24 de abr. de 2016

FICHA DE AUTOAVALIAÇÃO DA REDAÇÃO


1- Na introdução, você expõe o assunto da proposta e apresenta uma ideia (ou mais - duas é um bom número) relacionada a ele e que será discutida ao longo do texto?
2- No desenvolvimento do texto, você seleciona (no mínimo) dois bons argumentos e os explica de modo claro e convincente, sendo que para cada argumento você separa um parágrafo, para tornar o pensamento organizado?
3- Você apresenta conceitos, referências históricas, filosóficas, literárias ou dados estatísticos para ajudar a dar força aos seus argumentos?
4- Ao final da escrita do desenvolvimento você consegue apresentar uma ideia clara e coerente, que não apresente dificuldades para seu leitor-universal?
5- As partes do texto estão bem articuladas, bem interligadas?
6- A proposta de intervenção demonstra que para resolver/minimizar o problema são necessárias ações governamentais, de grupos da sociedade (família, ong’s, igrejas...) e individuais?
7- As ações propostas são objetivas e aplicáveis?
8- Como é o vocabulário da sua produção?
(    ) Há muitas repetições de termos ao longo do texto. Há também erros no emprego de algumas palavras.
(    ) Não há muitas repetições, mas o repertório linguístico é pouco amplo para um aluno nesta etapa de formação.
(     ) O vocabulário é simples, porém adequado para a discussão feita.
(     ) O vocabulário é rico e sofisticado, sem ser pedante e artificial.
9- A estética do texto está adequada quanto à:
(   ) paragrafação  (   ) ausência de rasuras  (   ) legibilidade e tamanho da letra.

10- Você ofereceu seu texto para que outra pessoa o leia, a fim de atestar a clareza da produção como um todo?

Atividade de recuperação 1º Trimestre 3º Ano

1- Defina Pré-Modernismo e suas principais características.
2- Registre quem são os principais autores e sua respectivas obras, demonstrando como cada um deles contribui para retratar o Brasil da virada do século.
3- Explique por que o Pré-Modernismo não é considerado uma estética literária.
4- Descreva as características essenciais da poesia de Augusto dos Anjos e explique por que sua obra é inovadora, singular dentro da tradição literária do país.

5- Analise o poema a seguir ressaltando as características da produção literária de Augusto dos Anjos.
Budismo Moderno


Tome, Dr., esta tesoura e… corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contrato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!




Bom trabalho!

18 de abr. de 2016

A poética de Carlos Drummond de Andrade


Carlos Drummond de Andrade, mineiro de Itabira radicado no Rio de Janeiro, é um autor de dimensão universal. Sua obra é das mais significativas, não apenas para a literatura brasileira, mas para toda a literatura de Língua Portuguesa.

As características de sua poesia podem ser analisadas como um processo. Inicialmente, é notável a influência da geração heroica do Modernismo, especialmente Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manual Bandeira. Em 1930, Drummond publica o livro Alguma poesia. Neste volume, ficam claras a ironia, a coloquialidade, o prosaico e uma leitura não convencional do cotidiano. A visão de mundo do poeta aparece como um modo de propor uma reflexão subjetiva sobre temas amplos como ser brasileiro, o amor, a literatura, a política, a religião e impressões poéticas de viagens e cidades. Muitos poemas desta obra surgem de acontecimentos do cotidiano, aparentemente banais, mas que servem como reflexões poéticas e líricas sobre a vida. É também clara a filiação ao Modernismo, evidente com o uso do verso livre, uma sequência natural das rupturas estéticas e temáticas proporcionadas pelo movimento de 1922.



Nos livros seguintes, Brejo das Almas, Sentimento do Mundo, José e A rosa do povo, o poeta busca um aprofundamento desta subjetividade. A ironia e o humor vão se diluindo em uma visão de relativa amargura que culmina em um clima de denúncia social, próprio do intervalo entre 1930 e 1945. No Brasil, estava em curso a Era Vargas e a ditadura do Estado Novo. Na Europa, acontecia a ascensão de Hitler e do nazi-fascismo, a revolução comunista e a escalada de violência e dos conflitos políticos que culminaram na Segunda Guerra Mundial.



