3 de nov. de 2013

Noite na Taverna, PAES 2013

ANÁLISE LITERÁRIA
NOITE NA TAVERNA:
A embriaguez do amor e do vinho
MANUEL ANTÔNIO ALVARES DE AZEVEDO

Nasceu em 12 de setembro de 1831, na cidade de São Paulo. Filho de pai fluminense, estudante de Direito, e mãe goiana, ambos de gente importante. Bacharelou-se em Letras no Colégio Pedro II em fins de 1847. De 1844 a 1845 passou seis meses e fez alguns preparatórios em São Paulo, para onde foi morar no começo de 1848. Matriculou-se na Faculdade de Direito. Mas nas férias de 1851-2 adoeceu no Rio, onde as passava sempre e depois de dolorosa operação para extrair um tumor na fossa ilíaca, morreu quando a cursava o 5° ano, no dia 25 de abril de 1852. Tinha vinte anos e sete meses. Apesar de muito jovem, era muito culto e, além do francês sabia bem inglês, o que lhe permitiu ler no original alguns dos grandes clássicos românticos, como Shakespeare, que a maioria dos seus contemporâneos brasileiros lia em traduções. Além deles, conhecia os clássicos latinos e portugueses, sem falar na paixão, em especial por Victor Hugo. Conhecido como o poeta macabro do romantismo, previu a morte de dois amigos_ que efetivamente desapareceram sem deixar rastro, sua vida pessoal é tema de grande confusão entre os críticos, pois uns bendizem-no como um santo franzino e virginal, outros pinçam-lhe a alcunha de depravado e demoníaco. É o principal representante no Brasil da influência byroniana (ultrarromântica) dos ingleses e alemães_ como todo escritor da paulista capital teve fim trágico bem a gosto burguês dos acadêmicos do Largo de São Francisco do século XIX.

A narrativa de Noite na Taverna inicia-se em forma de drama. Macário e Satan (personagens do drama Macário, de Álvares de Azevedo) dialogam na primeira cena, em que Satan conduz Macário a uma orgia, a fim de que leia uma página da vida, cheia de sangue e de vinho.  Macário observa, da janela de uma taverna, uma sala fumacenta. À roda da mesa estão sentados cinco homens ébrios, Os mais revolvem-se no chão. Dormem ali mulheres desgrenhadas, umas lívidas, outras vermelhas e desgrenhadas. Observem que essa cena de abertura tem claros alguns motivos do romance negro, dando à obra uma veste de caráter perverso, noturno, satânico ou demoníaco, relatada por cinco personagens narradores: Solfieri, Bertram, Johann, Gennaro e Cláudius Herman que se caracterizam como personagens do "mal do século", ou seja, homens ébrios e devassos, cultivadores dos vícios e das perdições humanas, enfim, LIBERTINOS. Macário é a testemunha da cena, uma noite de orgia, cujas histórias nos são narradas em 1a pessoa. A obra tem uma dimensão fantástica, com uma densa atmosfera de sonho e embriaguez, oscilando sempre entre o real e o irreal (o mundo onírico e o mundo imaginário).  Por isso, as narrativas são difusas e os relatos não são muito claros para o leitor, da mesma forma que não são muito claramente vividos pelas personagens. Deve ficar claro que o leitor entra em contato com as histórias pela ótica de Macário, que por sua vez, as verá pela ótica de Satan, o símbolo do mal. Sabe-se que o satanismo, a queda para o mal, constitui um dos principais elementos do ultrarromantismo de Byron e Musset, o chamado "mal do século". Por isso é importante esclarecer o lado do polo do mal que predomina na obra em questão, personificado em especial pelas imagens do libertino e da mulher perdida, a prostituta, aquele que é o seu oposto complementar: o polo do bem, manifestado através da mulher anjo, e a ideia do amor como regeneração de todos os vícios, enfim, das mais preciosas ambições amorosas e libertárias dos nossos byronianos.

