O AMANUENSE BELMIRO – Cyro dos Anjos
Belmiro:
a paralisia por excesso de análise
Publicação: 1937
Sobre o autor e o
período literário
Nascido
em Montes Claros, Minas Gerais, Ciro dos Anjos é considerado um dos grandes
representantes da literatura brasileira. Embora seu trabalho não tenha tido o
reconhecimento merecido na época de sua publicação, pelo fato de não trabalhar
diretamente na linha da denúncia social, atualmente tem sido objeto de estudo
de grandes críticos e teóricos brasileiros, que apontam sua produção como
modelo de refinamento e requinte O Amanuense
Belmiro, de Ciro dos Anjos é o livro de estreia desse mineiro que integrou a
geração modernista de 1930.
Na
década de 30, as obras literárias de maior reconhecimento eram aquelas que
abordavam as misérias sociais de determinadas regiões do país em tom de denúncia, mas que
nem sempre traziam em sua constituição o requisito fundamental para a
construção de um bom texto literário: a elaboração estética sofisticada. Ciro
dos Anjos é um dos artistas que constituem a exceção nesta época em que há um
certo desinteresse do público pela forma e uma supervalorização dos conteúdos
relacionados às questões sociais. Antes
de iniciar seu trabalho como romancista, Ciro dos Anjos cursou a Faculdade de
Direito em Belo Horizonte e trabalhou em diversos jornais como Diário da Tarde,
Diário do Comércio, Diário de Minas, A Tribuna, ocupando primeiramente o cargo
de repórter e posteriormente o de redator. Em sua atividade jornalística veio a
conhecer escritores como Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura e João
Alphonsus. Nesse período, iniciou a escrita de crônicas, que foram o germe para
a constituição de seu primeiro romance O Amanuense Belmiro, publicado em 1937.
Exerceu várias funções públicas ao longo de sua vida e chegou a ocupar o cargo
de Subchefe do Gabinete Civil da Presidência da República em 1957. Foi
professor de Estudos Brasileiros no México e em Portugal e assumiu a função de
professor do Instituto de Letras da Universidade de Brasília. Todo esse
percurso profissional atribuiu a Ciro dos Anjos um grande conhecimento
sócio-cultural. Em sua carreira como escritor literário, publicou também os
romances Abdias (1945) e Montanha (1956); o ensaio A Criação Literária (1954),
publicado em Coimbra; um livro de memórias intitulado Explorações do Tempo
(1963); além do livro Poemas Coronários (1965).
Em O
Amanuense Belmiro, Ciro dos Anjos lida com os problemas do ser humano num tom
profundamente penetrante, fazendo com que escritor e leitor se identifiquem.
Não se trata de um romance que se imponha de fora para dentro, mas sim, que se
insinua lentamente na sensibilidade, identificando-se com a própria experiência
do leitor (CANDIDO, 1945).
VISÃO GERAL: De linhagem psicológica, revelando profunda influência machadiana, porta-se como observador perspicaz e contido, utiliza-se frequentemente de uma fina ironia, do pessimismo amargo e revela-se continuador da tradição memorialista que foi comum no romance do século XIX.
O Amanuense Belmiro é narrado em primeira pessoa por Belmiro Borba, personagem
central, homem tímido e sonhador, ao mesmo tempo dotado de grande capacidade de
observar a si e aos outros. Solteirão e empregado de repartição pública, em que
era amanuense (encarregado geralmente de
fazer cópias e/ou ofícios), vive em Belo Horizonte com duas irmãs mais
velhas. Em uma noite de carnaval contempla uma jovem desconhecida, identificada
posteriormente como Carmélia, por quem se apaixona, mas mantém-se distante,
nunca revelando seus sentimentos. Paralelamente,
vai sequenciando uma série de meditações que surgem a partir de conversas com
um grupo de amigos (Jandira, Silviano, Redelvim, Florêncio, Glicério). Ao mesmo
tempo relembra a infância, fazendo coincidir a amada Carmélia, que ele chama de
donzela Arabela, com uma antiga namoradinha. Em tudo, Belmiro refugia-se nos sonhos, nas ilusões, raramente enfrenta a
realidade, é incapaz de ações incisivas. O mundo pequeno desse homem é revelado
gradativamente, por meio de uma espécie de diário, em que procuraria registrar
cenas do cotidiano e reflexões e recordações.
LINGUAGEM E FOCO NARRATIVO
FOCO
NARRATIVO: Romance narrado em primeira pessoa.
