Bernardo Joaquim da Silva Guimarães
nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, em1825. Em 1847 iniciou os estudos na
Faculdade de Direito de São Paulo, onde conheceu Álvares de Azevedo e
Aureliano Lessa, com os quais se uniu formando a Sociedade Epicuréia. Nessa fundação,
situada em São Paulo, os jovens se juntavam para dar realidade as
imaginações românticas, sendo este um ponto de encontro entre a literatura e a
vida. Após conseguir o título de bacharel, em 1852, viveu alguns anos no
Rio de Janeiro e em Goiás, atuando como jornalista, juiz e professor.
Ao longo de sua carreira publicou diversas poesias e
romances, dentre eles a Escrava Isaura
(1875), sua obra mais popular. Em 1884, faleceu em sua cidade natal, deixando
alguns escritos incompletos. Suas principais obras foram Contos da Solidão
(1852), O Ermitão de Muquém (1869), O Seminarista (1872), O Índio Afonso
(1873), A Ilha Maldita (1879) e a peça A Voz do Pajé,
publicada postumamente em 1914, além, é
claro, de A Escrava Isaura. Bernardo Guimarães expressou em sua poesia o mundo
exterior, demonstrando a vivência no meio paulistano, porém, vale mencionar
como elementos mais relevantes de sua obra poética o encanto pela vida, a
natureza e o prazer. Além disso, construiu textos dotados de musicalidade e
demonstrou forte preocupação com a métrica. No texto narrativo, Bernardo adotou
como principais cenários para seus romances os sertões mineiro e goiano, mas
também se utilizou das paisagens nordestinas. Na prosa, observava a vida
sertaneja, com seus tipos humanos, marcados por condições psíquicas e sócias
peculiares. As paixões amorosas são tratadas de forma natural e
por diversas vezes aparecem vinculadas a manifestações psicológicas. Seu
estilo natural, com linguagem simples e acessível, fez desse artista um dos
mais importantes de sua época, justamente pela facilidade com que o público
tinha contato com sua obra, na qual retratava temas próximos da realidade
popular. Em
1896, portanto doze anos após a sua morte, foi designado patrono da cadeira no
cinco da Academia Brasileira de Letras.
O
NASCIMENTO DO ROMANCE
A
publicação de romances em folhetins - os capítulos aparecendo a cada dia nos
jornais - já era comum no Brasil desde a década de 1830. A maior parte destes
folhetins era composta por traduções de romances de origem inglesa, como as
histórias medievais de Walter Scott, ou francesa, como as aventuras dos Três
Mosqueteiros, de Alexandre Dumas. Emocionados, os brasileiros acompanhavam as
distantes aventuras de um Ivanhoé ou de um D’Artagnan, transportando-se, em
espírito, para os campos e reinos da Europa. Embora fizessem sucesso
junto ao público, os primeiros romances brasileiros, publicados em folhetim,
não deixavam de ser considerados, pelos literatos “sérios”, como “uma leitura
agradável, diríamos quase um alimento de fácil digestão, proporcionado a
estômagos fracos.” O romance, esse gênero literário novo e “fácil”, que foi
introduzido na literatura brasileira por autores como Joaquim Manuel de Macedo
e Teixeira e Sousa, ganharia status de literatura "séria" com a obra
de José de Alencar.
Os
primeiros romances brasileiros
Na década
de 1840 começam a aparecer alguns folhetins de autores nacionais, ambientados
no Brasil. Teixeira e Sousa (1812-1861), considerado por muitos o nosso
primeiro romancista, estréia em 1843 com O Filho do Pescador.
No ano seguinte, o jovem estudante de medicina, Joaquim Manuel de Macedo
(1820-1882), surge com A Moreninha, o primeiro romance
nacional “apreciável pela coerência e pela execução”. Em meio à corrente
açucarada dos nossos primeiros folhetinistas surge, já em 1852/53, a obra
excêntrica de um jornalista carioca de vinte e um anos chamado Manuel Antônio
de Almeida (1831-1861). As suas Memórias de um Sargento de Milícias retratam
de forma irônica a vida do Rio de Janeiro “no tempo do rei” Dom João VI e
apresentam um contraponto cômico à seriedade por vezes excessiva e à inverossimilhança
dos romances do Dr. Macedinho.
