28 de jun. de 2016

ANÁLISE LITERÁRIA “O SANTO E A PORCA”, Ariano Suassuna

Sobre o autor:

Em 16 de junho de 1927, filho de Cássia e João Suassuna, nascia Ariano Vilar Suassuna, em Nossa Senhora das Neves, atual João Pessoa, capital da Paraíba. No ano seguinte, seu pai deixa o governo e a família passa a morar no sertão, na fazenda Acauhan, experiência que serviria para, anos depois, iniciar o jovem no mundo interiorano que serviria de cenário para toda a sua obra. Depois do assassinato de seu pai por motivos políticos no Rio de Janeiro, sua família mudou-se para Taperoá, onde morou de 1933 a 1937. Nessa cidade, Ariano fez seus primeiros estudos e assistiu pela primeira vez a uma peça de mamulengos e a um desafio de viola, cujo caráter de “improvisação” seria  uma das marcas registradas também da sua produção teatral, desse modo, mais aspectos da cultura nordestina seriam incutidos em sua formação. Em 1942, passou a viver em Recife, onde terminou em 1945, os estudos secundários no Ginásio Pernambucano e no Colégio Osvaldo Cruz. No ano seguinte, iniciou a faculdade de Direito onde conheceu Hermílio Borba Filho e junto com ele fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco. Uma mulher vestida de sol, sua primeira peça, escrita em 1947, no ano seguinte a peça Cantam as Harpas de Sião ou Desertor da Princesa, foi montada pelo Teatro do Estudante de Pernambuco. Em 1950, forma-se na Faculdade de Direito, mesmo ano em que recebe o Prêmio Martins Pena pelo Auto de João da Cruz. Para se curar de uma doença pulmonar, viu-se obrigado a se mudar novamente para Taperoá, onde escreve e monta a peça Torturas de um coração. Em 1956, volta para Recife se dedica à advocacia e continua a escrever peças: O castigo da soberba (1953), O rico avarento (1954) e o Auto da Compadecida (1955). Em 1957, abandona a advocacia e se torna professor de Estética na Universidade Federal de Pernambuco, escreve em 1957 a peça O Casamento suspeitoso e O santo e a porca. Suas comédias são de gosto popular, fortemente influenciadas pelo teatro grego, o teatro ibérico do século XVI e pela Comédia Del’Arte, mesclando influências da cultura nordestina, como as parlendas, o cordel e o repentismo.


                                                                                             
v  Na elaboração de O Santo e a Porca, Ariano Suassuna foi diretamente influenciado pela peça
Aulularia, de Plauto, autor romano com influências gregas. Como Suassuna mesmo chegou a afirmar várias vezes, essa não é uma peça original, afinal, muito dela se origina em variações (relidas num contexto nordestino) da trama de Plauto. Em Aulularia, o protagonista é “Euclião” (daí a escolha do nome Eurico, ou Euricão), que encontra uma panela de ouro deixada por seu avô. ‘Esse achado’ aliado ao casamento de sua filha com um velho rico, origina o mote central de um texto ágil cheio de encontros, desencontros e ambiguidades.
                Suassuna adaptou o texto de Plauto, mas desenvolveu uma releitura dentro do contexto nordestino da literatura de cordel e criou uma trama mais complicada.
                Essa intertextualidade com a peça de Plauto não se resume apenas a uma releitura adaptativa dos personagens. O próprio cenário da obra remete diretamente à peça do dramaturgo latino, exemplos:

Casa de Euricão/ Templo de Santo Antônio = Templo de Bona Fides
Festa de São João = Festa de Ceres
Cemitério = Bosque de Silvano
Hotel de Dadá= Mercado (Fórum).

v  TEMATICA
Tema central: a avareza humana
Tema filosófico: a relação do mundo material com o espiritual
Em literatura: lembra os conflitos barrocos de ordem religiosa: Euricão Árabe terá de escolher entre a loucura e o discernimento, a ilusão e verdade, o permanente e o efêmero. Oscilação entre o santo e o profano: representação do movimento entre espiritualidade e materialidade natural do ser humano. Pode-se ver nessa peça um claro caráter moralizante, típico dos textos católicos. O maniqueísmo é marcado pela criação de extremos e representado quando Euricão sente-se obrigado a escolher entre o material (dinheiro) e o espiritual (Santo Antônio).

