3 de nov. de 2013

PAES 2013 – Análise literária: "HISTÓRIA DA PROVÍNCIA DE SANTA CRUZ A QUE VULGARMENTE CHAMAMOS BRASIL"

Sobre o autor
Pero Magalhães de Gândavo (Braga,1540 - Portugal, 1579).
Sabe-se pouco sobre Pero de Magalhães de Gândavo. Nasceu em Braga, norte de Portugal. Tem este nome porque sua família veio de Gand, próspera cidade flamenga de Flandres (hoje Bélgica). Foi amigo de Luís de Camões. Escreveu uma gramática com regras da língua portuguesa.
Pero teria estado no Brasil na década de 1560. Dessa viagem resultou o Tratado da província do Brasil, que, numa versão posterior, ganharia o título de Tratado da terra do Brasil e, finalmente, numa terceira versão passaria a chamar-se História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. O projeto inteiro  ocupou dez anos de sua vida. Tanto título e tanto tempo de trabalho se justificam, provavelmente, porque o Tratado já não podia dar conta da grandeza e complexidade em que se transformara o Brasil, tarefa reservada á solenidade da História.  Assim, somente em 1576 entregou a uma tipografia o que foi a terceira e definitiva versão de "História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil". Esta obra é considerada a primeira sobre a história do Brasil. Nome que, aliás, detestava, por julgar sua referência à mera tintura. Pero de Magalhães de Gândavo esteve no Brasil, provavelmente, entre 1558 e 1572.
Pero de Magalhães de Gândavo é o pioneiro de uma longa e nobre linhagem de descritores do Brasil. Sabe-se que foi membro da corte de D. Sebastião, onde desempenhava as funções de “Moço de Câmara”, uma espécie de Ajudante de Ordens, como se diz no exército. E que, além disso, trabalhou como copista na Torre do Tombo. Nos termos técnicos da época, “que trasladava livros”. Sabe-se ainda, mas não muito mais, que foi
nomeado “Provedor da Fazenda” em Salvador, mas não há registro de que tenha  assumido tal cargo.
Típico renascentista, Gândavo é homem de gabinete e de aventura. Quanto ao  primeiro aspecto, é autor de umas Regras que ensinam a maneira de escrever e  ortographia da língua portuguesa, publicadas em 1574, pela mesma “Ophicina” de  Antonio Gonsalvez. O mesmo editor que, dois anos antes, dera a público Os Lusíadas, de Luiz de Camões, de quem Gândavo era admirador e amigo, e dois anos depois publicaria sua versão definitiva da História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil.
Sua escrita possui clara finalidade de estimular a emigração portuguesa.

QUINHENTISMO
Quinhentismo é a denominação genérica de todas as manifestações literárias ocorridas no Brasil durante o século XVI, no momento em que a cultura europeia foi introduzida no país. Note que, nesse período, ainda não se trata de literatura genuinamente brasileira, a qual revele visão do homem brasileiro. Trata-se de uma literatura ocorrida no Brasil, ligada ao Brasil, mas que denota a visão, as ambições e as intenções do homem europeu mercantilista em busca de novas terras e riquezas. As manifestações ocorridas se prenderam, basicamente, à descrição da terra e do índio, ou a textos escritos pelos viajantes, jesuítas e missionários que aqui estiveram.
Literatura Informativa
A Carta de Caminha inaugura o que se convencionou chamar de Literatura Informativa sobre o Brasil. Este tipo de literatura, também conhecido como literatura dos viajantes ou literatura dos cronistas, como consequência das Grandes Navegações, empenha-se em fazer um levantamento da “terra nova”, de sua floresta e fauna, de seus habitantes e costumes, que se apresentaram muito diferentes dos europeus. Daí ser uma literatura meramente descritiva e, como tal, sem grande valor literário.
Literatura informativa HOJE
Para o leitor de hoje, a literatura informativa satisfaz a curiosidade a respeito do Brasil nos seus primeiros anos de vida, oferecendo o encanto das narrativas de viagem. Para os historiadores, os textos são fontes obrigatórias de pesquisa. Mais adiante, com o movimento modernista, esses textos foram retomados pelos escritores brasileiros, como Oswald de Andrade, como forma de denúncia da exploração a que o país sofrera desde então.
Veja os principais documentos que compõem a nossa literatura informativa:
1. Carta do descobrimento (Pero Vaz de Caminha): foi escrita no ano de 1500 e publicada pela primeira vez em 1817.
2. Tratado da terra do Brasil (Pero de Magalhães Gândavo): foi escrito por volta de 1570 e impresso pela primeira vez em 1826.
3. História da Província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil (Pero de Magalhães Gândavo): foi editado em 1576.
4. Diálogo sobre a conversão dos gentios (Padre Manuel da Nóbrega): foi escrito em 1557 e impresso em 1880.
5. Tratado descritivo do Brasil (Gabriel Soares de Sousa): escrito em 1587 e impresso por volta de 1839.

