“Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte que o poder do lugar”. A frase do escritor Guimarães Rosa, publicada no livro Grande Sertão: Veredas, até poderia ser o principal argumento do filme Cabaret Mineiro (35 mm / COR / 68 min / 1980), do cineasta montesclarense Carlos Alberto Prates Correia. Como no aforismo rosiano, o longa-metragem recorre a mecanismos metafóricos de superação das limitações impostas pelo ambiente de formação. A fuga imaginária da dura realidade da caatinga pode ser compreendida como a uma celebração da vida nos áridos rincões das Gerais.
A trama de Cabaret Mineiro se passa no interior de Minas. Um aventureiro, interpretado por Nelson Dantas, se apaixona por Salinas (Tamara Taxman), durante uma viagem de trem para Montes Claros. Depois de uma noite de amor, a mulher desaparece misteriosamente sem deixar pistas. Daí, o aventureiro começa uma saga em busca de Salinas. Durante a jornada ele se envolve com orgias, festas, sedução e jogos de pôquer.
No filme é possível perceber com precisão as manifestações culturais do Norte de Minas, sempre presentes no trabalho de Prates. O linguajar dos personagens – nítida influência da literatura de Guimarães Rosa –, o som da viola caipira, das cantorias populares, as marujadas e catopês, o bolo de fubá, a rapadura, o pequi e o biscoito de goma dividem as cenas com montanhas e cachoeiras. Em Cabaret, o espectador se depara com paisagens realistas durante os dias e, a mais completa abstração nos períodos noturnos. Tudo como um ato de denuncia da existência de filmes dentro do próprio filme.
Por outro lado, Cabaret Mineiro é uma obra debochada, que beira à pornochanchada brasileira. Por mais que o material promocional do longa já induza o espectador a acreditar que a cultura popular estará presente na trama. Na fotografia do cartaz, a atriz Tânia Alves, – que tem uma participação brilhante no filme – vestida de dançarina espanhola, coloca uma pitada de provocação no conservadorismo da região.
A própria escolha da grafia do título ‘cabaret’, do francês, ao invés de ‘cabaré’, em português, remete a uma proposta ousada, alegórica e diferenciada de outras abordagens sobre a temática folclórica. Cabaret é uma mostra do povo que conta a sua história de luta, resistência e prazeres no sertão.
Uma das sequências mais interessantes da trama se passa em um bordel. A câmera percorre o salão de festas. Um baile de carnaval anima os personagens que dançam seminus pelos cômodos da casa. Homens e mulheres são iluminados por jogos resplandecentes e estourados de luz. Superexposição antropofágica.... Em pouca mais de 8 minutos é possível perceber a atmosfera dionisíaca do filme. Também pudera o esmero estético, o diretor de fotografia do Cabaret Mineiro é Murilo Salles, que já havia mostrado seu potencial no longa Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), de Bruno Barreto.
Cabaret Mineiro bem poderia ser considerado um filme musical, dada a importância da trilha sonora na ambientação da história. Com direção do músico Tavinho Moura – que também contracena –, Prates reconstrói o imaginário das cantigas folclóricas do Norte de Minas com pitadas de sensualidade e erotismo. Para algumas delas foram recriadas paródias e adaptações maliciosas. Nelson Dantas rasga o verbo em “vamos dançar tudo nu, tudo nu / tudo com o dedo no cu, menos eu / tudo com a bunda de fora / é agora / você disse que dava e não deu”.
Em entrevista ao Caderno do Fórum Doc 2008, Carlos Prates foi indagado: “Por que, cada vez mais, você cria filmes sobre outros filmes?”. A resposta veio apimentada (como a comida de Montes Claros): “porque é esse o meu desejo, a minha possibilidade. E por que não haveria de criar? Você é de alguma polícia estética? Porque eu costumo enfrentar patrulhas mercadológicas, agora tem essa outra?”
A argumentação de Prates pode ser tida como o mote de Cabaret Mineiro, em velejar na contramão das tendências da moda no cinema, mesmo para um filme rodado na década de 1980. Um luta incessante e anti-heroica conta os valores estéticos estabelecidos pelo mercado cinematográfico brasileiro e mundial.
Ficha Técnica
Titulo Original: Cabaret Mineiro
País: Brasil, 1980
Diretor: Carlos Prates
Duração: 68 minutos, Cor
Diretor: Carlos Prates
Duração: 68 minutos, Cor
FONTE: http://brancodifatima.blogspot.com.br/p/criticas.html