v  ESPAÇO
                Na peça O santo e a porca, a ação se passa na sala da casa de Euricão, o que pode ser comprovado nas indicações cênicas. Estas indicações devem ser confrontadas com o texto interpretado pelos atores, pois a linguagem está relacionada com a demarcação espacial e ambas se unem pela ação dramática. No texto, a casa do protagonista é vista por ele próprio como seu território, protegido pelo santo de devoção e como sua fortaleza, onde ele guarda seus dois tesouros – a filha e a porca

v  TEMPO
                Em O santo e a porca, o tempo intervém na ação de várias formas, estabelecendo uma cronologia que reconstitui o desenrolar dos acontecimentos, fornecendo um tempo próprio para cada personagem, através de marcas temporais que aparecem no texto ou tomando uma dimensão metafórica.
                O próprio diálogo das personagens fornece indicações que inscrevem a ação dentro de um tempo real e juntamente com a divisão em atos, cenas e quadros compõem as principais marcações temporais no momento da representação.
               O tempo da ficção obedece à concepção clássica das unidades e da verossimilhança. A ação se passa num período de 24 horas dividido entre os três atos da peça. O tempo da representação é caracterizado pela continuidade.
                Apesar da aparente simplicidade na escrita é preciso prestar atenção nas rubricas (indicações entre parênteses). Elas acabam fazendo o papel do narrador e orientam a cena. Na peça de Ariano Suassuna, o tempo da representação é marcado da seguinte forma:
Primeiro ato: Apresentação do problema e das personagens – Tempo da espera por Eudoro (ações se passam no período da manhã).
Segundo ato: Complicação da situação, ponto de tensão – Tempo da espera pela entrevista e reviravoltas de Eurico tentando proteger sua porca (as ações se passam no período da tarde).
Terceiro ato: Tempo das entrevistas e das revelações – desenlace da trama, consumações amorosas e descobertas da falta de valor da porca (as ações se passam no período da noite).
                Estas marcações ficam muito claras nas falas das personagens. Conclui-se então que na representação da peça, a ‘entrevista’ é o marcador temporal que a divide em dois grandes momentos, antes dela, percebe-se o clima de tensão, de espera, da expectativa que culminará na reconciliação dos casais. A seguir, situa-se os pedidos casamento, a descoberta do segredo de Euricão (a porca) e sua decepção.

v  PERSONAGENS
                As duas forças principais que regem um texto dramático são as personagens e o enredo. Nesta obra eles são quase indissociáveis, o autor constrói aquilo que ele próprio denomina personagens-tipo: cada um possui características e personalidades próprias e servem para retratar as mais variadas facetas do comportamento humano.

Caroba: A escolha do nome provém da associação com a árvore, segundo o autor, grande e forte, relacionado com sua desenvoltura para encontrar modos de resolver as situações e tentar garantir seu próprio bem estar. Ela é empregada de Euricão e quem desenvolve toda rede de intrigas que envolve os casamentos, é esperta, articula as ações do texto.
Pinhão: Seu nome significa “fruto rústico”. Empregado de Eudoro, noivo de Caroba. Representa a busca da liberdade. Usa muitos ditados populares, representando a voz do povo dentro da peça.
Euricão: Engole Cobra, Eurico Árabe, é o protagonista da peça, pai de Margarida e irmão de Benona, personagem avarento e ao mesmo tempo religioso. Se questiona muitas vezes na peça o que seria mais importante para ele, o Santo Antônio ou seu dinheiro.
Margarida: flor bucólica, filha de Euricão e noiva (às escondidas) de Dodó. Personagem que desencadeia dois pólos de interesse: material e sentimental.
Dodó: redução do nome Eudoro, seu pai, indicando o caráter de submissão do filho. Noivo de Margarida, muito

apaixonado faz qualquer coisa para ficar com a amada, até mesmo fingir ser aleijado.
Benona: Alusão à personagem de Plauto (Eunomia - em grego, ordem bem regulada), é irmã de Euricão, ex-noiva de Eudoro, representa os pudores e recatos, apaixonada por seu antigo noivo.
Eudoro: Eudoro, nome composto por eu (do grego bem, bom) e dôron (o generoso). Pai de Dodó, ex-noivo de Benona e pretendente de Margarida. Representa a burguesia, quer se casar para evitar a solidão, julga que seu dinheiro é suficiente para garantir-lhe um bom casamento.


