Clarice Lispector
BIOGRAFIA DE LISPECTOR
“Nasci na Ucrânia,
terra de meus pais. Nasci numa aldeia chamada Tchetchelnik, que não figura no
mapa de tão pequena e insignificante. Quando minha mãe estava grávida de mim,
meus pais já estavam se encaminhando para os Estados Unidos ou Brasil, ainda
não haviam decidido: pararam em Tchetchelnik para eu nascer, e prosseguiram
viagem. Cheguei ao Brasil com apenas dois meses de idade. Sou brasileira
naturalizada, quando, por uma questão de meses, poderia ser brasileira nata.
Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento mais íntimo,
usei-a para palavras de amor. Comecei a escrever pequenos contos logo que me
alfabetizaram, e escrevi-os em português, é claro. Criei-me em Recife. (...) E
nasci para escrever. Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio
sobre o mundo.” (Waldman,1983. p. 9-10)
Clarice nasceu em
1925, em uma aldeia ucraniana. Aos dois meses de idade, veio com a família para
o Brasil. Morou em Alagoas, Pernambuco, mas passou a infância no Recife. Lá, a
autora cursou a escola primária e ginasial. Quando aprendeu a ler aos sete anos
de idade, descobriu que os livros eram escritos por autores e o queria ser
também. Transferiu-se para o Rio de Janeiro aos doze anos e lá estudou Direito,
chegando a trabalhar como redatora e, anos mais tarde, jornalista. Forma-se em
1944, ano em que publica a sua primeira obra, Perto do Coração Selvagem.
Olga Borelli, sua grande amiga, conta em depoimento que o método utilizado para
escrever seu primeiro livro perduraria para sempre na vida de Lispector:
“Clarice tomava notas onde quer que estivesse. Na lanchonete, em guardanapos;
no cinema, no maço de cigarros. Clarice ia construindo suas obras
fragmentariamente.”
Casou-se, nessa mesma
época, com um diplomata brasileiro (Maury Gurgel Valente) e, por isso,
afastou-se durante longos períodos do país que tanto amava. Aos dezenove anos
já se encontrava em Nápoles, Itália. Mesmo depois de ganhar o prêmio “Graça
Aranha” por seu primeiro romance, não se considerava uma escritora
profissional, insistia que era uma escritora amadora. Com o marido, teve dois
filhos: Pedro e Paulo. Separa-se de Gurgel Valente em 1960, ano em que retorna
para o Brasil e passa a morar no Rio de Janeiro.
Em 1976, a escritora
recebe um convite inusitado: representar o Brasil num Congresso Mundial de
Bruxaria, em Bogotá, Colômbia. Sua participação lá resumiu-se à leitura de seu
conto “O Ovo e a Galinha”, o qual acreditava que ninguém havia entendido. Faleceu
no Rio de Janeiro em 1977.
O ESTILO CLARICEANO
As inovações feitas
por Clarice Lispector em sua escritura, desde a sua primeira obra publicada,
provocaram grande espanto na crítica e no público da época. Grandes críticos
literários chegaram a apontar inúmeras falhas nos romances da escritora, como o
fez Álvaro Lins, em sua obra Os mortos de sobrerressaca, 1963, p.
189: “li o romance duas vezes, e ao terminar só havia uma impressão: a de que
ele não estava realizado, a de que estava completa e inacabada a sua estrutura
como obra de ficção.” Sem a freqüência das estruturas tradicionais dos gêneros
narrativos, a narrativa clariceana quebra a ordem cronológica e funde a prosa à
poesia. Uma das inovações de sua linguagem para a literatura brasileira é o fluxo
de consciência. Para entendermos o que é isso, seguiremos a definição de
Norman Friedman sobre análise mental, monólogo interior e fluxo de consciência.
“O primeiro é definido como um aprofundamento nos processos mentais da
personagem por uma espécie de narrador onisciente; o segundo, um aprofundamento
maior, cuja radicalização desliza para o fluxo de consciência onde a linguagem
perde os nexos lógicos e se torna caótica” (KADOTA, s/d, p. 74). Clarice
transitaria pelos três movimentos, apesar de apresentar características mais
evidentes de “fluxo de consciência”.
É como se uma câmera
fosse instalada na cabeça da personagem, como se pudéssemos acompanhar
exatamente o que ela pensa e da mesma maneira como pensa. Sabemos que o nosso
pensamento não é ordenado, e quando se pretende demonstrá-lo de forma semelhante,
acompanhamos sua desordem. Presente e passado, realidade e desejos da
personagem (ou narrador) misturam-se na narrativa, quebrando limites
espaço-temporais verossímeis. Joyce e Proust já haviam feito experiências como
essa, mas foi Clarice que introduziu esse estilo no Brasil.