2 de nov. de 2015

Análise da tela de VICTOR MEIRELLES


A arte fabricando a história


A CARTA DE CAMINHA: O ENCONTRO ENTRE COLONIZADOR E COLONIZADOS

Os portugueses chegaram ao Brasil em suas expedições no dia 22 de abril, do ano de 1500. Logo avistaram um monte – o qual foi denominado Monte Pascoal –, depois seguiram para um lugar mais reservado no sul da Bahia, em Porto Seguro, mais especificamente na praia da Coroa Vermelha. Foi ali onde se realizou a primeira missa no Brasil.
A primeira missa brasileira foi realizada pelo frei Henrique de Coimbra com a ajuda de seus assistentes, poucos dias após o descobrimento do Brasil, em 26 de abril. Nela estavam presentes portugueses e índios da região. Existem poucos relatos sobre o desenrolar dessa missa, mas, pelo que se sabe, foi uma cerimônia consideravelmente fácil. Os índios por natureza eram ligados a certos tipos de rituais, assim, facilitaram o processo de realização da missa. Conta-se também que os índios ao verem os portugueses em seus preparativos, talhando a madeira com ferramentas de ferro, ficaram surpreendidos e admirados.

A PRIMEIRA MISSA

Pero Vaz de Caminha, escrivão mais notório da esquadra portuguesa, narrou em sua carta ao rei de Portugal alguns de seus pontos de vista, além de relatos sobre a primeira missa. Depois de quarenta e sete dias de viagem pelo mar, todos os preparativos para a missa encontravam-se terminados. À frente da missa estava o frei, oito missionários e franciscanos, além de alguns sacerdotes. Um altar foi erguido, e nele, o capitão Pedro Álvares Cabral portando “a bandeira de Cristo” convocou seus  marinheiros, oficiais e subalternos, que totalizavam mil homens, todos armados à maneira europeia. Da praia do continente,


cerca de duzentos índios acompanhavam atentamente a missa que se passava naquela ilha, a qual foi “ouvida por todos com muito prazer e devoção”.
Caminha também faz esta citação: “E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles (os índios) se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado: e então tornaram-se a assentar como nós… e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.”

A MISSA E A CATEQUIZAÇÃO

Ao terminar a missa, o sacerdote subiu em uma cadeira alta e fez uma “solene e proveitosa pregação”, onde foi narrada a vinda dos portugueses. Com a concretização da missa, acreditava-se que a ideia de uma futura catequização dos indígenas não seria algo difícil, pois estes, conforme relatos de Caminha, foram muito respeitosos durante a cerimônia, assim, apenas bastaria uma seleção de bons padres e a conversão dos índios ao catolicismo seria possível.

INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A TELA E A CAPTURA DO MOMENTO HISTÓRICO

- Quatro dias depois da chegada de Pedro Álvares Cabral no Brasil, exatamente num domingo de páscoa, foi celebrada a primeira missa no Brasil pelo

Frei Henrique Soares Coimbra em Porto Seguro na Bahia. A missa foi retratada pelo pintor Victor Meirelles (1832-1903), irmão do também pintor Aurélio de Figueiredo, autor da tela acima. O pensamento cristão dominante está representado pela cruz, em paralelo a aceitação e curiosidade indígena demonstrado na tela.

Sobre o autor: Victor Meirelles
- O autor da “Primeira Missa no Brasil” nasceu em Desterro, atual Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, em agosto de 1832, na casa atualmente transformada em museu e na rua que hoje leva o seu nome.
- A pintura foi produzida em Paris, durante a longa viagem de estudos do artista (1853–1861) como bolsista da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro. 
- Tentativa de retratar o país e sua cultura.
- Projeto civilizatório: Família Real no Brasil - 1808
- 1816 – Missão Artística Francesa no Brasil: objetivo: desenvolver a cultura artística no Brasil. Esse fato se consolidou mais tarde, em 1826, com a criação da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro.
- 1822 – Independência do Brasil: necessidade de construção de uma identidade nacional.
- Referência ao descobrimento do país
- Identidade brasileira associada ao catolicismo
INTERTEXTUALIDADE:  “Lê Caminha, pinta e então caminha”: CConselho dado por Manuel Araújo Porto-Alegre, diretor da academia de Belas Artes do Brasil produzida após a leitura da Carta do Achamento, de Pero Vaz de Caminha.
- Nativismo; uso de cores vivas.
- Presença do nativo brasileiro, indígena.
- Portugueses posicionados ao lado direito da tela, ao lado do mar. Ideia de invasão, mesmo com a ausência de atos violentos (trata-se de uma invasão cultural).
- Polarização na tela: desencontro, mundos antagônicos.
- Perfeição na representação do corpo humano.
- Predominância da cultura portuguesa: catolicismo.
- Cruz no centro: imposição religiosa, aculturação indígena.
- Índios: descontraídos, curiosos e irreverentes.
- Imposição X conversão

Victor Meirelles: o pintor e sua colaboração no projeto de construção nacional

O autor da “Primeira Missa no Brasil” nasceu em Desterro, atual Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, em agosto de 1832, na casa atualmente transformada em museu e na rua que hoje leva o seu nome. Seu interesse precoce pela aprendizagem do ofício de pintar, habilidade que começou a desenvolver quando ainda era menino e vivia em sua ilha natal, fez com que,  aos 14 anos  incompletos, fosse conduzido ao Rio de  Janeiro para integrar o grupo de estudantes da Imperial Academia de Belas Artes, onde iniciou uma trajetória de estudos que o levou ao Prêmio de Viagem à Europa, nos principais centros artísticos de então, na Itália e na França.

