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27 de mar. de 2016

Análise literária do conto "Negrinha", Monteiro Lobato

Sobre o autor:
José Bento de MONTEIRO LOBATO – Romancista, contista e jornalista brasileiro, nasceu em 18 de abril de 1882, em Taubaté, São Paulo, e faleceu em 4 de julho de 1948, no mesmo Estado.
Bacharel em Direito, exerceu o cargo de Promotor Público, em São Paulo.
Monteiro Lobato é um dos escritores brasileiros mais lidos e populares. Suas obras têm sido traduzidas para quase todas as línguas e continua inspirando sentimentos nacionalistas e, principalmente, a defesa do petróleo e minérios radioativos.Foi o criador da literatura infantil no país e a sua produção, nesse gênero, é vultosa e importante. Tornou-se autor de uma extensa produção na área da literatura infantil, que inclui clássicos do gênero, como O Marquês de Rabicó (1922), Reinações de Narizinho (1931), Memórias de Emília (1936), Histórias de Tia Nastácia (1937) e O Sítio do Pica-pau Amarelo (1939). Sua obra voltada para os adultos inclui diversas histórias escritas em estilo leve e gracioso e são povoadas por tipos humanos interessantes.
Sua característica principal são o regionalismo e o conteúdo crítico. Aliando a crítica de costumes à criação de personagens como o caboclo Jeca-tatu, o escritor descreve a decadência econômica e social do vale do Paraíba paulista do início do século. O Sítio do Pica-pau Amarelo foi transformado na década de 1970 em uma série infantil de TV, de muito sucesso até hoje.

Contexto histórico e literário: Pré-Modernismo
O início do século XX representou para a nação brasileira uma fase de enormes transformações, inclusive no terreno artístico. O período conhecido como Belle époque influenciou a recém-instaurada República a implantar no cenário já controverso (pós-escravidão e seus contrastes) um processo de “europeização”, na tentativa de embelezar o país, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro. Tal processo trouxe a retirada das classes mais pobres para regiões periféricas das cidades, o que causou, obviamente, muita revolta popular.
Além das mudanças sociais, a visão Realista-Naturalista permanece, mas a linguagem afrouxa os laços parnasianos, aderindo a um falar mais coloquial, próximo à fala cotidiana. As vanguardas europeias começavam a ganhar público entre os artistas brasileiros. Essa miscelânea de fatores acontecendo em um breve espaço de tempo é que conhecemos como Pré-Modernismo, fase intermediária até a implantação das ideias modernistas com a Semana de Arte Moderna de 1922.
            Os escritores desse período procuravam apresentar o Brasil e seus contrastes, especialmente os regionais. No caso do autor de “Negrinha”, Monteiro Lobato, retratou os costumes interioranos do caboclo do Vale do Paraíba, sua miséria, hábitos e “causos”.
Uma breve polêmica quando da exposição de Anitta Malfatti, em 1917, deixou transparecer os ideais tradicionalistas de um Lobato que não aceitava a arte brasileira como imitadora de modelos estrangeiros. O autor cria que o Brasil basta a si mesmo, com seu povo, sua gente, seus costumes.

Análise do conto NEGRINHA: metonímia da vida escrava

Publicado em 1920, o conto demonstra como a escravidão, extinta na lei em 1888, ainda imprimia hábitos e preconceitos na sociedade do período. O início do século apresentava-se como uma etapa de grandes inovações e modernização no território brasileiro, no entanto, o preconceito racial permanecia.
Tipo de narrador: 3ª pessoa, onisciente. Uso dos discursos direto, indireto e indireto livre. A voz do narrador prevalece na obra. Apesar da 3ª pessoa, esse narrador mostra-se compadecido para com os sofrimentos da pobre menininha protagonista da narrativa.
Tendo a escravidão como tema, o conto nos apresenta uma mulatinha escura, de sete anos, órfã desde os quatro. Nascera na senzala e vivia pelos cantos da cozinha. Residia sob os “cuidados” de D. Inácia, uma senhora rica e gorda, que não possuía apego por crianças nem tinha filhos. Na verdade, a pobre menina vivia pela casa como um animal sem dono e incômodo.
Usando o tempo cronológico na maior parte das vezes, o narrador, de modo irônico e objetivo, demonstra como, em um espaço universal (não é citado o nome do local onde se passam os fatos) muitas “negrinhas”, órfãos da escravidão, permanecem sofrendo os vestígios do passado escravagista.
Negrinha é maltratada por D. Inácia. A ex-senhora de escravos, no entanto, posa de mulher caridosa, recebendo do padre da região os elogios pelas ações de amor para com o próximo.

