A arte fabricando a
história
A CARTA DE CAMINHA: O ENCONTRO ENTRE COLONIZADOR E
COLONIZADOS
Os portugueses chegaram ao Brasil em suas
expedições no dia 22 de abril, do ano de 1500. Logo avistaram um monte – o qual
foi denominado Monte Pascoal –, depois seguiram para um lugar mais reservado no
sul da Bahia, em Porto Seguro, mais especificamente na praia da Coroa Vermelha.
Foi ali onde se realizou a primeira missa no Brasil.
A primeira missa brasileira foi realizada pelo frei Henrique de Coimbra com a ajuda de seus assistentes, poucos dias após o descobrimento do Brasil, em 26 de abril. Nela estavam presentes
portugueses e índios da região. Existem poucos relatos sobre o desenrolar dessa
missa, mas, pelo que se sabe, foi uma cerimônia consideravelmente fácil. Os
índios por natureza eram ligados a certos tipos de rituais, assim, facilitaram
o processo de realização da missa. Conta-se também que os índios ao verem os
portugueses em seus preparativos, talhando a madeira com ferramentas de ferro,
ficaram surpreendidos e admirados.
A PRIMEIRA MISSA
Pero Vaz de Caminha, escrivão mais
notório da esquadra portuguesa, narrou em sua carta ao rei de Portugal alguns
de seus pontos de vista, além de relatos sobre a primeira missa. Depois de
quarenta e sete dias de viagem pelo mar, todos os preparativos para a missa
encontravam-se terminados. À frente da missa estava o frei, oito missionários e
franciscanos, além de alguns sacerdotes. Um altar foi erguido, e nele, o
capitão Pedro Álvares Cabral portando “a bandeira de Cristo” convocou seus marinheiros, oficiais e subalternos, que
totalizavam mil homens, todos armados à maneira europeia. Da praia do
continente,
cerca de duzentos
índios acompanhavam atentamente a missa que se passava naquela ilha, a qual foi
“ouvida por todos com muito prazer e devoção”.
Caminha também faz
esta citação: “E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos
todos em pé, com as mãos levantadas, eles (os índios) se levantaram conosco e
alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado: e então tornaram-se a assentar
como nós… e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez
muita devoção.”
A MISSA E A CATEQUIZAÇÃO
Ao terminar a
missa, o sacerdote subiu em uma cadeira alta e fez uma “solene e proveitosa pregação”, onde foi narrada a vinda
dos portugueses. Com a concretização da missa, acreditava-se que a ideia de uma
futura catequização dos indígenas não seria algo difícil, pois
estes, conforme relatos de Caminha, foram muito respeitosos durante a
cerimônia, assim, apenas bastaria uma seleção de bons padres e a conversão dos
índios ao catolicismo seria possível.
INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A TELA E A CAPTURA
DO MOMENTO HISTÓRICO
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Quatro dias depois da chegada de Pedro
Álvares Cabral no Brasil, exatamente num domingo de páscoa, foi celebrada a
primeira missa no Brasil pelo
Frei Henrique Soares
Coimbra em Porto Seguro na Bahia. A missa foi retratada pelo pintor Victor
Meirelles (1832-1903), irmão do também pintor Aurélio de Figueiredo, autor da
tela acima. O pensamento cristão dominante está representado pela cruz, em
paralelo a aceitação e curiosidade indígena demonstrado na tela.
Sobre
o autor: Victor Meirelles
-
O autor da “Primeira Missa no Brasil” nasceu em Desterro, atual Florianópolis,
capital do Estado de Santa Catarina, em agosto de 1832, na casa atualmente
transformada em museu e na rua que hoje leva o seu nome.
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A pintura foi produzida em Paris, durante a longa viagem de estudos do artista
(1853–1861) como bolsista da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de
Janeiro.
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Tentativa de retratar o país e sua cultura.
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Projeto civilizatório: Família Real no Brasil - 1808
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1816 – Missão Artística Francesa no Brasil: objetivo: desenvolver a cultura
artística no Brasil. Esse fato se consolidou mais tarde, em 1826, com a criação
da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro.
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1822 – Independência do Brasil: necessidade de construção de uma identidade
nacional.
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Referência ao descobrimento do país
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Identidade brasileira associada ao catolicismo
INTERTEXTUALIDADE: “Lê Caminha, pinta e então caminha”: CConselho
dado por Manuel Araújo Porto-Alegre, diretor da academia de Belas Artes do
Brasil produzida após a leitura da Carta
do Achamento, de Pero Vaz de Caminha.