PROJETO CIVILIZATÓRIO DO BRASIL
A “Primeira Missa no Brasil”, antes de ser a produção isolada de um artista, é uma síntese visual do “Projeto Civilizatório” de cunho nacionalista do Segundo Império. Por isso, para compreender esta pintura é necessário ir àquele contexto.




A “Primeira Missa no Brasil” é o resultado de uma complexa rede de relações entre as ideias e utopias que se desenvolveram dentro do chamado “Projeto Civilizatório”, presente no imaginário da elite cultural e política do século XIX brasileiro. Este projeto se torna mais evidente, de forma direta ou indireta, com a transferência da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, e se consolida com as monarquias que se seguiram depois (1822–1889).
Com a vinda da Corte, o Rio de Janeiro se modernizava, perdendo aos poucos o aspecto colonial. Em torno dela se desenvolveu uma cultura laica, mundana, cortesã e aristocrática. A Corte divertia-se com touradas, cavalhadas, teatros, saraus e musicais. É neste cenário que emergiu a primeira academia de arte do País.
Devido a mudanças políticas entre Portugal e a França, como parte de uma estratégia de reaproximação dos dois países, que teria surgido a ideia de trazer para o Brasil uma Missão Artística Francesa, em 1816, com a finalidade de institucionalizar o ensino artístico no Brasil. Este fato se consolidou mais tarde, em 1826, com a criação da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro.
O País se firmava como nação independente. Pensava-se em criar uma identidade nacional, e a arte era considerada um lugar privilegiado para pensar a sociedade e para inventar uma nova identidade para a jovem nação, independente desde 1822.


O índio brasileiro e o movimento romântico: o nativo como símbolo nacional

É no movimento literário romântico que vamos encontrar a figura do índio tomando forma desde 1826, quando o francês Ferdinand Diniz, empregado consular, chama a atenção dos brasileiros para a necessária substituição das tendências clássicas em favor das características locais. Defendia-se a descrição da natureza e dos costumes, nos quais o índio devia ser valorizado como primeiro e mais autêntico habitante do Brasil.
Assim, a história da Imperial Academia de Belas Artes e a produção dos seus alunos não podem ser dissociadas das significações maiores do Império. Esta história ainda está por ser mais bem contada, principalmente no que diz respeito à existência de um projeto civilizatório associado à construção do Estado e da nação.

A “Primeira Missa no Brasil”

Imagem simbólica da cultura brasileira, a “Primeira Missa no Brasil”, assim como seus numerosos estudos preparatórios, hoje fazem parte das coleções do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro sob o tombo nº 901. Foi produzida durante o Império de D. Pedro II, na França, entre 1859 e 1860, chegando ao Brasil em 1861.
A “Primeira Missa no Brasil” tem importante papel na construção de uma representação sobre o “Descobrimento” e sobre a identidade brasileira vinculada ao catolicismo e ao sentido de conversão que a navegação portuguesa trouxe consigo, o que amplia a importância desta pintura na construção do nosso imaginário cultural.
Em 1845, D. Pedro passou a custear o Prêmio de Viagem, aberto anualmente, que financiava estudos de alunos da Academia de Belas Artes no Exterior. O Imperador recebeu o título de Fundador e Protetor Perpétuo da Academia Imperial; proteger a Academia e os artistas era também uma forma de garantir a produção da iconografia oficial. Da Academia e de seus artistas, além da pintura “Primeira Missa no Brasil”, saíram os inúmeros retratos, as cenas familiares e de poder da Família Real que até hoje ilustram nossa história. A pintura histórica era o gênero mais valorizado na Academia em meados do século XIX. Como bem explicita Jorge Coli (1998: 117)
Meirelles atingiu a convergência rara das formas, intenções e significados que fazem com que um quadro entre poderosamente dentro de uma cultura. Essa imagem do descobrimento dificilmente poderá
vir a ser apagada, ou substituída. Ela é a primeira missa no Brasil. São os poderes da arte fabricando a história.
Os professores da Academia de Belas Artes e o corpo governamental do país estavam esperando que surgissem talentos.