Negrinha X D. Inácia:
Negrinha:não possuía nome, era amedrontada, subserviente, pobre, marginalizada, condicionada ao sofrimento herdado dos antepassados escravizados. Negrinha é uma metonímia daqueles que, no processo pós-escravidão, ainda sentem os resultados da condição do negro, ser desprezado e judiado. A menininha era tratada como bicho, recebia apelidos depreciativos e servia como forma de sua patroa descarregar suas tensões por meio dos diversos castigos aplicados à pequena.
D. Inácia: representa os que detêm o poder, é rica, preconceituosa, impaciente, agressiva. Diante das instituições religiosas apresenta-se como mulher virtuosa, que se compadece dos pobres e injustiçados; na vida íntima é cruel, má. Nunca pudera ter filhos; parece com tal informação do narrador que D. Inácia encarna o masculino rude e amargo, sem a doçura e feminilidade típico do sexo que dá a luz.

Fatos marcantes:
A alegria de Negrinha ao ver o cuco: o cuco do relógio, única diversão da menininha, é uma representatividade da liberdade, afinal é um animal que voa, desprendido dos terrores dos pés no chão, da vida real. Negrinha não possuía tal liberdade, nem podia nem conhecia sonhos... Além disso, o cuco marca a passagem do tempo de tristezas da menina, pois ela só se diverte quando o objeto badala as horas.
O castigo do ovo: nessa passagem, mesmo a menina tendo razão, afinal, a criada nova roubara “um pedacinho de carne que se vinha guardando para o fim”, Negrinha é castigada pela patroa: a velha senhora coloca na boca da menina um ovo quente, obrigando-a a suportar a queimadura.
§  O acontecimento retrata o silenciamento de uma classe que não tem direito de se manifestar, de reagir.
A vinda das sobrinhas loiras:a presença de uma infância tolerável e não sujeita a castigos surpreende
Negrinha. D. Inácia trata as meninas com carinho e meiguice, o que sugere que o horror da senhora não era para com as crianças de modo geral, mas sim com os negros, os quais, criança ou não, ela não suportava.
§  O acontecimento retrata a superioridade da raça branca, a aceitação do branco em detrimento do negro.
§  As meninas aparecem como anjos que amenizam os sofrimentos de Negrinha.
 A “descoberta” da boneca: às meninas loiras era dado o direito de brincar e seu objeto de deleite, a boneca, fora motivo de deslumbramento para a pobre menina negra.
§  EPIFANIA: Ao segurar a boneca, brinquedo feminino que Negrinha não conhecia, a menininha se descobre como criança, como ser humano, com sentimentos iguais aos das outras crianças.
A morte de Negrinha: a passagem das meninas loiras pela fazenda, ao dar a Negrinha a consciência de quem ela era, impede a menina de continuar vivendo em servidão e negação de identidade. A tristeza vai consumindo a pequena até que a morte lhe consome.
§  A morte surge como libertação da vida de opressão; ali, naquela casa, não havia lugar para a pobre menina.

Em toda a narrativa, o leitor não conhece a voz nem os pensamentos de Negrinha. Já D. Inácia se faz vencer através do uso da palavra, seja ao dialogar com os padres ou mesmo ao xingar a pobre órfã.
O passado histórico terrível e destruidor e a crueldade com que os negros eram tratados são encarnados na personagem Negrinha.
À protagonista de Monteiro Lobato, após descobrir-se como sujeito e não objeto, resta-lhe apenas a morte, tal como era dada a tantos negros desde o período das levas dos navios negreiros.


