3 de nov. de 2013

O navio negreiro e Canção do africano, Castro Alves

PAES 2013 –"O Navio Negreiro" e “Canção do africano”, Castro Alves: análise literária

Antônio Frederico de CASTRO ALVES
Nasceu, em 1847, na fazenda Cabaceiras, município de Muritiva, BA, e faleceu em Salvador em 1871, de tuberculose. Depois dos estudos preparatórios em Salvador, vai, em 1862, para Recife em cuja Faculdade de Direito ingressa em 1864, sendo colega do líder estudantil Tobias Barreto. Reforça a incipiente campanha liberal-abolicionista. Não se destaca pela aplicação aos estudos. Faz-se orador e poeta.
Em 1868 chega a São Paulo, acompanhando a atriz Eugênia Câmara com quem vivia desde Recife. Em São Paulo torna-se aclamado orador e poeta.
Numa caçada nos arredores de São Paulo, fere o calcanhar esquerdo. Sobrevém a gangrena. Amputam-lhe o pé. Ferido em sua vaidade e já tuberculose, volta à Bahia, em 1869, certo já de sua morte próxima.
OBRAS:  Espumas flutuantes (1870), A Cachoeira de Paulo Afonso (1876), Os Escravos (1883), Gonzaga ou A Revolução de Minas ( drama encenado na Bahia em 1867).

TERCEIRA FASE ROMÂNTICA: POESIA CONDOREIRA
A terceira fase romântica é marcada por uma poesia de acentuado compromisso social. Denominada poesia condoreira, tem como símbolo o condor, cujo sentido é a liberdade de expressão e de linguagem. Victor Hugo foi o poeta francês que mais influenciou esta geração cuja poesia entra num processo de universalização, isto é, procura expressar a realidade de um grupo social.
Assim, seja por imitação dos padrões europeus, seja por simples entusiasmo romântico, o fato é que a poesia brasileira de caráter social restaurou sua identidade com o povo, anunciando o novo na vida nacional. Trata-se, portanto, de uma época de transição em que surge uma literatura preocupada com a denúncia social.
Castro Alves foi o mais importante representante da poesia condoreira no Brasil. Seus poemas sociais tratam de questões como a crença no progresso e na educação como forma de aprimoramento social, da República e, principalmente, o fim da escravidão negra. O tom vigoroso, a ressonância de seus versos, a indignação e a expressividade são elementos que consagraram o “poeta dos escravos”.
Condoreiro, a sua poesia serviu de instrumento de luta contra a escravidão, pois o seu tom de elevação era propício para récitas em locais públicos: praças, salões de leitura etc. A eloquência dos versos está evidenciada em poemas que denunciavam a vida miserável dos escravos. O poeta aproxima-se da realidade social, embora conserve ainda o idealismo e o subjetivismo românticos.

O navio negreiro – Tragédia no mar

“O navio negreiro” (ou “Tragédia no mar”), inserido na obra Os Escravos, é um dos poemas mais famosos de Castro Alves. Quando foi composto, em 1868, o tráfico de escravos já estava proibido no país; contudo, a escravidão e seus efeitos persistiram. Para denunciar a condição miserável e desumana dos escravos, o poeta valeu-se do drama dos negros em sua travessia da África para o Brasil.

Estrutura da obra:
Dividido em seis partes ( com alternância métrica variada para obter o efeito rítmico desejado em cada situação retratada), é apresentado da seguinte forma:
na primeira parte, o eu lírico limita-se a descrever a atmosfera calma que sugere beleza e tranquilidade; na segunda parte, descreve marinheiros de várias nacionalidades, caracterizando-os como valentes, nobres e corajosos; na terceira parte, o eu lírico introduz a verdadeira intenção do poema – a denúncia do tráfico de escravos, através de expressões indignadas.
Na quarta parte, o eu lírico passa a descrever, com detalhes, os horrores e castigos de um navio de escravos.
Na quinta parte, ele invoca os elementos da natureza para que destruam o navio e acabem com os horrores que mancham a beleza do mar, destacando a vida livre dos negros na África e a escravidão a que são reduzidos no navio.
Finalmente, na sexta parte, ele indica a nacionalidade (brasileira), invocando os heróis do Novo Mundo, para que eles, por terem aberto novos horizontes, possam acabar com a infâmia da escravidão.
A parte mais dramática (a parte IV) é a descrição do que se via no interior de um navio negreiro. Note a capacidade de Castro Alves em nos fazer “ver” a cena, como se estivéssemos em uma montagem teatral: o tombadilho do navio transformado em um palco infernal. O quadro é horroroso, a descrição é crua e a cena revoltante. A repetição da terceira estrofe no final dá-lhe uma natureza de refrão.
Outro dado interessante é o emprego que o poeta faz da linguagem, trabalhando ora os adjetivos para descrever com mais expressividade o cenário e o elemento humano, ora os verbos para reforçar o dinamismo do “balé”. A grandiloquência vem com toda com toda força, onde o exagero cumpre, sem dúvida, a função de emocionar ( passa a focalizar o drama que é o fulcro do poema).
Logo no início, o eu lírico compara o navio negreiro a um “sonho dantesco”. Com essa expressão, faz referência às terríveis cenas descritas pelo escritor italiano Dante Alighieri, em “O inferno”, parte da obra A divina comédia. Horroriza-se com a situação infame e vil dos negros no tombadilho (as correntes, o chicote, a multidão, o sofrimento, a “dança”macabra). O ritmo nos é dado por algumas palavras especiais de acentuada sonoridade (“tinir”, “estalar”, por exemplo).
Repare na imagem das “Negras mulheres”: não há mais leite para alimentar as “magras crianças” (somente sangue) e, por citar as “tetas”, faz-se analogia a um mero animal. Ao descrever as moças nuas (condição de ausência de proteção) espantadas, arrastadas em meio à multidão de negros esquálidos (magros), o eu lírico apela para que o leitor sinta piedade pelo sofrimento do ser humano (piedade cristã). As reticências conduzem à reflexão, à intensidade da dramaticidade diante da situação condenável, horrenda.
Do ponto de vista cromático, duas cores são postas em contraste na primeira e segunda estrofes. Estas cores são o vermelho e o preto, que compõem o dramático painel em que o sangue dos escravos contrasta com o negro de sua pele.
Há reincidente uso de imagens que sugerem desespero, sofrimento e dor. A exposição do velho arquejando (desumanização), acompanhado do chicote ( a serpente que “faz doudas espirais”), assemelha-se a de um animal, que acompanha a “orquestra”( os marinheiros aparecem representados pela orquestra que comanda a dança) sem reclamar… E essa “tragédia” se completa quando essa “multidão faminta”, que sofre sem cessar, geme de dor, chora e delira… Enfraquecidos, eles enlouquecem.
A cena é de uma crueldade atroz, já que, para se divertir, os marinheiros surram os negros. Repare no efeito expressivo da antítese que contrapõe o céu puro sobre o mar e a figura do capitão (regente da orquestra) cercado de fumaça. Ela estabelece o contraste entre a natureza como obra divina e a escravidão como obra demoníaca.
Depois de apresentar o navio como uma visão dantesca, uma figura diabólica (que também aparece no final da obra “A divina comédia”) é utilizada para o desfecho da última estrofe, finalizando a quarta parte do poema. O eu lírico ressalta o prazer (novamente exposto pelo verbo “rir”) daqueles que torturam (uma orquestra irônica, estridente)em oposição ao sofrimento dos escravos (um trágico balé dançado) para deleite de Satanás.
Observe algumas figuras de linguagem em destaque no poema:
Metáfora
“Era um sonho dantesco” (referência às cenas horríveis descritas por de Dante Alighieri no “Inferno” de sua Divina Comédia),
“ a serpente faz doudas espirais…”( a serpente seria o chicote usado pelos marinheiros),
“E ri-se a orquestra irônica”( a expressão caracteriza os marinheiros que comandam a dança).
Hipérbato
“Que das luzernas avermelha o brilho”( a ordem direta seria: Que o brilho das luzenas avermelha).
Comparação
“Legiões de homens negros como a noite”.
Hipérbole
“No turbilhão de espectros arrastadas”,
“sangue a se banhar”
Metonímia
“O chicote estala”.