Meirelles: garoto prodígio

Antes de Victor Meirelles a Academia enviou outros artistas para a Europa, através do sistema de bolsas de estudos, mas eles produziram pouco e voltaram logo. O primeiro que realmente se vê nos documentos e que tinha noção do que estava acontecendo é o pintor catarinense. Ele foi para a Europa e atendeu às exigências da Imperial Academia no Brasil nas obrigações dele esperadas. Enquanto os outros artistas mandavam um desenho ou dois, Victor Meirelles mandava dez ou vinte. Então o Imperador e os intelectuais da Academia sentiram que encontraram o artista que procuravam. E é por isso que Victor Meirelles conseguiu a prorrogação da bolsa de estudos por oito anos. O período normal era apenas de três anos.
Uma vez feito o primeiro esboço da “Missa”, Victor Meirelles enviou-o para a Academia no Brasil. A elite cultural queria criar esse tipo de imagem para ficar na memória cultural do País. Por isso, uma vez aceito o esboço da “Primeira Missa no Brasil”, o pintor de Desterro ganhou o financiamento para mais dois anos de estada na França e para as despesas da execução da obra.
Victor Meirelles analisou vasta documentação sobre o índio e sobre o Brasil, e também A carta de Caminha. Estudou a carta com afinco para representar a missa descrita por Caminha.


Antes de ser produto da mente isolada de um artista, a “Primeira Missa no Brasil” é uma síntese visual do projeto civilizatório de cunho nacionalista do  Segundo Império brasileiro, e Victor Meirelles de Lima foi o homem que concretizou em forma de pintura as ideias deste projeto.
Além de estudar a carta de Caminha e de seguir uma minuciosa orientação de Manuel de Araújo Porto Alegre, há um outro fato importante a considerar na construção da obra em questão: Victor Meirelles buscou inspiração para a cena principal de sua obra em outra missa, a do pintor Francês Horace Vernet (1789–1863). A missa pintada por Vernet intitula-se “Première messe en Kabyli” (1853), lembrando que o procedimento por citação é absolutamente legítimo dentro do gênero Pintura Histórica. O desconhecimento das regras da pintura histórica pela crítica de arte nacional causou grande polêmica quando a pintura chegou ao Brasil, e Victor Meirelles inclusive foi acusado de plagiário.


Há ainda a hipótese de que o tema da missa era então recorrente. No Museu Granet, na Provença, França, encontramos outra missa intitulada “Une messe au Louvre pendant la Terreur”, datada de 1847, de autoria de Marius Granet (1775–1849) . O altar no centro, com um padre levantando a hóstia, e outro de joelhos segurando suas vestes lembram a cena principal da “Missa” de Victor Meirelles. Este procedimento também teria sido legítimo dentro do contexto cultural estético das academias de arte do século XIX.
Abandonado e discriminado pelos republicanos, Victor Meirelles morreu pobre em 1903, no Rio de Janeiro.


Uma parte do texto acima foi adaptado da página: http://www.dezenovevinte.net/obras/vm_missa.htm


29 de out. de 2015

Aleijadinho: paixão, glória e suplício

ANÁLISE FÍLMICA

A história do gênio que amou, sofreu e se tornou uma glória das artes brasileiras
  
Direção:
Geraldo Santos Pereira e Renato Santos Ferreira.
Filme lançado em 2000, o longa retrata, através de flashback, a trajetória de Antônio Francisco Lisboa - o escultor mineiro que ficou conhecido como Aleijadinho. Suas obras estão principalmente nas cidades de Ouro Preto, Sabará, São João Del Rei e Congonhas.

Contexto histórico:

Século XVII: epopeia dos bandeirantes: ouro, pedraria e muita ambição nas terras brasileiras. É o momento em que surge a Vila Rica de Albuquerque, antigo nome da atual Ouro Preto.
Século XVIII: chegam ao Brasil artistas, artesãos e arquitetos portugueses, além de milhares de escravos africanos. É o grande momento do resplendor artístico e religioso em Minas Gerais, momento este que terá como figura ilustre Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
No plano político, há luta pela emancipação e liberdade conduzida pelos inconfidentes e reprimida de forma violenta pelo colonizador.
Século XIX (1858): um historiador, Rodrigo José Ferreira Bretas, ouviu da parteira Joana Lopes, nora de Aleijadinho, a história narrada no filme “Aleijadinho: paixão, glória e suplício”.

A produção fílmica começa com um percurso histórico por Vila Rica. Rodrigo Bretas caminha pela cidade enquanto nos conta sobre o arraial onde Antônio Dias e outros bandeirantes encontraram as primeiras jazidas de ouro. A partir desse fato, vieram para as muitas minas do Brasil levas de portugueses e escravos. O historiador nos conta sobre o Arraial do Ouro Podre, o Morro da queimada... Fala sobre as casas de fundição, onde o ouro era trabalhado, e também conta sobre as revoltas causadas pela cobrança do quinto, o exorbitante imposto. São citados os primeiros revoltosos contras os abusos da metrópole -  Pascoal da Silva, Felipe dos Santos, Chico Rei – e o fim terrível que tiveram. A época é marcada por humilhações, miséria e sofrimento para os brasileiros e escravos do período.
Ainda em seu passeio pela cidade, Bretas apresenta os chafarizes, os quais, além de serem responsáveis pelo fornecimento de água às casas, também eram onde os amantes da cidade se encontravam, a exemplo do enlace amoroso de Maria Doroteia de Seixas e Tomás Antônio Gonzaga, eternizados na obra Marília de Dirceu.
Rodrigo Bretas vai até a casa de Joana, mulher em torno dos cinquenta anos, que fora nora de Aleijadinho (ela era casada com Manuel, filho do artista, que foi morar no Rio de Janeiro assim que a doença do pai iniciara – o filme não o apresenta). Joana foi testemunha ocular de muitos dos sofrimentos de Antônio Francisco.