Este espírito da época reflete-se na poesia de Drummond. Nota-se a presença da angústia sobre o destino da humanidade, a incerteza sobre a efemeridade da vida, a dúvida sobre o caráter benevolente do ser humano e uma relativa obscuridade. Por meio de um tom social, o poeta expõe os absurdos do "mundo, vasto mundo", onde as rimas não são propriamente soluções, mas expressões, ora irônicas, ora angustiadas, do espírito de seu tempo.



A poesia de Drummond assume, após este período, um viés metafísico e existencialista. O questionamento passa a ser a própria condição humana e o poeta resgata as marcas irônicas e as preocupações formais que marcaram sua obra. Ao final de sua vida, na passagem dos anos 1970-1980, produziu uma obra mais sentimental, menos preocupada com as inovações formais ou as angústias metafísicas do início. 

ANÁLISE "POEMA DE SETE FACES"

Poema de sete faces


Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


Esse poema, que abre o primeiro livro de Drummond, pode ser lido como uma apresentação que o autor faz de sua poesia. Em sete estrofes (as sete faces) são apresentados sete aspectos da personalidade do eu-lírico.

O poema apresenta, em tom de ironia amargurada, uma profissão de fé do poeta, que expõe sua posição em relação ao mundo. 

Logo na primeira estrofe, a face revelada é a de um gauche, palavra francesa que indica um indivíduo com dificuldades de adaptação, de caminho tortuoso e opções equivocadas, marginal inadaptado desde o início da vida. Isso pode ser comparado com a visão de mundo angustiada e irônica, mas sempre sensível, que marcou a obra poética de Drummond. 
Na segunda estrofe, há a insinuação do erotismo como uma busca desenfreada, um fim em si mesmo, que acaba se tornando um elemento de tristeza, que impede a tarde de se tornar azul, brilhante, por conta da vinculação aos desejos incontidos.


Na terceira "face" do poema, o eu-lírico remete à vida frenética e sem descanso das grandes cidades, com seus bondes cheios de pernas, idas e vindas sem sentido aparente - note que são "pernas" e não "rostos", o que remete à coletivização e à desumanização das pessoas em sua busca pela sobrevivência. O coração do poeta questiona o motivo de tanta correria desenfreada, mas seus olhos, analíticos e frios, resignam-se em apenas observar, como quem se resigna diante de um fato sobre o qual não se tem influência. 

Na quarta estrofe, os "olhos" do eu-lírico observam um homem que se apresenta com uma aura aparente de seriedade, simplicidade e força. No entanto, podemos interpretar o bigode como uma máscara social que torna o homem comum um ser com dificuldades de convivência, e o faz fechado em si mesmo. Mesmo quando o homem tem um rosto e não apenas uma perna, sua identidade também se dilui na busca pelas aparências, mais importante do que a essência de seu espírito.


Na quinta estrofe, observamos um retorno ao problema do modo tortuoso que o eu-lírico vive a vida. Este trecho indica uma dificuldade de adaptação e faz referência à passagem bíblica em que Cristo pergunta a Deus por que o havia abandonado. A inadaptação, aliada às contradições do gauche, deixam evidente a angústia desta condição, que leva o eu-lírico a se identificar com o sofrimento angustiado da expiação de Cristo. 

A sexta "face" pode ser interpretada como uma crítica ao modo parnasiano de fazer poético - a busca pela rima perfeita que não produz soluções à angústia do ser nem ao problema da tortuosidade e da inadaptação, mas apenas resolve o problema do poema, da arte distanciada da realidade. 
Finalmente, a sétima estrofe revela o motivo de tanta digressão, por parte do eu-lírico: a distorção se apresenta em tom de confidência, como se a visão angustiada e também irônica presente no poema fosse fruto de uma comoção causada pelo excesso de bebida e de luar.  