3 de nov. de 2013

PAES - "Negrinha", Monteiro Lobato

Sobre o autor:
José Bento de MONTEIRO LOBATO – Romancista, contista e jornalista brasileiro, nasceu em 18 de abril de 1882, em Taubaté, São Paulo, e faleceu em 4 de julho de 1948, no mesmo Estado.
Bacharel em Direito, exerceu o cargo de Promotor Público, em São Paulo.
Monteiro Lobato é um dos escritores brasileiros mais lidos e populares. Suas obras têm sido traduzidas para quase todas as línguas e continua inspirando sentimentos nacionalistas e, principalmente, a defesa do petróleo e minérios radioativos. Foi o criador da literatura infantil no país e a sua produção, nesse gênero, é vultosa e importante. Tornou-se autor de uma extensa produção na área da literatura infantil, que inclui clássicos do gênero, como O Marquês de Rabicó (1922), Reinações de Narizinho (1931), Memórias de Emília (1936), Histórias de Tia Nastácia (1937) e O Sítio do Pica-pau Amarelo (1939). Sua obra voltada para os adultos inclui diversas histórias escritas em estilo leve e gracioso e são povoadas por tipos humanos interessantes.
Sua característica principal são o regionalismo e o conteúdo crítico. Aliando a crítica de costumes à criação de personagens como o caboclo Jeca-tatu, o escritor descreve a decadência econômica e social do vale do Paraíba paulista do início do século. O Sítio do Pica-pau Amarelo foi transformado na década de 1970 em uma série infantil de TV, de muito sucesso até hoje.

Contexto histórico e literário: Pré-Modernismo
O início do século XX representou para a nação brasileira uma fase de enormes transformações, inclusive no terreno artístico. O período conhecido como Belle époque influenciou a recém-instaurada República a implantar no cenário já controverso (pós-escravidão e seus contrastes) um processo de “europeização”, na tentativa de embelezar o país, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro. Tal processo trouxe a retirada das classes mais pobres para regiões periféricas das cidades, o que causou, obviamente, muita revolta popular.
Além das mudanças sociais, a visão Realista-Naturalista permanece, mas a linguagem afrouxa os laços parnasianos, aderindo a um falar mais coloquial, próximo à fala cotidiana. As vanguardas europeias começavam a ganhar público entre os artistas brasileiros. Essa miscelânea de fatores acontecendo em um breve espaço de tempo é que conhecemos como Pré-Modernismo, fase intermediária até a implantação das ideias modernistas com a Semana de Arte Moderna de 1922.
            Os escritores desse período procuravam apresentar o Brasil e seus contrastes, especialmente os regionais. No caso do autor de “Negrinha”, Monteiro Lobato, retratou os costumes interioranos do caboclo do Vale do Paraíba, sua miséria, hábitos e “causos”.
Uma breve polêmica quando da exposição de Anitta Malfatti, em 1917, deixou transparecer os ideais tradicionalistas de um Lobato que não aceitava a arte brasileira como imitadora de modelos estrangeiros. O autor cria que o Brasil basta a si mesmo, com seu povo, sua gente, seus costumes.

Análise do conto NEGRINHA: metonímia da vida escrava

Publicado em 1920, o conto demonstra como a escravidão, extinta na lei em 1888, ainda imprimia hábitos e preconceitos na sociedade do período. O início do século apresentava-se como uma etapa de grandes inovações e modernização no território brasileiro, no entanto, o preconceito racial permanecia.
Tipo de narrador: 3ª pessoa, onisciente. Uso dos discursos direto, indireto e indireto livre. A voz do narrador prevalece na obra. Apesar da 3ª pessoa, esse narrador mostra-se compadecido para com os sofrimentos da pobre menininha protagonista da narrativa.
Tendo a escravidão como tema, o conto nos apresenta uma mulatinha escura, de sete anos, órfã desde os quatro. Nascera na senzala e vivia pelos cantos da cozinha. Residia sob os “cuidados” de D. Inácia, uma senhora rica e gorda, que não possuía apego por crianças nem tinha filhos. Na verdade, a pobre menina vivia pela casa como um animal sem dono e incômodo.
Usando o tempo cronológico na maior parte das vezes, o narrador, de modo irônico e objetivo, demonstra como, em um espaço universal (não é citado o nome do local onde se passam os fatos) muitas “negrinhas”, órfãos da escravidão, permanecem sofrendo os vestígios do passado escravagista.
Negrinha é maltratada por D. Inácia. A ex-senhora de escravos, no entanto, posa de mulher caridosa, recebendo do padre da região os elogios pelas ações de amor para com o próximo.

Negrinha X D. Inácia:
Negrinha: não possuía nome, era amedrontada, subserviente, pobre, marginalizada, condicionada ao sofrimento herdado dos antepassados escravizados. Negrinha é uma metonímia daqueles que, no processo pós-escravidão, ainda sentem os resultados da condição do negro, ser desprezado e judiado. A menininha era tratada como bicho, recebia apelidos depreciativos e servia como forma de sua patroa descarregar suas tensões por meio dos diversos castigos aplicados à pequena.
D. Inácia: representa os que detêm o poder, é rica, preconceituosa, impaciente, agressiva. Diante das instituições religiosas apresenta-se como mulher virtuosa, que se compadece dos pobres e injustiçados; na vida íntima é cruel, má. Nunca pudera ter filhos; parece com tal informação do narrador que D. Inácia encarna o masculino rude e amargo, sem a doçura e feminilidade típico do sexo que dá a luz.