A canção do africano, Castro Alves

Além de “O navio negreiro”, outro poema que retrata a vida, o costume, o desejo, os castigos, a vida dos escravos africanos é “Canção da Africano”:

1ª estrofe:


Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em prantos
Saudades de seu torrão...


Nessa primeira estrofe, o eu lírico relata a respeito de uma negra africana, que, estando sentada na senzala, cantava uma música que lembra sua terra. Ao cantar ela chora.
2ª estrofe:


De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez para não o escutar!


Na senzala, os negros sentavam-se no chão, e a negra, a quem o autor se refere, está ao lado com o filho dela no colo. Eles ouvem a música cantada e o filho esconde, justamente para não escutar, pois a música o lembra a terra onde eles moravam e eram livres.  
3ª estrofe:


“minha terra é lá bem longe,
Das bandas onde o sol vem;
Está terra é mais bonita,
Mas a outra é que eu quero bem!


Nessa estrofe e nas próximas, o autor repete a música citada na 1ª e na 2ª estrofe. A letra dessa canção nos deixa perceber a saudade da terra natal. Nesse primeiro verso da música, dizem que a terra de onde vêm (África) é longe, e a compara com o local onde o sol nasce. As terras brasileiras são belas, no entanto, os negros desejam o lugar onde eram livres, no caso a África.
4ª e 5ª estrofe:


“ o sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda areia;
Ninguém sabe como é belo
Ver a tarde o papa-ceia!

“Aquelas terras tão grandes,
Tão cumpridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar...


Esses versos da música ressaltam as belezas naturais da África, que apesar de ser uma terra que possui certos lugares com clima muito quente, também tem belezas naturais, como exemplo a referência ao papa-ceia, ave típica e muito bonita de lá; sua beleza é comparada a de um sabiá aqui do Brasil. Citam também que lá as terras são grandes e as comparam com o mar, uma oposição ao local onde estão que é pequeno e apertado: a senzala.
6º estrofe:


“lá todos visem felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
como aqui só por dinheiro.”



É notável a saudade que os escravos sentiam de sua terra natal, segundo Castro Alves. Nela percebemos a liberdade deles antes de se tornarem escravos e ao mesmo tempo o único motivo que os trazem aqui, a ganância dos senhores que os escravizavam.
7ª estrofe:


O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Para não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!


Aqui ocorre a retomada do tema, onde o autor nos diz que após acabar a música todos na senzala se calam, pois já é tarde. Essa referência de tempo percebe-se por meio da expressão “O fogo estava a se apagar”.
8ª estrofe:


A escrava então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Tinha sido surrado,
Pois bastava escravo ser.



Ênfase aos castigos sofridos pelos escravos: eles deviam levantar cedo “Bem antes do sol nascer” porque, se não, eram espancados: “Tinha de ser surrado pois bastava escravo ser”.
9ª estrofe:


E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo!


Os escravos nunca perderam as esperanças, em prova disso ele apresenta esse trecho: “ E põe-se triste a beija-lo, /Talvez temendo que o dono, /Não viesse, em meio do sono, /De seus braços arranca-lo!”. A mãe beija o filho, esperando que o dono, talvez naquela noite, não tirasse o menino de seus braços, já que os filhos escravos não ficavam junto a família durante toda a noite.

Noite na Taverna, PAES 2013

ANÁLISE LITERÁRIA
NOITE NA TAVERNA:
A embriaguez do amor e do vinho
MANUEL ANTÔNIO ALVARES DE AZEVEDO

Nasceu em 12 de setembro de 1831, na cidade de São Paulo. Filho de pai fluminense, estudante de Direito, e mãe goiana, ambos de gente importante. Bacharelou-se em Letras no Colégio Pedro II em fins de 1847. De 1844 a 1845 passou seis meses e fez alguns preparatórios em São Paulo, para onde foi morar no começo de 1848. Matriculou-se na Faculdade de Direito. Mas nas férias de 1851-2 adoeceu no Rio, onde as passava sempre e depois de dolorosa operação para extrair um tumor na fossa ilíaca, morreu quando a cursava o 5° ano, no dia 25 de abril de 1852. Tinha vinte anos e sete meses. Apesar de muito jovem, era muito culto e, além do francês sabia bem inglês, o que lhe permitiu ler no original alguns dos grandes clássicos românticos, como Shakespeare, que a maioria dos seus contemporâneos brasileiros lia em traduções. Além deles, conhecia os clássicos latinos e portugueses, sem falar na paixão, em especial por Victor Hugo. Conhecido como o poeta macabro do romantismo, previu a morte de dois amigos_ que efetivamente desapareceram sem deixar rastro, sua vida pessoal é tema de grande confusão entre os críticos, pois uns bendizem-no como um santo franzino e virginal, outros pinçam-lhe a alcunha de depravado e demoníaco. É o principal representante no Brasil da influência byroniana (ultrarromântica) dos ingleses e alemães_ como todo escritor da paulista capital teve fim trágico bem a gosto burguês dos acadêmicos do Largo de São Francisco do século XIX.