LINGUAGEM:
Uso de linguagem depurada, com uso de coloquialismo.
“- Mais amor e menas confiança, disse
o magro, fingindo-se zangar.
- Mancou, mesmo, prosseguiu. A sodade apertou, veio ver a nega e foi
encanado. (...)”
“Miudinha, interessante, potelée (
gorda, roliça ). Sim, potelée é o termo justo, continuou, preocupado com a
precisão vocabular: só os franceses é que classificam bem as mulheres.”
·
Belmiro,
como literato, usa muitas expressões eruditas em latim e francês.
·
Atento
à linguagem do outro, Belmiro reproduz a fala italiana de Giovanni, as expressões
em inglês do vizinho Gouveia e de um português que o salvou de um acidente no
Rio, além da linguagem rústica de suas irmãs, do interior de Minas.
ESPAÇO,
TEMPO E CONTEXTO HISTÓRICO
Espaço: A narrativa como um todo se
desenvolve em Belo
Horizonte , nos anos 30. A história se desenvolve em Belo Horizonte , com
passagens na cidade natal de Belmiro (Vila Caraíbas) e uma viagem ao Rio de
Janeiro. Na terra carioca, o narrador faz referência à diversas
intertextualidades machadianas.
Tempo: A obra apresenta tempo cronológico:
- Início: Natal de1934
- Fim: após o carnaval de 1936.
Não
se pode descartar o uso do tempo
psicológico: as reflexões, considerações e memórias de Belmiro.
Contexto histórico: O ano de 1935 foi marcado por
manifestações comunistas.
·
Surge
a Aliança Nacional Libertadora, com Luís Carlos Prestes como presidente.
·
Estouram
algumas revoltas em Recife e Olinda, quando Getúlio Vargas manda fechar a ANL.
·
É
retratado no livro a revolta no Rio, quando Redelvim ( anagrama de “vem líder”)
é preso.
·
São
citadas ainda a Revolução de 1930 e a Revolução Constitucionalista de 1932.
ESTRUTURA E ANÁLISE DA OBRA
As
recordações de Belmiro foram organizadas por ele em forma de um diário, formato bastante inovador na
época. Através dele, a personagem passa as informações ao leitor de uma forma
mais amena, trabalhando com mais intensidade o interior, o psicológico, a
subjetividade, de maneira que as informações exteriores são apresentadas apenas
como complemento.
Em
sua roda de amigos, Belmiro representa a figura do conciliador, tentando
apaziguar as diferenças e suavizar o impacto da franqueza. Ele possui a vocação
para discernir entre a palavra rude e a agradável, com diversas gradações entre
os dois extremos. Por supervalorizar a forma com que se expressa uma ideia,
acaba por hesitar em certos diálogos e até a arrepender-se em outros. Após a
conversação, Belmiro se dedica a examinar incessantemente tudo o que foi dito,
rememorando as gafes e expressões faciais, dissecando a estrutura de cada
frase. A comunicação plena só ocorre
através do diário. Tanto na família quanto no contato com os amigos ou com
outros grupos sociais, predomina a atitude
gauche. O amanuense apega-se ao diário como tábua de salvação, mas esse
pode converter-se em morte, visto que comunicando-se apenas através do diário
pode aniquilar-se como sujeito social. Nesse caso, o diário pode representar
uma armadilha, levando a personagem a crer que é mais fácil estetizar a vida do
que lidar com ela:
“Este
caderno, onde alinho episódios, impressões, sentimentos e vagas idéias,
tornou-se, a meus olhos, a própria vida, tanto se acha embebido de tudo o que
de mim provém e constitui a parte mais íntima de minha substância” (p. 74).
Para
Belmiro, sua vivência se constitui da escrita, da reflexão, da imaginação e não
da realização de seus desejos e expectativas. Ele encontra dificuldade em expor
seus sentimentos para as outras pessoas, e o papel em branco torna-se o espaço
ideal para o desabafo, para a confissão sem reservas. No entanto, essa atitude escritural
leva-o ao afastamento da realidade e o coloca à margem da sociedade, posto que
se resigna a escrever ao invés de atuar.
Para
o grupo de amigos, Belmiro não passa de um homem sem perspectivas, um
conformista que se contenta em viver uma vida sem grandes emoções a fim de se
manter longe do conflito. O fato, porém, é que Belmiro possui uma sensibilidade
muito aguçada, uma alma de artista, e seus conflitos interiores são tantos, sua
percepção da vida é tão refinada, que ele acaba por afastar-se das pessoas (sem
a intenção de fazê-lo) por medo de ser incompreendido.