A História da Província Santa Cruz ultrapassa as raias de um mero relato de viagem, pois oferece um amplo quadro dos primórdios da colonização. Assim, os textos de Gândavo colaboram para a divulgação do Brasil desde 1576. Desse modo, Pero de Magalhães Gândavo, juntamente com Caminha, testemunha a formação do país e do povo brasileiro, ao traduzir a realidade que brotava do aparente paraíso.


História da Província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil: resumo
No seu primeiro capítulo, o cronista vem descrever como se deu o descobrimento da província e por que razão que ela passou a se chamar de Santa Cruz e não de Brasil.
O segundo capítulo foi retirado da versão de estudos proposta pela Unimontes.
O terceiro capítulo refere-se as oito mais importantes capitanias dos portugueses na província; como se portavam os moradores daquele lugar; como se defendiam contra os inimigos; como eram os índios que ali estavam e sobre a dizimação de muitos deles pelos moradores que ali chegaram.
No seu quarto capítulo o autor trata sobre a forma de administrar essas províncias, com seus governantes, através da divisão dos poderes no norte e no sul das capitanias, com o melhoramento das edificações, a divisão do trabalho dentro delas e o espírito solidário e cooperativo entre eles.

PROPAGANDA QUINHENTISTA
Gândavo é o primeiro autor quinhentista a elaborar a experiência do conhecimento das terras brasileiras com o objetivo de publicá-la. Provavelmente, enquanto navegava longas distâncias entre as capitanias hereditárias, como provedor da capitania baiana, não deixava de tomar notas das cousas principais da terra e dos índios.
O objetivo que palpita nos textos gandavianos é muito claro: a divulgação do Brasil com a intenção de atrair o maior número de pessoas para a colônia no além-mar. A cada etapa os tópicos vão sendo detalhados, enriquecidos com informações cada vez mais precisas.  
 Ao longo do texto, várias interpretações sobre a vida e os costumes dos índios aparecem esparsas. Para ele, os habitantes vivem em uma terra “sem Fé, nem Lei, nem Rei”.
“A lingoa de que usam, toda pela costa, he huma: ainda que em certo vocábulos differe n’algumas partes; (...) carece de três letras, convem a saber, nam têm F, nem L, nem R, cousa digna despanto porque assi nam têm Fé, nem Lei, nem Rei, e desta maneira vivem desordenadamente sem terem alem disto conta, nem peso, nem medido” (História, 1980:123-124).