A
descrição do cenário nacional
O público
interessava-se, portanto, cada vez mais por um romance de aventuras românticas
que apresentasse o cenário brasileiro. O grande sucesso de público de O Guarani
(1857), de José de Alencar, em que as aventuras de Peri e sua amada Cecília se
desenrolam em meio à exuberante natureza fluminense, estimula os escritores a
se voltarem para a apresentação da ambientação tipicamente nacional em suas
obras. Na década de 70 essa tendência nacionalista haveria de se
consolidar, com o surgimento das obras de Franklin Távora (1842-1888), autor
de O Cabeleira (1876) e o Visconde de Taunay (1843-1899), autor de
Inocência (1872). É nesse cenário literário que aparece, em 1875, um dos
maiores sucessos de público do período: A Escrava Isaura, que explora uma das
questões mais polêmicas da sociedade brasileira da época, a escravidão.
A ESCRAVA
ISAURA
• ESCOLA LITERÁRIA: Romantismo
• ANO DE PUBLICAÇÃO: 1875
• GÊNERO: Romance Regionalista
• TEMAS: escravidão, amor
• DIVISÃO DA OBRA: 22 capítulos
• LOCAL: Campos
de Goitacazes (RJ) e Recife (PE)
• NARRAÇÃO: 3ª pessoa
ANÁLISE
DA OBRA
Escrito
em plena campanha abolicionista (1875), o livro conta as desventuras de Isaura,
escrava branca e educada, de caráter nobre, vítima de um senhor devasso e
cruel. O romance A Escrava Isaura foi um grande
sucesso editorial e permitiu que Bernardo Guimarães se tornasse um dos mais
populares romancistas de sua época no Brasil. O autor pretende, nesta obra,
fazer um libelo anti-escravagista e libertário e, talvez, por isso, o romance
exceda em idealização romântica, a fim de conquistar a imaginação popular
perante as situações intoleráveis do cativeiro. O estudioso Manuel Cavalcanti
Proença observa que: “Numa literatura não muito abundante em
manifestação abolicionistas é obra de muita importância, pelo modo sentimental
como focalizou o problema, atingindo principalmente o público feminino, que
encontrava na literatura de ficção derivativo e caminho de fuga, numa sociedade
em que a mulher só saía à rua acompanhada e em dias pré-estabelecidos; o mais
do tempo ficava retida em casa, sem trabalho obrigatório, bordando, cosendo e
ouvindo e falando mexericos, isto é, enredos e intrigas, como se dizia no tempo
e ainda se diz neste romance.”
O ENREDO
A
história se passa nos “primeiros anos do reinado de D. Pedro II”, inicialmente
em uma fazenda em Campos dos Goitacazes (RJ). Isaura, escrava branca e
bem-educada, é assediada pelo seu senhor, Leôncio, recém-casado com Malvina.
Isaura se recusa a ceder aos apelos de Leôncio, como já fizera, no passado, sua
mãe, que, por ter repelido o pai de Leôncio, fora submetida a um tratamento tão
cruel que, em pouco tempo, morrera. Para forçá-la a ceder, Leôncio manda
Isaura para a senzala, trabalhar com as outras escravas. Sempre resignada,
suporta passivamente o seu destino, porém, não cede a Leôncio, afirmando que
ele, como proprietário, era senhor de seu corpo, mas não de seu coração: “ -
Não, por certo, meu senhor; o coração é livre; ninguém pode escravizá-lo, nem o
próprio dono.” Leôncio, enfurecido, ameaça colocá-la no tronco. No
entanto, seu pai, ex-feitor da fazendo, consegue tirá-la de lá e foge com ela
para Recife (PE). Em Recife, Isaura usa o nome de Elvira e vive reclusa numa
pequena casa com seu pai. Então, conhece Álvaro, por quem se apaixona e é
correspondida. Vai a um baile com ele, onde é desmascarada e reconhecida. Álvaro,
ainda que surpreso, não se importa com o fato de ela ser uma escrava e resolve