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Nativismo; uso de cores vivas.
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Presença do nativo brasileiro, indígena.
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Portugueses posicionados ao lado direito da tela, ao lado do mar. Ideia de
invasão, mesmo com a ausência de atos violentos (trata-se de uma invasão
cultural).
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Polarização na tela: desencontro, mundos antagônicos.
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Perfeição na representação do corpo
humano.
- Predominância da cultura portuguesa: catolicismo.
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Cruz no centro: imposição religiosa,
aculturação indígena.
-
Índios: descontraídos, curiosos e
irreverentes.
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Imposição X conversão
Victor
Meirelles: o pintor e sua colaboração no projeto de construção nacional
O
autor da “Primeira Missa no Brasil” nasceu em Desterro, atual Florianópolis,
capital do Estado de Santa Catarina, em agosto de 1832, na casa atualmente
transformada em museu e na rua que hoje leva o seu nome. Seu interesse precoce
pela aprendizagem do ofício de pintar, habilidade que começou a desenvolver
quando ainda era menino e vivia em sua ilha natal, fez com que, aos 14 anos incompletos, fosse conduzido ao Rio de Janeiro para integrar o grupo de estudantes da
Imperial Academia de Belas Artes, onde iniciou uma trajetória de estudos que o
levou ao Prêmio de Viagem à Europa, nos principais centros artísticos de então,
na Itália e na França.
PROJETO CIVILIZATÓRIO
DO BRASIL
A “Primeira Missa no
Brasil”, antes de ser a produção isolada de um artista, é uma síntese visual do
“Projeto Civilizatório” de cunho nacionalista do Segundo Império. Por isso,
para compreender esta pintura é necessário ir àquele contexto.
A
“Primeira Missa no Brasil” é o resultado de uma complexa rede de relações entre
as ideias e utopias que se desenvolveram dentro do chamado “Projeto Civilizatório”, presente no imaginário da elite cultural e
política do século XIX brasileiro. Este projeto se torna mais evidente, de
forma direta ou indireta, com a transferência da Corte Portuguesa ao Rio de
Janeiro, em 1808, e se consolida com as monarquias que se seguiram depois
(1822–1889).
Com
a vinda da Corte, o Rio de Janeiro
se modernizava, perdendo aos poucos o aspecto colonial. Em torno dela se
desenvolveu uma cultura laica, mundana, cortesã e aristocrática. A Corte
divertia-se com touradas, cavalhadas, teatros, saraus e musicais. É neste
cenário que emergiu a primeira academia de arte do País.
Devido
a mudanças políticas entre Portugal e a França, como parte de uma estratégia de
reaproximação dos dois países, que teria surgido a ideia de trazer para o
Brasil uma Missão Artística Francesa, em 1816, com a finalidade de
institucionalizar o ensino artístico no Brasil. Este fato se consolidou mais
tarde, em 1826, com a criação da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de
Janeiro.
O
País se firmava como nação independente. Pensava-se em criar uma identidade nacional,
e a arte era considerada um lugar privilegiado para pensar a sociedade e para
inventar uma nova identidade para a jovem nação, independente desde 1822.
O
índio brasileiro e o movimento romântico: o nativo como símbolo nacional
É
no movimento literário romântico que vamos encontrar a figura do índio tomando
forma desde 1826, quando o francês Ferdinand Diniz, empregado consular, chama a
atenção dos brasileiros para a necessária substituição das tendências clássicas
em favor das características locais. Defendia-se
a descrição da natureza e dos costumes, nos quais o índio devia ser valorizado
como primeiro e mais autêntico habitante do Brasil.
Assim,
a história da Imperial Academia de Belas Artes e a produção dos seus alunos não
podem ser dissociadas das significações maiores do Império. Esta história ainda
está por ser mais bem contada, principalmente no que diz respeito à existência
de um projeto civilizatório associado à construção do Estado e da nação.
A
“Primeira Missa no Brasil”
Imagem
simbólica da cultura brasileira, a “Primeira Missa no Brasil”, assim como seus
numerosos estudos preparatórios, hoje fazem parte das coleções do Museu
Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro sob o tombo nº 901. Foi produzida
durante o Império de D. Pedro II, na França, entre 1859 e 1860, chegando ao
Brasil em 1861.
A
“Primeira Missa no Brasil” tem importante papel na construção de uma
representação sobre o “Descobrimento”
e sobre a identidade brasileira vinculada ao catolicismo e ao sentido de
conversão que a navegação portuguesa trouxe consigo, o que amplia a importância
desta pintura na construção do nosso imaginário cultural.