A narrativa de Noite na Taverna inicia-se em forma de drama. Macário e Satan (personagens do drama Macário, de Álvares de Azevedo) dialogam na primeira cena, em que Satan conduz Macário a uma orgia, a fim de que leia uma página da vida, cheia de sangue e de vinho.  Macário observa, da janela de uma taverna, uma sala fumacenta. À roda da mesa estão sentados cinco homens ébrios, Os mais revolvem-se no chão. Dormem ali mulheres desgrenhadas, umas lívidas, outras vermelhas e desgrenhadas. Observem que essa cena de abertura tem claros alguns motivos do romance negro, dando à obra uma veste de caráter perverso, noturno, satânico ou demoníaco, relatada por cinco personagens narradores: Solfieri, Bertram, Johann, Gennaro e Cláudius Herman que se caracterizam como personagens do "mal do século", ou seja, homens ébrios e devassos, cultivadores dos vícios e das perdições humanas, enfim, LIBERTINOS. Macário é a testemunha da cena, uma noite de orgia, cujas histórias nos são narradas em 1a pessoa. A obra tem uma dimensão fantástica, com uma densa atmosfera de sonho e embriaguez, oscilando sempre entre o real e o irreal (o mundo onírico e o mundo imaginário).  Por isso, as narrativas são difusas e os relatos não são muito claros para o leitor, da mesma forma que não são muito claramente vividos pelas personagens. Deve ficar claro que o leitor entra em contato com as histórias pela ótica de Macário, que por sua vez, as verá pela ótica de Satan, o símbolo do mal. Sabe-se que o satanismo, a queda para o mal, constitui um dos principais elementos do ultrarromantismo de Byron e Musset, o chamado "mal do século". Por isso é importante esclarecer o lado do polo do mal que predomina na obra em questão, personificado em especial pelas imagens do libertino e da mulher perdida, a prostituta, aquele que é o seu oposto complementar: o polo do bem, manifestado através da mulher anjo, e a ideia do amor como regeneração de todos os vícios, enfim, das mais preciosas ambições amorosas e libertárias dos nossos byronianos.

Através das conversas entre os boêmios vemos que estes estão em profunda depressão e melancolia, bebendo, fumando. Começam então a contar as histórias de amor, assassinatos, violência e morte. Todas estas histórias ocorrem durante um momento de delírio e de muito desabafo. Eles discutem sobre suas descrenças e sobre a imortalidade da alma, narrando assim um a um suas histórias. Tentam fugir da realidade na bebida e na fantasia demostrando extremo pessimismo em relação à vida e o escapismo como solução. Percebemos aí uma das características do Ultrarromantismo (segunda fase ): o mal-do-século. Nesta fase os escritores descreviam paisagens sombrias, acontecimentos misteriosos, assim como no trecho seguinte retirado do livro:  
"Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as estrelas passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal-apertados ... Era uma defunta! ..."  ( II. Solfieri )
O livro foi escrito tanto em tempo cronológico como em tempo psicológico. Ocorre o que chamamos flashback. O tempo que decorre dentro da taverna é cronológico, real. A partir do momento que os jovens começam a contar suas histórias, eles mergulham nas lembranças do passado e nos devaneios e o tempo passa a ser psicológico. No decorrer do livro, há uma alternância entre estes dois tempos. Quando uma personagem está contando sua história, ela retorna ao ambiente da taverna, não permanecendo direto no tempo psicológico.
A supervalorização do amor é outra característica marcante nesta obra de Álvares de Azevedo. Os boêmios em suas histórias colocam o amor em primeiro plano. Estão em busca do amor de uma mulher perfeita, que corresponde a todas as expectativas. Destacamos aí a idealização da mulher, como uma figura inalcançável e perfeita em todos os sentidos: pura, alva, sensível, bela (amor espiritual ). A conquista da mulher amada é dificultada por vários acontecimentos. Há sempre um obstáculo que impede a personagem de alcançar esse objetivo. Além do amor espiritual, identificamos também no texto o amor físico, onde há um contato entre a personagem e a mulher amada. Apesar disso esse amor não é completo, já que as circunstâncias impedem que fiquem juntos. Esse impedimento causa o descontentamento e a depressão da personagem.
"( ... ) a rainha em todo aquele ademane soberbo! ... víssei-la bela na sua beleza plástica e harmônica, linda nas suas cores puras e acetinadas, nos cabelos negros e a tez branca da fronte, o oval das faces coradas, o fogo de nácar dos lábios finos, o esmero do colo ressaltando nas roupas de amazona!"( V. Claudius Hermann )