Enredo do filme:

A primeira cena traz Bretas e Joana sentados na cozinha da casa em que Aleijadinho morrera 40 anos antes. O historiador diz à parteira que tudo o que ela guardou de lembrança sobre o artista precisa ser preservado. A ex-escrava então relata a história do escultor desde o seu nascimento. Joana afirma que Antônio Francisco Lisboa nasceu em 29 de agosto de 1738, no Bairro de Antônio Dias. Filho do arquiteto português Manoel Francisco Lisboa e de uma escrava, Isabel. O pai, Manoel, afirma ao tomar o filho nos braços:
“ – Será um artista e deixará as meninas doidas” – fazendo referência ao fato de que o bebê recém chegado ao mundo continuaria os passos do seu pai, que também era artista. Dessa forma, ainda menino, Antônio Francisco acompanha o pai em seus trabalhos, nas restaurações, e, pouco a pouco, absorve o conhecimento e revela apurado talento.

Há uma passagem de tempo, e Antônio Francisco já aparece adulto.

Influências:
Em sua trajetória, Antônio Francisco Lisboa recebe influência de apreciadores da arte e de artistas de renome como João Gomes da Silva e Francisco Xavier de Brito. João Gomes reconhece a beleza do traçado de Francisco. A primeira obra do jovem artista foi o busto de uma mulher, em 1752: um desenho para o chafariz do pátio do Palácio dos Governadores, em Ouro Preto. Seu estilo aproximava-se do Barroco e do Rococó. Enquanto o primeiro movimento artístico tem como principais características o contraste, a dramaticidade e a exuberância, o segundo privilegia a delicadeza, temas leves e cores claras.

Visão sobre a escravidão:
O artista presencia um negro apanhando e várias pessoas em volta gritando. A cena foi rodada no Pelourinho situado próximo à Igreja São Francisco de Assis, um dos principais pontos turísticos de Mariana – cidade que fica a 11Km de Ouro Preto. Na cena seguinte, o artista discute com seu pai a situação dos negros no país. Apesar de filho de português, Antônio Francisco não esquece seu sangue africano. Alforriado no batismo, o jovem não consegue ficar alheio à situação de sofrimento e desprezo vivida pelos seus irmãos de cor, os negros que viviam em Vila Rica e eram duramente explorados e maltratados nas minas de ouro. Perante seu pai, homem português que acha que Aleijadinho deve simplesmente esquecer suas origens, o rapaz assume sua raça, sua cor. Mas segue o conselho do pai: “- Cuide da tua arte, apenas da tua arte.” Mesmo assim, Antônio Francisco permanece frequentando o lugar de trabalho dos escravos, os quais servirão de inspiração para a originalidade de suas produções.

Vida amorosa: Outro ponto relevante da vida do artista, que é tratado no filme, é o envolvimento amoroso com Helena. Moça negra, bela e cheia de encantos. Nasce então um romance que será o motivo de alegrias e também de desencantos. É durante o desenrolar desse caso de amor que Antônio Francisco será convidado por Claudio Manuel da Costa para produzir a parte artística da capela de São Francisco de Assis juntamente com o pintor Manoel da Costa Athaíde, um dos principais artistas do barroco mineiro. Essa capela se tornará a mais importante obra assinada por Aleijadinho em Ouro Preto, antiga Vila Rica.

 Estilo brasileiro: A amizade com Claudio Manuel da Costa, poeta árcade e um dos líderes da Inconfidência Mineira, propiciará a Antônio Francisco visitas à biblioteca do poeta. Com isso, Aleijadinho tem a possibilidade de ampliar seus conhecimentos e ainda, com base nos ensinos, estar seguro para abandonar o barroco e desenvolver um estilo próprio, um estilo brasileiro, uma abordagem rococó. Sua pretensão é desenvolver uma obra original, duradoura e que reflita o caráter do povo brasileiro. Sua produção é dividida em dois momentos: um são: as obras são serenas, delicadas; e o outro da fase enferma: as produções trazem expressões de angústia, de dor.

Período de lástimas
A doença: O pai de Antônio Francisco sofre um ataque e morre. Porém o maior sofrimento começaria ali, em torno dos quarenta e sete anos: uma doença terrível o assola, trazendo uma carga de dor quase insuportável, e o pior: a atrofia das mãos. Mestre Antônio, como era chamado, torna-se motivo de curiosidade entre as pessoas da cidade. A doença o fez perder os dentes, a boca entortou, o queixo e o lábio “caíram”, assumiu uma expressão de fera. Passa a sair de casa com trajes que encobriam todo o seu corpo; vai trabalhar muito cedo, na escuridão do fim da madrugada, para que não seja visto pela população. Mesmo assim, muitos veem vê-lo trabalhar. Vila Rica se pergunta qual seria a doença que atormenta Antônio Francisco, homem dado ao vinho, às mulheres e festejos: lepra, zamparina, febre tifóide, sífilis, escorbuto...? Para continuar produzindo, ata os instrumentos à mão e recebe a ajuda de Maurício, Januário e Agostinho, seus fiéis escravos e ajudantes.

