3 de nov. de 2013

O navio negreiro e Canção do africano, Castro Alves

PAES 2013 –"O Navio Negreiro" e “Canção do africano”, Castro Alves: análise literária

Antônio Frederico de CASTRO ALVES
Nasceu, em 1847, na fazenda Cabaceiras, município de Muritiva, BA, e faleceu em Salvador em 1871, de tuberculose. Depois dos estudos preparatórios em Salvador, vai, em 1862, para Recife em cuja Faculdade de Direito ingressa em 1864, sendo colega do líder estudantil Tobias Barreto. Reforça a incipiente campanha liberal-abolicionista. Não se destaca pela aplicação aos estudos. Faz-se orador e poeta.
Em 1868 chega a São Paulo, acompanhando a atriz Eugênia Câmara com quem vivia desde Recife. Em São Paulo torna-se aclamado orador e poeta.
Numa caçada nos arredores de São Paulo, fere o calcanhar esquerdo. Sobrevém a gangrena. Amputam-lhe o pé. Ferido em sua vaidade e já tuberculose, volta à Bahia, em 1869, certo já de sua morte próxima.
OBRAS:  Espumas flutuantes (1870), A Cachoeira de Paulo Afonso (1876), Os Escravos (1883), Gonzaga ou A Revolução de Minas ( drama encenado na Bahia em 1867).

TERCEIRA FASE ROMÂNTICA: POESIA CONDOREIRA
A terceira fase romântica é marcada por uma poesia de acentuado compromisso social. Denominada poesia condoreira, tem como símbolo o condor, cujo sentido é a liberdade de expressão e de linguagem. Victor Hugo foi o poeta francês que mais influenciou esta geração cuja poesia entra num processo de universalização, isto é, procura expressar a realidade de um grupo social.
Assim, seja por imitação dos padrões europeus, seja por simples entusiasmo romântico, o fato é que a poesia brasileira de caráter social restaurou sua identidade com o povo, anunciando o novo na vida nacional. Trata-se, portanto, de uma época de transição em que surge uma literatura preocupada com a denúncia social.
Castro Alves foi o mais importante representante da poesia condoreira no Brasil. Seus poemas sociais tratam de questões como a crença no progresso e na educação como forma de aprimoramento social, da República e, principalmente, o fim da escravidão negra. O tom vigoroso, a ressonância de seus versos, a indignação e a expressividade são elementos que consagraram o “poeta dos escravos”.
Condoreiro, a sua poesia serviu de instrumento de luta contra a escravidão, pois o seu tom de elevação era propício para récitas em locais públicos: praças, salões de leitura etc. A eloquência dos versos está evidenciada em poemas que denunciavam a vida miserável dos escravos. O poeta aproxima-se da realidade social, embora conserve ainda o idealismo e o subjetivismo românticos.

O navio negreiro – Tragédia no mar

“O navio negreiro” (ou “Tragédia no mar”), inserido na obra Os Escravos, é um dos poemas mais famosos de Castro Alves. Quando foi composto, em 1868, o tráfico de escravos já estava proibido no país; contudo, a escravidão e seus efeitos persistiram. Para denunciar a condição miserável e desumana dos escravos, o poeta valeu-se do drama dos negros em sua travessia da África para o Brasil.