Características dos personagens:  
Johann: era um boêmio obsessivo, curioso e nervoso. Desonra a própria irmã e mata o irmão, sem saber.
A morte da mulher amada ocorre em quatro das cinco histórias dos jovens embriagados. A exceção é feita para a história de Johann, na qual após uma briga decorrente de um jogo de bilhar, Johann e seu adversário de jogo Artur se enfrentam em um duelo mortal. Antes do duelo, Artur escreve algo em um pedaço de papel e diz a Johann que pegue-o no bolso caso morra no duelo. Pouco depois vão para uma rua deserta e sombria. Artur possuía duas armas: uma carregada, outra não. Tiram a sorte; Johann acaba por escolher, sem saber, a arma carregada e atira no adversário, que antes de morrer diz que pegue o papel. Encontra no bolso de Artur uma carta para a mãe e um endereço. Vai então até o local indicado com um anel também entregue por Artur. Uma mulher pega-o pela mão e como o ambiente estava muito escuro, ela pensa que Johann é Artur devido à sua presença, uma vez que Artur deveria aparecer naquele local para encontrar-se com ela. Então passam uma noite de amor – a garota era virgem. Quando ia sair, topou com um vulto à porta, cuja voz pareceu-lhe conhecida. Ambos desceram a escada, e ao chegarem à porta, o homem atacou-o com um punhal. A luta violenta travou-se na escuridão; Johann acaba sufocando o desconhecido. Quando se levanta esbarra em uma lanterna e acende-a para identificar o homem. Num "flash" reconhece o irmão morto ao chão. Uma ideia passa-lhe pela cabeça: se o homem que matou era seu irmão, a moça só poderia ser sua irmã (incesto). Corre até o quarto onde encontra a moça desmaiada e tem a confirmação.
Artur era um rapaz loiro de feições delicadas, possuía o rosto oval e faces avermelhadas. Amava muito sua mãe e uma mulher ( irmã de Johann ). A mulher era pura, inocente e apaixonada, mas no decorrer da história ela se entrega para Johann crente de que era para seu amor. O irmão era protetor, uma vez que ao ver que um homem desonrara a irmã, quis matá-lo. Cada um dos outros jovens também contam uma história fantástica:
Solfieri era um jovem boêmio alcoólatra, persistente pois fez de tudo para alcançar o amor da mulher. A mulher amada e idolatrada de Solfieri tinha a pele alva, era como um anjo para ele. Era uma pessoa que sofria de catalepsia e era depressiva. Chorava muito pela perda de alguém muito especial.
Em uma de suas noites de embriaguez em Roma, Solfieri encontra uma mulher toda de branco e a segue até o cemitério. Lá adormece e quando acorda não a encontra. Um ano depois, de volta a Roma, passeia a sós pelas ruas e quando se dá se conta, encontra-se em um lugar escuro: uma igreja. Ele vê então um caixão semi-aberto. Nele estava a mulher que seguia. Em um primeiro momento achou que estivesse morta, mas percebeu que sofria de catalepsia. Solfieri a leva para casa e lá ela morre de febre. Ele mesmo enterra-a em seu quarto e em homenagem à ela manda fazer uma estátua que guarda de lembrança desse intenso amor.  
Bertram era ruivo, tinha pele branca e olhos verdes. Alcoólatra, boêmio e influenciado por sua amada, muda seu jeito amável de ser, tornando-se um ser obscuro e cheio de vícios, provocando a sua própria decadência. Ângela era uma morena andaluza. Na visão de Bertram, era calma, pura, uma mulher perfeita, um verdadeiro anjo, assim como o seu próprio nome diz. Mas no decorrer da história, como prova de amor, ela se revela, mostrando seu lado agressivo e voraz. Bertram amava Ângela loucamente. Quando estavam prestes a se casar, seu pai chamou-o na Dinamarca. Quando ele volta dois anos depois, encontra Ângela casada e com um filho. Os dois tornam-se amantes. Certa noite, ela mostra o que fez por seu amor: degolara o marido e matara o filho. Os dois fogem juntos; de manhã ela se vestia como um mancebo e as noites eram de amor. Um dia ela o deixou, e ele tenta esquecê-la nos jogos, nas bebidas e nos duelos. Certa noite ele caiu ébrio na frente de um palácio e foi pisado por cavalos, ficando muito machucado. Neste castelo, um velho viúvo e sua filha o acodem. A jovem se apaixonou por Bertram; ele desonrou-a e ambos fugiram. Mas ele se enjoou dela e num jogo perdeu-a para o pirata Siegrified. Na primeira noite ela envenenou o pirata e se afogou.
Bertram tentou afogar-se na Itália, entretanto foi salvo por um marinheiro que ele acabou afogando no desespero. O capitão do barco o acolheu e, Bertram desonrou a esposa dele. Um navio pirata apareceu, o que iniciou a luta. Enquanto o comandante lutava como um bravo, ele o desonrava como um covarde. Devido a luta, o navio naufraga, restando à deriva oito pessoas. Destas apenas três: ele, o comandante e sua esposa sobrevivem, mas por conseqüência de dois dias sem comida, inicia-se um luta entre Bertram e o comandante, o que resultou na morte do homem e no alimento para ele e a mulher. No final, ela propõe morrerem juntos, mas ela acaba morrendo e sendo levada pelas águas. Ele é salvo por um brigue inglês chamado Swallow.
 A mulher do comandante era branca, melancólica, triste e carente. Era pura, mas suas atitudes no decorrer da história, mostram o quanto era infiel. O comandante era um homem belo, com rosto rosado de cabelos crespos e loiros. Era valente, brutal, mas um bom esposo.
Gennaro era um pintor bonito quando jovem, puro, pensativo e melancólico. Era cínico e não respeitava o sentimento dos outros. Tornou-se desonrado, mas não podia esquecer seu grande amor, Nauza.
Quando jovem, Gennaro tinha aulas de pintura com um velho, Godofredo Walsh, cuja filha de 15 anos, Laura, era apaixonada por ele. Nauza, uma mulher no auge de seus 20 anos, era casada com Godofredo, mas amava Gennaro, dois anos mais novo, que correspondia ao seu amor.
Certa noite, Laura entrou no quarto de Gennaro e este, ao acordar encontrou-se nos braços da mesma. Durante três meses, Laura ia ao quarto dele e pediu para que ele se casasse com ela, pois ela estava grávida, mas ele nada respondeu, deixando a moça desiludida. Uma noite, Laura morre e seu pai entra em desespero. Enquanto o homem chorava a morte da filha, Gennaro o desonrava, amando Nauza. Após descobrir toda esta traição, o homem tenta matá-lo, mas ele sobrevive e retorna para se vingar, mas quando entra no local para executar sua vingança, encontra sua amada e Godofredo mortos. 
Godofredo Walsh foi professor de pintura de Gennaro. Era robusto, alto e forte. Casou-se duas vezes. Agia por impulso, pois queria vingança ao saber que foi traído pelo seu próprio aluno.
Laura era filha de Godofredo do primeiro casamento. Pálida, de cabelos castanhos e olhos azuis. Era piedosa, amava Gennaro mas era um amor puro, sem malícias. E desse amor gera-se desilusões.
Nauza era jovem, bonita, tinha a pele macia, sentia-se carente, mas encontrava carinho nos braços de Gennaro, seu amor.
Claudius Hermann era muito rico e por isso, gastava muito em orgias. Não importava-se com a desonra, nem com o adultério. O que lhe importava era ter a sua amada, Eleonora.
Claudius gastava sua riqueza com orgias e era apaixonado pela Duquesa Eleonora. Ele a via em todos os lugares, desejando-a. Seis meses depois, ele decide entrar no castelo da moça e a encontra adormecida num divã. Deu-lhe um beijo e tiveram um noite de amor. Durante um mês ele fazia isso, todas as noites. Uma dessas noites, ele se esconde atrás do leito dela durante um encontro com Maffio, seu marido. Após levá-la para fora do castelo, ele passou horas a observá-la enquanto a mesma dormia. Quando Eleonora acordou, encontrou aquele homem que ela não o conhecia. Ele implorou o seu amor e pediu para que ela ficasse com ele. Ela amava o seu marido, mas resolve fugir com Claudius após ter se relacionado com o mesmo pensando ser seu amor. Essa atitude se deu porque ela não queria ser vista como uma mulher adúltera. Um dia Claudius entra em sua casa e encontra o leito ensopado de sangue e Maffio estava abraçado ao cadáver de Eleonora.
A Duquesa Eleonora era bela, pura, linda e vaidosa. Tinha a pele alva e cabelos negros. Seu rosto era oval e rosado, seus lábios finos e avermelhados. Ela amava o seu marido, mas resolve fugir com Claudius após ter se relacionado com o mesmo pensando ser seu amor. Esta atitude estranha da moça se deu por ela não querer ser considerada adúltera.
O Duque Maffio era marido da Duquesa Eleonora. Amava-a loucamente, o que o levou ao assassinato de sua esposa e o seu suicídio.  