Em
1845, D. Pedro passou a custear o Prêmio de Viagem, aberto anualmente, que
financiava estudos de alunos da Academia de Belas Artes no Exterior. O
Imperador recebeu o título de Fundador e Protetor Perpétuo da Academia
Imperial; proteger a Academia e os artistas era também uma forma de garantir a
produção da iconografia oficial. Da Academia e de seus artistas, além da
pintura “Primeira Missa no Brasil”, saíram os inúmeros retratos, as cenas
familiares e de poder da Família Real que até hoje ilustram nossa história. A pintura histórica era o gênero mais
valorizado na Academia em meados do século XIX. Como bem explicita Jorge Coli
(1998: 117)
Meirelles
atingiu a convergência rara das formas, intenções e significados que fazem com
que um quadro entre poderosamente dentro de uma cultura. Essa imagem do
descobrimento dificilmente poderá
vir
a ser apagada, ou substituída. Ela é a primeira missa no Brasil. São os poderes da arte fabricando a história.
Os
professores da Academia de Belas Artes e o corpo governamental do país estavam
esperando que surgissem talentos.
Meirelles: garoto
prodígio
Antes
de Victor Meirelles a Academia enviou outros artistas para a Europa, através do
sistema de bolsas de estudos, mas eles produziram pouco e voltaram logo. O
primeiro que realmente se vê nos documentos e que tinha noção do que estava
acontecendo é o pintor catarinense. Ele foi para a Europa e atendeu às
exigências da Imperial Academia no Brasil nas obrigações dele esperadas.
Enquanto os outros artistas mandavam um desenho ou dois, Victor Meirelles
mandava dez ou vinte. Então o Imperador e os intelectuais da Academia sentiram
que encontraram o artista que procuravam. E é por isso que Victor Meirelles
conseguiu a prorrogação da bolsa de estudos por oito anos. O período normal era
apenas de três anos.
Uma
vez feito o primeiro esboço da “Missa”, Victor Meirelles enviou-o para a
Academia no Brasil. A elite cultural queria criar esse tipo de imagem para
ficar na memória cultural do País. Por isso, uma vez aceito o esboço da
“Primeira Missa no Brasil”, o pintor de Desterro ganhou o financiamento para
mais dois anos de estada na França e para as despesas da execução da obra.
Victor
Meirelles analisou vasta documentação sobre o índio e sobre o Brasil, e também A carta de Caminha. Estudou a carta com
afinco para representar a missa descrita por Caminha.
Antes
de ser produto da mente isolada de um artista, a “Primeira Missa no Brasil” é
uma síntese visual do projeto civilizatório de cunho nacionalista do Segundo Império brasileiro, e Victor Meirelles
de Lima foi o homem que concretizou em forma de pintura as ideias deste
projeto.
Além
de estudar a carta de Caminha e de seguir uma minuciosa orientação de Manuel de
Araújo Porto Alegre, há um outro fato importante a considerar na construção da
obra em questão: Victor Meirelles buscou
inspiração para a cena principal de sua obra em outra missa, a do pintor
Francês Horace Vernet (1789–1863). A missa pintada por Vernet intitula-se
“Première messe en Kabyli” (1853), lembrando que o procedimento por citação é
absolutamente legítimo dentro do gênero Pintura Histórica. O desconhecimento das regras da pintura histórica pela
crítica de arte nacional causou grande polêmica quando a pintura chegou ao
Brasil, e Victor Meirelles inclusive foi acusado de plagiário.
Há
ainda a hipótese de que o tema da missa era então recorrente. No Museu Granet,
na Provença, França, encontramos outra missa intitulada “Une messe au Louvre
pendant la Terreur”, datada de 1847, de autoria de Marius Granet (1775–1849) . O
altar no centro, com um padre levantando a hóstia, e outro de joelhos segurando
suas vestes lembram a cena principal da “Missa” de Victor Meirelles. Este
procedimento também teria sido legítimo dentro do contexto cultural estético
das academias de arte do século XIX.
Abandonado
e discriminado pelos republicanos, Victor Meirelles morreu pobre em 1903, no
Rio de Janeiro.
Uma parte do texto acima foi adaptado da página: http://www.dezenovevinte.net/obras/vm_missa.htm
Uma parte do texto acima foi adaptado da página: http://www.dezenovevinte.net/obras/vm_missa.htm