Antônio Frederico de CASTRO ALVES
Nasceu, em 1847, na fazenda Cabaceiras, município de
Muritiva, BA, e faleceu em Salvador em 1871, de tuberculose. Depois dos estudos
preparatórios em Salvador, vai, em 1862, para Recife em cuja Faculdade de
Direito ingressa em 1864, sendo colega do líder estudantil Tobias Barreto.
Reforça a incipiente campanha liberal-abolicionista. Não se destaca pela
aplicação aos estudos. Faz-se orador e poeta.
Em 1868 chega a São Paulo, acompanhando a atriz
Eugênia Câmara com quem vivia desde Recife. Em São Paulo torna-se aclamado
orador e poeta.
Numa caçada nos arredores de São Paulo, fere o
calcanhar esquerdo. Sobrevém a gangrena. Amputam-lhe o pé. Ferido em sua
vaidade e já tuberculose, volta à Bahia, em 1869, certo já de sua morte
próxima.
OBRAS: Espumas flutuantes (1870), A Cachoeira de
Paulo Afonso (1876), Os Escravos (1883), Gonzaga ou A Revolução de Minas (
drama encenado na Bahia em 1867).
A terceira fase romântica é marcada
por uma poesia de acentuado compromisso social. Denominada poesia condoreira, tem como símbolo o condor, cujo sentido é a
liberdade de expressão e de linguagem. Victor Hugo foi o poeta francês que mais
influenciou esta geração cuja poesia entra num processo de universalização,
isto é, procura expressar a realidade de um grupo social.
Assim, seja por imitação dos padrões
europeus, seja por simples entusiasmo romântico, o fato é que a poesia
brasileira de caráter social restaurou sua identidade com o povo, anunciando o
novo na vida nacional. Trata-se, portanto, de uma época de transição em que
surge uma literatura preocupada com a
denúncia social.
Castro Alves foi o mais importante
representante da poesia condoreira no Brasil. Seus poemas sociais tratam de
questões como a crença no progresso e na
educação como forma de aprimoramento social, da República e, principalmente, o
fim da escravidão negra. O tom vigoroso, a ressonância de seus versos, a
indignação e a expressividade são elementos que consagraram o “poeta dos
escravos”.
O navio negreiro – Tragédia no mar
“O navio negreiro” (ou “Tragédia no
mar”), inserido na obra Os Escravos,
é um dos poemas mais famosos de Castro Alves. Quando foi composto, em 1868, o
tráfico de escravos já estava proibido no país; contudo, a escravidão e seus
efeitos persistiram. Para denunciar a condição miserável e desumana dos
escravos, o poeta valeu-se do drama dos negros em sua travessia da África para
o Brasil.
Estrutura da obra:
Dividido em seis partes ( com alternância métrica variada
para obter o efeito rítmico desejado em cada situação retratada), é apresentado
da seguinte forma:
na primeira parte, o eu lírico
limita-se a descrever a atmosfera calma que sugere beleza e tranquilidade; na
segunda parte, descreve marinheiros de várias nacionalidades, caracterizando-os
como valentes, nobres e corajosos; na terceira parte, o eu lírico introduz a
verdadeira intenção do poema – a denúncia do tráfico de escravos, através de
expressões indignadas.
Na quarta parte, o eu lírico passa a
descrever, com detalhes, os horrores e castigos de um navio de escravos.
Na quinta parte, ele invoca os
elementos da natureza para que destruam o navio e acabem com os horrores que
mancham a beleza do mar, destacando a vida livre dos negros na África e a
escravidão a que são reduzidos no navio.
Finalmente, na sexta parte, ele
indica a nacionalidade (brasileira), invocando os heróis do Novo Mundo, para
que eles, por terem aberto novos horizontes, possam acabar com a infâmia da
escravidão.
A parte mais dramática (a parte IV) é
a descrição do que se via no interior de um navio negreiro. Note a capacidade
de Castro Alves em nos fazer “ver” a cena, como se estivéssemos em uma montagem
teatral: o tombadilho do navio transformado em um palco infernal. O quadro é
horroroso, a descrição é crua e a cena revoltante. A repetição da terceira
estrofe no final dá-lhe uma natureza de refrão.
Outro dado interessante é o emprego
que o poeta faz da linguagem, trabalhando ora os adjetivos para descrever com
mais expressividade o cenário e o elemento humano, ora os verbos para reforçar
o dinamismo do “balé”. A grandiloquência vem com toda com toda força, onde o
exagero cumpre, sem dúvida, a função de emocionar ( passa a focalizar o drama
que é o fulcro do poema).
Logo no início, o eu lírico compara o
navio negreiro a um “sonho dantesco”. Com essa expressão, faz referência às
terríveis cenas descritas pelo escritor italiano Dante Alighieri, em “O
inferno”, parte da obra A divina comédia.
Horroriza-se com a situação infame e vil dos negros no tombadilho (as
correntes, o chicote, a multidão, o sofrimento, a “dança”macabra). O ritmo nos
é dado por algumas palavras especiais de acentuada sonoridade (“tinir”,
“estalar”, por exemplo).
Repare na imagem das “Negras
mulheres”: não há mais leite para alimentar as “magras crianças” (somente
sangue) e, por citar as “tetas”, faz-se analogia a um mero animal. Ao descrever
as moças nuas (condição de ausência de proteção) espantadas, arrastadas em meio
à multidão de negros esquálidos (magros), o eu lírico apela para que o leitor
sinta piedade pelo sofrimento do ser humano (piedade cristã). As reticências
conduzem à reflexão, à intensidade da dramaticidade diante da situação
condenável, horrenda.