Através das conversas entre os boêmios vemos que estes estão em profunda depressão e melancolia, bebendo, fumando. Começam então a contar as histórias de amor, assassinatos, violência e morte. Todas estas histórias ocorrem durante um momento de delírio e de muito desabafo. Eles discutem sobre suas descrenças e sobre a imortalidade da alma, narrando assim um a um suas histórias. Tentam fugir da realidade na bebida e na fantasia demostrando extremo pessimismo em relação à vida e o escapismo como solução. Percebemos aí uma das características do Ultrarromantismo (segunda fase ): o mal-do-século. Nesta fase os escritores descreviam paisagens sombrias, acontecimentos misteriosos, assim como no trecho seguinte retirado do livro:  
"Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as estrelas passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal-apertados ... Era uma defunta! ..."  ( II. Solfieri )
O livro foi escrito tanto em tempo cronológico como em tempo psicológico. Ocorre o que chamamos flashback. O tempo que decorre dentro da taverna é cronológico, real. A partir do momento que os jovens começam a contar suas histórias, eles mergulham nas lembranças do passado e nos devaneios e o tempo passa a ser psicológico. No decorrer do livro, há uma alternância entre estes dois tempos. Quando uma personagem está contando sua história, ela retorna ao ambiente da taverna, não permanecendo direto no tempo psicológico.
A supervalorização do amor é outra característica marcante nesta obra de Álvares de Azevedo. Os boêmios em suas histórias colocam o amor em primeiro plano. Estão em busca do amor de uma mulher perfeita, que corresponde a todas as expectativas. Destacamos aí a idealização da mulher, como uma figura inalcançável e perfeita em todos os sentidos: pura, alva, sensível, bela (amor espiritual ). A conquista da mulher amada é dificultada por vários acontecimentos. Há sempre um obstáculo que impede a personagem de alcançar esse objetivo. Além do amor espiritual, identificamos também no texto o amor físico, onde há um contato entre a personagem e a mulher amada. Apesar disso esse amor não é completo, já que as circunstâncias impedem que fiquem juntos. Esse impedimento causa o descontentamento e a depressão da personagem.
"( ... ) a rainha em todo aquele ademane soberbo! ... víssei-la bela na sua beleza plástica e harmônica, linda nas suas cores puras e acetinadas, nos cabelos negros e a tez branca da fronte, o oval das faces coradas, o fogo de nácar dos lábios finos, o esmero do colo ressaltando nas roupas de amazona!"( V. Claudius Hermann )