SOBRE A MUDANÇA DO NOME: RELIGIOSIDADE
Em História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil  evangelizar e explorar, em vez de opostas, eram atividades complementares naqueles tempos de Gândavo, bem sintetizadas nos versos de Camões, que cantarão “...as memórias gloriosas /Daqueles reis que foram dilatando/ A Fé, o Império, e as terras viciosas de África e de Ásia andaram devastando.” Levava-se a palavra de Deus aos confins do mundo e impunha-se o Seu nome a ferro, fogo e muito sangue. Daí que o devastar em Camões ganhe caráter positivo – para espanto dos nossos tempos de agora. Mas, é preciso compreender que se tratava de devastar “terras viciosas”, isto é, lugares que representavam verdadeira ofensa à existência de Deus. Era natural, assim, que, em reconhecimento a tanto esforço, Deus autorizasse seus servidores, a promover uma pilhagem aqui, um saque ali, uma invasão mais além, de modo a não voltar de mãos e naus vazias. Tratava-se de pequena  recompensa para tanto zelo em nome Dele.
Tal concepção só tem sua legitimidade posta em dúvida, e mais que isso, condenada, quando a ação ultrapassa o limite do “serviço de Deus”, para apresentar-se pura e simplesmente como efeito malévolo da cobiça humana, que aproxima o homem das forças do mal. Quando tal mudança é percebida, o castigo de Deus é iminente, embora ele quase nunca seja entendido assim, pois mesmo na guerra santa há sempre excessos, desculpáveis na proporção do fervor empregado.
É nessa direção que se deve entender a substituição da palavra Brasil por Santa Cruz nas duas versões da História. Nessa época, brasil remete, por sua cor, a um –  passe o paradoxo – verdadeiro El Dorado, objeto de disputa feroz entre portugueses e  invasores, particularmente os franceses, devido ao seu alto valor comercial: o pau-brasil.
Gândavo propõe, com a mudança do nome, uma volta às origens, posto a cobiça ter encoberto o projeto inicial sinalizado no nome Santa Cruz. O autor nada tinha contra a exploração comercial da madeira, somente que tal prática não pode nunca transformar-se em nome da terra, pois, nessa troca de madeira, substituir-se-ia a sagrada – a madeira da cruz! – pela mundana, na qual se manifesta a presença viva (e colorida) do diabo. É  pois uma batalha no nível do signo que Gândavo empreende.
Por onde não parece razoável que lhe neguemos esse nome [Santa Cruz], nem que nos esqueçamos dele tão indevidamente por outro que lhe deu o vulgo depois que o pau da tinta começou a vir para estes reinos. Ao qual chamaram brasil por ser vermelho e ter semelhança de brasa, e por isso ficou a terra com esse nome de Brasil. Mas para que nisto magoemos ao demônio, que tanto trabalhou e trabalha para extinguir a memória da santa cruz (mediante a qual fomos redimidos e livrados do poder de sua tirania) e desterrá-la dos corações dos homens, restituamos-lhe seu nome e chamemos-lhe, como em princípio, província de Santa Cruz (que assim o aconselha também aquele ilustre e famoso escritor João de Barros na sua primeira Década, tratando desse descobrimento) (HSC, 46).

Presença viva no cotidiano, Deus tem suas marcas deixadas por onde andam Seus seguidores. Abandonar tal prática nesse caso é entregar-se deliberadamente às manhas do demônio, que anda rondando sempre, tentando até mesmo o mais fiel dos fiéis.

A obra: uma síntese
Na sua obra “História da Província de Santa Cruz”, Gândavo relata como ocorreu o descobrimento do Brasil: Companhias de navios saíram de Lisboa em 9 de março de 1500 com destino à Índia, por já terem um genérico mapa que os conduzissem, se deparam num meio de um temporal nas ilhas do Cabo Verde que por consequência separou os navios da companhia e alteraram sua rota. Ao passar de um mês navegando no sentido do vento, avistaram então a terra prometida e se depararam em sua costa, foram navegando por sua extensão até encontrarem um porto limpo e seguro, ao qual nomearam Porto Seguro. Ao passar a noite, Pedro Álvares saiu com um grande contingente de gente onde já tiveram o primeiro contato com tais nativos que deram o nome de índios (...) e entre eles rezaram uma missa. Aqueles nativos que ali se faziam presente se aglomeraram e ouviam tudo muito quietos.
Logo depois desse momento, os portugueses interpretaram que, devido aos índios de porem de joelhos e baterem no peito, eles tendiam à fé e assim estavam dispostos a receberem a doutrina cristã. Pedro Álvares, então, mandou logo navios com tal notícia para o rei Dom Manuel o qual ficou muito feliz e logo começou a mandar navios e vice-versa e assim a terra começou a pouco sendo conhecida e sucessivamente habitada.
Por ali se instalou por vários dias Pedro Álvares de Cabral que não poderia partir desta terra sem deixar um nome. Assim, alçou na maior árvore da redondeza uma cruz que foi comemorada com grande solenidade por alguns fiéis e sacerdotes, dando então, o nome de Santa Cruz, mas logo tal nome foi esquecido, depois que o pau-da-tinta começou a ser conhecido e cobiçado e também chamado de Brasil por ser vermelho e ter semelhança de brasa, daí aquelas terras antes Santa Cruz, passaram a ser conhecidas como Brasil. No entanto, prevaleceu o intuito católico: a terra voltou a ser chamada província de Santa Cruz. Como um pau que somente servia para tingir panos poderia ser o nome desta província?
Deste ponto Gândavo começa a caracterizar o Brasil e propagandeá-lo com fama de ser ótimo para os portugueses morarem. Fala da estrutura das casas, da abundância de frutos e promessa de uma vida melhor na terra descoberta. Descrevia o Brasil com condições de vida provincial bem melhor do que as de Portugal.
Gândavo também relata o motivo por qual estavam matando os índios: vários portugueses começaram a se instalar pela costa terrestre e lá também existiam vários índios os quais se levantaram contra os portugueses e faziam muitas traições. Os nativos tentavam se esquivar do desejo português de escravizar a mão-de-obra indígena. Os índios que sobreviviam migravam para o sertão.

