15 de nov. de 2016

Análise literária O amanuense Belmiro

O AMANUENSE BELMIRO – Cyro dos Anjos

Belmiro: a paralisia por excesso de análise




Publicação: 1937
Sobre o autor e o período literário
Nascido em Montes Claros, Minas Gerais, Ciro dos Anjos é considerado um dos grandes representantes da literatura brasileira. Embora seu trabalho não tenha tido o reconhecimento merecido na época de sua publicação, pelo fato de não trabalhar diretamente na linha da denúncia social, atualmente tem sido objeto de estudo de grandes críticos e teóricos brasileiros, que apontam sua produção como modelo de refinamento e requinte O Amanuense Belmiro, de Ciro dos Anjos é o livro de estreia desse mineiro que integrou a geração modernista de 1930.
            Na década de 30, as obras literárias de maior reconhecimento eram aquelas que abordavam as misérias sociais de determinadas  regiões do país em tom de denúncia, mas que nem sempre traziam em sua constituição o requisito fundamental para a construção de um bom texto literário: a elaboração estética sofisticada. Ciro dos Anjos é um dos artistas que constituem a exceção nesta época em que há um certo desinteresse do público pela forma e uma supervalorização dos conteúdos relacionados às questões sociais.     Antes de iniciar seu trabalho como romancista, Ciro dos Anjos cursou a Faculdade de Direito em Belo Horizonte e trabalhou em diversos jornais como Diário da Tarde, Diário do Comércio, Diário de Minas, A Tribuna, ocupando primeiramente o cargo de repórter e posteriormente o de redator. Em sua atividade jornalística veio a conhecer escritores como Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura e João Alphonsus. Nesse período, iniciou a escrita de crônicas, que foram o germe para a constituição de seu primeiro romance O Amanuense Belmiro, publicado em 1937. Exerceu várias funções públicas ao longo de sua vida e chegou a ocupar o cargo de Subchefe do Gabinete Civil da Presidência da República em 1957. Foi professor de Estudos Brasileiros no México e em Portugal e assumiu a função de professor do Instituto de Letras da Universidade de Brasília. Todo esse percurso profissional atribuiu a Ciro dos Anjos um grande conhecimento sócio-cultural. Em sua carreira como escritor literário, publicou também os romances Abdias (1945) e Montanha (1956); o ensaio A Criação Literária (1954), publicado em Coimbra; um livro de memórias intitulado Explorações do Tempo (1963); além do livro Poemas Coronários (1965).
Em O Amanuense Belmiro, Ciro dos Anjos lida com os problemas do ser humano num tom profundamente penetrante, fazendo com que escritor e leitor se identifiquem. Não se trata de um romance que se imponha de fora para dentro, mas sim, que se insinua lentamente na sensibilidade, identificando-se com a própria experiência do leitor (CANDIDO, 1945).

VISÃO GERAL:
De linhagem psicológica, revelando profunda influência machadiana, porta-se como observador perspicaz e contido, utiliza-se frequentemente de uma fina ironia, do pessimismo amargo e revela-se continuador da tradição memorialista que foi comum no romance do século XIX.
O Amanuense Belmiro é narrado em primeira pessoa por Belmiro Borba, personagem central, homem tímido e sonhador, ao mesmo tempo dotado de grande capacidade de observar a si e aos outros. Solteirão e empregado de repartição pública, em que era amanuense (encarregado geralmente de fazer cópias e/ou ofícios), vive em Belo Horizonte com duas irmãs mais velhas. Em uma noite de carnaval contempla uma jovem desconhecida, identificada posteriormente como Carmélia, por quem se apaixona, mas mantém-se distante, nunca revelando seus sentimentos. Paralelamente, vai sequenciando uma série de meditações que surgem a partir de conversas com um grupo de amigos (Jandira, Silviano, Redelvim, Florêncio, Glicério). Ao mesmo tempo relembra a infância, fazendo coincidir a amada Carmélia, que ele chama de donzela Arabela, com uma antiga namoradinha. Em tudo, Belmiro refugia-se nos sonhos, nas ilusões, raramente enfrenta a realidade, é incapaz de ações incisivas. O mundo pequeno desse homem é revelado gradativamente, por meio de uma espécie de diário, em que procuraria registrar cenas do cotidiano e reflexões e recordações.

LINGUAGEM E FOCO NARRATIVO


FOCO NARRATIVO: Romance narrado em primeira pessoa.
LINGUAGEM: Uso de linguagem depurada, com uso de coloquialismo.
“- Mais amor e menas confiança, disse o magro, fingindo-se zangar.
  - Mancou, mesmo, prosseguiu. A sodade apertou, veio ver a nega e foi encanado. (...)”
“Miudinha, interessante, potelée ( gorda, roliça ). Sim, potelée é o termo justo, continuou, preocupado com a precisão vocabular: só os franceses é que classificam bem as mulheres.”
·         Belmiro, como literato, usa muitas expressões eruditas em latim e francês.
·         Atento à linguagem do outro, Belmiro reproduz a fala italiana de Giovanni, as expressões em inglês do vizinho Gouveia e de um português que o salvou de um acidente no Rio, além da linguagem rústica de suas irmãs, do interior de Minas.

ESPAÇO, TEMPO E CONTEXTO HISTÓRICO


Espaço: A narrativa como um todo se desenvolve em Belo Horizonte, nos anos 30. A história se desenvolve em Belo Horizonte, com passagens na cidade natal de Belmiro (Vila Caraíbas) e uma viagem ao Rio de Janeiro. Na terra carioca, o narrador faz referência à diversas intertextualidades machadianas.
Tempo: A obra apresenta tempo cronológico:
- Início: Natal de1934
- Fim: após o carnaval de 1936.
Não se pode descartar o uso do tempo psicológico: as reflexões, considerações e memórias de Belmiro.
Contexto histórico: O ano de 1935 foi marcado por manifestações comunistas.
·         Surge a Aliança Nacional Libertadora, com Luís Carlos Prestes como presidente.
·         Estouram algumas revoltas em Recife e Olinda, quando Getúlio Vargas manda fechar a ANL.
·         É retratado no livro a revolta no Rio, quando Redelvim ( anagrama de “vem líder”) é preso.
·         São citadas ainda a Revolução de 1930 e a Revolução Constitucionalista de 1932.