Estrutura da obra:
Dividido em seis partes ( com alternância métrica variada para obter o efeito rítmico desejado em cada situação retratada), é apresentado da seguinte forma:
na primeira parte, o eu lírico limita-se a descrever a atmosfera calma que sugere beleza e tranquilidade; na segunda parte, descreve marinheiros de várias nacionalidades, caracterizando-os como valentes, nobres e corajosos; na terceira parte, o eu lírico introduz a verdadeira intenção do poema – a denúncia do tráfico de escravos, através de expressões indignadas.
Na quarta parte, o eu lírico passa a descrever, com detalhes, os horrores e castigos de um navio de escravos.
Na quinta parte, ele invoca os elementos da natureza para que destruam o navio e acabem com os horrores que mancham a beleza do mar, destacando a vida livre dos negros na África e a escravidão a que são reduzidos no navio.
Finalmente, na sexta parte, ele indica a nacionalidade (brasileira), invocando os heróis do Novo Mundo, para que eles, por terem aberto novos horizontes, possam acabar com a infâmia da escravidão.
A parte mais dramática (a parte IV) é a descrição do que se via no interior de um navio negreiro. Note a capacidade de Castro Alves em nos fazer “ver” a cena, como se estivéssemos em uma montagem teatral: o tombadilho do navio transformado em um palco infernal. O quadro é horroroso, a descrição é crua e a cena revoltante. A repetição da terceira estrofe no final dá-lhe uma natureza de refrão.
Outro dado interessante é o emprego que o poeta faz da linguagem, trabalhando ora os adjetivos para descrever com mais expressividade o cenário e o elemento humano, ora os verbos para reforçar o dinamismo do “balé”. A grandiloquência vem com toda com toda força, onde o exagero cumpre, sem dúvida, a função de emocionar ( passa a focalizar o drama que é o fulcro do poema).
Logo no início, o eu lírico compara o navio negreiro a um “sonho dantesco”. Com essa expressão, faz referência às terríveis cenas descritas pelo escritor italiano Dante Alighieri, em “O inferno”, parte da obra A divina comédia. Horroriza-se com a situação infame e vil dos negros no tombadilho (as correntes, o chicote, a multidão, o sofrimento, a “dança”macabra). O ritmo nos é dado por algumas palavras especiais de acentuada sonoridade (“tinir”, “estalar”, por exemplo).
Repare na imagem das “Negras mulheres”: não há mais leite para alimentar as “magras crianças” (somente sangue) e, por citar as “tetas”, faz-se analogia a um mero animal. Ao descrever as moças nuas (condição de ausência de proteção) espantadas, arrastadas em meio à multidão de negros esquálidos (magros), o eu lírico apela para que o leitor sinta piedade pelo sofrimento do ser humano (piedade cristã). As reticências conduzem à reflexão, à intensidade da dramaticidade diante da situação condenável, horrenda.
Do ponto de vista cromático, duas cores são postas em contraste na primeira e segunda estrofes. Estas cores são o vermelho e o preto, que compõem o dramático painel em que o sangue dos escravos contrasta com o negro de sua pele.
Há reincidente uso de imagens que sugerem desespero, sofrimento e dor. A exposição do velho arquejando (desumanização), acompanhado do chicote ( a serpente que “faz doudas espirais”), assemelha-se a de um animal, que acompanha a “orquestra”( os marinheiros aparecem representados pela orquestra que comanda a dança) sem reclamar… E essa “tragédia” se completa quando essa “multidão faminta”, que sofre sem cessar, geme de dor, chora e delira… Enfraquecidos, eles enlouquecem.
A cena é de uma crueldade atroz, já que, para se divertir, os marinheiros surram os negros. Repare no efeito expressivo da antítese que contrapõe o céu puro sobre o mar e a figura do capitão (regente da orquestra) cercado de fumaça. Ela estabelece o contraste entre a natureza como obra divina e a escravidão como obra demoníaca.
Depois de apresentar o navio como uma visão dantesca, uma figura diabólica (que também aparece no final da obra “A divina comédia”) é utilizada para o desfecho da última estrofe, finalizando a quarta parte do poema. O eu lírico ressalta o prazer (novamente exposto pelo verbo “rir”) daqueles que torturam (uma orquestra irônica, estridente)em oposição ao sofrimento dos escravos (um trágico balé dançado) para deleite de Satanás.
Observe algumas figuras de linguagem em destaque no poema:
Metáfora
“Era um sonho dantesco” (referência às cenas horríveis descritas por de Dante Alighieri no “Inferno” de sua Divina Comédia),
“ a serpente faz doudas espirais…”( a serpente seria o chicote usado pelos marinheiros),
“E ri-se a orquestra irônica”( a expressão caracteriza os marinheiros que comandam a dança).
Hipérbato
“Que das luzernas avermelha o brilho”( a ordem direta seria: Que o brilho das luzenas avermelha).
Comparação
“Legiões de homens negros como a noite”.
Hipérbole
“No turbilhão de espectros arrastadas”,
“sangue a se banhar”
Metonímia
“O chicote estala”.