14 de abr. de 2016

Felicidade Clandestina, Clarice Lispector - QUESTÕES


Análise e interpretação do conto
1) Defina o tempo e o espaço da narrativa.
2) Defina também as personagens conforme sejam planas ou esféricas, explicando o porquê da definição dada.
3) Diferencie as duas personagens principais do conto quanto à posição social, características físicas e psicológicas.
4) Qual é a explicação da narradora para o ódio e o desejo de vingança da filha do livreiro?
5) Em que situação reside o clímax do conto?
6) Qual é o foco narrativo do conto? Em que isso influencia na veracidade dos fatos?
7) Em sua opinião, que mudanças o conto apresentaria caso a narradora fosse a filha do dono da livraria?
8) O livro, no enredo, adquire uma conotação metafórica. Explique a afirmação.
9) Em que consiste a epifania na história lida?
10)Nos últimos parágrafos, a narradora tem atitudes que surpreendem o leitor. Por que ela agiu assim?
11)Que relação há entre as atitudes surpreendentes da narradora e o título “Felicidade clandestina”, dado ao conto?

Análise conto Felicidade Clandestina, Clarice Lispector













“Felicidade Clandestina"
Análise literária


Sobre Clarice Lispector
Clarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920 em Tchetchelnik, Ucrânia. Quando tinha cerca de dois meses de idade, seus pais migraram para o Brasil, terra que considerava como sua verdadeira pátria. Em 1924, a família mudou-se para o Recife, onde iniciou seus estudos. Por volta dos oito anos, Clarice perdeu sua mãe. Três anos depois, a família muda-se para o Rio de Janeiro.
Ingressa em 1939 na Faculdade de Direito e, no ano seguinte, publica seu primeiro conto, Triunfo, em uma revista. Forma-se em 1943 e se casa no mesmo ano com o diplomata Maury Gurgel Valente, com quem teve dois filhos. Durante seus anos de casada, mora em diversos países pela Europa e nos Estados Unidos.
Em 1944, publica seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, vindo a ganhar o Prêmio Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras, no ano seguinte. Separa-se de seu marido em 1959 e volta para o Rio de Janeiro com seus dois filhos. No ano seguinte, publica seu primeiro livro de contos, Laços de família.
Em 1967, um cigarro provoca um grande incêndio em sua casa e Clarice fica gravemente ferida, correndo risco inclusive de ter sua mão direita amputada. Porém, após se recuperar, continua com sua carreira literária publicando diversos livros.
Publica em 1977 seu último livro A hora da estrela, vindo a ser internada pouco tempo depois com câncer. A escritora vem a falecer no dia 9 de dezembro do mesmo ano, véspera de seu aniversário de 57 anos.
Suas principais obras são: "Perto do coração selvagem" (1944), "Laços de família" (1960), "A maçã no escuro" (1961), "A legião estrangeira" (1964), "A paixão segundo G.H." (1964), "Felicidade clandestina" (1971), "Água viva" (1973) e "A hora da estrela" (1977).

Felicidade clandestina:
Considerações sobre o conto e a escrita clariceana
O conceito de crueldade, quando aplicado a uma criança, sempre choca e provoca mal estar. É como se julgássemos impossível que alguém muito jovem estivesse corrompido e apresentasse comportamento iníquo.Crianças trazem sempre aos nossos olhos a imagem da inocência, da credulidade, e imaginá-las sendo maldosas fere profundamente nossa crença no ser humano, no mundo e na racionalidade.
Com parte dos contos rememorando sua meninice em Recife, a leitura de Felicidade Clandestina, no livro homônimo de Clarice Lispector, nos fere um pouco, ao mesmo tempo em que nos obriga a rever conceitos eexpectativas sobre a infância. Clarice mostra-se hábil artesã, tece um enredo que delicia ao mesmo tempo em que machuca: a história da menina pobre, que não pode comprar livros, e sua completa submissão à impiedade da outra criança, que se compraz com seu desejo expresso de ler um determinado livro, comove e revolta.
paixão revelada, e por isso mesmo escravizadora e humilhante, já foi vivida por todos em algum momento da vida. O sentimento de estar disponível para outrem, sujeitado ao seu poder, e, principalmente, o fato de ser exatamente uma criança exercendo tal poder sobre outra, com certeza nos remete à infância, a alguns momentos da vida em que cada um de nós sentiu e sofreu a situação de um lado, ou, o que até mesmo pode ser pior, de outro.