ESTRUTURA E ANÁLISE DA OBRA

As recordações de Belmiro foram organizadas por ele em forma de um diário, formato bastante inovador na época. Através dele, a personagem passa as informações ao leitor de uma forma mais amena, trabalhando com mais intensidade o interior, o psicológico, a subjetividade, de maneira que as informações exteriores são apresentadas apenas como complemento.
Em sua roda de amigos, Belmiro representa a figura do conciliador, tentando apaziguar as diferenças e suavizar o impacto da franqueza. Ele possui a vocação para discernir entre a palavra rude e a agradável, com diversas gradações entre os dois extremos. Por supervalorizar a forma com que se expressa uma ideia, acaba por hesitar em certos diálogos e até a arrepender-se em outros. Após a conversação, Belmiro se dedica a examinar incessantemente tudo o que foi dito, rememorando as gafes e expressões faciais, dissecando a estrutura de cada frase. A comunicação plena só ocorre através do diário. Tanto na família quanto no contato com os amigos ou com outros grupos sociais, predomina a atitude gauche. O amanuense apega-se ao diário como tábua de salvação, mas esse pode converter-se em morte, visto que comunicando-se apenas através do diário pode aniquilar-se como sujeito social. Nesse caso, o diário pode representar uma armadilha, levando a personagem a crer que é mais fácil estetizar a vida do que lidar com ela:
“Este caderno, onde alinho episódios, impressões, sentimentos e vagas idéias, tornou-se, a meus olhos, a própria vida, tanto se acha embebido de tudo o que de mim provém e constitui a parte mais íntima de minha substância” (p. 74).
Para Belmiro, sua vivência se constitui da escrita, da reflexão, da imaginação e não da realização de seus desejos e expectativas. Ele encontra dificuldade em expor seus sentimentos para as outras pessoas, e o papel em branco torna-se o espaço ideal para o desabafo, para a confissão sem reservas. No entanto, essa atitude escritural leva-o ao afastamento da realidade e o coloca à margem da sociedade, posto que se resigna a escrever ao invés de atuar.
Para o grupo de amigos, Belmiro não passa de um homem sem perspectivas, um conformista que se contenta em viver uma vida sem grandes emoções a fim de se manter longe do conflito. O fato, porém, é que Belmiro possui uma sensibilidade muito aguçada, uma alma de artista, e seus conflitos interiores são tantos, sua percepção da vida é tão refinada, que ele acaba por afastar-se das pessoas (sem a intenção de fazê-lo) por medo de ser incompreendido.

O CONFLITO INTERIOR
O amanuense é infeliz. É um lírico não realizado, solteirão nostálgico. Chegou quase aos quarenta anos sem nada ter feito de apreciável na vida. Sonha, carrega nas costas a enorme trouxa de um passado de que não pode se desprender, porque dentre dele estão as doces cenas da adolescência. De repente, uma noite de carnaval lhe traz a imagem de uma donzela gentil. O amanuense ama, mas à sua maneira: identificando a moça de carne e osso, que mal enxerga de quando em vez, com uma imagem longínqua da namorada da infância, ela própria quase um mito – um mito como a donzela Arabela.
            Belmiro, então, se entrega ao presente; mas não o vive. Submete-se, e readquire o equilíbrio da autoanálise. Sabe que não lhe adianta pensar em como as coisas seriam se não fossem o que são, e concluindo que “a verdade está na Rua Erê”, isto é, na sua casinha modesta e o seu cotidiano, recita com o poeta:
            “Mundo mundo, vasto mundo
            Se eu me chamasse Raimundo
            Seria uma rima, não seria uma solução
            Mundo mundo, vasto mundo
            Mais vasto é o meu coração.”

Os literatos na obra não são descritos como homens comprometidos com a realidade social, mas sim como homens entregues aos seus conflitos interiores imaginários, dotados de um lirismo que os impossibilita de viver a vida de forma prática e objetiva. A falência, o fracasso de Belmiro na vida profissional aparece no texto como consequência de sua veia lírica, visto que ele se enquadra perfeitamente no protótipo de romântico sonhador. Seus amores são impossíveis e se repetem no decorrer de sua vida, o passado se apresenta como arquétipo do que se processa no presente: Carmélia (seu amor idealizado no presente) surge como uma forma de evocação de Camila (namorada do passado) ou mesmo do mito de Arabela que o acompanha desde a infância, pois o amor é vivido pela personagem sempre por meio da fantasia. Essa postura do amanuense, vinculada ao mito romântico, é anacrônica em 1930, já que se trata de um período no qual se exige atitude do escritor e não se espera que esse seja um gênio romântico. A relação de Belmiro com a literatura é bastante significativa e seu desejo de escrever um livro mostra-se constante e persistente: É plano antigo o de organizar apontamentos para umas memórias que não sei se publicarei algum dia
 (...) Sim, vago leitor, sinto-me grávido, ao cabo, não de nove meses, mas de trinta e oito anos. E isso é razão suficiente (...) O melhor seria vivermos sem livros, mas o homem não é dono do seu ventre, e esta noite insone de Natal (as sinistras noites de insônia, responsáveis por tanta literatura reles!) traz-me um desejo irreprimível de reencetar a tarefa cem vezes iniciada e outras tantas abandonada ( p.14).
A personagem acredita que “o melhor seria vivermos sem livros”, pelo fato de que esses incitam o pensamento e a reflexão. Viver sem eles significaria viver sem complexidade, sem atitude crítica, o que o amanuense julga ser o melhor, contudo, ele se sente dotado de uma força interior, de um “desejo irreprimível” que o impulsiona à reflexão como ocorre com tantos outros seres dotados de sensibilidade e lirismo. Conforme seu argumento, “o homem não é dono do seu ventre”, daí a existência de tantos livros. Nesse trecho, o projeto de elaboração do livro aparece como uma escrita gestada, o que remete à discussão a respeito da dificuldade de escrever e da vocação do escritor.

