2 de nov. de 2015

Análise da tela de VICTOR MEIRELLES


A arte fabricando a história


A CARTA DE CAMINHA: O ENCONTRO ENTRE COLONIZADOR E COLONIZADOS

Os portugueses chegaram ao Brasil em suas expedições no dia 22 de abril, do ano de 1500. Logo avistaram um monte – o qual foi denominado Monte Pascoal –, depois seguiram para um lugar mais reservado no sul da Bahia, em Porto Seguro, mais especificamente na praia da Coroa Vermelha. Foi ali onde se realizou a primeira missa no Brasil.
A primeira missa brasileira foi realizada pelo frei Henrique de Coimbra com a ajuda de seus assistentes, poucos dias após o descobrimento do Brasil, em 26 de abril. Nela estavam presentes portugueses e índios da região. Existem poucos relatos sobre o desenrolar dessa missa, mas, pelo que se sabe, foi uma cerimônia consideravelmente fácil. Os índios por natureza eram ligados a certos tipos de rituais, assim, facilitaram o processo de realização da missa. Conta-se também que os índios ao verem os portugueses em seus preparativos, talhando a madeira com ferramentas de ferro, ficaram surpreendidos e admirados.

A PRIMEIRA MISSA

Pero Vaz de Caminha, escrivão mais notório da esquadra portuguesa, narrou em sua carta ao rei de Portugal alguns de seus pontos de vista, além de relatos sobre a primeira missa. Depois de quarenta e sete dias de viagem pelo mar, todos os preparativos para a missa encontravam-se terminados. À frente da missa estava o frei, oito missionários e franciscanos, além de alguns sacerdotes. Um altar foi erguido, e nele, o capitão Pedro Álvares Cabral portando “a bandeira de Cristo” convocou seus  marinheiros, oficiais e subalternos, que totalizavam mil homens, todos armados à maneira europeia. Da praia do continente,


cerca de duzentos índios acompanhavam atentamente a missa que se passava naquela ilha, a qual foi “ouvida por todos com muito prazer e devoção”.
Caminha também faz esta citação: “E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles (os índios) se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado: e então tornaram-se a assentar como nós… e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.”

A MISSA E A CATEQUIZAÇÃO

Ao terminar a missa, o sacerdote subiu em uma cadeira alta e fez uma “solene e proveitosa pregação”, onde foi narrada a vinda dos portugueses. Com a concretização da missa, acreditava-se que a ideia de uma futura catequização dos indígenas não seria algo difícil, pois estes, conforme relatos de Caminha, foram muito respeitosos durante a cerimônia, assim, apenas bastaria uma seleção de bons padres e a conversão dos índios ao catolicismo seria possível.

INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A TELA E A CAPTURA DO MOMENTO HISTÓRICO

- Quatro dias depois da chegada de Pedro Álvares Cabral no Brasil, exatamente num domingo de páscoa, foi celebrada a primeira missa no Brasil pelo

Frei Henrique Soares Coimbra em Porto Seguro na Bahia. A missa foi retratada pelo pintor Victor Meirelles (1832-1903), irmão do também pintor Aurélio de Figueiredo, autor da tela acima. O pensamento cristão dominante está representado pela cruz, em paralelo a aceitação e curiosidade indígena demonstrado na tela.

Sobre o autor: Victor Meirelles
- O autor da “Primeira Missa no Brasil” nasceu em Desterro, atual Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, em agosto de 1832, na casa atualmente transformada em museu e na rua que hoje leva o seu nome.
- A pintura foi produzida em Paris, durante a longa viagem de estudos do artista (1853–1861) como bolsista da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro. 
- Tentativa de retratar o país e sua cultura.
- Projeto civilizatório: Família Real no Brasil - 1808
- 1816 – Missão Artística Francesa no Brasil: objetivo: desenvolver a cultura artística no Brasil. Esse fato se consolidou mais tarde, em 1826, com a criação da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro.
- 1822 – Independência do Brasil: necessidade de construção de uma identidade nacional.
- Referência ao descobrimento do país
- Identidade brasileira associada ao catolicismo
INTERTEXTUALIDADE:  “Lê Caminha, pinta e então caminha”: CConselho dado por Manuel Araújo Porto-Alegre, diretor da academia de Belas Artes do Brasil produzida após a leitura da Carta do Achamento, de Pero Vaz de Caminha.
- Nativismo; uso de cores vivas.
- Presença do nativo brasileiro, indígena.
- Portugueses posicionados ao lado direito da tela, ao lado do mar. Ideia de invasão, mesmo com a ausência de atos violentos (trata-se de uma invasão cultural).
- Polarização na tela: desencontro, mundos antagônicos.
- Perfeição na representação do corpo humano.
- Predominância da cultura portuguesa: catolicismo.
- Cruz no centro: imposição religiosa, aculturação indígena.
- Índios: descontraídos, curiosos e irreverentes.
- Imposição X conversão

