Crônica ótima do Mário Prata. Vale a pena ler!
A frase que dá título a esta crônica é do Shakespeare. Word, word, word, já dizia Hamlet meio século atrás, lá na Dinamarca, onde havia algo de podre.
E começo com as palavras dele esta bobagera, ao receber da Editora Objetiva o dicionário do Houaiss. Onde, aliás, não existe o verbete Aurélio. Mas tem 63 mil palavras a mais do que o supracitado Aurélio.
Sei que o Verissimo já tergiversou aqui no sábado sobre o calhamaço. E fê-lo (me desculpe!) muito bem.
Adoro dicionário. Adoro as palavras. Trabalho com eles, vivo delas. Procuro palavras exatas para a hora certa. Bisbilhoto dicionários. São meu ganha-pão (esta palavra, por exemplo, está nos dois dicionários).
Minha paixão pelos dicionários começou quando descobri - com uns 8 anos - que lá tinha palavrão. Todos. Aquilo, na minha turma da Rua Oswaldo Cruz, lá em Lins, foi uma loucura. Nossa vida nunca mais seria a mesma. Estavam todos lá. E mais, com sinônimos. Centenas, milhares de palavrões. Com a explicaçãozinha e tudo. Pornografia pura e impressa. Um masturbatório deleite.
E gosto também de inventar palavras. Já inventei três. Mas os dicionaristas ainda não as incluíram no corriqueiro da língua pátria.
A primeira, foi em 1982: homoternurismo. Eu precisava explicar a relação entre dois homens na minha peça Besame Mucho. Era uma relação de amor, mas sem sexo. Essas amizades que duram para a vida toda. Que vem lá da infância. Tem gente que acha que isso é coisa de veado, mas não é não. Tenho várias relações de homoternurismo pelo mundo afora.
Depois, ao sentir que estava chegando a velhice, inventei a palavra envelhescência para me justificar. Ou seja, entre a maturidade e a velhice, existe a envelhescência. É onde me encontro agora, entre os 50 e os 70. Esta palavra pegou bem na boca dos psicanalistas. Outro dia vi um deles a usando na televisão com a maior naturalidade, sem dar a fonte. Claro que ele era um envelhescente. O envelhescente é muito parecido com o adolescente. Mas isso é outra crônica e deixa pra lá. Está no meu último livro Minhas Tudo.
A terceira palavra eu ainda não inventei, para falar a verdade. Mas vou inventar. É que, daqui a cinco anos, se eu ainda não tiver inventado uma palavra nova, vou me tornar em sexagenário. Sexagenário, não! Posso ser tudo, mas esta palavra, não! É horrorosa. Fulano é um sexagenário!, é um xingamento. Não sei por que, mas me lembra broxa, um cara que não tem mais sexo. Um fim de linha, mesmo.
Tenho pensando numa nova palavra. Para começar a usar agora e quando eu chegar lá, ela já estar bem difundida. Sessentinha, pensei. Mas não soa bem. É um pouco gay, também. Sessentão é muito machista, dirão as meninas.
A nova palavra tem de ter um charme, um quê, um buquê. O Jabor, por exemplo, fez 60 anos outro dia. Ele é tudo, menos um sexagenário. Você olha para a cara do Jabor e vê, percebe, sente que ele não é um sexagenário. Um homem como ele, bonito, inteligente, alto daquele jeito, com aquela mulher ao lado, não pode ser um sexagenário. Na minha cabeça, sexagenário é baixinho, barrigudinho e encurvado. E tem mau hálito. E o Jabor perfuma o lugar onde entra. Definitivamente meus amigos com 60 (o Tenório de Oliveira Lima é outro) não são sexagenários. Amigo meu, jamais! E muito menos eu! No ano que vem, olhe bem na cara do Caetano Veloso. Duvido que você o chame de sexagenário. Aquilo é, no máximo, um quarentão bem esticado.
Já septuagenário e octogenário eu gosto. São palavras adultas, fortes, masculinas e sonoras. Se eu chegar lá, vou me orgulhar. Mario Prata, octogenário da silva. Beleza.
Mas sexagenário a minha geração não assume. Vamos todos, colegas, numa frente ampla, procurar uma palavra mais nossa, menos velha. Quem sabe um dia o Aurélio e o Houaiss não tirem essa bobagem do dicionário deles.
Pensei agora em sexenvelhescente. Não, uma bobagem. Parece fim de linha também. Me ajude aí. Me mande uma colaboração. Mas mande logo, antes que eu chegue lá.