O CONFORMISMO EXTERIOR
A atitude romântica de Belmiro diante dos problemas e circunstâncias que a vida lhe impõe leva-o a uma posição de aparente conformidade. Havendo fracassado tanto na tentativa de tornar-se fazendeiro, segundo a vontade de seu pai, quanto no propósito de formar-se bacharel, de acordo com o desejo de sua mãe, devido aos devaneios românticos e aos atos impensados de sua mocidade, o narrador-personagem aceita a interseção de seu pai junto a um político influente a fim de conseguir-lhe um emprego que lhe permita suprir as necessidades básicas do dia-a-dia. Conforme afirma, “mais tarde um deputado me introduziu na burocracia” (p. 11). Belmiro só conseguiu um emprego público em razão do sistema de favoritismo tão vigente no Brasil há séculos. Se por um lado Belmiro foi favorecido com um cargo público, por outro tornou-se um integrante do sistema, sendo-lhe vetada, assim, a crítica exaltada. Isso explica de certa forma sua atitude amena, indiferente perante as ideologias sociais vigentes na sociedade da época.
Com relação às posições político-ideológicas de seu círculo de amizade, o amanuense comenta: “Enquanto Glicério e Silviano se inclinam para o fascismo, Redelvim e Jandira tendem para a esquerda. Só eu e Florêncio ficamos calados, à margem” (ANJOS, 1979, p. 33). Por não assumirem uma postura crítica com relação à situação do país, Florêncio e Belmiro se tornam seres marginais até mesmo na roda de amigos. Essa posição marginal de Belmiro se deve tanto à sua veia de observador, que, com um olhar analítico, tenta enxergar o interior das pessoas por detrás das palavras exaltadas e não se coloca dentro da discussão, quanto pelo fato de estar em grande parte do tempo absorto em suas questões interiores, nos mitos, nas artes.
As pessoas veem Belmiro como um homem conformista, acomodado com o que lhe é posto e com uma visão superficial da sociedade, as observações que os amigos fazem a seu respeito aludem a essa imagem. Jandira o intitula “analgésico”, ou seja, aquele de espírito dormente, que atua como calmante, evitando a todo custo qualquer tipo de conflito, um ser passivo diante das circunstâncias que a vida lhe impõe.
Se na vida social Belmiro é visto como um ser omisso, em seu diário expõe seus pontos de vista e desenvolve reflexões profundas a respeito da atitude das pessoas e da posição em que se colocam diante da sociedade. Seus apontamentos são bastante lúcidos e coerentes. No entanto, quando se trata de analisar a si próprio, Belmiro parte de uma visão derrotista, remoendo pensamentos negativos, encaminhando-se sempre para a comprovação de que não há possibilidade de transformação em sua vida pacata e, em certo grau, estéril. Com respeito ao campo sentimental, o amanuense expõe: “Lembra-te, Belmiro, de que essas bodas são impossíveis (...) Carmélia é fina, jovem, rica. É da alta, como diz Glicério (...) É inútil que faças projetos” ( p.38). Belmiro vê a diferença social, cultural e econômica como uma muralha intransponível para a realização desse amor. Em seu ponto de vista, seu amor por Carmélia representa algo impossível, acredita ser inútil qualquer esforço para conquistar a moça, porém, não desiste de amá-la e continua a alimentar esse sentimento que, segundo ele, está destinado ao fracasso e à desilusão. O fato de continuar alimentando essa paixão não realizável demonstra ser ele um homem sem ambições, já que prefere viver de ilusões a lutar por realizações. Por outro lado, de certa forma, essa atitude é também poética: Belmiro prefere viver da ilusão de amar a ter que se defrontar com a dor de ser rejeitado por esse amor não correspondido.
No fundo, Belmiro não está satisfeito com a vida que leva, todavia, não encontra forças que o impulsionem a romper com esse cotidiano repetitivo e previsível: Pouco antes de sairmos o jovem bacharel voltou à minha mesa para dizer que, um dia destes, abandonará a Seção. O Senador Furquim lhe obteve uma comissão no gabinete do Advogado Geral do Estado (...) Sua retirada dá-me uma sensação de desamparo. Já não terei com quem conversar na Seção. E, ao escrever estas notas, penso também em outra coisa: os outros se movimentam, rompem, progridem, mas, enfim, se deslocam. Só eu resto e envelheço nesta vida modorrenta (p.170-171).
Enquanto analisa o sofrimento, não vive, mas busca transformar a vida em literatura. Ele busca a literatura como salvação, mas essa não pode salvá-lo.

O AMANUENSE BELMIRO: A BUSCA PELA CONCILIAÇÃO ENTRE O SOCIAL E O INTIMISMO
Embora em seu romance Ciro dos Anjos não busque trabalhar ostensivamente as ideologias vigentes na sociedade brasileira, elas aparecem em segundo plano, permeando toda a obra, dado que seus personagens representam tipos sociais muito comuns do quadro cultural da época. Belmiro representa a figura do burocrata lírico, Silviano a do filósofo conservador, Redelvim espelha a imagem do sujeito revolucionário comunista de ideias inovadoras, Jandira ocupa a posição da mulher feminista de ideias socialistas, Carmélia a da jovem burguesa que é educada para ocupar o lugar da esposa ideal, dama da sociedade.
As questões sociais figuram em sua obra como elemento de reflexão da personagem central, Belmiro, que se encontra entre o ceticismo analítico e o lirismo romântico. Sua ótica vacila entre o espírito bem humorado, irônico, e o espírito melancólico. Assim, a narrativa que aparentemente busca retratar alguns fragmentos da vida social e os conflitos interiores de um homem comum (sujeito que se coloca no mundo sem causar grandes transformações ou alcançar conquistas notáveis), embebido de um espírito lírico, romântico e sonhador, dotado de um olhar analítico que o paralisa, abriga em seu interior a visão de um escritor que compreende muito bem a função da literatura na sociedade e  tece críticas a respeito de certos pontos de vista imediatistas que não passam de posturas românticas diante dos problemas da sociedade brasileira na década de 30.
Ao criar a personagem Belmiro, Ciro dos Anjos discute a relação existente entre a sociedade e o intelectual do período em questão, ressaltando que, independente das pressões que o escritor possa sofrer, esse deve manter-se sempre fiel à sua arte e escrever com consciência sem abrir mão do valor artístico de sua obra. Tratar de temas intimistas não significa alienar-se; não tomar partido ideológico na escrita não representa não refletir na situação social do país, significa apenas fazer valer a liberdade criativa, não podando a imaginação e a experimentação estética em razão de uma tendência literária (realista-documental