O CONFLITO INTERIOR
O
amanuense é infeliz. É um lírico não realizado, solteirão nostálgico. Chegou
quase aos quarenta anos sem nada ter feito de apreciável na vida. Sonha,
carrega nas costas a enorme trouxa de um passado de que não pode se desprender,
porque dentre dele estão as doces cenas da adolescência. De repente, uma noite
de carnaval lhe traz a imagem de uma donzela gentil. O amanuense ama, mas à sua
maneira: identificando a moça de carne e osso, que mal enxerga de quando em
vez, com uma imagem longínqua da namorada da infância, ela própria quase um
mito – um mito como a donzela Arabela.
Belmiro, então, se entrega ao
presente; mas não o vive. Submete-se, e readquire o equilíbrio da autoanálise.
Sabe que não lhe adianta pensar em como as coisas seriam se não fossem o que
são, e concluindo que “a verdade está na Rua Erê”, isto é, na sua casinha
modesta e o seu cotidiano, recita com o poeta:
“Mundo mundo, vasto mundo
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima, não seria uma
solução
Mundo mundo, vasto mundo
Mais vasto é o meu coração.”
Os literatos na obra não são descritos
como homens comprometidos com a realidade social, mas sim como homens entregues
aos seus conflitos interiores imaginários, dotados de um lirismo que os
impossibilita de viver a vida de forma prática e objetiva. A falência, o
fracasso de Belmiro na vida profissional aparece no texto como consequência de
sua veia lírica, visto que ele se enquadra perfeitamente no protótipo de
romântico sonhador. Seus amores são impossíveis e se repetem no decorrer de sua
vida, o passado se apresenta como arquétipo do que se processa no presente:
Carmélia (seu amor idealizado no presente) surge como uma forma de evocação de
Camila (namorada do passado) ou mesmo do mito de Arabela que o acompanha desde
a infância, pois o amor é vivido pela personagem sempre por meio da fantasia.
Essa postura do amanuense, vinculada ao mito romântico, é anacrônica em 1930,
já que se trata de um período no qual se exige atitude do escritor e não se
espera que esse seja um gênio romântico. A relação de Belmiro com a literatura
é bastante significativa e seu desejo de escrever um livro mostra-se constante
e persistente: É plano antigo o de organizar apontamentos para umas memórias
que não sei se publicarei algum dia
(...) Sim, vago leitor, sinto-me grávido, ao
cabo, não de nove meses, mas de trinta e oito anos. E isso é razão suficiente
(...) O melhor seria vivermos sem livros, mas o homem não é dono do seu ventre,
e esta noite insone de Natal (as sinistras noites de insônia, responsáveis por
tanta literatura reles!) traz-me um desejo irreprimível de reencetar a tarefa
cem vezes iniciada e outras tantas abandonada ( p.14).
A personagem acredita que “o melhor seria
vivermos sem livros”, pelo fato de que esses incitam o pensamento e a reflexão.
Viver sem eles significaria viver sem complexidade, sem atitude crítica, o que
o amanuense julga ser o melhor, contudo, ele se sente dotado de uma força
interior, de um “desejo irreprimível” que o impulsiona à reflexão como ocorre
com tantos outros seres dotados de sensibilidade e lirismo. Conforme seu
argumento, “o homem não é dono do seu ventre”, daí a existência de tantos
livros. Nesse trecho, o projeto de elaboração do livro aparece como uma escrita
gestada, o que remete à discussão a respeito da dificuldade de escrever e da
vocação do escritor.
O
CONFORMISMO EXTERIOR
A atitude romântica de Belmiro diante
dos problemas e circunstâncias que a vida lhe impõe leva-o a uma posição de
aparente conformidade. Havendo fracassado tanto na tentativa de tornar-se
fazendeiro, segundo a vontade de seu pai, quanto no propósito de formar-se
bacharel, de acordo com o desejo de sua mãe, devido aos devaneios românticos e
aos atos impensados de sua mocidade, o narrador-personagem aceita a interseção
de seu pai junto a um político influente a fim de conseguir-lhe um emprego que
lhe permita suprir as necessidades básicas do dia-a-dia. Conforme afirma, “mais
tarde um deputado me introduziu na burocracia” (p. 11). Belmiro só conseguiu um
emprego público em razão do sistema de favoritismo tão vigente no Brasil há
séculos. Se por um lado Belmiro foi favorecido com um cargo público, por outro
tornou-se um integrante do sistema, sendo-lhe vetada, assim, a crítica
exaltada. Isso explica de certa forma sua atitude amena, indiferente perante as
ideologias sociais vigentes na sociedade da época.