Capítulo Final: O Último Beijo de Amor
 O autor Álvares de Azevedo utilizou o fato da personagem da história de Johann não morrer para causar uma surpresa no leitor ao final do livro.
No decorrer das histórias, o leitor se envolve bastante com os cenários e com os acontecimentos mas tem a idéia de que não passam de fantasias, sonhos, já que são contadas por jovens totalmente embriagados.
No capítulo final, após todos os jovens terem contado suas macabras histórias de mistério e morte, surge inesperadamente na taverna uma mulher. A descrição dela e de sua entrada na taverna, assim como as descrições em todas as histórias, estão envolvidas em muito mistério.
"Uma luz raiou súbito pelas fisgas da porta. A porta abriu-se. Entrou uma mulher vestida de negro. Era pálida; e a luz de uma lanterna, que trazia erguida na mão, se derramava macilenta nas faces dela e dava-lhe um brilho singular aos olhos. ( ... ) Mas agora com sua tez lívida, seus olhos acesos, seus lábios roxos, suas mãos de mármore, e a roupagem escura e gotejante da chuva, disséreis antes - o anjo perdido da loucura."( VII. Último Beijo de Amor )
Esta é outra característica marcante do Romantismo e Ultrarromantismo. A aceitação do mistério expressa fatos inexplicáveis, aparentemente fantasiosos no caso deste livro.
Quando a mulher entra na taverna, encontra os cinco jovens todos adormecidos sobre a mesa. Observa um por um até encontrar Johann. Num ato inesperado, segura seu pescoço e sufoca-o até a morte. Ela sacode Arnold e, ao despertar, ele a reconhece: era Geórgia, virgem irmã de Johann que fora desvirginada pelo mesmo, e que agora se transformara em Giórgia, a prostituta. Ela voltara após cinco anos para se vingar do irmão. Ao conversar com Arnold, eles relembram o passado, dando a entender que eram amantes. Por fim, ele implora para que volte a chamá-lo pelo seu verdadeiro nome, Artur. Ela diz que a vida escapa de seu corpo e acaba morrendo. Ele não agüenta de dor ao ver sua amada morta, e então aperta contra o peito um punhal, caindo sobre o cadáver dela.
O retorno de uma das personagens para o ambiente da taverna ( exatamente a única mulher que não morre ao término das histórias ) ocorre para mostrar ao leitor a veracidade dos contos que antes pareciam não passar de devaneios criados por ébrios.
Ela aparece como um fantasma com sede de vingança e provoca uma tragédia na taverna, semelhante àquelas que ocorreram nas histórias lá contadas.
Outro fato que provoca a surpresa do leitor é a "volta" de Artur, supostamente morto no duelo com Johann. Ele se salvou do tiro e após cinco anos sofrendo pela perda da mulher amada e vagando sem destino com o nome de Arnold, se encontra na taverna com Johann, que por estar embriagado não o reconhece.

A relação entre Artur e Arnold não está expressa claramente. Ao ler a história de Johann, têm-se a ideia de que Artur morre e ao lermos a última parte do livro, após todos terem contado suas histórias, a atuação de Arnold é como a de qualquer outro boêmio daquele grupo de jovens. Se não houvesse a presença de Geórgia, não teríamos chegado à conclusão de que são a mesma pessoa.

Encarnação, José de Alencar no PAES 2013

Análise literária ENCARNAÇÃO, José de Alencar

Sobre o autor:

Um dos principais nomes do romantismo brasileiro, José Martiniano de Alencar é considerado o fundador do romance de temática nacional. O escritor nasceu em Mecejana, no Ceará, em 1o de maio de 1829. Cursou Direito em São Paulo e em Olinda, entre 1845 e 1850. Ainda estudante, publicou os primeiros trabalhos literários. Depois de formado, estabeleceu-se no Rio de Janeiro onde atuou como advogado e jornalista. No Diário do Rio de Janeiro publicou, em capítulos (folhetins), seus primeiros romances: Cinco Minutos (1856) e A Viuvinha (1857). Tornou-se famoso com O Guarani, publicado também em 1857. Ingressou na política quatro anos depois, sendo eleito deputado-geral pelo Ceará por quatro legislaturas. Foi ministro da Justiça de 1868 a 1870, mas não conseguiu realizar o desejo de tornar-se senador. Seus romances abordaram temáticas históricas e indianistas (O Guarani, Iracema), regionalistas (O Gaúcho, O Sertanejo) e urbanas (Senhora, Lucíola). Encarnação, escrito em 1877, só foi publicado em livro postumamente. Em vida de Alencar foi divulgado em folhetins: há dúvida quanto ao jornal em que apareceu. Último romance de José de Alencar, Encarnação foi escrito aos 47 anos de idade, meses antes do falecimento do autor. É o único romance de Alencar que apresenta um teor altamente fantasmagórico, tanto que pode ser encaixado no gênero fantástico.
Escreveu também peças teatrais. Morreu no Rio de Janeiro, vítima de tuberculose, em 12 de dezembro de 1877.

ENCARNAÇÃO
CARACTERÍSTICAS:


Essa última obra de Alencar, por ser uma obra romântica possui muitas características desse momento, principalmente no que diz respeito à morte, ao estranho, ao fantástico e ao duplo, temas recorrentes desse período literário. As mulheres das obras de Alencar são representações ficcionais daquelas que se destacam na sociedade do Segundo Reinado. Apesar de não fugirem à regra de figuras femininas idealizadas do Romantismo, vistas como puras, intocadas e até ingênuas, essas mulheres chegam a ocupar um lugar social e a circular num meio que normalmente caberia apenas aos homens naquele momento histórico.

O feminino em Alencar
As protagonistas dos romances alencarianos são mulheres independentes e pensantes, têm voz, o que só viria a se concretizar plenamente no século XX. Assim, Alencar faz um trabalho pioneiro ao dar relevância ao papel social feminino, mesmo que, ao final, as mulheres alencarianas se submetam ao seu verdadeiro destino social, o casamento. Esse grande passo de Alencar evidencia-se, principalmente, na concepção da mulher como um ser inteligente e capaz de ter o poder de decisão, o que lhe é geralmente negado na sociedade da época do Romantismo.