impedir que Leôncio a leve de volta, inclusive tentando comprá-la. Mas não
consegue convencer o vilão, e este leva Isaura de volta ao cativeiro na
fazenda. Leôncio está praticamente falido e, com o objetivo de conseguir
um empréstimo do pai de Malvina, consegue se reconciliar com a mulher,
afirmando que Isaura é quem o assediava. Então, para punir Isaura, Leôncio
manda que ela se case com Belchior, jardineiro da fazenda. Entretanto, Álvaro
descobre a falência de Leôncio e compra a dívida dos seus credores, tornando-se
proprietário de todos os seus bens, inclusive de seus escravos. No dia do
casamento de Isaura, antes que se celebrasse a cerimônia, Álvaro aparece e
reclama seus direitos a Leôncio. Vendo-se derrotado e na miséria, Leôncio
suicida-se. Tudo termina, portanto, com a punição dos culpados e o triunfo dos
justos. Como bem o sintetizou Carlos Alberto Vecchi: “A estrutura
narrativa de A Escrava Isaura segue o modelo folhetinesco das
histórias românticas: para atingir seu ideal e obter o reconhecimento de todos,
o herói tem que realizar uma jornada perigosa, onde a própria vida é colocada
em risco. O Amor, epicentro onde se debatem o Bem e o Mal, torna-se a força motriz
que conduz ao restabelecimento do equilíbrio e da felicidade a todos que, em
momento algum, se deixaram intimidar pelos desmandos de Leôncio. O Mal
extirpado (o suicídio de Leôncio) cede lugar ao Bem. E aqueles que nortearam
suas ações pelas virtudes maiores é que estão aptos a receber o prêmio daí
decorrente.”
OS
PERSONAGENS
A obra
apresenta a tríade comum aos romances populares românticos: vilão, heroína e herói. E, graças à
ausência de profundidade com que são construídos, os personagens do romance são planos,
estáticos e superficiais.
Isaura: Uma escrava branca, da cor do marfim, magra,
estatura pequena, cabelos longos, muito bonita, pura, virginal, possuía um
caráter nobre, inteligente, era dotada de natural bondade e muito singela de
coração, além disso, sabia ler e escrever, falava italiano, francês e tocava
piano. Demonstra “conhecer o seu lugar”: do princípio ao fim, suporta
conformada a perseguição de Leôncio, as propostas de Henrique, as desconfianças
de Malvina, sem jamais se revoltar. Permanece emocionalmente escrava, mesmo
tendo sido educada como uma dama da sociedade. Tem escrúpulos de passar por
branca livre, acha-se indigna do amor de Álvaro e termina como a própria imagem
da “virtude recompensada”. Vejamos como Guimarães descreve sua
heroína: “A tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra,
embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou
cor-de-rosa desmaiada. (…) Na fronte calma e lisa como o mármore polido, a luz
do ocaso esbatia um róseo e suave reflexo; di-la-íeis misteriosa lâmpada de
alabastro guardando no seio diáfano o fogo celeste da inspiração.”
Leôncio: Leôncio é o vilão leviano,
devasso e insensível que, de “criança incorrigível e insubordinada” e
adolescente que sangra a carteira do pai com suas aventuras, acaba por
tornar-se um homem cruel e inescrupuloso. Homem de aparência rude, era o
herdeiro de todos os maus instintos e devassidão do comendador, seu pai. Nutre
por Isaura o mais cego e violento amor. Casa-se com Malvina, linda, ingênua e
rica, por ser “um meio mais suave e natural de adquirir fortuna”. Persegue
Isaura e se recusa a cumprir a vontade de sua mãe, já falecida, que queria dar
a ela a liberdade e alguma renda para viver com dignidade.
Comendador Almeida: (dono da fazenda) um homem rude,
imundo, avarento e canalha.
