terra".
O narrador
O romance é narrado
na terceira pessoa, mas o narrador está longe de se manter neutro e ser um mero
observador. Multiplicam-se os adjetivos reveladores de admiração,
principalmente em referência à natureza brasileira (Iracema). Em alguns
momentos, o narrador arrebatado chega a revelar-se na primeira pessoa: "O
sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu".
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O indianismo O índio começou a ser adotado como tema literário no Brasil pelos árcades, principalmente Basílio da Gama – que via o índio como "homem natural" – e Santa Rita Durão – para quem o índio era apenas o "comedor de carne humana, que só o Cristianismo salvaria".
A busca de uma
"poesia americana"
Já no Romantismo, o
culto do passado e o nacionalismo literário permitiram aos escritores
cultivarem a chamada "poesia americana". Esta valia-se da natureza,
da História, de cenas e de costumes nacionais, fórmula a que o indianismo se
encaixava perfeitamente.
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