O amor
A combinação entre o amor e a morte inspira romances e poemas em todos os tempos, mas principalmente no Romantismo, época em que o homem encontra-se fraturado, e a ideia de morte lhe soa como solução para sua unificação enquanto ser cindido. Assim, morrer de amor era sublime, principalmente entre os poetas românticos, e houve alguns que, nesse clima de amor e morte, realmente morriam ainda no ápice de sua juventude.
Apesar de o amor estar intimamente ligado à morte, sobretudo na época literária romântica, ele liga-se  também à instituição do casamento, mesmo porque ele é um aspecto central em Encarnação.

O casamento
Em Encarnação, ocorrem não um, mas dois casamentos. O protagonista da história é um viúvo, Hermano, que se casa pela primeira vez com Julieta e em segundas  núpcias com Amália, bem mais jovem que ele, moradora da residência ao lado da sua. Nem Hermano nem Amália tinham intenção de contrair núpcias, ele não pensava em um segundo casamento, e ela não tinha a menor atração pelo matrimônio e nem mesmo por Hermano.

Julieta: a primeira esposa
Hermano é um rapaz bem apessoado e distinto, que frequenta os salões da época. Ele se distingue dos demais por seus modos, e também por sua invejável situação financeira.
Hermano pode escolher entre as melhores moças, as mais cobiçadas da corte, mas escolhe Julieta, que não é rica e não brilha nos salões.  Como toda mulher do Romantismo, ela é descrita como uma estátua, mas “como estátua ela era um esboço imperfeito, ainda mesmo com as correções que aplica o molde de um traje elegante, ou a feliz disposição dos enfeites” (ALENCAR, 2006b, p. 17). É filha de um coronel reformado do exército brasileiro, que serve algum tempo em Goiás e sua mãe falece ao dar-lhe à luz.
Um dia, no meio de seus triunfos, quando a sua estrela mais brilhava, correu a notícia de que Hermano estava para casar-se, o que não devia surpreender em sua idade. Foi, porém, geral a admiração quando se soube que D. Julieta, a moça por quem se apaixonara a ponto de sacrificar-lhe a liberdade, não era rica nem bonita. (ALENCAR, 2006b, p. 17).
Hermano não precisa de uma moça rica, visto que já possui uma posição financeira invejável. Mas o que atrai Hermano é a beleza do espírito de Julieta, ela não possui uma notável beleza exterior, porém deixa uma forte impressão naqueles com os quais tem contato.
O que une Hermano e Julieta é algo mais espiritual, ela mesma acredita nisso e emana espiritualidade.
Hermano acredita no casamento como união de duas almas que se completam, e mesmo após a morte de Julieta, que ocorre quando ela consegue abrigar em seu ventre o fruto desse amor transcendental, Hermano parece continuar unido a ela e sentindo sua presença no lar onde viveram juntos anos felizes.

Amália: a segunda esposa
A segunda esposa de Hermano é completamente diferente da primeira, a diferença começa já com a cor dos cabelos, pois Julieta é morena e Amália é loira. Além disso, Amália é bonita e rica, dois atributos que não são dados a Julieta. Amália tem também opiniões e sentimentos bem diferentes dos da primeira esposa de Hermano. Ela não é uma moça que sonha com o casamento, com algum partido vantajoso, e até mesmo dispensa pretendentes ou se faz de desentendida quando algum homem galante lhe diz palavras que insinuam intenção de algo mais sério em termos de relacionamento afetivo. Vive nos bailes e festas, mas não quer assumir nenhum compromisso. Amália, no começo da narrativa, não expressa opiniões de uma moça típica do Romantismo em relação ao amor e ao casamento, parecendo ser mais uma figura feminina do Realismo. Ela quer apenas viver bem sua mocidade sem se preocupar com os encargos que a vida de casada lhe acarretaria, o casamento seria o fim de tudo o que ela vivia em seu feliz dia-a-dia. Para quê se casar se possui em casa tudo o que precisa?
Amália não acreditava no amor. A paixão para ela só existia no romance.
Através da opinião de Amália em relação ao casamento, Alencar expõe e critica a realidade da época, e daí a semelhança com Senhora. No entanto, como bom romântico, apesar de ser um inovador, é também, paradoxalmente, um conservador, pois logo leva sua protagonista ao amor e, consequentemente, ao casamento. Apesar da opinião de Amália ser contaminada pela leitura de romances realistas, ainda domina nela a ideologia romântica e, por isso se apaixona por Hermano. Isso ocorre quando é enlevada pela história do Dr. Teixeira, um amigo do viúvo, que conta da adoração e fidelidade do mesmo à esposa morta. Hermano também se apaixona por Amália e os dois se casam. A moça tão realista e irônica em suas opiniões queda-se em silêncio diante do amor. Não vai mais às festas como antes, sua luz se apaga nos salões e ela passa a viver somente para o homem que ama.
A visão de casamento como negócio, assim como é representada na sociedade onde a personagem Aurélia está inserida, também é retratada em Encarnação através preocupação dos pais, especialmente do pai de Amália, pois “sabia-se do desejo que tinha o capitalista de casar a filha” (ALENCAR, 2006b, p. 54):
O casamento nessa narrativa só é consumado ao final, pois Hermano e Amália terão que superar a morte de Julieta, que ronda a casa e parece estar entre o novo casal.

A morte
A narrativa gira em torno do tema da morte. Aliás, é importante notar a ironia que consiste no fato de esta obra ter sido publicada postumamente, estando a morte, portanto, no cerne de sua publicação. No tocante à narrativa em si, os protagonistas estão ligados à morte de uma maneira ou de outra. Trata-se da história de Hermano e Amália. Na verdade, o que se forma é um sombrio triângulo amoroso, constituído por Hermano, Amália e Julieta.
A morte na obra aparece na forma da perda do ser amado (no caso, Julieta), com a qual Hermano não consegue conviver. Ele fica em estado de letargia, só conseguindo sair disso com a ajuda de um amigo de infância, o Dr. Teixeira, que o leva para uma viagem a Paris.
É após a viagem que a morte se apresenta sob o aspecto fantasmagórico, tenebroso e sombrio. Hermano agora parece ver Julieta em todos os lugares onde eles costumavam ficar juntos, especialmente na casa de São Clemente onde moravam. Ele chega ao ponto de incitar comentários de conhecidos que julgam-no demente.
Julieta e Hermano possuíam uma ligação mais espiritual que carnal.
Até mesmo a ópera através da qual Hermano se aproxima de Julieta fala de morte. É a ópera Lucia de Lammermoor, de Donizetti, inspirada no romance de Walter Scott, intitulado A noiva de Lammermoor. Ela fala da morte como algo sombrio, fantasmagórico, e até profético.
A convicção expressa por Julieta de que ela e Hermano se casariam e ficariam unidos um ao outro eternamente, deixa nele uma impressão tão forte que faz com que não consiga se livrar da presença da esposa, mesmo depois de morta. O toucador que era dela é mantido intacto, mesmo depois de ele ter-se interessado por Amália, e estarem se preparando para contrair bodas. Isso é percebido por Amália quando visita a casa onde antes Hermano vivera com Julieta, e agora viveria com ela.
Além disso, Hermano e o empregado Abreu sentem a presença de Julieta na casa e ainda acreditam que ela ali reina de forma absoluta.