Características dos personagens:  
Johann: era um boêmio obsessivo, curioso e nervoso. Desonra a própria irmã e mata o irmão, sem saber.
A morte da mulher amada ocorre em quatro das cinco histórias dos jovens embriagados. A exceção é feita para a história de Johann, na qual após uma briga decorrente de um jogo de bilhar, Johann e seu adversário de jogo Artur se enfrentam em um duelo mortal. Antes do duelo, Artur escreve algo em um pedaço de papel e diz a Johann que pegue-o no bolso caso morra no duelo. Pouco depois vão para uma rua deserta e sombria. Artur possuía duas armas: uma carregada, outra não. Tiram a sorte; Johann acaba por escolher, sem saber, a arma carregada e atira no adversário, que antes de morrer diz que pegue o papel. Encontra no bolso de Artur uma carta para a mãe e um endereço. Vai então até o local indicado com um anel também entregue por Artur. Uma mulher pega-o pela mão e como o ambiente estava muito escuro, ela pensa que Johann é Artur devido à sua presença, uma vez que Artur deveria aparecer naquele local para encontrar-se com ela. Então passam uma noite de amor – a garota era virgem. Quando ia sair, topou com um vulto à porta, cuja voz pareceu-lhe conhecida. Ambos desceram a escada, e ao chegarem à porta, o homem atacou-o com um punhal. A luta violenta travou-se na escuridão; Johann acaba sufocando o desconhecido. Quando se levanta esbarra em uma lanterna e acende-a para identificar o homem. Num "flash" reconhece o irmão morto ao chão. Uma ideia passa-lhe pela cabeça: se o homem que matou era seu irmão, a moça só poderia ser sua irmã (incesto). Corre até o quarto onde encontra a moça desmaiada e tem a confirmação.
Artur era um rapaz loiro de feições delicadas, possuía o rosto oval e faces avermelhadas. Amava muito sua mãe e uma mulher ( irmã de Johann ). A mulher era pura, inocente e apaixonada, mas no decorrer da história ela se entrega para Johann crente de que era para seu amor. O irmão era protetor, uma vez que ao ver que um homem desonrara a irmã, quis matá-lo. Cada um dos outros jovens também contam uma história fantástica:
Solfieri era um jovem boêmio alcoólatra, persistente pois fez de tudo para alcançar o amor da mulher. A mulher amada e idolatrada de Solfieri tinha a pele alva, era como um anjo para ele. Era uma pessoa que sofria de catalepsia e era depressiva. Chorava muito pela perda de alguém muito especial.
Em uma de suas noites de embriaguez em Roma, Solfieri encontra uma mulher toda de branco e a segue até o cemitério. Lá adormece e quando acorda não a encontra. Um ano depois, de volta a Roma, passeia a sós pelas ruas e quando se dá se conta, encontra-se em um lugar escuro: uma igreja. Ele vê então um caixão semi-aberto. Nele estava a mulher que seguia. Em um primeiro momento achou que estivesse morta, mas percebeu que sofria de catalepsia. Solfieri a leva para casa e lá ela morre de febre. Ele mesmo enterra-a em seu quarto e em homenagem à ela manda fazer uma estátua que guarda de lembrança desse intenso amor.  
Bertram era ruivo, tinha pele branca e olhos verdes. Alcoólatra, boêmio e influenciado por sua amada, muda seu jeito amável de ser, tornando-se um ser obscuro e cheio de vícios, provocando a sua própria decadência. Ângela era uma morena andaluza. Na visão de Bertram, era calma, pura, uma mulher perfeita, um verdadeiro anjo, assim como o seu próprio nome diz. Mas no decorrer da história, como prova de amor, ela se revela, mostrando seu lado agressivo e voraz. Bertram amava Ângela loucamente. Quando estavam prestes a se casar, seu pai chamou-o na Dinamarca. Quando ele volta dois anos depois, encontra Ângela casada e com um filho. Os dois tornam-se amantes. Certa noite, ela mostra o que fez por seu amor: degolara o marido e matara o filho. Os dois fogem juntos; de manhã ela se vestia como um mancebo e as noites eram de amor. Um dia ela o deixou, e ele tenta esquecê-la nos jogos, nas bebidas e nos duelos. Certa noite ele caiu ébrio na frente de um palácio e foi pisado por cavalos, ficando muito machucado. Neste castelo, um velho viúvo e sua filha o acodem. A jovem se apaixonou por Bertram; ele desonrou-a e ambos fugiram. Mas ele se enjoou dela e num jogo perdeu-a para o pirata Siegrified. Na primeira noite ela envenenou o pirata e se afogou.
Bertram tentou afogar-se na Itália, entretanto foi salvo por um marinheiro que ele acabou afogando no desespero. O capitão do barco o acolheu e, Bertram desonrou a esposa dele. Um navio pirata apareceu, o que iniciou a luta. Enquanto o comandante lutava como um bravo, ele o desonrava como um covarde. Devido a luta, o navio naufraga, restando à deriva oito pessoas. Destas apenas três: ele, o comandante e sua esposa sobrevivem, mas por conseqüência de dois dias sem comida, inicia-se um luta entre Bertram e o comandante, o que resultou na morte do homem e no alimento para ele e a mulher. No final, ela propõe morrerem juntos, mas ela acaba morrendo e sendo levada pelas águas. Ele é salvo por um brigue inglês chamado Swallow.
 A mulher do comandante era branca, melancólica, triste e carente. Era pura, mas suas atitudes no decorrer da história, mostram o quanto era infiel. O comandante era um homem belo, com rosto rosado de cabelos crespos e loiros. Era valente, brutal, mas um bom esposo.
Gennaro era um pintor bonito quando jovem, puro, pensativo e melancólico. Era cínico e não respeitava o sentimento dos outros. Tornou-se desonrado, mas não podia esquecer seu grande amor, Nauza.
Quando jovem, Gennaro tinha aulas de pintura com um velho, Godofredo Walsh, cuja filha de 15 anos, Laura, era apaixonada por ele. Nauza, uma mulher no auge de seus 20 anos, era casada com Godofredo, mas amava Gennaro, dois anos mais novo, que correspondia ao seu amor.
Certa noite, Laura entrou no quarto de Gennaro e este, ao acordar encontrou-se nos braços da mesma. Durante três meses, Laura ia ao quarto dele e pediu para que ele se casasse com ela, pois ela estava grávida, mas ele nada respondeu, deixando a moça desiludida. Uma noite, Laura morre e seu pai entra em desespero. Enquanto o homem chorava a morte da filha, Gennaro o desonrava, amando Nauza. Após descobrir toda esta traição, o homem tenta matá-lo, mas ele sobrevive e retorna para se vingar, mas quando entra no local para executar sua vingança, encontra sua amada e Godofredo mortos. 
Godofredo Walsh foi professor de pintura de Gennaro. Era robusto, alto e forte. Casou-se duas vezes. Agia por impulso, pois queria vingança ao saber que foi traído pelo seu próprio aluno.
Laura era filha de Godofredo do primeiro casamento. Pálida, de cabelos castanhos e olhos azuis. Era piedosa, amava Gennaro mas era um amor puro, sem malícias. E desse amor gera-se desilusões.
Nauza era jovem, bonita, tinha a pele macia, sentia-se carente, mas encontrava carinho nos braços de Gennaro, seu amor.
Claudius Hermann era muito rico e por isso, gastava muito em orgias. Não importava-se com a desonra, nem com o adultério. O que lhe importava era ter a sua amada, Eleonora.
Claudius gastava sua riqueza com orgias e era apaixonado pela Duquesa Eleonora. Ele a via em todos os lugares, desejando-a. Seis meses depois, ele decide entrar no castelo da moça e a encontra adormecida num divã. Deu-lhe um beijo e tiveram um noite de amor. Durante um mês ele fazia isso, todas as noites. Uma dessas noites, ele se esconde atrás do leito dela durante um encontro com Maffio, seu marido. Após levá-la para fora do castelo, ele passou horas a observá-la enquanto a mesma dormia. Quando Eleonora acordou, encontrou aquele homem que ela não o conhecia. Ele implorou o seu amor e pediu para que ela ficasse com ele. Ela amava o seu marido, mas resolve fugir com Claudius após ter se relacionado com o mesmo pensando ser seu amor. Essa atitude se deu porque ela não queria ser vista como uma mulher adúltera. Um dia Claudius entra em sua casa e encontra o leito ensopado de sangue e Maffio estava abraçado ao cadáver de Eleonora.
A Duquesa Eleonora era bela, pura, linda e vaidosa. Tinha a pele alva e cabelos negros. Seu rosto era oval e rosado, seus lábios finos e avermelhados. Ela amava o seu marido, mas resolve fugir com Claudius após ter se relacionado com o mesmo pensando ser seu amor. Esta atitude estranha da moça se deu por ela não querer ser considerada adúltera.
O Duque Maffio era marido da Duquesa Eleonora. Amava-a loucamente, o que o levou ao assassinato de sua esposa e o seu suicídio.  

