Sobre o autor:
Em 16 de junho de
1927, filho de Cássia e João Suassuna, nascia Ariano Vilar Suassuna, em Nossa Senhora
das Neves, atual João Pessoa, capital da Paraíba. No ano seguinte, seu pai
deixa o governo e a família passa a morar no sertão, na fazenda Acauhan,
experiência que serviria para, anos depois, iniciar o jovem no mundo
interiorano que serviria de cenário para toda a sua obra. Depois do assassinato
de seu pai por motivos políticos no Rio de Janeiro, sua família mudou-se para
Taperoá, onde morou de 1933 a
1937. Nessa cidade, Ariano fez seus primeiros estudos e assistiu pela primeira
vez a uma peça de mamulengos e a um desafio de viola, cujo caráter de
“improvisação” seria uma das marcas
registradas também da sua produção teatral, desse modo, mais aspectos da
cultura nordestina seriam incutidos em sua formação. Em 1942, passou a viver em
Recife, onde terminou em 1945, os estudos secundários no Ginásio Pernambucano e
no Colégio Osvaldo Cruz. No ano seguinte, iniciou a faculdade de Direito onde
conheceu Hermílio Borba Filho e junto com ele fundou o Teatro do Estudante de
Pernambuco. Uma mulher vestida de sol,
sua primeira peça, escrita em 1947, no ano seguinte a peça Cantam as Harpas de Sião ou Desertor
da Princesa, foi montada pelo Teatro do Estudante de Pernambuco. Em 1950,
forma-se na Faculdade de Direito, mesmo ano em que recebe o Prêmio Martins Pena
pelo Auto de João da Cruz. Para se
curar de uma doença pulmonar, viu-se obrigado a se mudar novamente para
Taperoá, onde escreve e monta a peça Torturas
de um coração. Em 1956, volta para Recife se dedica à advocacia e continua
a escrever peças: O castigo da soberba
(1953), O rico avarento (1954) e o Auto da Compadecida (1955). Em 1957,
abandona a advocacia e se torna professor de Estética na Universidade Federal
de Pernambuco, escreve em 1957
a peça O Casamento
suspeitoso e O santo e a porca. Suas comédias são de gosto popular,
fortemente influenciadas pelo teatro grego, o teatro ibérico do século XVI e
pela Comédia Del’Arte, mesclando influências da cultura nordestina, como as
parlendas, o cordel e o repentismo.
v
Na
elaboração de O Santo e a Porca,
Ariano Suassuna foi diretamente influenciado pela peça
Aulularia, de Plauto, autor romano com influências gregas.
Como Suassuna mesmo chegou a afirmar várias vezes, essa não é uma peça
original, afinal, muito dela se origina em variações (relidas num contexto
nordestino) da trama de Plauto. Em Aulularia, o protagonista é “Euclião” (daí a
escolha do nome Eurico, ou Euricão), que encontra uma panela de ouro deixada
por seu avô. ‘Esse achado’ aliado ao casamento de sua filha com um velho rico,
origina o mote central de um texto ágil cheio de encontros, desencontros e
ambiguidades.
Suassuna adaptou o texto de
Plauto, mas desenvolveu uma releitura dentro do contexto nordestino da
literatura de cordel e criou uma trama mais complicada.
Essa intertextualidade com a peça de Plauto não se resume apenas a uma
releitura adaptativa dos personagens. O próprio cenário da obra remete
diretamente à peça do dramaturgo latino, exemplos:
Casa de Euricão/
Templo de Santo Antônio = Templo de Bona Fides
Festa de São João =
Festa de Ceres
Cemitério = Bosque de
Silvano
Hotel de Dadá= Mercado
(Fórum).
v
TEMATICA
Tema central: a
avareza humana
Tema filosófico: a
relação do mundo material com o espiritual
Em literatura: lembra os conflitos barrocos
de ordem religiosa: Euricão Árabe terá de escolher entre a loucura e o
discernimento, a ilusão e verdade, o permanente e o efêmero. Oscilação entre o
santo e o profano: representação do movimento entre espiritualidade e
materialidade natural do ser humano. Pode-se ver nessa peça um claro caráter moralizante, típico dos textos
católicos. O maniqueísmo é marcado pela criação de extremos e representado
quando Euricão sente-se obrigado a escolher
entre o material (dinheiro) e o espiritual (Santo Antônio).