Fatos marcantes:
A alegria de Negrinha ao ver o cuco: o cuco do relógio, única diversão da menininha, é uma representatividade da liberdade, afinal é um animal que voa, desprendido dos terrores dos pés no chão, da vida real. Negrinha não possuía tal liberdade, nem podia nem conhecia sonhos... Além disso, o cuco marca a passagem do tempo de tristezas da menina, pois ela só se diverte quando o objeto badala as horas.
O castigo do ovo: nessa passagem, mesmo a menina tendo razão, afinal, a criada nova roubara “um pedacinho de carne que se vinha guardando para o fim”, Negrinha é castigada pela patroa: a velha senhora coloca na boca da menina um ovo quente, obrigando-a a suportar a queimadura.
§  O acontecimento retrata o silenciamento de uma classe que não tem direito de se manifestar, de reagir.
A vinda das sobrinhas loiras: a presença de uma infância tolerável e não sujeita a castigos surpreende
Negrinha. D. Inácia trata as meninas com carinho e meiguice, o que sugere que o horror da senhora não era para com as crianças de modo geral, mas sim com os negros, os quais, criança ou não, ela não suportava.
§  O acontecimento retrata a superioridade da raça branca, a aceitação do branco em detrimento do negro.
§  As meninas aparecem como anjos que amenizam os sofrimentos de Negrinha.
 A “descoberta” da boneca: às meninas loiras era dado o direito de brincar e seu objeto de deleite, a boneca, fora motivo de deslumbramento para a pobre menina negra.
§  EPIFANIA: Ao segurar a boneca, brinquedo feminino que Negrinha não conhecia, a menininha se descobre como criança, como ser humano, com sentimentos iguais aos das outras crianças.
A morte de Negrinha: a passagem das meninas loiras pela fazenda, ao dar a Negrinha a consciência de quem ela era, impede a menina de continuar vivendo em servidão e negação de identidade. A tristeza vai consumindo a pequena até que a morte lhe consome.
§  A morte surge como libertação da vida de opressão; ali, naquela casa, não havia lugar para a pobre menina.

Em toda a narrativa, o leitor não conhece a voz nem os pensamentos de Negrinha. Já D. Inácia se faz vencer através do uso da palavra, seja ao dialogar com os padres ou mesmo ao xingar a pobre órfã.
O passado histórico terrível e destruidor e a crueldade com que os negros eram tratados são encarnados na personagem Negrinha.

À protagonista de Monteiro Lobato, após descobrir-se como sujeito e não objeto, resta-lhe apenas a morte, tal como era dada a tantos negros desde o período das levas dos navios negreiros.
ANÁLISE LITERÁRIA: CLARA DOS ANJOS, Lima Barreto



SOBRE O AUTOR:

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1881 - ano da publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis e de O Mulato, de Aluísio Azevedo. Mulato, pobre, socialista convicto, atormentado pela loucura do pai, não pôde completar um curso universitário.  O pai de Lima Barreto, João Henrique, era tipógrafo. Sua mãe, Amália Augusta, professora, dirigia em sua casa um pequeno colégio para meninas, o Santa Rosa, que foi fechado na época do nascimento do escritor, devido à situação econômica da família e do estado de saúde de sua mãe, que contraíra tuberculose. Em 1887, Amália morreu, deixando cinco filhos.
 Estudante brilhante, Lima Barreto ingressou na Escola Politécnica, em 1897. Teria sido um excelente aluno, não fosse o preconceito racial que sofria dentro da escola, que fez com que se isolasse dos colegas e sofresse a perseguição explícita do professor Licínio Cardoso. Sofria constantes reprovações injustas e, para agravar ainda mais a sua situação, seu pai enlouqueceu. Para cuidar do pai e sustentar os irmãos, ele abandonou o curso antes da formatura e foi trabalhar no funcionalismo público, em 1903. Sentindo-se frustrado profissionalmente, começa a beber e a frequentar cafés, livrarias e redações de jornais do Rio de Janeiro. Ingressa no jornalismo profissional em 1905, com uma série de reportagens no Correio da Manhã. Na mesma época inicia sua militância política, participando no comitê do Partido Operário Independente, de Pausílipo da Fonseca.
Em 1909, publica o seu primeiro romance, Recordações do Escrivão Isaías Caminha, elogiado no ano seguinte por José Veríssimo. Animado com o sucesso, Lima Barreto passa a trabalhar intensamente. Esta fase, porém, também  é marcada por muita pobreza e desgostos familiares, que o levam à primeira internação no hospício, em agosto de 1914. Quando sai, está completamente dominado pelo álcool.  
Revoltado contra as injustiças e os preconceitos de que também era vítima, dedica sua obra a desmascarar a falsidade dos poderosos: políticos, intelectuais, burocratas, jornalistas, militares, etc. Em 1917, foi um dos primeiros intelectuais brasileiros a saudar a Revolução Russa, e passou a defender o comunismo com ardor. Rejeitado pela Academia Brasileira de Letras, foi acusado de ser um escritor semianalfabeto, por insistir em utilizar uma linguagem coloquial, distante da norma culta parnasiana. Alcoólatra, depressivo, viveu, por vezes literalmente, na sarjeta e foi internado duas vezes no Hospício Nacional. A boêmia e o alcoolismo parecem não ter prejudicado seu trabalho intelectual, mas o levaram à morte prematura. Em 1o de novembro de 1922, morreu, aos 41 anos, de colapso cardíaco, em completa miséria. Dois dias depois, seu pai, João Henrique, também faleceu. Por ironia do destino, Lima Barreto morreu exatamente no ano da explosão do modernismo no Brasil, de que foi o maior precursor e que viria a provar o seu valor.

CONTRIBUIÇÃO MODERNISTA

O abandono do modo artificial e erudito de escrever, dominante em seu tempo, foi a principal contribuição de Lima Barreto para a literatura contemporânea. Adotou em seus romances a informalidade estilística própria do jornalismo e da fala cotidiana, colaborando para a soltura e descontração da frase, o que agradou parte dos escritores modernistas da Semana de Arte Moderna, de 1922. Registrou com riqueza de detalhes muitos aspectos da vida social e política do Rio de Janeiro no tempo da Primeira República, compondo, em suas obras, um interessante painel das pessoas remediadas do Rio de Janeiro.
A obra de Lima Barreto revela forte influência do naturalismo de Aluísio Azevedo, assim como de Machado de Assis, a quem dizia não admirar, Dostoievski e dos positivistas franceses, como Taine e Brunetière. Apesar dessas influências, é um dos autores mais independentes de nossa ficção. Partilhava da ideia de que a literatura devia expressar diretamente os sentimentos e as ideias pessoais do escritor. Por isso, quase todos os seus romances possuem lances autobiográficos. Julgava, ainda, que a função primordial da literatura é unir os homens e desmascarar os falsos valores e as instituições que exploram a inconsciência popular.

ANÁLISE DA OBRA

ESPAÇO
O romance passa-se no subúrbio carioca e Lima Barreto descreve o ambiente suburbano com riqueza de detalhes, como os vários tipos de “casas, casinhas, casebres, barracões, choças” e a vida das pessoas que ali vivem.

FOCO NARRATIVO e TIPO DE NARRADOR
O romance é narrado em 3ªpessoa. Conta a história, e ao mesmo tempo, vai descrevendo os personagens e espaço. É onisciente, foca a condição social, econômica étnica, cultural e psíquica dos personagens. Possui características do narrador flâneur: perambula pela cidade descrevendo seus espaços e habitantes típicos.

LINGUAGEM
O autor procura usar uma linguagem simples, aproximando-se da língua falada da época. O estilo da narrativa é objetivo, incorporando a linguagem do texto jornalístico, com frases espontâneas. Foi muito critico por escrever desse modo e mostra a questão social do uso da linguagem em trechos do livro.