PERSONAGENS
·         Belmiro Borba Funcionário público. Medíocre, tímido, fracassado, tenta evadir-se para o passado escrevendo um diário.  Nele coexistem o lírico e o analista (“A vida estrangulada pelo conhecimento.”)
·         Silviano intelectual mergulhado em profundas questões filosóficas. Tem tendências aristocráticas. Apesar de ser casado, tem vários relacionamentos amorosos.  Extravagante, de imaginação inquieta, tem facilidade em mentir “A mentira é a base da ordem doméstica.” Proximidade com Quincas Borba, personagem de Machado de Assis.
·         Francisquinha e Emília     - São irmãs de Belmiro: onstituem o lado louco e rústico da família Borba. - Constituem o lado rural e interiorano na casa da  Rua Erê.
·         Florêncio   - Flor de pessoa, homem simples. Incorrigível bebedor de chope. “Homem sem abismos, homem linear.”
·         Jandira - “Mel de Abelha”. Belmiro nunca tentou conquistá-la “mais por timidez do que virtude.” Belmiro é seu confidente.
·         Glicério “Doce, amável.” Bem mais jovem do que Belmiro. Trabalhou na secretaria de Fomento. Tornam-se confidentes e apaixonados pela mesma mulher.
·         Redelvim Seu nome significa “Vem Líder”. É um revolucionário. Inconformado com as ideias aristocratizantes de Silviano e a vida burguesa de Belmiro. Preso, na revolta comunista do Rio.
·         Outros Destacam-se, ainda, o vizinho Prudêncio, com sua mania de falar inglês; o vizinho Giovanni e seu filho Pietro, encarnando o sentimentalismo melodramático dos italianos; Carmélia Miranda, responsável pela criação do mito de Arabela; Carolino, o contínuo da secretaria que ganha amizade de Belmiro e de Emília; Jerônimo, estudioso da filosofia de S. Tomás de Aquino; Jorge Figueiredo, noivo de Carmélia, e alguns eventuais amigos de Jandira – além de sua tia Hortênsia -, o Barroso, a professora Alice e o doutorando Dr. Leão.

ENREDO

            O enredo de “O Amanuense Belmiro” é simples. São passagens do cotidiano ocorridas em determinadas épocas do ano e destacadas por datas significantes tais como Natal, Ano Novo, Carnaval, São João, etc.
            Tudo se inicia com uma nova rodada de chope numa véspera de Natal entre os amigos Belmiro (o protagonista), Florêncio, Silviano, Jerônimo, Glicério e Redelvim. O universo do bar representa um espaço democrático marcado pela presença de estrangeiros, negros, proletários etc, compondo o quadro de mescla da sociedade brasileira da dé- cada de 30. Após alguns chopes, cada um vai para seu lado despedindo-se e desejando “Merry Christmas”.
            Belmiro chega a sua casa que fica a Rua Erê, onde mora com duas velhinhas: Emília e Francisquinha, adotadas por ele. Elas resmungam, xingam-no de “Excomungado”, mas gostam dele. Ele ignora esse comportamento das velhinhas por saber que já estão caducas.
            No Ano-Novo revê Jandira, uma antiga paixão que nunca se concretiza. Durante toda a história vamos encontrando reflexões do protagonista sobre a vida, o comportamento das pessoas, enfim, o mundo.
No Carnaval, mistura-se à massa dos foliões e entre muitas fantasias descobre um braço com uma mão branca e fina que o enlaça. Era Carmélia Miranda que Belmiro chama de Arabela. É quando o amanuense descobre o amor. Reencontra Jandira que diz estar pretendida por um candidato ao qual não quer corresponder. Belmiro então diz a ela que esta à disposição.
            Francisquinha piorou em sua demência cuidando de uma ninhada de ratos que descobriu sob o assoalho.
            Chegam as festas juninas e Belmiro fica refletindo sobre a poesia própria que esses dias suscitam.
            Em 25 de Agosto de 1935 Belmiro completa 38 anos e apesar da loucura de Emília, ela ainda lembra da data e fala para Belmiro, o que o deixa emocionado. Belmiro pressente que seu grupo de amigos está se dissolvendo, como consolo ainda pensa em Carmélia.
            Francisquinha piora de saúde.
            Mais alguns encontros com os amigos e velhas filosofias que retornam. No entanto, Belmiro está fazendo um grande esforço para mantê-los unido.
Novembro, dia de Finados. Belmiro resolve dar uma volta pelo cemitério e tem um mau pressentimento. Francisquinha volta do hospital, mas durante três dias seu quadro piora.
            Emília cuida dela como se cuidasse de uma criança. Francisquinha não resistiu uma semana e falece. Emília foi mais forte que Belmiro, até mesmo na hora de arrumar o corpo para o enterro.
Redelvim foi preso sob alegação de se apresentar como comunista. Belmiro é envolvido no problema, mas sem grandes complicações consegue sair do problema.
            Na manhã de 3 de Dezembro é anunciado o casamento de Carmélia Miranda com Dr. Jorge de Figueredo. Belmiro surpreende-se com a calma que recebeu a notícia. Achou que quando isso acontecesse, ficaria muito abalado, porém, não.
Novas conversas com os amigos e mais filosofia.
            No capítulo 64 há um flash-back que mostra Belmiro, Francisquinha e Emília enfrentando problemas com a Revolução de 30.
            Casamento de Carmélia. Belmiro anuncia o fim do grupo chegando às seguintes conclusões: Redelvim é um anarquista, Jandira, socialista; Silviano, um intelectual que não se mistura; Florêncio, um simples burguês que não opina; Glicério, um aristocrata.
            Belmiro fica mais resignado e reflete sobre a dissolução do grupo: “Por que hão de os homens separar-se pelas ideias? De bom grado, eu sacrificaria minha ideia mais nobre para não perder um amigo. Neste mundo sou apenas um procurador de amigos”.
            Mais um natal. Belmiro está em casa e Emília volta da missa. Nada de novo.
            O casamento de Carmélia está marcado para o dia 15 de janeiro do ano seguinte (1936). LITERATURA DECLARADA COMO SALVAÇÃO: “Quem quiser fale mal da literatura. Quanto a mim, direi que devo a ela a minha salvação. Venho da rua oprimido, escrevo dez linhas, torno-me olímpico”.  São as palavras de Belmiro para mostrar seu desabafo diante da vida.
            Belmiro está na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e diz que os cariocas não sabem o valor que tem o mar para os mineiros.
            Passa por alguns lugares citados nas obras machadianas.
            Volta para Minas Gerais e constata mais uma vez que “a verdade está na Rua Erê” (local em que mora): sentimento de completude dado pelo lugar do nascimento.
            Sentindo a angústia da solidão, Belmiro vai procurar Silviano. Após alguma ausência, ele surge e os dois têm uma conversa filosófica.
Manhã de 28 de Fevereiro de 1936, Belmiro dá um passeio e observa os jovens alegres nas ruas. Sente também uma alegria e seus olhos se iluminam como se fosse jovem outra vez. Os amigos voltam a se reunir para um chope. Belmiro fica um tempo sem escrever em seu diário e afirma que sente novamente a vida vazia.
Belmiro ganha um bloco de papéis para continuar a escrever de Carolino, um amigo, mas diz a ele que já não precisa desse material, porque já não há mais nada para escrever.