Oestudo e análise do ser humano: conhecer-se para ser
Através de um mergulho no universo interior das personagens, Clarice traz à tona temas existencialistas e as contradições, dúvidas, inquietudes do ser humano. É importante ressaltar que a autora conduz o sujeito (as personagens) para um inevitável isolamento. Assim, em toda a obra de Clarice Lispector teremos personagens desconfiadas, inadaptadas ao meio em que vivem, com temores e inquietações.Como a preocupação de Clarice é com a personagem em si e sua viagem ao interior do ser humano, o cenário físico ao redor é muitas vezes deixado de lado. A não ser que o cenário interfira diretamente ou ativamente na história. Por isso, dificilmente encontramos passagem descritiva nos contos de Clarice. Além disso, a escritora utiliza uma linguagem subjetiva, abusando de adjetivos, metáforas e comparações. Do ponto de vista formal, a narrativa utiliza o estilo circular, que consiste na repetição sistemática de palavras, expressões ou frases, para conseguir um efeito enfático. 
Clarice Lispector emprega o processo narrativo do fluxo da consciência, que é o rompimento dos limites de espaço e de tempo. O pensamento fica solto. Pequenos fatos exteriores provocam uma longa viagem abstrata das ideias, sem se basear numa estrutura sequencial da narração.
Ela faz os personagens viverem o processo chamado de “epifania”, ou seja, revelação. Em outras palavras, de repente, diante de ocorrências mínimas, o personagem se descobre e vê revelada uma realidade mais profunda. Muitas vezes, ele mesmo não consegue perceber com clareza que realidade é essa, porém sua vida ou sua visão mudam.A menina que se torna “amante” do livro é um exemplo dessa situação epifânica.A condição de mulher faz Clarice muito sensível aos problemas das pessoas carentes. A marca registrada de seus personagens é serem tipos desprezados aos olhos da sociedade (meninas, velhas, adolescentes), mas ricos em sua interioridade.
Ainda integra a característica de mulher-autora a visão do nascimento da mulher na menina. São numerosas as personagens-meninas que, de uma forma ou de outra, se tornam adultas a partir de experiências aparentemente corriqueiras.
Toda essa exaustiva pesquisa do interior do ser humano – a subjetividade procurando se orientar envolvida pela objetividade – pode passar despercebida ao leitor desatento. Isso porque os textos são muito pobres de fatos, aliás, propositalmente pobres. Cenas comuns, desenhadas sem rebuscamentos, mas com bastante precisão de detalhes, podem esconder a profundidade do conteúdo analítico. As palavras não são raras, os aspectos descritos e narrados parecem irrelevantes, a sintaxe não se complica. O campo da linguagem fica livre para o leitor acompanhar os pensamentos que movem as intenções dos personagens à procura de se ajustarem com eles mesmos.

Análise do conto
O conto Felicidade Clandestina da autora Clarice Lispector narra a história de uma menina que tem como objeto de sua felicidade a posse de um livro. Como não possui recursos financeiros para tal aquisição, a menina vive a intensa espera do livro, prometido por outra, que aproveita da situação para subjugar a menina. Até o dia em que a espera chega ao fim, graças à descoberta da mãe da possuidora do livro que entrega sem prazo de volta o objeto tão ansiado. A menina, que esperançosamenteaguardava, descobre então a felicidade ao possuir o livro em mãos, saboreando lentamente o prazer de tê-lo.
As personagens do livro não são nomeadas, o que permite o processo da catarse e a identificação do leitor que se envolve com o enredo do conto. Para facilitar a identificação das personagens, neste estudo será usado como referência personagem 1 para a filha do dono da livraria, possuidora do livro; e personagem 2, para a narradora- personagem, que está à espera do livro.
A temática principal do conto está expressa no título: Felicidade Clandestina. A felicidade para a personagem 2 está contida no simples prazer de possuir o livro. Apesar de ser uma felicidade passageira ou ilegal, a busca por essa felicidade caracteriza o motivo da narração. Segundo as palavras dessa personagem: “A felicidade sempre iria ser clandestina para mim” (Lispector, 1971). Ela descreve a felicidade como clandestina devido à emoção que sente ao receber um objeto que, de fato, nunca seria seu, mas que lhe “embriagava” a alma.
O conto, segundo alguns estudiosos, é um texto autobiográfico de Clarice Lispector. A autora transpõe para a personagem 2 a paixão pela leitura e, por outro lado, mostra a desvalorização, praticada pela personagem 1 que, mesmo tendo fácil acesso à literatura, não desfruta desse sentimento. Percebe-se claramente essa situação no seguinte trecho: “Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Pouco aproveitava” (Lispector, 1971). Observa-se também uma alusão a Monteiro Lobato, que escreveu e estimulou a literatura infantil. O livro citado no conto e tão cobiçado pela personagem 2 é um livro de sua autoria: As Reinações de Narizinho.