MOVIMENTO LITERÁRIO
Durante as primeiras duas décadas do século XX, enquanto a Europa se via invadida pelos movimentos da vanguarda modernista, a literatura brasileira ainda se encontrava dominada pelos estilos surgidos no século anterior. Parnasianismo e simbolismo predominavam na poesia, Realismo e Naturalismo na prosa. Alguns escritores, no entanto, rompiam com estas quatro tendências, e, ainda que muito diferentes, não comungando de um estilo comum, antecipavam, cada um a seu modo, as inovações que seriam propagadas pelos modernistas de 1922, problematizando a realidade social e cultural brasileira. Entre estes escritores, destacam-se Graça Aranha (1868-1931), Simões Lopes Neto (1865-1916), e, principalmente, Euclides da Cunha (18 - 1909), Augusto dos Anjos (1884 - 1914), Lima Barreto (1881 - 1922) e Monteiro Lobato (1882 - 1948).
O olhar crítico de Lima Barreto frente à sociedade de seu tempo transparece na construção de várias de suas obras. No caso de Clara dos Anjos, esse olhar direciona-se, especialmente, para a questão do preconceito racial-social vivido por sua personagem principal e para o questionamento sobre a situação das mulheres do início do século XX. Lima Barreto traça um perfil lamentável de sua protagonista: Clara era de formação débil, sem força e nem ideias, sua principal preocupação é preparar-se para um casamento, no qual o marido tomaria as decisões por ela. O autor critica, desta forma, a inércia na formação de Clara que, mesmo pertencendo a uma família de baixa renda, tinha sido educada dentro dos parâmetros burgueses vigentes no momento – valores que primavam pela sujeição da mulher às ordens do marido, o provedor da casa. Os pais de Clara haviam cercado a menina de cuidados e atenções para que se preparasse para o esperado dia do casamento, assim não se preocuparam em instruí-la sobre a vida e muito menos ensinar um ofício a jovem, pois acreditavam não ser necessário, seu papel seria somente cuidar da casa e dos filhos quando estes viessem.
Lima Barreto não era necessariamente um defensor da causa feminista, ao contrário, sustentava várias críticas ao movimento feminista e em alguns momentos chegou a colocar em dúvida a capacidade do sexo feminino. Embora, tivesse deslanchado críticas ao movimento feminista brasileiro, essas não miravam as mulheres, mas, como dissemos, seu alvo era a maneira como a sociedade   as preparava, ricas ou pobres, para o futuro matrimônio. A imagem da imigrante Margarida – uma mulher forte, decidida, inimiga da inércia, delatora das injustiças sociais, e mesmo vivendo sem um marido (era viúva) mostrava-se capaz de trabalhar em inúmeras atividades e ainda conseguir educar seu filho, representava o protótipo da mulher ideal no imaginário do autor.   O autor sugere que a educação dada as jovens brasileiras deveria se pautar no modelo de Margarida, ou seja, em mulheres mais independentes que não precisariam necessariamente de um casamento, de um marido, para enfrentarem as dificuldades cotidianas.
Somente a instrução poderia gerar mais mulheres ao estilo de Margarida que estariam aptas a resistirem a influência de homens ao estilo de Cassi; homens que buscavam as mulheres mais frágeis socialmente, justamente por saberem que sairiam impunes de seus atos, podendo desta forma, continuar a buscar novas “presas” para satisfazerem seus egos moldados por uma educação que lhes garantia como legítima o busca do prazer, sem assumirem compromissos matrimoniais. Clara não foi instruída por seus pais que a deixaram alheia aos fatos da vida, sua mentalidade era formada por sonhos e desta forma foi fácil ser seduzida pelas melodias das cantigas de Cassi. Somente no final do livro é que Clara consegue desnudar sua situação, mas isso foi feito à base da dor moral ferida e da vergonha (valores sociais) que a cobriram ao perceber sua “ desonra” – o futuro planejado se manchara para sempre.  Para Lima Barreto, todo o drama vivido pelas inúmeras Claras teria outro final se o abandono social causado pela pobreza, o estigma “racial” ou a vigilância excessiva tivesse sido substituídos pelo esclarecimento e orientação franca que preparasse essas jovens para o enfrentamento da vida adulta.