Álvaro: é um rico herdeiro, cavalheiro nobre e de
caráter impecável, que “tinha ódio a todos os privilégios e distinções sociais,
e é escusado dizer que era liberal, republicano e quase socialista”; um jovem
de idéias igualitárias, idealista e corajoso para lutar contra os valores da
sociedade a que pertence. Sua conduta moral é assim descrita pelo autor: “Original
e excêntrico como um rico lorde inglês, professava em seus costumes a pureza e
severidade de um quacker. Todavia, como homem de imaginação viva e coração
impressionaável, não deixava de amar os prazeres, o luxo, a elegância, e
sobretudo as mulheres, mas com certo platonismo delicado, certa pureza ideal,
próprios das almas elevadas e dos corações bem formados.” Apaixonado
por Isaura, o grande obstáculo que Álvaro precisa vencer é o fato de ser Isaura
propriedade legítima de Leôncio. Para isso, vai à corte, descobre a falência de
Leôncio, adquire seus bens e desmascara o vilão. Liberta Isaura e casa-se com
ela, desafiando, assim, os preconceitos da sociedade escravocrata.
Juliana: (mãe de Isaura). Era a mais linda
escrava e sofria de privações, por não querer ser amante do Comendador Almeida.
Miguel: era o feitor da fazenda na época
do Comendador. É pai de Isaura, foge do conceito tradicional do mau feitor.
Quando feitor da fazenda de Leôncio, tratara bem aos escravos e amparara Juliana, mãe de Isaura, nas suas
desditas com o pai de Leôncio. Pai extremoso, deseja libertar a filha do jugo
da escravidão e não mede esforços para isso.
Elvira e Anselmo: nomes de Isaura e Miguel, quando
fogem e vão morar em Recife.
Martinho: é o protótipo do ganancioso:
cabeça grande, cara larga, feições grosseiras e “no fundo de seus olhos pardos
e pequeninos,… reluz constantemente um raio de velhacaria”. Por querer
ganhar muito dinheiro entregando Isaura ao seu senhor, acaba por não ganhar
nada.
Belchior: é o símbolo da estupidez submissa e também sua
descrição física se presta a demonstrar sua conduta: feio, cabeludo, atarracado
e corcunda. O crítico Manuel Cavalcanti Proença aponta “o parentesco entre o
disforme e grotesco (de gruta) Belchior, e o Quasímodo de O Corcunda de Notre
Dame, de Víctor Hugo, romance de extraordinária voga, ainda não de todo
perdida, no Brasil.”
Dr. Geraldo: é um advogado conceituado, que
serve como fiel da balança para Álvaro, já que procura equilibrar os arroubos
do amigo, mostrando-lhe a realidade dos fatos. Quando Álvaro, revoltado com a
condição de Isaura e indignado com os horrores da escravidão, dispõe-se a
unir-se a ela, mesmo sabendo que escandalizaria a sociedade, Geraldo retruca
lucidamente que a fortuna de Álvaro lhe dá independência para “satisfazer os
teus sonhos filantrópicos e os caprichos de tua imaginação romanesca”. O
que não é, na verdade, característica restrita apenas à sociedade escravocrata
do século XIX.
Malvina: esposa de Leôncio, jovem rica e
ingênua, que fica com o tempo barbarizada com o comportamento do marido, com o
tempo vai tendo ódio de seu comportamento.
Henrique: (cunhado de Leôncio), rapaz bom,
estudioso e rico.irmão de Malvina,que também se interessa por Isaura.
André: escravo da fazenda, também
apaixonado por Isaura
Rosa: escrava, invejosa, ao contrário
de Isaura, cede aos apelos sexuais de Leôncio.
Este
romance já foi considerado, com bastante exagero, uma espécie de A
Cabana do Pai Tomás (1851) nacional. Porém, Bernardo Guimarães, ao
contrário da romancista americana Harriet Beecher Stowe, detém-se muito pouco
na descrição dos sofrimentos provocados pelo regime escravocrata. Ele coloca,
na boca de alguns personagens, como Álvaro e seus amigos, estudantes no Recife,
algumas frases abolicionistas, mas parece tomar bastante cuidado em não
provocar a fúria dos seus leitores conservadores. Está mais preocupado em
contar as perseguições do senhor cruel à escrava virtuosa e, assim, conquistar
a simpatia do leitor.
Bernardo
Guimarães faz questão de ressaltar exaustivamente a beleza branca e pura de
Isaura, que não denunciava a sua condição de escrava porque não portava nenhum
traço africano, era educada e nada havia nela que “denunciasse a abjeção do
escravo”. O que parece uma escolha preconceituosa e contraditória – contar as
agruras da escravidão criando uma escrava branca – talvez seja melhor
compreeendido se se levar em conta que a maior parte do público que consumia
romances na época era composto por mulheres da sociedade, que apreciavam as
histórias de amor.