A canção do africano, Castro Alves

Além de “O navio negreiro”, outro poema que retrata a vida, o costume, o desejo, os castigos, a vida dos escravos africanos é “Canção da Africano”:

1ª estrofe:


Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em prantos
Saudades de seu torrão...


Nessa primeira estrofe, o eu lírico relata a respeito de uma negra africana, que, estando sentada na senzala, cantava uma música que lembra sua terra. Ao cantar ela chora.
2ª estrofe:


De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez para não o escutar!


Na senzala, os negros sentavam-se no chão, e a negra, a quem o autor se refere, está ao lado com o filho dela no colo. Eles ouvem a música cantada e o filho esconde, justamente para não escutar, pois a música o lembra a terra onde eles moravam e eram livres.  
3ª estrofe:


“minha terra é lá bem longe,
Das bandas onde o sol vem;
Está terra é mais bonita,
Mas a outra é que eu quero bem!


Nessa estrofe e nas próximas, o autor repete a música citada na 1ª e na 2ª estrofe. A letra dessa canção nos deixa perceber a saudade da terra natal. Nesse primeiro verso da música, dizem que a terra de onde vêm (África) é longe, e a compara com o local onde o sol nasce. As terras brasileiras são belas, no entanto, os negros desejam o lugar onde eram livres, no caso a África.
4ª e 5ª estrofe:


“ o sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda areia;
Ninguém sabe como é belo
Ver a tarde o papa-ceia!

“Aquelas terras tão grandes,
Tão cumpridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar...


Esses versos da música ressaltam as belezas naturais da África, que apesar de ser uma terra que possui certos lugares com clima muito quente, também tem belezas naturais, como exemplo a referência ao papa-ceia, ave típica e muito bonita de lá; sua beleza é comparada a de um sabiá aqui do Brasil. Citam também que lá as terras são grandes e as comparam com o mar, uma oposição ao local onde estão que é pequeno e apertado: a senzala.
6º estrofe:


“lá todos visem felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
como aqui só por dinheiro.”



É notável a saudade que os escravos sentiam de sua terra natal, segundo Castro Alves. Nela percebemos a liberdade deles antes de se tornarem escravos e ao mesmo tempo o único motivo que os trazem aqui, a ganância dos senhores que os escravizavam.
7ª estrofe:


O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Para não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!


Aqui ocorre a retomada do tema, onde o autor nos diz que após acabar a música todos na senzala se calam, pois já é tarde. Essa referência de tempo percebe-se por meio da expressão “O fogo estava a se apagar”.
8ª estrofe:


A escrava então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Tinha sido surrado,
Pois bastava escravo ser.



Ênfase aos castigos sofridos pelos escravos: eles deviam levantar cedo “Bem antes do sol nascer” porque, se não, eram espancados: “Tinha de ser surrado pois bastava escravo ser”.
9ª estrofe:


E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo!


Os escravos nunca perderam as esperanças, em prova disso ele apresenta esse trecho: “ E põe-se triste a beija-lo, /Talvez temendo que o dono, /Não viesse, em meio do sono, /De seus braços arranca-lo!”. A mãe beija o filho, esperando que o dono, talvez naquela noite, não tirasse o menino de seus braços, já que os filhos escravos não ficavam junto a família durante toda a noite.

2 comentários:

Powered By Blogger

Flickr