CLARA DOS ANJOS: SÍNTESE DO ENREDO
Ambientado no subúrbio do Rio de Janeiro, Clara dos Anjos encena sobre a jovem e ingênua mulata Clara, filha do carteiro Joaquim dos Anjos, que é seduzida pelo malandro Cassi Jones. Cassi é um jovem branco e ignorante, que usa este sobrenome porque, supostamente, descende de um nobre inglês. Seu pai não fala mais com ele após suas diversas aventuras que desonraram várias donzelas e acabaram com vários casamentos (a mãe de uma das vítimas se suicidou; o marido que ela arranjou depois distribui anonimamente um dossiê sobre Cassi pelo RJ). Cassi toma Clara como seu próximo alvo e vai tentando se aproximar dela. Começa pela festa de aniversário desta e vai seguindo, apesar dos pais dela não deixarem e do padrinho e tantos outros falarem sobre ele. Clara não acredita e continua curiosa sobre Cassi.
Cassi passa a usar um velho, "dentista", que tratava de Clara; ele manda as cartas de um e outro. Depois de um tempo Cassi parte para São Paulo para um possível emprego; Clara está grávida. Após pensar em aborto, Clara revela a verdade à mãe, que vai falar à família de Cassi. Lá ela é tratada como só "mais uma mulatinha" e percebe a verdade total. Pontilhado com referências sobre o preconceito racial (um dos personagens é poeta Leonardo Flores; mulato e talentoso, fica pobre, pois foi explorado), este foi o primeiro romance de Lima Barreto, mas um dos últimos a ser publicado.
Todos os personagens são tipicamente suburbanos e o vocabulário já transpira a coloquialidade como é característico ao autor.

