5 de jun. de 2016

O seminarista, Bernardo Guimarães


SOBRE O AUTOR
Bernardo Joaquim da Silva Guimarães nasceu em 1825, em Ouro Preto, interior de Minas Gerais, e aí faleceu em 1884. De 1847 a 1852, cursou a Faculdade de Direito de São Paulo, deixando fama de estudante boêmio e brincalhão. Exerceu diferentes atividades ao longo da vida: foi juiz, professor, jornalista, mas gostava mesmo de literatura. Escreveu vários livros de poesia e ficção, mas foram os romances A escrava Isaura (1875) e
O seminarista (1872) que reservaram um lugar de destaque a Bernardo Guimarães como um dos mais importantes prosadores do Romantismo brasileiro.


VISÃO GERAL DA OBRA

A contundente crítica do romance é contra o celibato religioso, contra a proibição de casamento para os padres, vista como uma violência contra a natureza humana: “Ah, celibato!... Terrível celibato!... Ninguém espera afrontar impunemente as leis da natureza! Tarde ou cedo, elas têm seu complemento indeclinável, e vingam-se cruelmente dos que pretendem subtrair-se ao seu império fatal!...”.


O autor faz uma crítica dura não só contra o autoritarismo dos pais, mas também contra o autoritarismo e a hipocrisia dos padres. Ataca violentamente a educação dada aos jovens nos seminários: “A educação claustral é triste em si e em suas consequências: o regime monacal, que se observa nos seminários, é mais próprio para formar ursos do que homens sociais. Dir-se-ia que o devotismo austero, a que vivem sujeitos os educandos, abafa e comprime com suas asas lôbregas e geladas naquelas almas tenras todas as manifestações espontâneas do espírito, todos os voos da imaginação, todas as expansões afetuosas do coração. / O rapaz que sai de um seminário, depois de ter estado ali alguns anos, faz na sociedade a figura dum idiota. Desajeitado, tolhido e desconfiado, por mais inteligente e instruído que seja, não sabe dizer duas palavras com acerto e discrição, e muito menos com graça e afabilidade. E se acaso o moço é tímido e acanhado por natureza, acontece muitas vezes ficar perdido para sempre.”.

ROMANCE REGIONALISTA
Apresenta a paisagem do interior mineiro, além dos hábitos típicos das regiões interioranas como os modismos populares, os provérbios, ditos e crenças do povo simples do interior, a “quatragem”, o “mutirão”. Isso se explica pela preocupação dos regionalistas em retratar o modo de vida dos interioranos. Apesar disso, a obra, ao retratar o modo como o meio social e os instintos agem na determinação do comportamento humano também adquire tons naturalistas.

O ROMANCE DE TESE
Em  O seminarista, Bernardo Guimarães faz um típico romance de tese, querendo provar o equívoco do celibato religioso, que deforma o homem indo contra suas tendências naturais, e do autoritarismo familiar, que não permite ao jovem escolher seu próprio caminho.
RELAÇÕES INTERTEXTUAIS
É interessante perceber que, apesar de ser um romance romântico, há no texto forte presença de outras escolas literárias. A descrição da paisagem e da tranquilidade que traz ao espírito dos personagens lembra os cenários árcades. No capítulo três, ao fazer menção à cidade de Bom Jesus de Matosinhos, o narrador mostra-nos críticas ao Barroco, bem como também as alusões feitas às
tendências românticas ultrarromânticas: os sofrimentos sofridos por Eugênio
mostram as angústias byronianas. Além disso, há a presença das poesias de Virgílio, que inspiram o mocinho da história.
ATMOSFERA PASTORIL O romance de Eugênio e Margarida pode ser tomado sob o aspecto pastoral, já que é uma história de amor nascida durante a infância na paisagem campestre da fazenda, cercada de prenúncios de desgraça, como as imposições familiares, a criação metódica e rígida dos meninos no seminário e o episódio da serpente (simbologia do pecado) que enrola-se na pequena Margarida e deixa a mãe de Eugênio com medo das desgraças futuras previstas por este acontecimento. Embora Eugênio fosse inclinado a religião, predominava a tradição das famílias do século XIX de destinar um filho ao sacerdócio, que era tido como uma fonte de resta estável e uma profissão segura e brilhante. No capítulo II, o autor compara o amor de Eugênio e Margarida ao idílio de "Paulo e Virgínia", do francês Bernardin de Saint-Pierre, e também a tragédia de "Romeu e Julieta". É mesmo um romance idílico, no qual passamos da claridade do dia para a escuridão da noite, passagem esta proposta por pequenas nuvens que se juntam formando uma tempestade final, na qual o caráter fraco de Eugênio faz com que ele enlouqueça e fuja correndo da igreja na qual rezaria a missa pela alma da amada morta, para a liberdade que nunca experimentara, tomado pela loucura. O romance "O Seminarista" é pastoril e nele a natureza influi sobre o comportamento humano, principalmente sobre Eugênio, um coração puro sem coragem de entregar-se ao amor que contrariava os pais e a vida religiosa que lhe fora imposta.
OS ESPAÇOS
No romance estão claras as divisões entre espaços abertos e fechados. Os fechados são a casa paterna, a casa da mãe de Margarida, Dona Umbelina, que era agregada da família de Eugênio, e por fim, o seminário, descrito como escuro e sufocante, contrastando com a clareza dos espaços abertos, os campos da fazenda onde os amantes vivem seus melhores momentos.