 

Análise literária Contos Murilo Rubião

O fantástico e a condição do absurdo humano nos contos de Murilo Rubião


Murilo Rubião – Biografia

Murilo Eugênio Rubião
Nasceu  em  Silvestre  Ferraz,  hoje  Carmo  de  Minas  MG,  no  ano de  1916.  Formado  em  Direito,  foi   professor, jornalista,    diretor    de    jornal    e    de   estação    de    rádio (Rádio Inconfidência).  Criou o primeiro Suplemento Literário de Minas Gerais e, envolvido sempre em política, foi Oficial de Gabinete do Governador Juscelino Kubitschek. Morreu em 1991 com 33 contos produzidos, sendo três desses publicados postumamente. Nos anos de glória do romance nordestino, Rubião, que se esperava realista dado o período em que publica seu primeiro livro, revela-se na contramão dessa corrente, pois retrata a realidade por meio da fantasia, dando vazão ao Realismo Maravilhoso.
A  preferência  pela  escrita  fantástica,  em  detrimento  aos  aspectos  da geração  de  1940,  cujas narrativas se voltavam  para a discussão das questões mais sociais, levou-o  a figurar  de modo ínfimo nas tradições literárias no  Brasil.  Todavia, atualmente,  os  contos  de Rubião  constam  em  antologias  e em apresentações em congressos ao redor do país. Os contos são carregados de questões concernentes à contemporaneidade, partindo de narrativas fantásticas que apontam para o absurdo da vida contemporânea.
A obra de Murilo é critica ferrenha da postura conformista do homem diante dos angustiosos problemas da vida.

O realismo fantástico

Os contos de Murilo Rubião filiam-se a uma vertente conhecida como realismo fantástico, ou realismo mágico. Trata-se de uma corrente literária interessada em construir narrativas em que acontecimentos inexplicáveis e/ou impossíveis (do ponto de vista lógico ou científico) adentram o universo real (tal qual o conhecemos) sem terem sua existência questionada. Produz-se, assim, um efeito de estranhamento no leitor, que se defronta com cenas absurdas em situações absolutamente cotidianas.
Onirismo e Surrealismo são marcantes, já que a obra aborda situações inusitadas, dignas de uma cena de sonho, de delírio.
Já se estudaram, no contista, o zoomorfismo, o cromatismo, inúmeras aparências de metamorfose, a tensão entre o prodígio e a frustração, entre a transcendência e a contingência, e, às vezes, entre a onipotência e a mera impotência.
O próprio conto “O Ex-mágico da Taberna Minhota”, um clássico de Murilo Rubião, ilustra o encontro de duas culturas: aquela em que tudo é possível e a outra, na qual nada é permitido.


A questão das epígrafes
PROFETISMO EM QUE PREDOMINA A NEGATIVIDADE

Uma característica peculiar à obra de Murilo Rubião é o uso  das epígrafes bíblicas colocadas no início de cada livro e de cada conto. Elas apontam, de maneira simbólica, a temática a ser abordada. Isso não quer dizer que os contos tenham conteúdo cristão. As epígrafes resumem de modo universal o conteúdo do conto.
O uso dessas técnicas e temas fantásticos funciona não só  como recurso para prender o leitor numa leitura prazerosa e de distração. Mais do que isso, assume uma função crítica. Isto é, o fato sobrenatural e fantástico é um recurso da imaginação para remeter-nos aos conflitos de nossa própria existência. É assim que Murilo Rubião desvenda em seus contos os grandes dramas da natureza humana.
Os personagens da narrativa muriliana apresentam uma visão de que viver neste mundo é uma experiência sem solução. Não há salvação ou final feliz nos contos de Rubião. Seus personagens são solitários e caracterizam-se por eternas buscas e contínuos desencontros. As mulheres em sua narrativa não respondem aos desejos dos amantes.

O Pirotécnico Zacarias
O narrador-protagonista (o próprio Zacarias) inicia o conto dizendo que seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local têm dúvidas se o Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como morreu.
“ A princípio foi azul, depois verde, amarelo e negro. Um negro espesso, cheio de listras vermelhas, de um vermelho compacto, semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...)  Quando tudo começava a ficar branco, veio um automóvel e me matou.(Rubião,2010,p.15-15)”
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do livro  de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo cidade.A fórmula (narrador=defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu romance Memórias Póstumas de Brás Cubas.
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge  do real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas, tentando provar, angustiado, que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos diferentes. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade contemporânea do autor.