PERSONAGENS
Marrameque - Poeta modesto, semiparalisado, Marramaque frequentara uma pequena roda de boêmios e literatos e dizia ter conhecido Paula Nei e ser amigo pessoal de Luís Murat. Lima Barreto denuncia, na figura de Marramaque, a influência das rodas literárias, grupos fechados que abundam no Brasil; a cultura da oralidade, dos que aprendem “muita coisa de ouvido e, de ouvido, falava de muitas delas”, tendo um cultura superficial, de verniz; e o azedume dos que não conseguem brilhar nas “rodas de gente fina”.
Clara: a “natureza elementar” - Clara era a segunda filha do casal, “o único filho sobrevivente…os demais…haviam morrido.” Tinha dezessete anos, era ingênua e fora criada “com muito desvelo, recato e carinho; e, a não ser com a mãe ou pai, só saía com Dona Margarida, uma viúva muito séria, que morava nas vizinhanças e ensinava a Clara bordados e costuras.”
O autor reitera sempre a personalidade frágil da moça – sua “alma amolecida, capaz de render-se às lábias de um qualquer perverso, mais ou menos ousado, farsante e ignorante, que tivesse a animá-lo o conceito que os bordelengos fazem das raparigas de sua cor” – como resultado de sua educação reclusa e “temperada” pelas modinhas: “Clara era uma natureza amorfa, pastosa, que precisava mãos fortes que a modelassem e fixassem. Seus pais não seriam capazes disso. A mãe não tinha caráter, no bom sentido, para o fazer; limitava-se a vigiá-la caninamente; e o pai, devido aos seus afazeres, passava a maioria do tempo longe dela. E ela vivia toda entregue a um sonho lânguido de modinhas e descantes, entoadas por sestrosos cantores, como o tal Cassi e outros exploradores da morbidez do violão. O mundo se lhe representava como povoado de suas dúvidas, de queixumes de viola, a suspirar amor.”
Cassi: o corruptor - Por intermédio de Lafões, o carteiro Joaquim passa a receber em casa o pretendente de Clara, Cassi Jones de Azevedo, que pertencia a uma posição social melhor. Assim o descreve Lima Barreto: Era Cassi um rapaz de pouco menos de trinta anos, branco, sardento, insignificante, de rosto e de corpo; e, conquanto fosse conhecido como consumado "modinhoso", além de o ser também por outras façanhas verdadeiramente ignóbeis, não tinha as melenas do virtuose do violão, nem outro qualquer traço de capadócio. Vestia-se seriamente, segundo as modas da rua do Ouvidor; mas, pelo apuro forçado e o degagé suburbanos, as suas roupas chamavam a atenção dos outros, que teimavam em descobrir aquele aperfeiçoadíssimo "Brandão", das margens da Central, que lhe talhava as roupas. A única pelintragem, adequada ao seu mister, que apresentava, consistia em trazer o cabelo ensopado de óleo e repartido no alto da cabeça, dividido muito exatamente ao meio — a famosa "pastinha". Não usava topete, nem bigode. O calçado era conforme a moda, mas com os aperfeiçoamentos exigidos por um elegante dos subúrbios, que encanta e seduz as damas com o seu irresistível violão.”
Joaquim dos Anjos - carteiro, acredita-se músico escreveu a polca, valsas, tangos e acompanhamentos de modinha. polca: siri sem unhas; valsa: magos do coração. Uma polca sua - "Siri sem unhas" - e uma valsa - "Mágoas do Coração: - tiveram algum sucesso, a ponto de vender ele a propriedade de cada uma, por cinquenta mil-réis, a uma casa de músicas pianos da Rua do Ouvidor. O seu saber musical era fraco; adivinha mais do que empregava noções teóricas que tivesse estudo. Aprendeu a "artinha" musical da terra do seu nascimento, nos arredores de Diamantina, em cujas festas de igrejas a sua flauta brilhara, e era tido por muitos como o primeiro flautista do lugar. Embora gozando desta fama animadora, nunca quis ampliar os seus conhecimentos musicais. Ficara na "artinha" de Francisco Manuel, que sabia de cor, mas não saíra dela, para ir além“. Natural de Diamantina, filho único. A convite de um inglês, pesquisador, foi para o Rio de Janeiro e lá ficou. Confiava em todos que o rodeavam.
Dona Engrácia - era católica, romana, filhos trazidos na mesma religião, era caseira, insegura, e rude.
Calado - músico e compositor brasileiro (polcas "Cruzes, minha prima!")
João Pintor - era um cidadão que visitava "os bíblias" aqueles que pregavam o evangelho. "era preto retinto, grossos lábios, malares proeminentes, testa curta dentes muito bons e muitos claros, longos braços, manoplas enormes, longas pernas e uns tais pés que não havia calçado."
            Mr. Shays - chefe da seita bíblica, homem tenaz cheio de eloquência bíblica faz seus adeptos ouvir a palavra. Quando os adeptos se acham preparados põem-se a propagá-la.
Eduardo Lafões - religiosamente ia aos domingos à casa de Joaquim para jogar o solo. Eduardo Lafões gostava dos assuntos do comércio. Era um homem simplório, que só tinha agudeza de sentidos para o dinheiro. Vivendo sempre em círculos limitados, habituado a ver o valor dos homens nas roupas e no parentesco, ele não podia conceber que torvo indivíduo era o tal Cassi; que alma suja e má era dele para se interessar generosamente por alguém.
Manuel Borges de Azevedo e Salustiana Baeta de Azevedo - pais de Cassi. O pai não gostava dos procedimentos do filho, enquanto a mãe, cobria-lhe as desfeitas com as proteções.
Dona Margarida Weber Pestana - viúva, mãe de Ezequiel, descendente de Alemão; ela, russa. Casou no Brasil com tipógrafo que falecera dois anos após o casamento. Era dona de uma pensão, mulher corajosa.
D. Laurentina Jácone - gostava de rezAr, ficar zelando a igreja.
D. Vicêntina - cartomante. "Além desta, havia uma digna de nota: era Dona Vicência. Morava na vizinhança também e vivia a deitar cartas e cortar "cousas feitas". O seu procedimento era inatacável e exercia a sua profissão de cartomante com toda a seriedade e convicção."
Praxedes Maria dos Santos - gostava de ser tratado por doutor Praxedes. Foi um dos convidados de Joaquim. Era um homem bom. Ficou indeterminada das correspondências de Clara com o Cassi.
Etelvina - crioula, colega de Clara, notou a impaciência de Clara porque o rapaz Cassi ainda não chegara à festa.
Leonardo Flores - grande poeta.
Velho Valentim - era português.
Barcelos - um português fichado na detenção.
Arnaldo - era um colega do grupo dos valdevino (desocupados que andavam com Cassi).
Menezes - o dentista da família. Intermediário dos bilhetes e cartas de Cassi para Clara.
Senhor Monção - caixeiro vendedor;
Belmiro Bernedes & Cia. - "tocava realejo", era um moço português, simpático, educado, e bom porte.
Helena - tia de Marramaque, econômica, prendada, costurava para o arsenal do governo.
D. Castolina - mulher de Meneses.

Leopoldo - marinheiro. Cedo, saiu de seio da família para melhorar de vida. Há 30 anos não via família. Meneses com a sua pobreza tratou de visitar o irmão já que eram os únicos vivos da família.

27 de fev. de 2012

Roteiro, slides e vídeos para os 2ºs e 3ºs anos

Pessoal,
Deixando então, conforme combinado, os slides de sala de aula para a galera dos 2ºs e 3ºs anos.

Roteiro 2º ano:
Barroco e Arcadismo (revisão do ano passado). Caso precisem, vocês podem dar uma lidinha Aqui (Barroco) e também Aqui (Arcadismo 1) e Aqui (Arcadismo 2 Contexto histórico e início do movimento)

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