Capítulo Final: O Último Beijo de Amor
 O autor Álvares de Azevedo utilizou o fato da personagem da história de Johann não morrer para causar uma surpresa no leitor ao final do livro.
No decorrer das histórias, o leitor se envolve bastante com os cenários e com os acontecimentos mas tem a idéia de que não passam de fantasias, sonhos, já que são contadas por jovens totalmente embriagados.
No capítulo final, após todos os jovens terem contado suas macabras histórias de mistério e morte, surge inesperadamente na taverna uma mulher. A descrição dela e de sua entrada na taverna, assim como as descrições em todas as histórias, estão envolvidas em muito mistério.
"Uma luz raiou súbito pelas fisgas da porta. A porta abriu-se. Entrou uma mulher vestida de negro. Era pálida; e a luz de uma lanterna, que trazia erguida na mão, se derramava macilenta nas faces dela e dava-lhe um brilho singular aos olhos. ( ... ) Mas agora com sua tez lívida, seus olhos acesos, seus lábios roxos, suas mãos de mármore, e a roupagem escura e gotejante da chuva, disséreis antes - o anjo perdido da loucura."( VII. Último Beijo de Amor )
Esta é outra característica marcante do Romantismo e Ultrarromantismo. A aceitação do mistério expressa fatos inexplicáveis, aparentemente fantasiosos no caso deste livro.
Quando a mulher entra na taverna, encontra os cinco jovens todos adormecidos sobre a mesa. Observa um por um até encontrar Johann. Num ato inesperado, segura seu pescoço e sufoca-o até a morte. Ela sacode Arnold e, ao despertar, ele a reconhece: era Geórgia, virgem irmã de Johann que fora desvirginada pelo mesmo, e que agora se transformara em Giórgia, a prostituta. Ela voltara após cinco anos para se vingar do irmão. Ao conversar com Arnold, eles relembram o passado, dando a entender que eram amantes. Por fim, ele implora para que volte a chamá-lo pelo seu verdadeiro nome, Artur. Ela diz que a vida escapa de seu corpo e acaba morrendo. Ele não agüenta de dor ao ver sua amada morta, e então aperta contra o peito um punhal, caindo sobre o cadáver dela.
O retorno de uma das personagens para o ambiente da taverna ( exatamente a única mulher que não morre ao término das histórias ) ocorre para mostrar ao leitor a veracidade dos contos que antes pareciam não passar de devaneios criados por ébrios.
Ela aparece como um fantasma com sede de vingança e provoca uma tragédia na taverna, semelhante àquelas que ocorreram nas histórias lá contadas.
Outro fato que provoca a surpresa do leitor é a "volta" de Artur, supostamente morto no duelo com Johann. Ele se salvou do tiro e após cinco anos sofrendo pela perda da mulher amada e vagando sem destino com o nome de Arnold, se encontra na taverna com Johann, que por estar embriagado não o reconhece.

A relação entre Artur e Arnold não está expressa claramente. Ao ler a história de Johann, têm-se a ideia de que Artur morre e ao lermos a última parte do livro, após todos terem contado suas histórias, a atuação de Arnold é como a de qualquer outro boêmio daquele grupo de jovens. Se não houvesse a presença de Geórgia, não teríamos chegado à conclusão de que são a mesma pessoa.

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