Terras do Sr. Antunes: Local aonde Eugênio mora com seus pais, e lá também encontrava-se as casas dos agregados destes → “Junto à ponte, de um lado e outro do caminho, viam-se duas corpulentas paineiras, cujos galhos, entrelaçando-se no ar, formavam uma arcada de verdura, à entrada do campo onde pastava o gado.”

Seminário: Encontrava-se em Congonhas do Campo → “um grande edifício
de sobrado, cuja frente se atravessa a pouca distância por detrás da igreja, tendo nos fundos mais um extenso lance, um pátio e uma vasta quinta. Das janelas do edifício se descortina o arraial, e a vista se derrama por um não muito largo, porém formoso horizonte.
Colinas bastantemente acidentadas, cobertas de sempre verdes
 pastagens e marchetadas aqui e acolá de alguns capões verdes escuros formam o aspecto geral do país. Por entre elas estendem-se profundos vales, e deslizam torrentes de águas puras e frescas à sombra de moitas de verdura e bosquetes matizados de uma infinidade de lindas flores silvestres.”

Quarto de Margarida: Neste local ocorre o desfecho da história → “No quarto da enferma, apesar da sua pobre simplicidade, reinava uma ordem e asseio, que contrastava com o aspecto miserável do resto da casa. O leito bem composto era guarnecido de um transparente cortinado cor-de-rosa, e em frente dele sobre uma pequena mesa de jacarandá de pés torneados, via-se um lindo oratório dourado, diante do qual ardia uma vela de cera entre duas jarras cheias de viçosas e fragrantes flores. Parecia mais uma gruta mística e perfumada, um voluptuoso ninho de amor, do que o quarto de uma moribunda.”

FOCO NARRATIVO
A narrativa se desenvolve em terceira pessoa, com um narrador-onisciente que algumas vezes também comenta, em primeira pessoa, os fatos com o leitor. É clara a opção do narrador pela prevalência do amor sobre a valorização da  carreira eclesiástica e em oposição ao celibato clerical: seus comentários a respeito dos sentimentos das personagens comprovam essa posição.

TEMPO DA OBRA
Predomina o tempo cronológico, embora o narrador se valha de algumas pequenas retrospectivas para explicar o passado de algumas personagens, como, por exemplo, Umbelina e Margarida.

PERSONAGENS

EUGÊNIO: É o protagonista, o seminarista, a que o título se refere. “O rapaz era alvo, de cabelos castanhos, de olhar meigo e plácido e em sua fisionomia como em todo o seu ser transluziam indícios de uma índole pacata, doce e branda. Além disso, mostrava grande pendor para as coisas religiosas;

MARGARIDA: Afilhada dos pais de Eugênio, “era morena, de olhos grandes, negros e cheios de vivacidade, de corpo esbelto e flexível como o pendão da imbaúba”; “por sua graça e gentileza, extrema docilidade e precoce vivacidade, era mui querida de todos;

CAPITÃO FRANCISCO ANTUNES: Pai de Eugênio, “fazendeiro de medianas posses. Trabalhador, bom e extremoso pai de família, liso e sincero em seus negócios, partidista firme e cidadão sempre pronto para os ônus públicos”. Revela-se um homem capaz de mentir e enganar o próprio filho, para defender o status e os interesses familiares.

Sra. ANTUNES: Mulher boa e carinhosa, mãe de Eugênio. Muito religiosa, “tinha o espírito propenso a acreditar em superstições e agouros.”

D. UMBELINA: Mãe de Margarida, “era uma matrona gorda e corada, de rosto sempre afável e prazenteiro [...] e fora casada com um alferes de cavalaria.”

PADRE-MESTRE: É o responsável direto pela formação de Eugênio no seminário. Alia-se ao pai do rapaz e, além de pedir por ela, sustenta a mentira que engana o jovem até o capítulo XXII.