Victor Meirelles: o pintor e sua colaboração no projeto de construção nacional

O autor da “Primeira Missa no Brasil” nasceu em Desterro, atual Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, em agosto de 1832, na casa atualmente transformada em museu e na rua que hoje leva o seu nome. Seu interesse precoce pela aprendizagem do ofício de pintar, habilidade que começou a desenvolver quando ainda era menino e vivia em sua ilha natal, fez com que,  aos 14 anos  incompletos, fosse conduzido ao Rio de  Janeiro para integrar o grupo de estudantes da Imperial Academia de Belas Artes, onde iniciou uma trajetória de estudos que o levou ao Prêmio de Viagem à Europa, nos principais centros artísticos de então, na Itália e na França.

PROJETO CIVILIZATÓRIO DO BRASIL
A “Primeira Missa no Brasil”, antes de ser a produção isolada de um artista, é uma síntese visual do “Projeto Civilizatório” de cunho nacionalista do Segundo Império. Por isso, para compreender esta pintura é necessário ir àquele contexto.




A “Primeira Missa no Brasil” é o resultado de uma complexa rede de relações entre as ideias e utopias que se desenvolveram dentro do chamado “Projeto Civilizatório”, presente no imaginário da elite cultural e política do século XIX brasileiro. Este projeto se torna mais evidente, de forma direta ou indireta, com a transferência da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, e se consolida com as monarquias que se seguiram depois (1822–1889).
Com a vinda da Corte, o Rio de Janeiro se modernizava, perdendo aos poucos o aspecto colonial. Em torno dela se desenvolveu uma cultura laica, mundana, cortesã e aristocrática. A Corte divertia-se com touradas, cavalhadas, teatros, saraus e musicais. É neste cenário que emergiu a primeira academia de arte do País.
Devido a mudanças políticas entre Portugal e a França, como parte de uma estratégia de reaproximação dos dois países, que teria surgido a ideia de trazer para o Brasil uma Missão Artística Francesa, em 1816, com a finalidade de institucionalizar o ensino artístico no Brasil. Este fato se consolidou mais tarde, em 1826, com a criação da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro.
O País se firmava como nação independente. Pensava-se em criar uma identidade nacional, e a arte era considerada um lugar privilegiado para pensar a sociedade e para inventar uma nova identidade para a jovem nação, independente desde 1822.


O índio brasileiro e o movimento romântico: o nativo como símbolo nacional

É no movimento literário romântico que vamos encontrar a figura do índio tomando forma desde 1826, quando o francês Ferdinand Diniz, empregado consular, chama a atenção dos brasileiros para a necessária substituição das tendências clássicas em favor das características locais. Defendia-se a descrição da natureza e dos costumes, nos quais o índio devia ser valorizado como primeiro e mais autêntico habitante do Brasil.
Assim, a história da Imperial Academia de Belas Artes e a produção dos seus alunos não podem ser dissociadas das significações maiores do Império. Esta história ainda está por ser mais bem contada, principalmente no que diz respeito à existência de um projeto civilizatório associado à construção do Estado e da nação.