A traição: No reduto familiar, sua esposa sente nojo daquele homem: a doença lhe deu uma aparência monstruosa, assustadora. Helena começa a trair Antônio Francisco com José Romão, tenente do governador Luis da Cunha Meneses, governador de Vila Rica.

Em certa ocasião, Luis da Cunha Meneses encomenda a Aleijadinho uma imagem de São  Jorge para uma procissão que ocorreria nos próximos dias. Tomado pelo ódio da traição, Antônio Francisco produz sim uma imagem, porém o “são Jorge” possuía a cara abobalhada e assustada de Zé Romão, amante de Helena e oficial de Meneses. Toda a cidade assiste ao ocorrido. Zé Romão vira motiva de piada. O fato desagrada Cunha Meneses. O governador envia Romão para o Rio de Janeiro. No entanto, Romão levará consigo Helena, esposa de Antônio Francisco Lisboa.
Aleijadinho não mostra nenhum tipo de reverência ao governador Meneses. Em uma das cenas do filme, Cunha Meneses é enxotado da igreja em que Antônio Francisco trabalha, no caso a capela de São Francisco de Assis.
O sofrimento físico, em decorrência da doença, e moral, pela traição de Helena, abatem ainda mais o artista mineira.
A inconfidência Mineira
A narrativa fala sobre um importante episódio da História do Brasil: a Inconfidência Mineira. Como Antônio Francisco era amigo do poeta Cláudio Manuel da Costa, presenciou algumas reuniões em que o escritor Tomás Antônio Gonzaga e outros intelectuais planejavam uma revolta pela independência de Minas Gerais. Quando os envolvidos são denunciados, Aleijadinho visita Cláudio Manuel na prisão. A cena parece ter sido rodada na Mina da Passagem, localizada no distrito de Passagem de Mariana. Atualmente, a mina transformou-se em um famoso ponto turístico da cidade, recebendo visitantes de todo o país. Durante a visita de Antônio Francisco, Cláudio Manuel fala ao amigo que foi Joaquim Silvério quem delatou o movimento. O poeta dá a entender que já sabia do interesse de Joaquim em pagar suas dívidas à coroa portuguesa, e não nos ideais dos parceiros.

Congonhas do Campo: Após os acontecimentos, o longa-metragem mostra Antônio Francisco de partida para Congonhas do Campo, em Minas Gerais. Ali ele construirá os famosos “profetas de Aleijadinho”: o conjunto de esculturas em pedra sabão feitas entre 1794 a 1804. Durante a construção, um dos escravos e ajudantes de Aleijadinho morre. Aos 72 anos Antônio Francisco retorna de Congonhas do Campo. Já bastante debilitado pela doença, perde a visão e fica dois anos acamado. Falece em 1814, aos 74 anos.

Fim do filme: Nesse momento a narrativa se desloca para o ano de 1858, quando a nora de Aleijadinho conversa com o historiador.
Joana mostra a Bretas o quarto no qual o escultor morreu e entrega a ele recibos e desenhos do artista que ainda estavam na casa. A ex-escrava desabafa sobre a possibilidade da obra de Aleijadinho estragar-se e do artista não ser lembrado com o passar do tempo. O historiador lembra à Joana que irá escrever sobre o escultor e que, além dele, muitos outros o farão e, assim, o artista e sua obra não serão facilmente esquecidos. A fala do historiador deixa clara a intenção do diretor em mostrar ao espectador a importância de registrar os patrimônios que temos – materiais, culturais ou imateriais – através de livros ou filmes (já que o enredo do longa é inspirado nos escritos do historiador Rodrigo José Ferreira Bretas). É possível deduzir, portanto, que além de preservar os patrimônios presentes no conteúdo da película - de extrema importância para a história do país - também é essencial a preocupação em conservar os meios pelos quais tal conteúdo foi registrado.