v  PRINCIPAIS CONFLITOS EM O SANTO E A PORCA:
                Na peça de Suassuna temos os conflitos ligados às atitudes de Euricão, o que pode ser identificado em algumas passagens da obra:
                a) avareza de Euricão. “Dodó – Isso é um louco! Você não imagina até onde vai a avareza dele. Desde que estou aqui só se comeu à noite uma vez. E ele exige que a gente pague a refeição, porque acha que mais de uma por dia é luxo”.
                b) seu apego demasiado à porca e sua dedicação a ela como substituta da esposa que o abandonou e seu medo de perdê-la. Euricão – “Ladrões, ladrões! Será que me roubaram? É preciso ver, é preciso vigiar! Vivem de olho no meu dinheiro, Santo Antonio! Dinheiro conseguido duramente, dinheiro que juntei com os maiores sacrifícios. Eurico Árabe, Eurico Engole-Cobra! Pois sim! Mas é rico e os que vivem zombando dele não têm a garantia de sua velhice. Ah, está aqui, os ladrões ainda não conseguem furtar nada. Ah! Minha porquinha querida, que seria de mim sem você? Chega dá uma vontade da gente se mijar! Fique áí até outra oportunidade. Se eu pudesse comeria você inteirinha” (...).
                c) sua devoção a Santo Antônio como protetor de seu lar e da sua porca: Euricão – “Agora sim, você, Santo Antônio, deve se contentar agora com minha pobreza e minha devoção. Eu não o esqueci. Não deixe que esses urubus descubram meu dinheiro! Faça isso, meu santo e a banda de jerimum que eu ia dar a Caroba será sua. Menos as sementes, viu? As sementes eu quero para fazer xarope e vender no armazém. Ganha-se pouco, mas sempre é alguma coisa para enfrentar a crise e a carestia!”
                d) a colocação da porca no socavão e a retirada da porca do socavão para a sala e para a proteção de Santo Antônio: Euricão – “Aí, gritaram “Pega ladrão”, quem foi? Onde está? Pega, pega! Santo Antônio, que diabo de proteção é essa? Ouvi gritar “Pega o ladrão”. Ai, a porca, ai meu sangue, ai minha vida, ai minha porquinha do coração! Levaram, roubaram! Ai, não, está lá, graças a Deus! Que terá havido, minha Nossa Senhora? Terão desconfiado porque tirei a porca do lugar? Deve ter sido isso, desconfiaram e começaram a rondar para furtá-la” É melhor deixá-la aqui mesmo, à vista de todos, assim ninguém lhe dará importância! Ou não? Que é que eu faço, Santo Antônio? Deixo a porca lá ou a trago para cá, sob sua proteção? Desde que ela saiu daqui me começaram as ameaças! É melhor trazê-la com a capa, porque alguém pode aparecer. Santo Antônio faça com que não apareça ninguém! Não deixe ninguém entrar aqui. Vou buscar minha porquinha, mas não quero ninguém aqui”.
                e) a retirada da porca de casa, dos cuidados do santo para o cemitério, “onde tudo se perde e não se acha nada” e a colocação da porca no socavão ao lado do túmulo da esposa: Euricão – “ Ah! Agora estou só,  Estará escondido? O quarto está vazio. E aqui? Ninguém. Agora, nós, Santo Antônio! Isso é coisa que se faça? Pensei que podia confiar em sua proteção, mas ela me traiu! Você, que dizem ser o santo mais achador! É isso, Santo Antônio é achador e está ajudando achar minha porca! Eu devia ter me pegado é com um santo perdedor! Agora não deixo mais meu dinheiro aqui de jeito nenhum. O cemitério da igreja! É aqui perto e é lugar seguro. Entre o túmulo de minha mulher e o muro, há um socavão: é lá que guardarei meu tesouro. Prefiro a companhia dos mortos à dos vivos, ali minha porca ficará em segurança. Com medo dos mortos, os vivos não irão lá e os mortos, ah, os mortos, não desejam mais nada, não têm nenhum sonho a realizar, nenhuma desgraça a remediar. Ao cemitério! Escondo a porta no socavão e à noite, quando todos estiverem dormindo, cavo a terra e hei de enterrá-la o mais fundo que puder. E você, Santo Antônio, fique-se ai com sua proteção e seu poder de encontrar. Lá, meu ouro, meu sangue, estará em segurança: o mundo dos mortos é mais tranqüilo e, digam o que disserem os idiotas, lá é o lugar em que se perde tudo e não se acha nada”!