Com relação às posições
político-ideológicas de seu círculo de amizade, o amanuense comenta: “Enquanto
Glicério e Silviano se inclinam para o fascismo, Redelvim e Jandira tendem para
a esquerda. Só eu e Florêncio ficamos calados, à margem” (ANJOS, 1979, p. 33).
Por não assumirem uma postura crítica com relação à situação do país, Florêncio
e Belmiro se tornam seres marginais até mesmo na roda de amigos. Essa posição
marginal de Belmiro se deve tanto à sua veia de observador, que, com um olhar
analítico, tenta enxergar o interior das pessoas por detrás das palavras
exaltadas e não se coloca dentro da discussão, quanto pelo fato de estar em
grande parte do tempo absorto em suas questões interiores, nos mitos, nas
artes.
As pessoas veem Belmiro como um homem
conformista, acomodado com o que lhe é posto e com uma visão superficial da
sociedade, as observações que os amigos fazem a seu respeito aludem a essa
imagem. Jandira o intitula “analgésico”, ou seja, aquele de espírito dormente,
que atua como calmante, evitando a todo custo qualquer tipo de conflito, um ser
passivo diante das circunstâncias que a vida lhe impõe.
Se na vida social Belmiro é visto como
um ser omisso, em seu diário expõe seus pontos de vista e desenvolve reflexões
profundas a respeito da atitude das pessoas e da posição em que se colocam
diante da sociedade. Seus apontamentos são bastante lúcidos e coerentes. No
entanto, quando se trata de analisar a si próprio, Belmiro parte de uma visão
derrotista, remoendo pensamentos negativos, encaminhando-se sempre para a
comprovação de que não há possibilidade de transformação em sua vida pacata e,
em certo grau, estéril. Com respeito ao campo sentimental, o amanuense expõe:
“Lembra-te, Belmiro, de que essas bodas são impossíveis (...) Carmélia é fina,
jovem, rica. É da alta, como diz Glicério (...) É inútil que faças projetos” (
p.38). Belmiro vê a diferença social, cultural e econômica como uma muralha
intransponível para a realização desse amor. Em seu ponto de vista, seu amor
por Carmélia representa algo impossível, acredita ser inútil qualquer esforço
para conquistar a moça, porém, não desiste de amá-la e continua a alimentar
esse sentimento que, segundo ele, está destinado ao fracasso e à desilusão. O
fato de continuar alimentando essa paixão não realizável demonstra ser ele um
homem sem ambições, já que prefere viver de ilusões a lutar por realizações.
Por outro lado, de certa forma, essa atitude é também poética: Belmiro prefere
viver da ilusão de amar a ter que se defrontar com a dor de ser rejeitado por
esse amor não correspondido.
No fundo, Belmiro não está satisfeito
com a vida que leva, todavia, não encontra forças que o impulsionem a romper
com esse cotidiano repetitivo e previsível: Pouco antes de sairmos o jovem
bacharel voltou à minha mesa para dizer que, um dia destes, abandonará a Seção.
O Senador Furquim lhe obteve uma comissão no gabinete do Advogado Geral do
Estado (...) Sua retirada dá-me uma sensação de desamparo. Já não terei com
quem conversar na Seção. E, ao escrever estas notas, penso também em outra
coisa: os outros se movimentam, rompem, progridem, mas, enfim, se deslocam. Só
eu resto e envelheço nesta vida modorrenta (p.170-171).
Enquanto analisa o sofrimento, não
vive, mas busca transformar a vida em literatura. Ele busca a literatura como
salvação, mas essa não pode salvá-lo.
O AMANUENSE BELMIRO:
A BUSCA PELA CONCILIAÇÃO ENTRE O SOCIAL E O INTIMISMO
Embora em seu romance Ciro dos Anjos
não busque trabalhar ostensivamente as ideologias vigentes na sociedade
brasileira, elas aparecem em segundo plano, permeando toda a obra, dado que
seus personagens representam tipos sociais muito comuns do quadro cultural da
época. Belmiro representa a figura do burocrata lírico, Silviano a do filósofo
conservador, Redelvim espelha a imagem do sujeito revolucionário comunista de
ideias inovadoras, Jandira ocupa a posição da mulher feminista de ideias socialistas,
Carmélia a da jovem burguesa que é educada para ocupar o lugar da esposa ideal,
dama da sociedade.