A “Primeira Missa no Brasil”

Imagem simbólica da cultura brasileira, a “Primeira Missa no Brasil”, assim como seus numerosos estudos preparatórios, hoje fazem parte das coleções do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro sob o tombo nº 901. Foi produzida durante o Império de D. Pedro II, na França, entre 1859 e 1860, chegando ao Brasil em 1861.
A “Primeira Missa no Brasil” tem importante papel na construção de uma representação sobre o “Descobrimento” e sobre a identidade brasileira vinculada ao catolicismo e ao sentido de conversão que a navegação portuguesa trouxe consigo, o que amplia a importância desta pintura na construção do nosso imaginário cultural.
Em 1845, D. Pedro passou a custear o Prêmio de Viagem, aberto anualmente, que financiava estudos de alunos da Academia de Belas Artes no Exterior. O Imperador recebeu o título de Fundador e Protetor Perpétuo da Academia Imperial; proteger a Academia e os artistas era também uma forma de garantir a produção da iconografia oficial. Da Academia e de seus artistas, além da pintura “Primeira Missa no Brasil”, saíram os inúmeros retratos, as cenas familiares e de poder da Família Real que até hoje ilustram nossa história. A pintura histórica era o gênero mais valorizado na Academia em meados do século XIX. Como bem explicita Jorge Coli (1998: 117)
Meirelles atingiu a convergência rara das formas, intenções e significados que fazem com que um quadro entre poderosamente dentro de uma cultura. Essa imagem do descobrimento dificilmente poderá
vir a ser apagada, ou substituída. Ela é a primeira missa no Brasil. São os poderes da arte fabricando a história.
Os professores da Academia de Belas Artes e o corpo governamental do país estavam esperando que surgissem talentos.

Meirelles: garoto prodígio

Antes de Victor Meirelles a Academia enviou outros artistas para a Europa, através do sistema de bolsas de estudos, mas eles produziram pouco e voltaram logo. O primeiro que realmente se vê nos documentos e que tinha noção do que estava acontecendo é o pintor catarinense. Ele foi para a Europa e atendeu às exigências da Imperial Academia no Brasil nas obrigações dele esperadas. Enquanto os outros artistas mandavam um desenho ou dois, Victor Meirelles mandava dez ou vinte. Então o Imperador e os intelectuais da Academia sentiram que encontraram o artista que procuravam. E é por isso que Victor Meirelles conseguiu a prorrogação da bolsa de estudos por oito anos. O período normal era apenas de três anos.
Uma vez feito o primeiro esboço da “Missa”, Victor Meirelles enviou-o para a Academia no Brasil. A elite cultural queria criar esse tipo de imagem para ficar na memória cultural do País. Por isso, uma vez aceito o esboço da “Primeira Missa no Brasil”, o pintor de Desterro ganhou o financiamento para mais dois anos de estada na França e para as despesas da execução da obra.
Victor Meirelles analisou vasta documentação sobre o índio e sobre o Brasil, e também A carta de Caminha. Estudou a carta com afinco para representar a missa descrita por Caminha.


Antes de ser produto da mente isolada de um artista, a “Primeira Missa no Brasil” é uma síntese visual do projeto civilizatório de cunho nacionalista do  Segundo Império brasileiro, e Victor Meirelles de Lima foi o homem que concretizou em forma de pintura as ideias deste projeto.
Além de estudar a carta de Caminha e de seguir uma minuciosa orientação de Manuel de Araújo Porto Alegre, há um outro fato importante a considerar na construção da obra em questão: Victor Meirelles buscou inspiração para a cena principal de sua obra em outra missa, a do pintor Francês Horace Vernet (1789–1863). A missa pintada por Vernet intitula-se “Première messe en Kabyli” (1853), lembrando que o procedimento por citação é absolutamente legítimo dentro do gênero Pintura Histórica. O desconhecimento das regras da pintura histórica pela crítica de arte nacional causou grande polêmica quando a pintura chegou ao Brasil, e Victor Meirelles inclusive foi acusado de plagiário.


Há ainda a hipótese de que o tema da missa era então recorrente. No Museu Granet, na Provença, França, encontramos outra missa intitulada “Une messe au Louvre pendant la Terreur”, datada de 1847, de autoria de Marius Granet (1775–1849) . O altar no centro, com um padre levantando a hóstia, e outro de joelhos segurando suas vestes lembram a cena principal da “Missa” de Victor Meirelles. Este procedimento também teria sido legítimo dentro do contexto cultural estético das academias de arte do século XIX.
Abandonado e discriminado pelos republicanos, Victor Meirelles morreu pobre em 1903, no Rio de Janeiro.


Uma parte do texto acima foi adaptado da página: http://www.dezenovevinte.net/obras/vm_missa.htm


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