LUCIANO: rapaz apaixonado por Margarida e rejeitado por ela. Discute com Eugênio no mutirão. “Um moço que teria a rigor os seus vinte e cinco anos, de bonita e agradável presença, tropeiro bem principiado, que já tinha alguns lotes de burros no caminho do  Rio, e que além de tudo se tinha em grande conta de bonito, de rico e de bem nascido, pelo que não deixava de ser sumamente ridículo, quando não era insolente.”

CARACTERÍSTICAS ROMÂNTICAS
A NATUREZA COMO CENÁRIO DOS AMANTES
“De repente margarida, dando uma volta pelo jardim, apanhou duas flores e correu a apresentá-las a Eugênio.
-Aqui estão duas flores, disse ela, um cravo e uma rosa. O cravo é você e a rosa sou eu. Fique com a rosa, que eu guardarei o meu cravo. Aquele que deitar fora a sua flor, é porque não sabe querer bem.”
Toda a obra é perpassada pela presença do espaço natural como lugar dos amantes. Há ainda trechos em que a natureza dialoga com a felicidade do casal.

SENTIMENTALISMO E SOFRIMENTO AMOROSO:
- Margarida infiel! ... Margarida casada! ... exclamava Eugênio ao entrar em seu quarto, delirante, e apertando a cabeça entre as mãos convulsas. Quem o diria! ...pôde tão facilmente esquecer-se de mim para entregar-se a outro!

A ENTREGA AMOROSA E A RELAÇÃO ENTRE O AMOR E A MORTE
A entrega de Eugênio e Margarida ao amor, ainda que a moça estivesse doente, à beira da morte, revela a filiação às ideias da segunda geração romântica.

OS OBSTÁCULOS À REALIZAÇÃO AMOROSA
Eis uma marca dos romances: em O seminarista, o jovem casal apaixonado se vê impedido de realizarem o desejo de ficarem juntos devido a imposição familiar.

DESCRIÇÃO DA FIGURA FEMININA
Na visão de Eugênio, Margarida sempre aparece como sinônimo de rara beleza, delicadeza, despertando nele o encantamento típico da ação da mulher sobre os românticos. Para a mãe do rapaz, no entanto, ela simboliza a desgraça que viria a assolá-lo e destruiria sua vida sacerdotal. Ela é, sob a ótica familiar, a serpente que tira o homem do paraíso religioso tão sonhado pelos pais do rapaz.

APONTAMENTOS REALISTAS: romance de tese
Apesar de se tratar de um romance romântico regionalista, a obra aponta para críticas à sociedade da segunda metade do século XIX, anunciando semelhanças com as ideias realistas de denúncia da hipocrisia de instituições como a Igreja e também contra as famílias que vivem de aparência.
PONTOS RELEVANTES
Aqui estão presentes alguns trechos que ajudam a entender a história.
“A pequena Margarida, apenas na idade de dois anos...encontrou-a assentada na relva junto de uma fonte a brincar...a brincar como uma formidável truculenta jararaca...A menina a afagava sorrindo...sem que o hediondo animal se irritasse e lhe fizesse a mínima ofensa.”

 Esse é um ocorrido importante na infância de Margarida. Quando descobrem o amor que Eugênio sentia por ela, seus pais e os padres, comparam, Margarida com Eva (pelo fato de estar na bíblia Eva e uma serpente) que tenta seduzir Eugênio para levar ele para mal caminho, a perdição, assim como Eva fez com Adão.

“Não ainda Romeu e Julieta, mas eram inseparáveis, como Paulo e Virgínia...”
Momento que o autor compara o amor de Eugênio e Margarida, com o de Paulo e Virgínia, personagens de um romance francês de Bernardim, um romance idílio. E a Romeu e Julieta personagens da famosa tragédia inglesa de William Shakespeare (pela qual sou apaixonada), amores impossíveis.
“Longe de teus lindos olhos.
O’Margarida.
Passo a noite, passo o dia
Em cruel Melancolia;”
Este é um trecho de um dos poemas que os padres encontram. Poemas que Eugênio escrevia inspirado pelas lembranças de Margarida e retratava seu amor por ela. Esta é uma característica que o familiariza com Romeu, que escrevia poemas de amor.

“Nas horas de repouso estudava a morrer... Quando vinha a noite... mas em vez de entregar-se ao descanso...rezando ou estudando”
“No fim de algum tempo, Eugênio estava magro, pálido, alquebrado, que mais parecia uma múmia ambulante”
Isso é o que estava acontecendo com Eugênio, depois que os padres descobriram sua paixão por Margarida, o puniram, ela rezava, estudava, era para ocupar seus pensamentos.
“A educação claustral é triste em si e em suas consequências...”
O autor mostra a sua opinião em relação a vida clerical, que era contra o celibato clerical.
“ Um momento de suprema felicidade!... Depois o inferno! Que importa!”
Essa é uma frase que Eugênio diz a Margarida, no segundo dia em que ele foi visitá-la, quando estavam no quarto dela. Eis um momento de suspense e grande dúvida. O autor não deixa nada explícito, mas sugere que o casal não resistiu e se entregou ao desejo.