As questões sociais figuram em sua
obra como elemento de reflexão da personagem central, Belmiro, que se encontra
entre o ceticismo analítico e o lirismo romântico. Sua ótica vacila entre o
espírito bem humorado, irônico, e o espírito melancólico. Assim, a narrativa
que aparentemente busca retratar alguns fragmentos da vida social e os
conflitos interiores de um homem comum (sujeito que se coloca no mundo sem
causar grandes transformações ou alcançar conquistas notáveis), embebido de um
espírito lírico, romântico e sonhador, dotado de um olhar analítico que o
paralisa, abriga em seu interior a visão de um escritor que compreende muito
bem a função da literatura na sociedade e
tece críticas a respeito de certos pontos de vista imediatistas que não
passam de posturas românticas diante dos problemas da sociedade brasileira na
década de 30.
Ao criar a personagem Belmiro, Ciro
dos Anjos discute a relação existente entre a sociedade e o intelectual do
período em questão, ressaltando que, independente das pressões que o escritor
possa sofrer, esse deve manter-se sempre fiel à sua arte e escrever com
consciência sem abrir mão do valor artístico de sua obra. Tratar de temas
intimistas não significa alienar-se; não tomar partido ideológico na escrita
não representa não refletir na situação social do país, significa apenas fazer
valer a liberdade criativa, não podando a imaginação e a experimentação
estética em razão de uma tendência literária (realista-documental
PERSONAGENS
·
Belmiro Borba Funcionário público. Medíocre,
tímido, fracassado, tenta evadir-se para o passado escrevendo um diário. Nele
coexistem o lírico e o analista (“A
vida estrangulada pelo conhecimento.”)
·
Silviano intelectual mergulhado em profundas
questões filosóficas. Tem tendências aristocráticas. Apesar de ser casado, tem
vários relacionamentos amorosos. Extravagante,
de imaginação inquieta, tem facilidade em mentir “A mentira é a base da ordem
doméstica.” Proximidade com Quincas Borba, personagem de Machado de Assis.
·
Francisquinha e Emília -
São irmãs de Belmiro: onstituem o lado louco e rústico da família Borba. - Constituem o lado rural e
interiorano na casa da Rua Erê.
·
Florêncio - Flor
de pessoa, homem simples. Incorrigível bebedor de chope. “Homem sem abismos,
homem linear.”
·
Jandira - “Mel de Abelha”. Belmiro nunca tentou conquistá-la “mais por timidez do que
virtude.” Belmiro é seu confidente.
·
Glicério “Doce, amável.” Bem mais jovem do que
Belmiro. Trabalhou na secretaria de Fomento. Tornam-se confidentes e
apaixonados pela mesma mulher.
·
Redelvim Seu nome significa “Vem Líder”. É um
revolucionário. Inconformado com as ideias aristocratizantes de Silviano e a
vida burguesa de Belmiro. Preso, na revolta comunista do Rio.
·
Outros Destacam-se, ainda, o vizinho Prudêncio, com sua mania de falar
inglês; o vizinho Giovanni e seu
filho Pietro, encarnando o
sentimentalismo melodramático dos italianos; Carmélia Miranda, responsável pela criação do mito de Arabela; Carolino, o contínuo da secretaria que
ganha amizade de Belmiro e de Emília; Jerônimo,
estudioso da filosofia de S. Tomás de Aquino; Jorge Figueiredo, noivo
de Carmélia, e alguns eventuais amigos de Jandira – além de sua tia Hortênsia -, o Barroso, a professora Alice
e o doutorando Dr. Leão.
ENREDO
O enredo de “O Amanuense Belmiro” é
simples. São passagens do cotidiano ocorridas em determinadas épocas do ano e
destacadas por datas significantes tais como Natal, Ano Novo, Carnaval, São
João, etc.
Tudo se inicia com uma nova rodada
de chope numa véspera de Natal entre os amigos Belmiro (o protagonista),
Florêncio, Silviano, Jerônimo, Glicério e Redelvim. O universo do bar
representa um espaço democrático marcado pela presença de estrangeiros, negros,
proletários etc, compondo o quadro de mescla da sociedade brasileira da dé-
cada de 30. Após alguns chopes, cada um vai para seu lado despedindo-se e
desejando “Merry Christmas”.
Belmiro chega a sua casa que fica a
Rua Erê, onde mora com duas velhinhas: Emília e Francisquinha, adotadas por
ele. Elas resmungam, xingam-no de “Excomungado”, mas gostam dele. Ele ignora
esse comportamento das velhinhas por saber que já estão caducas.