v
ESPAÇO
Na peça O santo e a porca, a
ação se passa na sala da casa de Euricão,
o que pode ser comprovado nas indicações cênicas. Estas indicações devem ser
confrontadas com o texto interpretado pelos atores, pois a linguagem está
relacionada com a demarcação espacial e ambas se unem pela ação dramática. No
texto, a casa do protagonista é vista por ele próprio como seu território,
protegido pelo santo de devoção e como sua fortaleza, onde ele guarda seus dois tesouros – a filha e a porca.
v
TEMPO
Em O santo e a porca, o tempo
intervém na ação de várias formas, estabelecendo uma cronologia que reconstitui
o desenrolar dos acontecimentos, fornecendo um tempo próprio para cada
personagem, através de marcas temporais que aparecem no texto ou tomando uma
dimensão metafórica.
O próprio diálogo das
personagens fornece indicações que inscrevem a ação dentro de um tempo real e
juntamente com a divisão em atos, cenas
e quadros compõem as principais marcações temporais no momento da
representação.
O tempo da ficção
obedece à concepção clássica das unidades e da verossimilhança. A ação se passa
num período de 24 horas dividido
entre os três atos da peça. O tempo da representação é caracterizado pela
continuidade.
Apesar da aparente simplicidade
na escrita é preciso prestar atenção nas rubricas (indicações entre parênteses).
Elas acabam fazendo o papel do narrador e orientam a cena. Na peça de Ariano
Suassuna, o tempo da representação é marcado da seguinte forma:
Primeiro ato: Apresentação do problema e das personagens –
Tempo da espera por Eudoro (ações se passam no período da manhã).
Segundo ato: Complicação da situação, ponto de tensão –
Tempo da espera pela entrevista e reviravoltas de Eurico tentando proteger sua
porca (as ações se passam no período da tarde).
Terceiro ato: Tempo das entrevistas e das revelações –
desenlace da trama, consumações amorosas e descobertas da falta de valor da
porca (as ações se passam no período da noite).
Estas marcações ficam muito
claras nas falas das personagens. Conclui-se então que na representação da
peça, a ‘entrevista’ é o marcador temporal
que a divide em dois grandes momentos, antes dela, percebe-se o clima de
tensão, de espera, da expectativa que culminará na reconciliação dos casais. A
seguir, situa-se os pedidos casamento, a descoberta do segredo de Euricão (a
porca) e sua decepção.
v
PERSONAGENS
As duas forças principais que
regem um texto dramático são as personagens e o enredo. Nesta obra eles são
quase indissociáveis, o autor constrói aquilo que ele próprio denomina personagens-tipo: cada um possui características e personalidades próprias e servem para
retratar as mais variadas facetas do comportamento humano.
Caroba: A escolha do nome provém da associação com a
árvore, segundo o autor, grande e forte, relacionado com sua desenvoltura para
encontrar modos de resolver as situações e tentar garantir seu próprio bem
estar. Ela é empregada de Euricão e quem desenvolve toda rede de intrigas que
envolve os casamentos, é esperta, articula as ações do texto.
Pinhão: Seu nome significa “fruto rústico”.
Empregado de Eudoro, noivo de Caroba. Representa a busca da liberdade. Usa
muitos ditados populares, representando a voz do povo dentro da peça.
Euricão: Engole Cobra, Eurico Árabe, é o protagonista
da peça, pai de Margarida e irmão de Benona, personagem avarento e ao mesmo
tempo religioso. Se questiona muitas vezes na peça o que seria mais importante
para ele, o Santo Antônio ou seu dinheiro.
Margarida: flor bucólica, filha de Euricão e noiva (às
escondidas) de Dodó. Personagem que desencadeia dois pólos de interesse:
material e sentimental.
Dodó: redução do nome Eudoro, seu pai, indicando o
caráter de submissão do filho. Noivo de Margarida, muito
apaixonado faz
qualquer coisa para ficar com a amada, até mesmo fingir ser aleijado.
Benona: Alusão à personagem de Plauto (Eunomia - em
grego, ordem bem regulada), é irmã de Euricão, ex-noiva de Eudoro, representa
os pudores e recatos, apaixonada por seu antigo noivo.