A estrutura do conto
Felicidade Clandestina caracteriza-se por tratar de uma narrativa ficcional curta, com espaço, tempo e personagens reduzidos.
Clarice é uma autora que muito ousou em relação à narração. Sua narrativa normalmente não possui início, meio e fim sendo centrada na imaginação da personagem aliada ao fluxo de consciência e/ou epifania. Observamos o fluxo de consciência na personagem 2 com a utilização do discurso indireto livre logo no início do conto, exemplificado no seguinte trecho: “Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era puravingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar”  (Lispector, 1971). Notamos que o pensamento da menina é descrito sem que haja uma referência clara no texto, podendo passar despercebida na ausência de uma leitura mais atenta.
A complicação da narrativa se dá no momento em que a personagem 1 decide emprestar o livro à personagem 2. Exercendo a partir daí uma “tortura chinesa” (Lispector, 1971) sobre a menina. O clímax da narrativa, momento de maior tensão no conto, ocorre quando a mãe da personagem 1 aparece na história, causando a mudança de rumo da narrativa, ela interfere na história proporcionando a felicidade da personagem 2 e interrompendo a vingança da personagem 1.
O desenlace narrativo é representado pelo alcance da felicidade da personagem 2, quando ela consegue, finalmente, receber o livro e por tempo indeterminado que é, para ela, “tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer” (Lispector, 1971). A passagem expressa o amor e a importância da atividade literária na vida de uma menina. Era esta a porta de entrada para um mundo de fantasias e maravilhas que não eram conhecidas no seu dia a dia. O conto termina com uma frase que representa uma alegoria da felicidade clandestina para a menina: “Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante” (Lispector, 1971). Essa frase sintetiza o paradoxo do desejo pela busca do prazer e o medo do oculto que envolve uma paixão.

1- O tempo e o espaço na narrativa
O tempo e o espaço na narrativa são influenciados pelo fluxo de consciência da personagem, característica comum à autora. O tempo obedece às lembranças sucessivas da narradora, em alguns momentos ela antecipa fatos que revelam o que se desenvolverá ao longo da narrativa. Observa-se a presença de termos que indicam as marcas temporais, por exemplo: no dia seguinte, diariamente, até que um dia. No entanto, a narradora não consegue mensurar durante quanto tempo a personagem 1 consegue exercer sua vingança. A impressão deixada é que se transcorre um longo período, pois para a narradora cada segundo longe do objeto desejado seria uma eternidade. Em dado momento ela cita: “dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira” (Lispector, 1971) relatando hiperbolicamente sua espera. Porém, o fato dessas marcas temporais se referirem a dias, revela-nos que essa espera foi relativamente curta, de no máximo, algumas semanas. A sensaçãoimensurável de tempo aparece também quando a menina recebe o livro, ela não percebe o tempo passar entre a casa da menina e a sua, pois agora pode ficar o tempo que desejar com o livro. No final do conto a menina se transfigura em uma mulher, remetendo a passagem de tempo com o amadurecimento da personagem. Esta passagem de tempo configura-se por perduração, que é a passagem de tempo psicológica, não pode ser demarcada no texto, pois é algo subjetivo.
O espaço físico é a cidade de Recife, o que é detectado logo no início da narrativa, lugar onde a autora Clarice Lispector foi criada na infância: “Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas” (Lispector, 1971). O ambiente, que alude ao espaço carregado de significados ou espaço social, é percebido no discurso da narradora ao mencionar que a personagem 1 morava numa casa e não em um sobrado, que era um tipo de residência popular bastante comum no início da urbanização, ela também não autoriza a entrada da personagem 2 em sua casa, por esta ser pobre. A narradora cita que vai literalmente correndo à casa da outra personagem, o que mostra-nos a proximidade entre as residências das personagens: “No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar” (Lispector, 1971).