                f) o roubo da porca (primeira perda): Euricão – ‘ Ai, ai! Estou perdido, estou morto, fui assassinado! Para onde correr? Para onde não correr? Pega, pega! Mas pegar a quem? Não vejo nada, estou cego. Não sei mais onde vou, não sei mais onde estou, não sei mais quem sou! Ah, dia infeliz, dia funesto, dia desgraçado! Que fazer agora da vida, tendo perdido aquilo que eu guardava com tanto cuidado? Roubei-me a mim próprio, furtei a minha alma! Agora outros gozam com ela, para meu desgosto e prejuízo? Não, é demais pra mim”! (cai desfalecido, chorando).
                g) a devolução da porca: Pinhão – “um momento, me solte! Vá pra lá! Eu confesso que furtei essa porca, mas o senhor não ganha nada mandando me entregar à polícia. Eu morro e não digo onde ela está! Todo mundo fala em furto, em roubo e só se lembra da porca! Está bem, eu furtei a porca! Sou católico, li o catecismo e sei que isso não se faz! (...) Pois bem, proponho um acordo a todos. Seu Eudoro não emprestou vinte contos a Seu Eurico? Eu entrego a porca por esse vinte contos’.
(...) Euricão – Ah! Santo Antônio poderoso! Até que enfim você se compadeceu de seu velhinho, de seu devoto de todos os momentos e de todas as horas! Pensei que estava obrigado a escolher entre o santo e a porca! Mas Santo Antônio não podia me exigir esse absurdo! Ai, minha porquinha, que alegria, que alegria apertá-la de novo contra o meu coração! Que alegria beija-la! Ó minha esperança, ó minha vida! Agora que a encontrei não largarei um só instante! Afastem-se, saiam de perto de mim! Agora é assim, minha porca e eu!
                h) a grande decepção (segunda e derradeira perda): Eudoro – Eurico, o dinheiro não é tudo neste momento. Você tem sua filha, tem a todos nós que agora somos sua família. Deixe de depositar toda a sua vida nesse dinheiro! Não dê tanta importância ao que não vale nada, porque...
Euricão – Por que o quê? Que é que você quer dizer? Diga, termine!
Eudoro – Será melhor dizer mesmo, Eurico?
Euricão – Dizer o quê? Diga logo, é melhor do que me esconder alguma coisa grave. Que é?
Eudoro – Esse dinheiro está todo recolhido, Eurico! Tudo o que você tem aí não vale nem um tostão.
Euricão – Nossa Senhora, Santo Antônio! Você jura pelos ossos de sua mãe como é verdade?

Eudoro – Juro.

IMPORTANTE: Além dos personagens humanos, temos dois objetos que possuem tanta importância, Santo Antônio (santo casamenteiro e protetor daqueles que perdem algo de valor), representando o sagrado e a fé e a porca, que figura como oposição, o profano, o que faz frente ao religioso, objeto de cobiça, representa a avareza de Euricão. O porco é o símbolo de impureza, de pecado, representa a avareza de Euricão, um dos 7 pecados capitais; porca: (para os egípcios) abundância, criação de vida.

v  Outro fator relevante é a presença da ambiguidade, um dos recursos utilizados pelo autor para
provocar os efeitos cômicos e desenrolar as intrigas e confusões na narrativa, uma vez que os fatos são interpretados de modo duplo por Euricão e outros personagens. 

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