A casa
Cabe aqui uma reflexão sobre o espaço da casa de Hermano, espaço esse muito significativo para a narrativa e o seu fio condutor: a morte.  No caso de Hermano, aquela casa é o espaço onde ele realiza seu ideário de felicidade conjugal ao lado de Julieta, lá vivendo um mundo de devaneios. Depois da morte de Julieta, há uma presentificação dela na casa, com especial valorização dos aposentos dela, os quais fossilizam sua memória.
A descrição do quarto intacto de Julieta, mesmo após sua morte, é importante nessa narrativa. O aposento de Julieta fica trancado, mas Amália acaba conseguindo as chaves e abrindo-o, pois, como diz Bachelard, “toda fechadura é um convite para o arrombador”. (BACHELARD, 1993, p. 94).
Amália teve grande dificuldade em se fazer aceitar por Abreu como a nova senhora daquela casa.

Amor e morte
Em parte significativa da obra, temos a impressão de que a morte não havia separado o casal Hermano e Julieta, ou seja, é lançada a ideia de vida após a morte; a presença da esposa falecida continua na vida dos que permaneciam vivos. É a visão romântica de que o amor pode ser maior que a morte.
Amália e o processo de “encarnação”
A morte de Julieta também começa a afetar Amália e a ligá-la a essa mulher de maneira estranha ou até assustadora. Ela a considerava já como uma irmã sua; evocava a sua imagem; falava-lhe, e ficava contente por saber que a falecida havia inspirado ao marido aquele amor indelével.
Logo após seu casamento com Hermano, quando já haviam decorrido quinze dias, Amália se dá conta de que a sua consumação não ocorreria (não tinham relações sexuais). Conclui que sua vida seguiria esse curso porque Hermano não consegue deixar de sentir a presença da primeira esposa perto de si, em cada momento, e em todos os lugares. Então ela procura se parecer cada vez mais com a esposa morta, não só fisicamente, mas nos modos também. Tem início o processo de “encarnação” da figura da outra. Tanto se transforma na figura de Julieta, que conquista para si a mesma atenção e o carinho antes dispensados pelo criado Abreu à menina que vira nascer. E até Hermano se confunde, já não sabendo se aquela que ali estava agora era Julieta ou Amália.
É devido a essa circunstância que a ária Lucia faz conexão com a narrativa de Alencar, pois Hermano converte-se no marido de uma morta, já que Julieta parece ter tomado o corpo e a alma de Amália.
A transformação de Amália já era tão perfeita, que enganava Hermano e até o Abreu, sobretudo quando ela disfarçava com uma renda preta os seus lindos cabelos louros, ou mesmo os tingia com algum cosmético.

Morte como salvação: o suicídio
Hermano, ao perceber o que fizera ao casar-se com Amália sem ter deixado de amar a primeira esposa, acredita ter traído Julieta e enganado a segunda esposa. Logo, ele tem a ideia de suicidar-se, ou, como ele diz, deixar-se morrer. Por isso, deixa o gás ligado para que a casa se incendeie com ele dentro. Mas o ato não é consumado, Hermano não morre, é salvo por Amália, que já suspeitava do plano sinistro do marido.
O suicídio não chega a se consumar, mas a morte aqui é vista pelo protagonista como um meio de salvação. Com seu aniquilamento, ele resolveria todos os seus problemas, se reuniria à primeira esposa, e deixaria livre a segunda sem macular-lhe a vida com um casamento desfeito. Detendo o título de viúva, ela poderia casar-se novamente e ser feliz. A felicidade seria conseguida por todos através de seu suicídio. Essa ideia da morte como salvação é tipicamente romântica. Ela era vista no Romantismo como o único meio capaz de purificar e enobrecer o ser humano.

A morte: fogo destruidor e fogo libertador
O fogo nesse episódio é meio de suicídio e que traria a morte, mas que, ao final, trouxe a vida, a possibilidade de uma vida nova ao lado de Amália e também representada pela filha do casal que frutificou depois desse incêndio e aparece quando a narrativa é retomada, cinco anos depois.
Esse romance difere notavelmente dos outros devido ao teor fantasmagórico que permeia toda sua narrativa, que não está presente em outras obras do autor. Diferentemente dos demais textos do autor, esse pode ser classificado como pertencente ao gênero fantástico que reinou na literatura do século XIX, e onde a morte é um dos temas mais recorrentes.

GENÊRO FANTÁSTICO: Encarnação e o fantasmagórico
O protagonista de Encarnação apresenta reações e ações que, no decorrer da narrativa, causam estranheza e dúvidas sobre a ocorrência de fenômenos sobrenaturais na sua vida após a morte da primeira esposa. Também a casa e toda a ambientação da história traz um aspecto sombrio. Por isso, essa obra de Alencar é orientada com base no gênero fantástico.
Para Todorov (2004, p. 166), “o fantástico se fundamenta essencialmente numa hesitação do leitor – um leitor que se identifica com a personagem principal – quanto à natureza de um acontecimento estranho”.  Ou seja, o leitor, durante o exercício da leitura hesita em aceitar ou recusar os fenômenos da narrativa como sobrenaturais ou não: fica sempre a dúvida.