2- As personagens na ficção
As personagens do século XX avançam bastante em relação aos modelos propostos por Aristóteles e Horácio. As personagens seguiam paradigmas pré-estabelecidos limitando-se a reprodução do ser humano, traziam consigo situações características arrematadas no final por um preceito de cunho moral. Com o decorrer do tempo as personagens ganham foco nas narrativas. Apresenta-se ao leitor o universo psicológico, social, político, de diferentes tipos de personagens dentro do verossímil, mas exibindo toda a complexidade do ser humano. As narrativas de Clarice Lispector seguem a linha de autores como Virgínia Woolf, Franz Kafka e James Joyce, que muito inovaram em suas obras, adentrando no universo psicológico das personagens. As características físicas são um elo para alcançar as características psicológicas das personagens.
O conto Felicidade Clandestina é iniciado com a descrição física da personagem 1 e apresentação de sua personalidade. Percebe-se o contraste físico e social entre as personagens, sendo a primeira marcada por ser “gorda, baixa e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados” (Lispector, 1971) e de condições financeiras mais elevadas. A personagem 2 é inserida inicialmente dentro de um grupo de garotas, pois refere-se a “nós” na apresentação da narrativa. O que indica que havia um vínculo de amizade entre essas personagens que, provavelmente, se conheciam da escola ou moravam no mesmo bairro. Essas são descritas como: “imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres” (Lispector, 1971), motivo do ódio e das maldades da personagem 1.
No conto são apresentadas três personagens. As personagens principais participam ativamente do enredo da narrativa, presentes no desenvolvimento da trama. Há ainda uma personagem secundária, sem tanta participação, mas que exerce um papel decisivo. A personagem protagonista é a menina que narra o conto e está à espera do livro. É uma espécie de heroína do enredo, está em primeiro plano e é através dela que conhecemos os elementos da narrativa. A menina que concebe a vingança e a “tortura” psicológica na protagonista é a antagonista. Ela representa uma vilã do conto, criando obstáculos para a realização da felicidade da protagonista. Estas representam as personagens principais do conto. A personagem secundária aparece uma só vez, mas desempenha um papel significativo; é a personagem auxiliar ou árbitro. Ela é a mãe da antagonista e aparece no conto para resolução da narrativa.
Quanto às ações que praticam na narrativa, as personagens principais podem ser divididas em planas e esféricas, ou redondas, segundo a definição de Forster. A antagonista é definida sob o critério de personagem plana, desde o início da narrativa é descrito seu caráter de vilã, que não evolui ao longo do conto. Enquanto a protagonista é uma personagem esférica. Ela aparece timidamente no início do conto como uma personagem passiva que sofrerá gradativamente os efeitos da vingança, aceitando a humilhação pela qual é submetida na esperança de receber o livro. A personagem reacenderá na narrativa ao ter a posse do livro. O sentimento de felicidade expande a personagem evoluindo na narrativa e adquirindo outra conotação, ela agora é mais que uma menina com um livro, ela é uma mulher com seu amante.
3- O foco narrativo
O narrador cumpre importante função na narrativa. Pode aparecer em 1° pessoa e participar como observador ou personagem. É uma criação do autor e depende do foco que o autor decide empregar a sua narrativa. Por isso pode aparecer tipos diversos de narrador.
No conto é apresentada a narrativa em primeira pessoa pelo ponto de vista da protagonista. A menina que aguarda o livro nos conta a história oferecendo primeiro a descrição da personagem 1, para permitir ao leitor formar uma opinião da personagem. Essa descrição física e psicológica da antagonista pode influenciar o leitor na sua interpretação, pois o ponto de vista oferecido é de apenas uma personagem e esta enfatiza as características físicas e morais que atribuem uma carga negativa à antagonista.
A protagonista dialoga com o leitor através da utilização de interrogações e respostas para situar o leitor no enredo do conto, por exemplo:“Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer. Como contar o que se seguiu?”(Lispector, 1971).
De certa forma, a protagonista incita o leitor a participar do conto e seguir o rumo da narrativa.O foco da narrativa encontra-se na felicidade da protagonista. Toda a trama se desenvolve em torno da busca dessa felicidade, apesar dos obstáculos que a personagem encontra no caminho. O encontro com a felicidade para a menina se torna algo clandestino porque o sentimento de felicidade não lhe é próprio, a instabilidade da posse do objeto lhe enche de felicidade, mas pode desaparecer a qualquer momento. A protagonista desfruta delicadamente de cada momento com o livro, pois como ela descreve: “era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo- o, dormindo-o” (Lispector, 1971).