O Ex Mágico da Taberna Minhota
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com a profissão, torna-se funcionário público. Contudo, a nova profissão também lhe oferece como existência entediante. Aliás,sua vida fora um tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom saudoso,as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo-Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus “truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele relata que,sem querer,foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade,pois nada do que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar:
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não aconteceu comigo. Fui atirado à vida sem pais, infância ou juventude.” (Rubião,2010,p.21).
Trata-se, portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de suicídio que o narrador empreende. Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. É um sujeito próprio da pós-modernidade,que vive uma intensa crise existencial e de identidade.
A narrativa é essencialmente existencialista. Para Sartre, “a existência precede a essência”. Desta forma, o homem, primeiramente, nasce. A essência vai se formando no decorrer da existência. Entretanto, o homem, marcado pela morte, busca essa identidade absoluta, fracassando. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para concebê-la. Por isso, o homem se sente responsável: o homem ligado ao compromisso e que se dá conta de que não é apenas aquele que escolhe ser, mas de que é também um legislador pronto a escolher, ao mesmo tempo em que a si próprio, a humanidade inteira. Daí a angústia e a sensação de fracasso.

Teleco, o coelhinho
Dois fatos inusitados se colocam,de imediato, na leitura dessa narrativa:
Um coelho que fala e, além do mais, que pede um cigarro ao narrador personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco,o coelho,  e trava com ele uma conversa  amigável. Ao perceber que Teleco  não tem casa, e encantado com a educação do animal,o personagem humano o convida para morarem juntos.
Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando uma identidade.
Teleco encontra uma mulher sedutora e se apaixona. Para viver esse romance e afirmar-se como homem, o coelhinho assume a forma de um canguru com um comportamento humano, porém degradante. A relação entre o protagonista e o canguru torna-se tensa, levando à expulsão do animal, que passa a viver com a namorada, que explora o seu dom. Após a decepção amorosa, Teleco volta para o seu amigo, arrependido, doente e pede ajuda. Não tarda para que Teleco consiga sua última e desejada metamorfose: uma criança, ainda que sem vida.
No conto, o fantástico surge de um elemento ingênuo: um simples coelhinho de dimensão humana e dramática revela ao homem a verdade que ele não pode suportar: o homem contemporâneo é massificado, sem identidade e solitário. O cotidiano apresentado no conto é absolutamente fiel ao nosso mundo real; a partir da presença de um coelhinho, que busca a sua humanidade, temos a subversão desse real harmônico. A princípio, Teleco encontra nas metamorfoses a maneira de se aproximar do humano, afinal, ele é um ser marginalizado, um ser que ninguém reconhece como humano e que busca a todo custo sua aceitação: “Depois de uma convivência maior, descobri que a mania de metamorfosear-se em outros bichos era nele simples desejo de agradar ao próximo” (RUBIÃO, 1998, p.144).
O querer desenfreado de Teleco constrói um muro entre a realidade que o cerca e o que ele julga como real. A sua condição de coelho é que o faz não-humano; logo, a metamorfose em canguru livra-o da forma anterior, tornando-o, conseqüentemente, humano. Barbosa é um homem (canguru) e não um coelho, por isso usa óculos e cospe no chão. A meiguice do coelhinho cede à bruta imagem, cheia de vícios, do horrendo canguru.

O HOMEM DO BONÉ CINZENTO

O narrador infantil, Roderico, conta-nos que a rua onde morava era pacata. Caminhões de mudança, despejando caixas no antigo hotel abandonado, tiram a calma da rua. Diziam que para lá se mudaria um celibatário. Todavia, um velho magro, com roupas largas e um inseparável boné cinzento, acompanhado de um cão perdigueiro se muda para lá. Não é visto na rua e, invariavelmente, senta-se todas as tardes, com um cachimbo e seu cachorro, à porta. Artur, irmão do narrador, espreita a casa vizinha, na esperança de que o velho se antecipe.
Artur argumenta insistentemente com o irmão que o velho está emagrecendo. Acorda o narrador para dizer-lhe que descobrira o nome do vizinho: Anatólio, ao que Roderico esbraveja: chamasse Nabucodonosor.
Chega uma bonita moça, desce do táxi e, sozinha, adentra a casa de Anatólio. Artur e Roderico se questionam sobre a vida do velho. Os diálogos entre o narrador e Artur indicam a obsessão de adentrarem na vida do outro e opinarem sobre o que e como deveria ser.
A incógnita aumenta: a mulher chega e o homem emagrece a cada dia. Depois, assim como chegou, a moça se foi. O narrador resolve também vigiar o vizinho, não que ele lhe interessasse, mas por causa de Artur que, por sua obsessão, tinha olheiras, definhava. Artur comenta que o homem está ficando invisível. O narrador, sugestionado pelo irmão, vê as coisas através do corpo de Anatólio. Sua magreza encanta o narrador.
Roderico afirma: “Às cinco horas da tarde do dia seguinte, o solteirão apareceu na varanda, arrastando-se com dificuldade. Nada mais tendo para emagrecer, seu crânio havia diminuído e o boné, folgado na cabeça, escorregara até os olhos. O vento fazia com que o corpo dobrasse sobre si mesmo. Teve um espasmo e lançou um jato de fogo, que varreu a rua. Artur, excitado, não perdia o lance, enquanto eu, recuava atemorizado. Artur entusiasmado, gritava: Não falei, não falei! A seguir, Artur também começa a diminuir até se reduzir a uma bolinha negra, que escorre pela mão do narrador.

O conto aborda os relacionamentos humanos na pós-modernidade: na verdade, nem os irmãos que observam obsessivamente Anatólio estavam preocupados com ele, mas apenas especulando sobre um fato inédito na rua pacata. O homem ter ficado transparente indica que não somos vistos pelos outros, que nos são indiferentes, somos, também, transparentes, assim não vemos os que nos cercam. Por outro lado, paradoxalmente, Artur se transforma em uma bolinha, coisifica-se, por deixar de viver sua própria vida para vigiar a outro.