Há reincidente uso de imagens que
sugerem desespero, sofrimento e dor. A exposição do velho arquejando (desumanização),
acompanhado do chicote ( a serpente que “faz doudas espirais”), assemelha-se a
de um animal, que acompanha a “orquestra”( os marinheiros aparecem
representados pela orquestra que comanda a dança) sem reclamar… E essa
“tragédia” se completa quando essa “multidão faminta”, que sofre sem cessar,
geme de dor, chora e delira… Enfraquecidos, eles enlouquecem.
A cena é de uma crueldade atroz, já
que, para se divertir, os marinheiros surram os negros. Repare no efeito
expressivo da antítese que contrapõe o céu puro sobre o mar e a figura do
capitão (regente da orquestra) cercado de fumaça. Ela estabelece o contraste
entre a natureza como obra divina e a escravidão como obra demoníaca.
Depois de apresentar o navio como uma
visão dantesca, uma figura diabólica (que também aparece no final da obra “A
divina comédia”) é utilizada para o desfecho da última estrofe, finalizando a
quarta parte do poema. O eu lírico ressalta o prazer (novamente exposto pelo
verbo “rir”) daqueles que torturam (uma orquestra irônica, estridente)em
oposição ao sofrimento dos escravos (um trágico balé dançado) para deleite de
Satanás.
Observe algumas figuras de linguagem em destaque no poema:
Metáfora
“Era um sonho dantesco” (referência às cenas horríveis descritas por de Dante Alighieri no “Inferno” de sua Divina Comédia),
“ a serpente faz doudas espirais…”( a serpente seria o chicote usado pelos marinheiros),
“Era um sonho dantesco” (referência às cenas horríveis descritas por de Dante Alighieri no “Inferno” de sua Divina Comédia),
“ a serpente faz doudas espirais…”( a serpente seria o chicote usado pelos marinheiros),
“E ri-se a orquestra irônica”( a
expressão caracteriza os marinheiros que comandam a dança).
Hipérbato
“Que das luzernas avermelha o brilho”( a ordem direta seria: Que o brilho das luzenas avermelha).
“Que das luzernas avermelha o brilho”( a ordem direta seria: Que o brilho das luzenas avermelha).
Comparação
“Legiões de homens negros como a noite”.
“Legiões de homens negros como a noite”.
Hipérbole
“No turbilhão de espectros arrastadas”,
“No turbilhão de espectros arrastadas”,
“sangue a se banhar”
Metonímia
“O chicote estala”.
“O chicote estala”.
A canção do africano, Castro Alves
Além de “O navio negreiro”, outro poema
que retrata a vida, o costume, o desejo, os castigos, a vida dos escravos
africanos é “Canção da Africano”:
1ª estrofe:
Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em prantos
Saudades de seu torrão...
Nessa primeira estrofe, o eu lírico relata
a respeito de uma negra africana, que, estando sentada na senzala, cantava uma
música que lembra sua terra. Ao cantar ela chora.
2ª estrofe:
De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez para não o escutar!
Na senzala, os negros sentavam-se no
chão, e a negra, a quem o autor se refere, está ao lado com o filho dela no
colo. Eles ouvem a música cantada e o filho esconde, justamente para não escutar,
pois a música o lembra a terra onde eles moravam e eram livres.
3ª estrofe:
“minha terra é lá bem longe,
Das bandas onde o sol vem;
Está terra é mais bonita,
Mas a outra é que eu quero bem!
Nessa estrofe e nas próximas, o autor
repete a música citada na 1ª e na 2ª estrofe. A letra dessa canção nos deixa
perceber a saudade da terra natal. Nesse primeiro verso da música, dizem que a
terra de onde vêm (África) é longe, e a compara com o local onde o sol nasce.
As terras brasileiras são belas, no entanto, os negros desejam o lugar onde
eram livres, no caso a África.
4ª e 5ª estrofe:
“ o sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda areia;
Ninguém sabe como é belo
Ver a tarde o papa-ceia!
“Aquelas terras tão grandes,
Tão cumpridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar...
Esses versos da música ressaltam as
belezas naturais da África, que apesar de ser uma terra que possui certos
lugares com clima muito quente, também tem belezas naturais, como exemplo a
referência ao papa-ceia, ave típica e muito bonita de lá; sua beleza é
comparada a de um sabiá aqui do Brasil. Citam também que lá as terras são
grandes e as comparam com o mar, uma oposição ao local onde estão que é pequeno
e apertado: a senzala.
6º estrofe:
“lá todos visem felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
como aqui só por dinheiro.”
É notável a saudade que os escravos
sentiam de sua terra natal, segundo Castro Alves. Nela percebemos a liberdade
deles antes de se tornarem escravos e ao mesmo tempo o único motivo que os
trazem aqui, a ganância dos senhores que os escravizavam.
7ª estrofe:
O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Para não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!
Aqui ocorre a retomada do tema, onde
o autor nos diz que após acabar a música todos na senzala se calam, pois já é
tarde. Essa referência de tempo percebe-se por meio da expressão “O fogo estava
a se apagar”.
8ª estrofe:
A escrava então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Tinha sido surrado,
Pois bastava escravo ser.
Ênfase aos castigos sofridos pelos
escravos: eles deviam levantar cedo “Bem antes do sol nascer” porque, se não,
eram espancados: “Tinha de ser surrado pois bastava escravo ser”.
9ª estrofe:
E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo!
Os escravos nunca perderam as
esperanças, em prova disso ele apresenta esse trecho: “ E põe-se triste a
beija-lo, /Talvez temendo que o dono, /Não viesse, em meio do sono, /De seus
braços arranca-lo!”. A mãe beija o filho, esperando que o dono, talvez naquela
noite, não tirasse o menino de seus braços, já que os filhos escravos não
ficavam junto a família durante toda a noite.