ENREDO
No interior de Minas Gerais, Eugênio, filho de fazendeiros, passa a infância ao lado de Margarida, filha de uma simples agregada da fazenda. 
Dessa convivência nasce o amor:
“Eugênio era filho do capitão Francisco Antunes, fazendeiro de medianas posses. Trabalhador, bom e extremoso pai de família... sincero em seus negócios, partidista firme, e cidadão sempre pronto para os ônus públicos, nada lhe faltava para gozar da maior consideração e respeito entre os seus conterrâneos... tinha terras de sobejo para a pouca escravatura que possuía, e portanto dava morada em sua fazenda a diversos agregados, sem lhes exigir contribuição alguma, nem em serviço nem em dinheiro. Entre esses agregados ... D. Umbelina, que, com sua filha Margarida e uma velha escrava, ocupava a casinha que descrevemos no capítulo antecedente. [...] à beira da estrada, vendendo aguardente e quitandas aos viandantes, cultivando seu quintal, pensando suas vaquinhas, e da venda de frutas, hortaliças e leite sabia com sua diligência e economia tirar um sofrível rendimento.”
Esse é o drama do rapaz, Eugênio, que em sua infância nutre uma amizade com a menina Margarida, que com o passar do tempo se transforma numa grande paixão: “Era uma bela tarde de janeiro. Dois meninos brincavam à sombra das paineiras: um rapazinho de doze a treze anos e uma menina, que parecia ser pouco mais nova do que ele. A menina era morena; de olhos grandes, negros e cheios de vivacidade, de corpo esbelto e flexível como o pendão da imbaúba. O rapaz era alvo, de cabelos castanhos, de olhar meigo e plácido e em sua fisionomia como em todo o seu ser transluziam indícios de uma índole pacata, doce e branda”.
 Seu pai ao descobrir, indiferente aos seus sentimentos, acaba com esse amor conduzindo-o para a vida religiosa (a carreira eclesiástica). A dúvida se instaura em sua cabeça, amar ou ser padre, termina seguindo obrigado para o mosteiro. Seu sofrimento é intenso, suas dúvidas eternas em sua mente tão frágil. Tenta esquecê-la se apegando ainda mais a religiosidade:
“Então, a turba dos seminaristas com suas batinas e barretes negros, divididos em quatro turmas segundo as idades - grandes, médios, submédios e meninos - despenhava-se fora das portas como uma nuvem de melros pretos a quem se abriu a entrada do viveiro, e se derramava pelo pátio, pelo quintal, pelo adro da capela e pelas colinas vizinhas, uns tagarelando”.
O tempo passa mas Eugênio não esquece Margarida. Com a ajuda dos padres, seus pais inventam a notícia do casamento da moça, o que desilude Eugênio e o faz decidir-se pela vida de padre.
Termina por ser ordenado sacerdote da Igreja Católica. Concluído os estudos religiosos é hora de praticá-los e volta a sua cidade natal no sertão mineiro. Ao chegar encontra sua paixão à beira da morte. Terá que celebrar uma missa, mas a notícia vem antes – dá extrema unção a uma moribunda , Ao chegar lá descobre que é Margarida, ela está muito e conta que fora expulsa da fazenda – nunca tinha se casado - pelo seu pai, não pode procurá-lo mais, sua mãe agora era falecida, aquela narração colocou de novo as dúvidas do passado em sua cabeça, lembranças, uma enxurrada delas. A extrema unção. Não tem forças para fazê-lo, sua missão como sacerdote o força. Ele ao tocá-la, vai ao encontro da paixão que ganha forma de novo e eles não resistem aos impulsos e fazem amor pela primeira e última vez. Logo após, feliz por ter seu amor de novo, ele volta para se preparar para a missa – era sua primeira missa, mas recebe a terrível notícia que ela, seu eterno amor, veio a falecer. Perde o controle pois cabeça está envolta em dúvidas, entre ter quebrado seu voto de castidade e ter perdido sua amada e ainda ter que celebrar uma missa. Instantes antes de começar a missa, chamam-no de novo para encomendar a alma de um defunto, o defunto era a sua amada, Margarida. Aquilo era muito para aquele rapaz tão sofrido e ele enlouquece antes da missa devido ao dilema em sua frágil mente: a morte de sua amada e ter quebrado seu voto de castidade junto a Igreja Católica.


Um comentário:

  1. Muito bom! Eu estou fazendo uma pesquisa sobre essa obra do Bernardo Guimarães, para minha monografia e encontrei aqui uma boa quantidade de informações!

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