Encarnação: fantástico ou estranho?
Encarnação conta a história de um viúvo, Hermano, que se casa com uma segunda mulher, Amália, sem conseguir esquecer-se da primeira, Julieta. Esse triângulo amoroso tende ao sobrenatural, pois o espectro da mulher morta parece estar por toda a casa e, consequentemente, entre o novo casal, atrapalhando-lhes a convivência feliz.
Esse romance difere muito dos outros pelo seu aspecto tenebroso, cheio de prenúncios e presságios.  Amália, por exemplo, tem seu pressentimento com relação ao casamento com Hermano, pouco antes do grande dia. E o casal realmente não é feliz nos primeiros meses de sua união, Hermano não toma Amália como sua verdadeira esposa, a relação íntima entre marido e mulher não se realiza.
Muito antes do segundo casamento, nos recuados dias em que Hermano pede Julieta em casamento, outro trecho prenuncia um futuro sinistro, que parece se concretizar. Trata-se do diálogo entre Hermano e Julieta quando ele a pede em casamento, e a jovem expressa sua opinião a respeito dessa instituição, afirmando que para ela no casamento o marido lhe pertenceria de corpo e alma eternamente.
Isso realmente acontece, visto que a presença de Julieta impregna toda a casa e domina o espírito do marido, tomando conta de seus sentimentos e interpondo-se no seu relacionamento com a segunda esposa, concretizando, assim, o “eternamente”. Amália sente a intromissão.
Há outro trecho também significativo entre Hermano e Julieta, quando falam sobre a vinda de um filho, e, logo em seguida ocorre a morte de Julieta.
Hermano mostra-se como um homem estranho, de hábitos Quando Hermano retorna de sua viagem a Paris, depois da morte de Julieta, traz consigo uns caixões. Sua esquisitice torna-se ainda maior aos olhos do leitor quando descobre que esses caixotes carregam duas figuras de cera, feitas à imagem de Julieta e eram um simulacro dela. Hermano mandou fazê-las depois de sua viagem com o amigo Teixeira até o Louvre, onde ficou embevecido com uma pintura. No toucador de Julieta estava uma estátua à mesa de charão, e outra, recostada no sofá. Ambas refletiam gestos que anteriormente fizeram parte do dia-a-dia dela. Apesar disso, Amália mesma pôde constatar, através da equiparação com o retrato de Julieta, que essas estátuas não se igualavam realmente a sua verdadeira aparência.

Outras características românticas
Encarnação também está cheia de antíteses, que é uma característica própria do Romantismo:
normalidade x doença,
espiritualidade x materialismo,
presente x passado,
morte x vida,
 bem x mal.
Amália representa a normalidade, e Hermano, a doença; Julieta, a espiritualidade, e Amália, o realidade; Amália, o presente, e Julieta, o passado. Mas essas antíteses não distanciam, e sim acabam aproximando o casal. Amália sente-se atraída por essa “doença” de Hermano, porém com a incumbência de curá-lo. Ela também é uma admiradora de Julieta, essa mulher que inspirou tanta devoção ao marido, e é grande a confluência do passado com o presente durante toda a narrativa.
A antítese morte x vida é predominante na obra, pois toda a narrativa gira em torno da morte, que acompanha a vida de Hermano e que passará a fazer parte da vida de Amália. Juntamente com a morte, está também a vida, representada por Amália, cujo papel será o de tirar seu amado do mundo dos mortos e trazê-lo novamente para o
dos vivos. É o tema do amor que salva, tão presente no Romantismo e nas obras alencarianas. Ele está ligado também ao da morte, que é recorrente na literatura fantástica.
O espectro da esposa morta, que parece rondar o protagonista de Encarnação, é característico das narrativas que exploram o insólito, o sobrenatural. Vimos, através de trechos da obra, que Hermano parece vislumbrar a primeira esposa nos momentos mais inesperados.
O tema da morte é frequente nas narrativas fantásticas, tanto quanto os fantasmas e os duplos. Notamos que Amália acredita na presença do espírito de Julieta rondando a casa e seu marido, tanto que se revolta contra isso.
O primeiro sentimento de Amália, depois da surpresa que lhe causara esse fato foi a revolta contra o império que exercia a lembrança de Julieta no ânimo do marido, e a fraqueza desse homem que se deixara subjugar àquele ponto. Essa dominação da esposa morta sobre Hermano fica clara desde o início da narrativa. Quando ele se decide a pedir a mão de Amália ao pai dela, recua diante do sentimento em relação à Julieta, que se apodera dele naquele momento. Tanto que, depois de casado, julga ter traído a primeira esposa e enganado a segunda.
Hermano esperou, com a emoção que assalta todo homem de caráter ao tomar tão grande responsabilidade. Não era a primeira vez que tinha essa emoção. Lembrou-se do momento em que pedira a mão de Julieta. O passado, que parecia morto, ressurgiu e apoderou-se dele.
O ponto culminante dessa narrativa fantástica em que a dúvida sobre a aparição fantasmagórica da primeira esposa perpassa toda a história, acontece quando Hermano põe em prática seu plano de se matar, ou melhor, de “deixar-se morrer”. Ele abre o gás e isso faz com que a casa se incendeie. Ele está no toucador que pertencera a Julieta, e a vê em visão, travando um diálogo com ela.  No início desse momento da narrativa, ficamos em dúvida se o que acontece é realmente um fato sobrenatural ou somente o delírio de um homem desnorteado por ter inalado o gás que deixou correr pelo ambiente. Depois achamos que é muito vívida a imagem e o diálogo com a esposa morta e que toda essa cena fantasmagórica realmente está acontecendo, é justamente nesse instante que a narrativa é interrompida para enfocar o incêndio causado por Hermano na casa.
Daí também a presença do fogo, que aparece na obra como um elemento purificador. É bem pertinente o tema da morte ligado ao fogo, visto que Encarnação está inserida no período de nossa literatura em que esses temas predominam.
É o fogo, visto como aquele que tudo purifica que será capaz de acabar de vez com o espaço da casa que tanto presentifica a figura de Julieta, e trazer a salvação e o reavivamento de Hermano para o amor de Amália. Amália é o amor que salva, mas o fogo tem que purificar aquele espaço para que esse amor possa florescer sobre essas cinzas.
Quando a narrativa é retomada, no capítulo seguinte, já decorreram cinco anos a partir do incêndio, e é relatada a volta de Amália e Hermano ao lar destruído e “purificado” pelo fogo. Através de um diálogo travado entre Amália e Hermano, ao contemplarem a casa destruída pelo fogo, é dada ao leitor a explicação de como tudo ocorreu.
Há algo de intensamente simbólico naquele incêndio: o meio de suicídio que Hermano imaginara para si, meio de morte, mas que se tornará possibilidade de uma nova vida. É por isso que o romance não acaba com o incêndio. Após a vitória do amor invencível, simbolizado pelo fogo, há um salto de cinco anos na narrativa, e conheceremos seu fruto: a meninazinha de quatro anos, bela como Amália, mas de olhos e cabelos castanhos como Hermano, como Julieta: é Julieta reencarnada, a filha do casal. Mas há outra possibilidade de compreensão: trata-se do amor como encarnação, primeiramente na pessoa de Julieta, depois nas pinturas e estátuas que Hermano viu e mandou confeccionar. Finalmente ele encarna esse ideário do amor em Amália, e é ela mesma que chega a essa conclusão quando encontra as imagens de cera nos aposentos de Julieta.
Assim termina a narrativa do romance, deixando a dúvida sobre a ocorrência ou não do sobrenatural, remetendo-nos à hesitação (dúvida) do leitor presente no gênero fantástico: Hermano realmente via Julieta ou era apenas alucinação? Era Julieta, filha do casal, a encarnação da primeira Julieta, esposa morta?


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