Gândavo mencionou e caracterizou as terras dos primeiros capitães que conquistaram esta província:
1 – Capitania Tamaracá: Seu conquistador foi Pero Lopes de Sousa. É uma ilha onde ao norte encontramos terras viçosas e é lá onde o próprio mora.
2 – Capitania Pernambuco: seu conquistador foi Duarte Coelho,sua residência encontra-se a 4 léguas da ilha de Tamaracá, chama-se Olinda que é uma das mais nobres vilas da província. Uma característica muito importante é o fato de lá haverem muito escravos, com isso vários fazendeiros utilizaram-no para trabalho escravo.
3 – Capitania Bahia de Todos os Santos: Onde encontramos o governador e bispo, e ouvidor-geral de toda costa, quem conquistou foi Francisco Pereira Coutinho. Eliminou por toda a extensão vida indígena, pois os tinham como seus inimigos. Seu primeiro governador-geral foi Tomé de Souza. Existia uma cidade nobre e muito bonita onde morava o governador: Salvador.
4 – Capitania Ilhéus: Seu conquistador foi Jorge de Figueredo Correia, Estabeleceu uma vila a 30 léguas da Bahia de todos os santos muito formosa e de muitos vizinhos.
5 – Capitania Porto Seguro: Seu conquistador foi Pero do Campo Tourinho, famosa por ter um porto limpo e seguro.
6 – Capitania Espírito Santo: Seu conquistador foi Vasco Fernandes Coutinho. Sua população é situada em uma ilha pequena, dela nasce um rio com infinidade de peixes com extensão até o sertão. Portadora de terras férteis.
7 – Capitania Rio de Janeiro: Seu conquistador foi Mem de Sá, expulsaram numa batalha os índios que ali encontravam-se. Ele foi o governador geral dessas partes. Considerada segura e propicia para ser capital da província.
8 – Capitania de São Vicente: Seu conquistador foi Martim Afonso de Sousa, essa é uma terra bastante povoada.


O quarto capítulo da obra mostra a divisão do espaço brasileiro em dois governos gerais, a fim de facilitar o gerenciamento, e a convivência e ambientação dos portugueses que aqui habitavam, o que propiciou o desenvolvimento econômico.
Veja a nota do editor em uma das publicações que traz trechos da produção de Pero de Magalhâes Gândavo:
 “Em 1570, a Coroa Portuguesa resolveu dividir o Brasil em dois governos-gerais: um indo de Pernambuco a Porto Seguro, com capital em Salvador; e outro de ilhéus até o sul, com capital no Rio de Janeiro. A divisão ocorreu, segundo a Coroa, pois ‘sendo as terras da costa do Brasil tão grandes e distantes umas das outras e haver já agora nelas muitas povoações e esperanças de se fazer muito mais pelo tempo em diante, não podiam ser tão inteiramente governadas como cumpria, por um só governador, como até aqui nelas houve’” (Cronista do descobrimento; editora ática - Pero de Magalhães Gândavo).

Não podemos jamais esquecer que o índio foi importante para tamanho crescimento da província, uma vez que desempenhava, em primeiro momento, trabalho escravo. No entanto, o negro africano começava a ser trazido para o Brasil para que, pouco a pouco, substituísse a mão-de-obra dos nativos. Estes resistiam ao processo de escravização e contavam com o apoio da Igreja que também trabalhava para impedir a escravidão do índio, mas aplaudia a subserviência do negro.




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