26 de out. de 2016

Análise PONCIÁ VICÊNCIO

PONCIÁ VICÊNCIO, CONCEIÇÃO EVARISTO

- Literatura Afro descendente
- Romance Afro-brasileiro
Numa linha que se inicia em 1859 com o romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis e passa por Cruz e Souza, Lima Barreto, Ruth Guimarães, Carolina Maria de Jesus desaguando em autores contemporâneos, tais como Oswaldo de Camargo, Geni Guimarães, Conceição Evaristo e tantos outros, a obra afro-descendente tem por tendência mesclar história não-oficial, memória individual e coletiva com invenção literária, na busca por traçar o painel da memória coletiva de uma raça tão excluída desde a sociedade colonial até dias atuais.
Características da obra:
O romance Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo, publicado em 2003, traz de maneira madura e competente toda essa linha traçada anteriormente sobre o romance afro-brasileiro de raiz afro-descendente. Suas principais marcas podem ser assim sintetizadas:
-    Romance de formação, de construção da identidade da protagonista e da identidade de um povo, de uma raça
-    Forte diálogo entre o presente e o passado, que é fio condutor do romance, criando a memória coletiva de um povo, de uma raça e o conhecimento da protagonista em relação aos seus.
-    Romance de fortes denúncias sociais e raciais, tais como:
-     Crueldade do cotidiano dos excluídos: pobreza, desamparo, injustiça
-     Condição pós-escravidão do negro
-     Coronelismo
-     Exploração na zona rural, regime de semi escravidão
-     Migração do campo para a cidade
-     Vida nas favelas
-     Violência doméstica e violência social
-     Analfabetismo e a importância da alfabetização
-    Mas talvez a maior das críticas seja em relação a uma situação interrelacional, ou seja, todas as formas de opressão contra o negro (racismo) devem ser somadas pela condição de classe (pobres, favelados, excluídos) em que essa raça aqui é retratada e, devem ainda, serem amplificadas pela questão do gênero, ou seja, a protagonista da obra é uma mulher. Daí se configura a situação de uma mulher negra e pobre e todas as formas de opressão que condicionam sua vida.

Análise literária "Pra não dizer que não falei das flores"

ANÁLISE DA MÚSICA “Pra não dizer que não falei das flores”
 CONTEXTO HISTÓRICO
 O ano de 1968  foi palco de grandes manifestações e marcos para a história, não só no Brasil, mas também na Europa, nos Estados Unidos, Tchecoslováquia e México. Tudo acontecia quase que ao mesmo tempo: a Guerra no Vietnã, a Primavera de Praga, o assassinato de Martin Luther King e Robert Kennedy, o decreto do AI-5, a Tropicália, o Festival de Cinema de Cannes, etc.  
O Tropicalismo
Depois do golpe militar de 1964, o Brasil vê-se diante de 10 anos de censura, repressões, torturas, exílios e passeatas, mas nenhum desses anos foi tão intenso quanto o de 1968, depois da morte do estudante Edson Luís que foi assassinado por policiais, os estudantes se revoltaram e foram para as ruas pedir por mais liberdade, democracia, melhores condições de estudo e principalmente pelo fim da ditadura. Entre as manifestações surgiu um movimento chamado Tropicalismo, que além de seus principais representantes Caetano Veloso e Gilberto Gil, contavam também com artistas como: Gal Costa, Tom Zé, Mutantes, Nara Leão, etc. Os tropicalistas mudaram o conceito de bossa nova e surgiram com uma nova linguagem de MPB, incorporaram instrumentos nas composições e as letras das músicas agora eram cheias de protestos, críticas e desabafos, misturaram gêneros, cores, estilos e foram essenciais para caracterizar a história do País daquela década. Infelizmente, o Tropicalismo não durou muito. 
Depois da morte do estudante Edson Luís, surgiram grandes manifestações ao decorrer do ano como é o caso da Passeata dos Cem Mil, que reuniu aproximadamente 100 mil pessoas, entre elas: artistas, padres, mães, intelectuais, estudantes. Mas no fim do ano, quando os estudantes se reuniram em um congresso em Ibiúna – SP, os policiais deram fim a tudo aquilo prendendo os grandes líderes estudantis, ferindo vários estudantes e aliados. Logo depois, Caetano Veloso e Gilberto Gil, também foram presos e logo se exilaram, era o fim do Tropicalismo, era o começo do silêncio da UNE (que durante alguns anos, não teve grandes manifestações) e também era o início de uma fase muito mais severa, do que a que se vivia até o momento: foi decretado em dezembro de 1968 o Ato Institucional nº. 5, pelo presidente Costa e Silva.  Em 13 de dezembro de 1968, o governo militar edita o Ato Institucional número 5 dando amplos poderes ao executivo, suspendendo o habeas corpus para crimes políticos.
Entre tantas músicas, que de uma forma ou de outra nos conta os longos 20 anos de ditadura, existe uma em especial: “Pra não dizer que não falei das flores”. Composta por Geraldo Vandré, um homem paraibano, que depois de 1968 sumiu e ficou durante anos em silêncio, mas que deixou como herança para as novas gerações, uma composição que por muitos é considerada um hino contra a ditadura, alguns ainda dizem que é a Marselhesa brasileira. Marselhesa:  canto de guerra revolucionário que acompanhava a maior parte das manifestações francesas, e em 1975 tornou-se hino nacional da França.

Análise "A pata da gazela"