25 de out. de 2015

O DEMÔNIO FAMILIAR, José de Alencar

Análise literária

SOBRE O AUTOR:
José Martiniano de Alencar nasceu no dia primeiro de maio de 1829, em Mecejana, Ceará, e faleceu no Rio de Janeiro, em 12 de dezembro de 1877, aos 48 anos de idade. Morreu de tuberculose, doença que se fez presente durante grande parte da sua vida. Filho de um senador do império, foi ainda menino para a então capital federal do Brasil, o Rio de Janeiro. Aos catorze anos, em 1843, mudou-se para São Paulo, formando-se em Direito no ano de 1850. Formado, retornou ao Rio de Janeiro e exerceu a profissão de advogado. Foi jornalista, político (sendo repetidas vezes deputado conservador pela sua Província) e ministro da Justiça, não conseguindo, entretanto, chegar a senador, que era sua grande meta.
A carreira literária de José de Alencar principia, realmente, com as crônicas que depois reuniu sob o título de “Ao correr da pena”(1856). Mas a notoriedade foi devida aos artigos polêmicos do mesmo ano, contra o poema épico A confederação dos tamoios, de Gonçalves de Magalhães, nos quais traçava o programa de uma literatura nacional, baseada nas tradições indígenas e na descrição da natureza, mas norteada por uma rigorosa consciência estética. Para juntar o exemplo à teoria, publica em 1857 O Guarani, que fora precedido por um pequeno romance, Cinco Minutos.
A partir daí não cessaria mais de escrever e publicar com relativa abundância, em três fases mais ou menos distintas.
Na primeira, que vai de 56 a 64, publica alguns de seus romance mais importantes e quase todo o teatro. De 66 a 69, apenas escritos políticos, inclusive as famosas Cartas a Erasmo, nas quais exortava o imperador a exercer efetivamente seus poderes, a fim de pôr cobro à tirania das cliques governamentais. De 70 a 75, postos de lado a política e o teatro, entra em nova fase criadora, publicando oito livros de ficção. O último romance, acabado em 77, Encarnação, foi publicado depois da sua morte, assim como o belo fragmento autobiográfico, como e por que sou romancista.
A obra de Alencar permite a seguinte classificação:
a)     Romance Urbano ou Social: Cinco Minutos ( 1856 ), A Viuvinha ( 1860 ), Lucíola ( 1862 ), Diva ( 1864 ), A Pata da Gazela ( 1870 ), Sonhos d’ouro   (1872) , Senhora ( 1875 ), Encarnação ( 1893 ).
b)    Romance Regionalista: O Gaúcho( 1870 ), O Tronco do ipê ( 1871 ), Til (1872) , O Sertanejo ( 1875 ).
c)     Romance Histórico: As Minas de Prata ( 1865 ), Guerra dos Mascates ( 1873 ).
d)    Romance Indianista: O Guarani ( 1857 ), Iracema ( 1865 ), Ubirajara ( 1874 ).
e)     Teatro: Demônio Familiar ( 1857 ), Verso e Reverso ( 1857 ), As asas de um anjo ( 1860 ), Mãe ( 1862 ), O Jesuíta ( 1875 ).

Alencar escreveu ainda obras de não-ficção e poesias. Devido à diversidade de temas, Alencar é considerado o mais importante escritor do Romantismo Brasileiro.

O ESTILO DE EPOCA
O movimento romântico brasileiro coincide com o momento decisivo de autonomia da pátria. Os escritores tomam para  si a missão de reconhecer e valorizar o passado brasileiro, conferindo à literatura cores locais, esforçando-se  para criar uma literatura legitimamente brasileira, capaz de revelar as qualidades grandiosas da pátria que se tornara independente. Neste sentido, José de Alencar aparece na literatura brasileira como o consolidador do romance, realizando na prosa de ficção a tendência nacionalista que vinha sendo reclamada pela crítica, sobretudo em romances como O Guarani e Iracema. O gosto pelo teatro foi uma das características marcantes do romantismo em todos os países. No brasil, coube a  Gonçalves de Magalhães a encenação da primeira tragédia, intitulada Antônio José ou  O poeta e a inquisição, no dia 13 de março de 1863, no palco do Constitucional Fluminense, no Rio de Janeiro, sob os cuidados do ator João Caetano. O grande nome do teatro romântico brasileiro é o de Martins pena, considerado o inventor da comédia de costumes brasileira.
O teatro de José de Alencar é marcado por uma preocupação moral. A comédia O demônio familiar apresenta a figura do menino escravo Pedro, o “demônio familiar”,  como um malandro e aproveitador, capaz apenas de fazer o mal  para a família brasileira.


A OBRA

A peça O demônio familiar foi encenada pela primeira vez no Teatro do Ginásio do Rio de Janeiro, no dia 5 de setembro de 1857, fundindo uma temática europeia, como a interferência do dinheiro nas relações afetivas, com uma temática brasileira, a atuação do escravo no interior das casas das famílias brasileiras.
O objetivo de José de Alencar era produzir uma peça original e de efeito moral, capaz de revelar a singularidade da comédia brasileira e de educar as famílias no combate ao vício, o de permitir, no interior das casas, a figura do escravo. Quanto ao aspecto formal, a peça não apresenta novidades, pois emprega recursos típicos da tradição teatral para a solução dos problemas de enredo.
Na peça em questão, o recurso do inesperado como solução para os problemas surge na forma de uma carta de alforria ao moleque Pedro, funcionando como um instrumento de punição para a personagem. A técnica que liga um ato ao outro da peça é conhecida como “técnica do gancho”, porque cria um pequeno suspense no final do ato para prender a atenção do espectador.
Quanto ao aspecto temático, O demônio familiar apresenta uma ideia curiosa. A peça, aparentemente, é avançada para a época. Em 1857 (ano da estreia da peça), trinta anos antes da abolição da escravidão, o tema do abolicionismo soaria aos ouvidos da plateia como algo avançado e contrário aos interesses da elite dominante. Entretanto, a apologia da liberdade é apenas aparente, pois a liberdade na peça é vista como um instrumento de punição. A liberdade traria para o escravo consequências severas, porque ele teria que aprender com a vida o que não conseguiu assimilar como escravo, como o respeito e a educação.
Em outras palavras, a escravidão é um mal não porque o branco subjuga o negro, mas porque a maldade vem do negro. Este paga com tramas e desejos mesquinhos o bem que lhes queria seus senhores.
Em suma: não se trata de livrar o negro da crueldade do branco, mas de preservar o branco das maldades do negro.
Como a “classe” branca era econômica e politicamente a dominadora, podia falar e escrever o que quisesse, como a mensagem interpretada acima.
José de Alencar emprega recursos convencionais para se fazer entender pelo público, objetivando a educação moral das famílias brasileiras. As principais lições são: a escravidão é um mal, porque expõe a família à falta de escrúpulo dos negros; a família é mais importante que a sociedade, pois é ela que fornece as bases para que o indivíduo possa evitar os prazeres excessivos da vida social; na família, a mulher, por desconhecer os perigos do mundo, deve sempre agir em nome do verdadeiro amor; o dinheiro interfere de forma negativa nas relações afetivas.
Em O demônio familiar, todas as lições de moral são dadas pelo personagem Eduardo.