Eudoro: Eudoro, nome composto por eu (do grego bem,
bom) e dôron (o generoso). Pai de Dodó, ex-noivo de Benona e pretendente de
Margarida. Representa a burguesia, quer se casar para evitar a solidão, julga
que seu dinheiro é suficiente para garantir-lhe um bom casamento.
v
PRINCIPAIS CONFLITOS
EM O SANTO E A PORCA:
Na peça de Suassuna temos os
conflitos ligados às atitudes de Euricão, o que pode ser identificado em
algumas passagens da obra:
a)
avareza de Euricão. “Dodó
– Isso é um louco! Você não imagina até onde vai a avareza dele. Desde que
estou aqui só se comeu à noite uma vez. E ele exige que a gente pague a
refeição, porque acha que mais de uma por dia é luxo”.
b)
seu apego demasiado à porca e sua dedicação a ela como substituta da esposa que
o abandonou e seu medo de perdê-la. Euricão – “Ladrões, ladrões! Será que me
roubaram? É preciso ver, é preciso vigiar! Vivem de olho no meu dinheiro, Santo
Antonio! Dinheiro conseguido duramente, dinheiro que juntei com os maiores
sacrifícios. Eurico Árabe, Eurico Engole-Cobra! Pois sim! Mas é rico e os que
vivem zombando dele não têm a garantia de sua velhice. Ah, está aqui, os ladrões
ainda não conseguem furtar nada. Ah! Minha porquinha querida, que seria de mim
sem você? Chega dá uma vontade da gente se mijar! Fique áí até outra
oportunidade. Se eu pudesse comeria você inteirinha” (...).
c)
sua devoção a Santo Antônio como protetor de seu lar e da sua porca: Euricão – “Agora sim,
você, Santo Antônio, deve se contentar agora com minha pobreza e minha devoção.
Eu não o esqueci. Não deixe que esses urubus descubram meu dinheiro! Faça isso,
meu santo e a banda de jerimum que eu ia dar a Caroba será sua. Menos as
sementes, viu? As sementes eu quero para fazer xarope e vender no armazém.
Ganha-se pouco, mas sempre é alguma coisa para enfrentar a crise e a carestia!”
d) a colocação da porca no socavão e a retirada da porca do socavão
para a sala e para a proteção de Santo Antônio: Euricão – “Aí, gritaram
“Pega ladrão”, quem foi? Onde está? Pega, pega! Santo Antônio, que diabo de
proteção é essa? Ouvi gritar “Pega o ladrão”. Ai, a porca, ai meu sangue, ai
minha vida, ai minha porquinha do coração! Levaram, roubaram! Ai, não, está lá,
graças a Deus! Que terá havido, minha Nossa Senhora? Terão desconfiado porque
tirei a porca do lugar? Deve ter sido isso, desconfiaram e começaram a rondar
para furtá-la” É melhor deixá-la aqui mesmo, à vista de todos, assim ninguém
lhe dará importância! Ou não? Que é que eu faço, Santo Antônio? Deixo a porca
lá ou a trago para cá, sob sua proteção? Desde que ela saiu daqui me começaram
as ameaças! É melhor trazê-la com a capa, porque alguém pode aparecer. Santo Antônio
faça com que não apareça ninguém! Não deixe ninguém entrar aqui. Vou buscar
minha porquinha, mas não quero ninguém aqui”.
e) a
retirada da porca de casa, dos cuidados do santo para o cemitério, “onde tudo se perde
e não se acha nada” e a colocação da
porca no socavão ao lado do túmulo da esposa: Euricão – “ Ah! Agora estou
só, Estará escondido? O quarto está
vazio. E aqui? Ninguém. Agora, nós, Santo Antônio! Isso é coisa que se faça?