4- A felicidade clandestina
O conto de Clarice Lispector nos traz a perspectiva da felicidade vivida por uma menina: a clandestinidade. Essa característica de ilegalidade representa uma oposição ao que é o sentimento de felicidade, mas no conto alia-se a todas as dualidades pela qual vive a protagonista.
Em Felicidade Clandestina observa-se a reificação do livro para uma menina: o livro era mais que um simples objeto, era a realização de sua felicidade. Antes mesmo de receber em mãos o livro, a possibilidade de tê-lo proporcionava verdadeiros momentos de êxtase à protagonista. Sua esperança era tão intensa que mesmo diante da recusa da personagem 1, ela permanecia impávida. Mas a dificuldade em recebê-lo começa aos poucos a desanimar e entristecer a personagem 2. Seu cansaço é percebido nas olheiras que se formam, provavelmente devido às noites sem dormir na ânsia de receber o livro. Quando finalmente a protagonista consegue ter em mãos aquele que seria o motivo de sua felicidade, e por tempo indeterminado, conseguimos perceber como se expressa essa felicidade clandestina.
A felicidade não era um sentimento presente facilmente na vida da protagonista, que era uma menina pobre e convivia com as dificuldades de uma vida simples. O fato de não poder comprar o livro demonstra essa situação, por isso a protagonista aceita a humilhação em busca do objeto desejado.
Ser feliz para a protagonista era algo ilegal e oculto. O sentimento de felicidade se misturava ao perigo, à ambição, ao desejo pelo proibido e até à humilhação pela qual se submetia. Após receber o livro, ela cria diversas dificuldades para “surpreender-se” com o sentimento de felicidade. Em certo momento narra: “Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim.” (Lispector, 1971). Esse orgulho era a realização do sentimento, motivado pelo objeto possuído e o pudor estava presente porque a menina sentia “vergonha” de estar feliz com algo que não era seu, essa felicidade podia acabar a qualquer instante.
O conto termina com uma frase que conota o valor clandestino da felicidade para a protagonista: “era uma mulher com seu amante”, demonstra também a permanência da clandestinidade em sua vida, que como ela já havia presumido, a felicidade sempre estaria presente de modo ilegal em sua vida, em pequenas “doses” de perigo. É a metáfora do perigo causado pela imensidão de desejo. O sentimento é vivido ocultamente, às escondidas, mas causa um êxtase de prazer. Torna-se um ciclo vicioso para a personagem, por mais que ela tente escapar, está cada vez mais envolvida nessa trama.
É assim que Clarice nos apresenta a felicidade. A trama do conto nos deixa fascinados, inclusive por expressar a paixão pela atividade literária na vida de uma criança. Essa felicidade clandestina aparece para nósleitores de Clarice. A autora consegue nos fazer experimentar a felicidade de ler e se envolver com o enredo de suas histórias, o que nos deixa “em êxtase puríssimo” (Lispector, 1971) e a clandestinidade por saber que aquilo não é real, é apenas fruto de uma autora espetacular que consegue penetrar profundamente nas estranhezas do ser humano.

Clarice tem a capacidade de nos deixar assim: como uma mulher com seu amante ou uma criança descobrindo o mundo. Na verdade, somos todos personagens seus em busca de nossa felicidade clandestina.
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