PERSONAGENS
Eduardo:é o protagonista da peça. Órfão de pai, tornou-se o chefe da família, conduzindo-a sempre através dos princípios da justiça e da bondade, o que o faz ter o respeito de todos. Por trabalhar como médico, conhece as dores do mundo e, por isso mesmo, sabe dar importância à vida família.
Carlotinha:é a irmã de Eduardo. Suas ações revelam esperteza e inteligência. Como típica mulher romântica, é bonita e deixa-se levar pelo sentimento amoroso.
Jorge: irmão caçula de Eduardo e Carlotinha. Sua proximidade das artimanhas de Pedro determina sua pequena importância na peça.
D. Maria: viúva, mãe de Eduardo, Carlotinha e Jorge. Sem grande importância na trama, D. Maria é apresentada como mãe zelosa.
Pedro: escravo de Eduardo. Pedro é um “moleque” capaz de aprontar grandes confusões no seio da família, sendo, por isso mesmo, o “demônio familiar”. Sua grande ambição não é deixar de ser escravo; pelo contrário, o que almeja é ser cocheiro e, por isso, arma as tramas para que seus senhores obtenham posses e ele possa conduzir uma carruagem.
Alfredo:é, ao lado de Eduardo, outro ‘bom moço” da peça. Pretendente de Carlotinha, sua sinceridade e honestidade, bem como seu apego à cultura brasileira, logo angariam a amizade de Eduardo e o amor de Carlotinha.
Azevedo:é o oposto de Alfredo e Eduardo. Homem rico, excessivamente frívolo e afrancesado nos modos, é avesso ao amor e despreza as mulheres e tudo o que diz respeito ao Brasil. Sua função na peça é a de despertar a antipatia do público.
Henriqueta:amiga de Carlotinha e apaixonada por Eduardo. Os obstáculos que a separam do amado são as artimanhas de Pedro e as dívidas do pai com o moço Azevedo. Não tem o brilhantismo das mocinhas românticas.
Vasconcelos:pai de Henriqueta. Sua situação financeira instável o leva a negociar o casamento da filha como forma de quitação das dívidas. Insinua desejo de casar-se com D. Maria.

ESPAÇO
O registro espacial do drama de Alencar reproduz a preocupação central da peça, que é a de destacar a vida familiar.
Assim, todos os atos se passam na “casa de Eduardo”.
Cenário: Ambientada em casa de Eduardo
·         Ato Primeiro: Gabinete de estudo ( cena primeira a XV )
·         Ato Segundo: Jardim ( cena primeira a IX )
·         Ato Terceiro: Sala interior ( cena primeira a XVIII )
·         Ato Quarto: Sala de visitas ( cena primeira a XVII )
Vida urbana: Passeio Público, Rio de Janeiro.
Os espaços externos aparecem apenas indiretamente.
Temos referências à rua do Catete , aos hábitos urbanos, como o teatro, as lojas da moda, e outros recantos mundanos da cidade.

TEMPO
Os três primeiros atos da peça ocorrem em um único dia. O quarto ato ocorre um mês após os acontecimentos do final do terceiro ato.