No Ano-Novo revê Jandira, uma antiga
paixão que nunca se concretiza. Durante toda a história vamos encontrando reflexões do protagonista sobre a vida,
o comportamento das pessoas, enfim, o
mundo.
No Carnaval, mistura-se à massa dos
foliões e entre muitas fantasias descobre um braço com uma mão branca e fina
que o enlaça. Era Carmélia Miranda
que Belmiro chama de Arabela. É
quando o amanuense descobre o amor. Reencontra Jandira que diz estar pretendida
por um candidato ao qual não quer corresponder. Belmiro então diz a ela que
esta à disposição.
Francisquinha piorou em sua demência
cuidando de uma ninhada de ratos que descobriu sob o assoalho.
Chegam as festas juninas e Belmiro
fica refletindo sobre a poesia própria que esses dias suscitam.
Em 25 de Agosto de 1935 Belmiro
completa 38 anos e apesar da loucura de Emília, ela ainda lembra da data e fala
para Belmiro, o que o deixa emocionado. Belmiro pressente que seu grupo de
amigos está se dissolvendo, como consolo ainda pensa em Carmélia.
Francisquinha piora de saúde.
Mais alguns encontros com os amigos
e velhas filosofias que retornam. No entanto, Belmiro está fazendo um grande
esforço para mantê-los unido.
Novembro, dia de Finados. Belmiro
resolve dar uma volta pelo cemitério e tem um mau pressentimento. Francisquinha
volta do hospital, mas durante três dias seu quadro piora.
Emília cuida dela como se cuidasse
de uma criança. Francisquinha não resistiu uma semana e falece. Emília foi mais
forte que Belmiro, até mesmo na hora de arrumar o corpo para o enterro.
Redelvim
foi preso sob alegação de se apresentar como comunista. Belmiro é envolvido no
problema, mas sem grandes complicações consegue sair do problema.
Na manhã de 3 de Dezembro é
anunciado o casamento de Carmélia Miranda com Dr. Jorge de Figueredo. Belmiro
surpreende-se com a calma que recebeu a notícia. Achou que quando isso acontecesse,
ficaria muito abalado, porém, não.
Novas conversas com os amigos e mais
filosofia.
No capítulo 64 há um flash-back que
mostra Belmiro, Francisquinha e Emília enfrentando problemas com a Revolução de
30.
Casamento de Carmélia. Belmiro
anuncia o fim do grupo chegando às seguintes conclusões: Redelvim é um
anarquista, Jandira, socialista; Silviano, um intelectual que não se mistura;
Florêncio, um simples burguês que não opina; Glicério, um aristocrata.
Belmiro fica mais resignado e
reflete sobre a dissolução do grupo: “Por que hão de os homens separar-se pelas
ideias? De bom grado, eu sacrificaria minha ideia mais nobre para não perder um
amigo. Neste mundo sou apenas um procurador de amigos”.
Mais um natal. Belmiro está em casa
e Emília volta da missa. Nada de novo.
O casamento de Carmélia está marcado
para o dia 15 de janeiro do ano seguinte (1936). LITERATURA DECLARADA COMO SALVAÇÃO: “Quem quiser fale mal da
literatura. Quanto a mim, direi que devo a ela a minha salvação. Venho da rua
oprimido, escrevo dez linhas, torno-me olímpico”. São as palavras de Belmiro para mostrar seu
desabafo diante da vida.
Belmiro está na cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro e diz que os cariocas não sabem o valor que tem o
mar para os mineiros.
Passa por alguns lugares citados nas
obras machadianas.
Volta para Minas Gerais e constata
mais uma vez que “a verdade está na Rua Erê” (local em que mora): sentimento de
completude dado pelo lugar do nascimento.
Sentindo
a angústia da solidão, Belmiro vai procurar Silviano. Após alguma ausência, ele
surge e os dois têm uma conversa filosófica.
Manhã de 28 de Fevereiro de 1936,
Belmiro dá um passeio e observa os jovens alegres nas ruas. Sente também uma
alegria e seus olhos se iluminam como se fosse jovem outra vez. Os amigos
voltam a se reunir para um chope. Belmiro fica
um tempo sem escrever em seu diário e afirma que sente novamente a vida vazia.
Belmiro ganha um bloco de papéis para
continuar a escrever de Carolino, um amigo, mas diz a ele que já não precisa
desse material, porque já não há mais nada para escrever.