Somem-se
a isso o modelo de beleza feminino de então, caracterizado pela pele nívea e
maçãs rosadas do rosto e, principalmente, o objetivo do autor de conquistar a
solidariedade do leitor pela escrava, mostrando a que ponto extremo poderia
chegar o regime escravocrata: “fisicamente, Isaura não é diferente das damas da
sociedade, mas, por ser escrava, é obrigada a viver como os de sua classe, como
objeto útil nas mãos de seu senhor”, conforme afirma a crítica Maria Nazareth
Soares Fonseca.
O autor
claramente conseguiu o que queria. A sociedade brasileira do século XIX, que
tanto se apiedou das desventuras de Isaura, aceitou-a porque ela era branca e
educada. O autor pôde, assim, demonstrar, através do seu sofrimento, o quanto
“é vã e ridícula toda a distinção que provém do nascimento e da riqueza”. E é
claro, a cor de Isaura serve, como afirma o crítico Antônio Cândido, “para
facilitar a ação de Álvaro, compreensivelmente apaixonado e decidido a
desposá-la, como fez.”
Se houve
influência, portanto, do romance A cabana do Pai Tomás, talvez
tenha sido apenas no que o crítico Alfredo Bosi aponta como referência: a cena
da fuga de Campos para Recife, “talvez sugerida pela fuga de Elisa através dos
gelos flutuantes de Ohio para a liberdade no Norte e por fim no Canadá”.
Entretanto, o fato é que, como aponta o crítico, só depois do lançamento de A
cabana do Pai Tomás “a literatura brasileira começou a ser povoada de feitores
cruéis e de escravos virtuosos”.
A
LINGUAGEM
O
tratamento exageradamente romântico que o autor aplica neste livro faz com que
ele tenha um caráter mais de lenda do que de realidade, ao contrário de seus
outros romances, como O Ermitão de
Muquém (1864),O Seminarista (1872)
e O Garimpeiro (1872),
em que a descrição regionalista do ambiente físico e social proporciona mais
verossimilhança à trama.
Em A
Escrava Isaura, o excesso de imaginação se traduz em “idealização
descabida”, como afirma Antonio Candido, que se concretiza no plano da
linguagem em descrições repetitivas e mecânicas dos personagens, com
abuso de adjetivos redundantes. Observe-se a descrição de Isaura quando
senta-se ao piano no salão de baile no Recife:“A fisionomia, cuja expressão
habitual era toda modéstia, ingenuidade e candura, animou-se de luz insólita; o
busto admiravelmente cinzelado ergueu-se altaneiro e majestoso; os olhos
extáticos alçavam-se cheios de esplendor e serenidade; os seios, que até ali
apenas arfavam como as ondas de um lago em tranqüila noite de luar, começaram
de ofegar, túrgidos e agitados, como oceano encapelado; seu colo distendeu-se
alvo e esbelto como o do cisne, que se apresta a desprender os divinais
gorgeios. Era o sopro da inspiração artística, que, roçando-lhe pela fronte, a
transformava em sacerdotisa do belo, em intérprete inspirada das harmonias do
céu.”
O
feminino idealizado: a donzela incorruptível
“Os
motivos que compõem romance”, segundo Cavalcanti Proença, “são filiados nos
velhos e perenes topos” – ou temas – “da literatura popular. O amor à primeira
vista é um deles. Ver e amar é um verbo só. E isso porque a narrativa não é a
história de um amor, mas dos sofrimentos do amor. (…) Para isso se entretecem
os conflitos de escrava que não tem direito de amar, os do homem casado que não
deve trair a esposa. (Amor verdadeiro só o primeiro.)” Entre esses temas,
há um que remonta à literatura medieval e que domina a narrativa como um todo,
a partir da descrição de Isaura como pura e virtuosa, lutando contra a luxúria
do seu senhor. É o da donzela inexpugnável, que defende sua pureza com todas as
forças de que dispõe, preferindo arriscar-se à morte na fuga a se entregar
amei
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