LINGUAGEM

A linguagem do texto, especialmente na voz de Eduardo, é marcada pela grandiloquência, o didatismo pouco sutil, a expressão declamatória e a reprodução da sintaxe lusitana:
“(...) O coração que ama de longe, que concentra o seu amor por não poder exprimi-lo, que vive se parado pela distância, irrita-se com os obstáculos, e procura vencê-los para aproximar-se. Nessa luta da paixão cega todos os meios são bons: o afeto puro muitas vezes degenera em desejo insensato e recorre a esses ardis de que um homem calmo se envergonharia; corrompe os nossos escravos, introduz a imoralidade no seio das famílias, devassa o interior da nossa casa, que deve ser sagrada como um templo, por que realmente é o templo da felicidade doméstica.”
·               A coloquialidade e as gírias de Pedro quebram esse discurso de Eduardo.
·               Uso de onomatopeias:  “Pedro puxou as rédeas; chicote estalou; tá, tá, tá; cavalo, toc, toc, toc; carro trrr”.
·               O uso de pronome pessoal do caso reto como objeto direto (quando vê ele passar”, “a moça só espiando ele”).
Ainda o tratamento de intimidade que Pedro dedica aos amos ao chamar Carlotinha de “nhanhã”, é a manifestação linguística da familiaridade com que o demônio é recebido na casa.
·         O aspecto linguístico da personagem  Azevedo, que tem no uso e no abuso de estrangeirismos, principalmente de origem francesa, um dos símbolos da afetação que o caracteriza.
·         Uso do ditado popular: Pedro – Moça é como carrapato, quanto mais a gente machuca, mais ela se agarra.
·         Uso da metalinguagem: Pedro – Quando é esta coisa que se chama prosa, escreve-se o papel todo; quando é verso, é só no meio, aquelas carreirinhas.
·          Uso de Intertexto: Pedro – É isso mesmo. Esse barbeiro, Sr. Fígaro, homem fino mesmo, faz tanta cousa que arranja casamento de sinhá Rosinha com nhonhôLindório.
·          Uso de Figuras de Linguagem: Eduardo – A mulher não é, nem deve ser, um objeto de ostentação que se traga como um alfinete de brilhante ou uma jóia qualquer para chamar a atenção!

 

Ironias antirromânticas

·         A maneira como desfaz a imagem da mulher idealizada , comprova que Azevedo encarna o ceticismo antirromântico:
“(.,.) Um círculo de adoradores cerca imediata mente a senhora elegante, espirituosa, que fez a sua aparição nos salões de uma maneira deslumbrante! Os elogios, a admiração, a consideração social acompanharão na sua ascensão esse astro luminoso, cuja cauda é urna crinolina, e cujo brilho vem da casa do Valais ou da Berat, à custa de alguns contos de réis!”

 Apologia da arte nacional

·         Chama a atenção, no texto, uma discussão qual Alfredo e Azevedo discutem a existência ou não de uma genuína arte brasileira:
Azevedo:“A nossa Academia de Belas-Artes’? Pois temos isto aqui no Rio?(...) Uma caricatura, naturalmente,., Não há arte em nosso país.

Alfredo: A arte existe, Sr. Azevedo, o que não existe é o amor dela.

Azevedo: Sim, faltam os artistas.

Alfredo: Faltar,, os homens que os compreendam; e sobram aqueles que só acreditam e estimam o que vem do estrangeiro.
Azevedo: (com desdém) Já foi a Paris, Sr. Alfredo?

Alfredo: Não, senhor; desejo, e ao mesmo tempo receio ir.

Azevedo:Porque razão?
Alfredo: Porque tenho medo de, na volta, desprezar o meu país, ao invés de amar nele o que há de bom e procurar corrigir o que é mau.
·         As posições estão aí estabelecidas sem sutilezas, com maniqueísmo bem demarcado: Alfredo, um dos heróis, por ser um dos sustentáculos da moral da peça, defende a arte brasileira, enquanto Azevedo, seu antagonista imediato na disputa do amor de Carlotinha, e um representante do amoralismo, ataca esta arte.

CONCLUSÃO
Nota-se que José de Alencar, na obra em questão, mostrou alguns comportamentos cariocas do século XIX:  o rico influenciado pela cultura europeia e vivendo em função dela ( Azevedo ), o falso rico ( Sr. Vasconcelos ), o casamento por interesse financeiro ou social ( Vasconcelos e Azevedo ), a moça virginal e sonhadora ( Carlotinha ), o serviçal negro e fofoqueiro ( Pedro ), a viúva e mãe exemplar ( Dª Maria ), o verdadeiro amor ( Eduardo e Henriqueta ), e o jovem humilde e nacionalista ( Alfredo ).
A trama é leve, a linguagem é objetiva, mesclando termos da língua francesa e da língua portuguesa.
O objetivo da comédia é provocar riso no público e de forma graciosa mostrar os comportamentos ridículos de uma sociedade.
Diferente da crença de que os demônios são causadores do mal, Pedro, o serviçal, age de maneira pensada, desejando o  bem para ele e para os demais; quando percebe que causou algum mal ele volta e repara. O personagem está mais para anjo do que para diabo. É ele quem dá o tom de humor à narrativa através de uma série de confusões.
Nota-se, também, que era totalmente improvável o criado Pedro ser tratado como membro da família de Dª Maria, visto que era escravo.
As mulheres da época, superficiais e artificiais eram bonecas enfeitadas a fim de laçarem um marido o mais rapidamente possível e domesticá-los
Sem dúvida alguma, a peça O Demônio Familiar é abolicionista, vendo sobretudo a questão pelo lado do senhor ( o escravo Pedro introduz na casa de Eduardo a mentira, a fofoca e a intriga ), então, cabe à família, alforriá-lo ( punição ) pelo mau comportamento do negro escravo.




 OBRA


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