Pensei que podia confiar em sua proteção, mas ela me traiu! Você, que dizem ser
o santo mais achador! É isso, Santo Antônio é achador e está ajudando achar
minha porca! Eu devia ter me pegado é com um santo perdedor! Agora não deixo
mais meu dinheiro aqui de jeito nenhum. O cemitério da igreja! É aqui perto e é
lugar seguro. Entre o túmulo de minha mulher e o muro, há um socavão: é lá que
guardarei meu tesouro. Prefiro a companhia dos mortos à dos vivos, ali minha
porca ficará em segurança. Com medo dos mortos, os vivos não irão lá e os
mortos, ah, os mortos, não desejam mais nada, não têm nenhum sonho a realizar,
nenhuma desgraça a remediar. Ao cemitério! Escondo a porta no socavão e à
noite, quando todos estiverem dormindo, cavo a terra e hei de enterrá-la o mais
fundo que puder. E você, Santo Antônio, fique-se ai com sua proteção e seu
poder de encontrar. Lá, meu ouro, meu sangue, estará em segurança: o mundo dos
mortos é mais tranqüilo e, digam o que disserem os idiotas, lá é o lugar em que
se perde tudo e não se acha nada”!
f) o roubo da porca (primeira perda): Euricão – ‘ Ai, ai! Estou
perdido, estou morto, fui assassinado! Para onde correr? Para onde não correr?
Pega, pega! Mas pegar a quem? Não vejo nada, estou cego. Não sei mais onde vou,
não sei mais onde estou, não sei mais quem sou! Ah, dia infeliz, dia funesto,
dia desgraçado! Que fazer agora da vida, tendo perdido aquilo que eu guardava
com tanto cuidado? Roubei-me a mim próprio, furtei a minha alma! Agora outros
gozam com ela, para meu desgosto e prejuízo? Não, é demais pra mim”! (cai
desfalecido, chorando).
g) a devolução da porca: Pinhão – “um momento, me solte! Vá pra lá!
Eu confesso que furtei essa porca, mas o senhor não ganha nada mandando me
entregar à polícia. Eu morro e não digo onde ela está! Todo mundo fala em
furto, em roubo e só se lembra da porca! Está bem, eu furtei a porca! Sou
católico, li o catecismo e sei que isso não se faz! (...) Pois bem, proponho um
acordo a todos. Seu Eudoro não emprestou vinte contos a Seu Eurico? Eu entrego
a porca por esse vinte contos’.
(...) Euricão – Ah!
Santo Antônio poderoso! Até que enfim você se compadeceu de seu velhinho, de
seu devoto de todos os momentos e de todas as horas! Pensei que estava obrigado
a escolher entre o santo e a porca! Mas Santo Antônio não podia me exigir esse
absurdo! Ai, minha porquinha, que alegria, que alegria apertá-la de novo contra
o meu coração! Que alegria beija-la! Ó minha esperança, ó minha vida! Agora que
a encontrei não largarei um só instante! Afastem-se, saiam de perto de mim!
Agora é assim, minha porca e eu!
h) a grande decepção (segunda e derradeira perda): Eudoro – Eurico,
o dinheiro não é tudo neste momento. Você tem sua filha, tem a todos nós que
agora somos sua família. Deixe de depositar toda a sua vida nesse dinheiro! Não
dê tanta importância ao que não vale nada, porque...
Euricão – Por que o
quê? Que é que você quer dizer? Diga, termine!
Eudoro – Será melhor
dizer mesmo, Eurico?
Euricão – Dizer o quê?
Diga logo, é melhor do que me esconder alguma coisa grave. Que é?
Eudoro – Esse dinheiro
está todo recolhido, Eurico! Tudo o que você tem aí não vale nem um tostão.
Euricão – Nossa
Senhora, Santo Antônio! Você jura pelos ossos de sua mãe como é verdade?
Eudoro – Juro.
IMPORTANTE: Além dos personagens humanos, temos dois objetos que possuem tanta
importância, Santo Antônio (santo
casamenteiro e protetor daqueles que perdem algo de valor), representando o
sagrado e a fé e a porca, que figura
como oposição, o profano, o que faz frente ao religioso, objeto de cobiça,
representa a avareza de Euricão. O porco é o símbolo de impureza, de pecado,
representa a avareza de Euricão, um dos 7 pecados capitais; porca: (para os
egípcios) abundância, criação de vida.
v Outro fator relevante
é a presença da ambiguidade, um dos
recursos utilizados pelo autor para
provocar os efeitos cômicos e desenrolar as
intrigas e confusões na narrativa, uma vez que os fatos são interpretados de
modo duplo por Euricão e outros personagens.
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