A CINDERELA DA LITERATURA BRASILEIRA

A VISÃO DE MUNDO ROMÂNTICA EM “A PATA DA GAZELA”, DE JOSÉ DE ALENCAR



SOBRE O AUTOR: O romancista e político brasileiro, José Martiniano de Alencar nasceu no dia 01 de Maio de 1829, em Messajana, no Ceará. Filho “ilegítimo” do então padre José Martiniano Pereira de Alencar com uma prima, a D. Ana Josefina de Alencar, o autor de Lucíola se mudou em 1830 com a família para o Rio de Janeiro, a capital do Império, onde o pai iria assumir o cargo de deputado. Em 1844 ingressa na Faculdade de Direito, na cidade de São Paulo, onde estabelece profícuo contato com os intelectuais e artistas que contribuíram para a difusão do Romantismo no Brasil, entre eles, o poeta Álvares de Azevedo (1831 – 1852). Nos anos 50 inicia sua carreira literária com a narrativa Cinco Minutos (1856), texto que segue a linha do chamado romance urbano. Sua consagração veio um ano depois com a publicação – primeiro em folhetim e depois em livro – do romance histórico-indigenista O Guarani. Em sua prosa Alencar tratou da vida na Corte, de amores conflituosos, exaltou a figura heroica do índio, idealizou com intenso lirismo as paisagens brasileiras, além de ter tematizado o interior do país e o nosso passado colonial. Entre a produção de romances e peças teatrais, a advocacia e a política, José de Alencar atuou como deputado do Partido Conservador e ministro da Justiça, durante o Segundo Império, tendo colecionado diversas polêmicas com o Imperado D. Pedro II, que o chamou, certa feita, de um “homenzinho teimoso”. Em 1864 casou-se com Georgina Cochrane com quem teve seis filhos, entre eles, o também escritor Mário de Alencar. José de Alencar faleceu em 12 de Dezembro de 1877. Principais Obras: O Guarani (1857), Lucíola (1862), Iracema (1865), O Sertanejo (1870), Senhora (1875).
SOBRE A OBRA: romance urbano publicado em 1870, expressa a vida da burguesia, seus hábitos e costumes, valorizando a honra, o desprendimento da vida de aparências e o desapego ao dinheiro. A história construída por Alencar dialoga com o conto “Cinderela”, de Perrault, e a fábula “O leão amoroso”, de La Fontaine. É uma obra leve e divertida que trata do amor à primeira vista com doses de suspense e um final feliz. A Pata da Gazela foi considerada “A Cinderela da literatura brasileira”. Alencar como Machado de Assis também se especializou na análise psicológica de suas personagens femininas, revelando seus conflitos interiores. Essa análise de caráter mais psicológico do interior das personagens remete sua obra a características peculiares dos romances realistas.
A PATA DA GAZELA E O ROMANCE URBANO: Alencar produz, ao redor da história de um triângulo amoroso entre Amélia, Horácio e Leopoldo, uma reflexão sobre algumas dimensões das práticas culturais da burguesia carioca de meados do século XIX, contrapondo posturas dos segmentos abastados dessa sociedade com aquelas das gentes modestas, pois, para o romântico, a pureza e o ideal de homem está no popular. Traz da alta sociedade do Rio de Janeiro seus espaços de reunião, personagens e costumes, para o centro da trama romanesca, seguindo o intuito de implementar um romance brasileiro, tecendo algumas apreciações críticas às práticas  sociais dos elegantes, sobretudo seu fetichismo erótico e materialista, que Horácio simboliza. Em oposição a tais aspectos, desenvolve um discurso de elogio ao amor puro, verdadeiro e imaterial, assim como à espiritualidade elevada, por meio de Leopoldo. Nessa discussão, emergem imagens da mulher e do homem românticos que se opõem àquelas de homens e mulheres do mundo burguês, tal como ainda as noções de amor, de casamento, de beleza e espiritualidade românticos contra aquelas convencionais.

Análise literária "Olhos d'água", Conceição Evaristo

ANÁLISE LITERÁRIA"Olhos d’água", de Conceição Evaristo:
a violência e a miséria que vitimam os afro-brasileiros



Nos quinze contos que enfeixam Olhos d’água, de Conceição Evaristo, a temática está relacionada às agruras diárias pelas quais passam os afro-brasileiros numa sociedade excludente como a nossa. Nessas pungentes narrativas, ainda que existam alguns protagonistas masculinos, a ênfase centra-se em personagens femininas, muitas delas figurando parcial ou totalmente nos nomes de alguns dos contos.
Indubitavelmente, questões étnicas e sociais são assuntos recorrentes na obra dessa escritora, visto que ela está envolvida com questões ligadas à igualdade racial desde a década de 1980.
No prefácio da obra, Heloisa Toller Gomes observa que muitas personagens femininas dos contos são “todas a mesma mulher, captada e recriada no caleidoscópio da literatura”. Essa mesma mulher repete os dilemas vividos pela Ponciá do romance, encarnando a face de cada um dos desvalidos da sociedade brasileira, às voltas com a miséria e a violência urbana. Na realidade, essa mulher única em várias outras atua nas narrativas como resposta à indagação que o leitor encontra no poético Olhos d’água, primeiro conto do volume: “De que cor eram os olhos de minha mãe?”. A pergunta obriga a narradora a fazer o caminho de volta para o lar e resgatar sua própria história, sua identidade. E dessa consciência de sofrimento, de “lágrimas e lágrimas”, há a possibilidade de a mulher que narra apreender que ela própria, a mãe, a filha, as tias, “todas as mulheres de minha família” compõem fragmentos de uma mesma mulher que sofre.
O olhar da escritora recai sobretudo na existência difícil de personagens femininas afrodescendentes, que tentam se equilibrar no fio tênue de um cotidiano marcado por humilhação, opressão e preconceito.
As personagens que figuram em cada narrativa pertencem ao universo dos excluídos de nossa sociedade, isto é, são crianças de rua, prostitutas, mulheres pobres e humilhadas, homens que roubam, matam e são capazes de amar. Se a condição social por si só comprova que são pessoas discriminadas, mais ainda o são por serem afrodescendentes.

Sobre a autora: Conceição Evaristo Maria da Conceição Evaristo de Brito
Nasceu em 1946, numa favela de Belo Horizonte (MG). Foi para o Rio de Janeiro em 1973. Ali, atuou no magistério e ingressou na Faculdade de Letras da UFRJ. Fez Mestrado em Literatura na PUC-Rio e Doutorado em Literatura Comparada na UFF. Na década de 1980, estabeleceu contato com o grupo Quilombhoje. Em 1990, os Cadernos negros publicaram alguns de seus poemas. Com o romance Ponciá Vicêncio, de 2003, Conceição Evaristo obteve a merecida consagração literária. Em 2006, lançou o livro Becos da memória e, em 2008, Poemas da recordação e outros movimentos.
 Características da obra: temporalmente os contos abordam o presente, mas não deixam afastar o passado e sempre interrogam o futuro.
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