24 de abr. de 2010

Republicação: Movimento BARROCO

Esse vídeo remete a MUITAS coisas do estilo de época que o Barroco é: a representação do ser humano como algo impotente em relação ao mundo (ele é uma criança, um bebê), e que, submetido às intenções divinas (a asa de anjo que vem do alto), passa por uma fragmentação na sua própria identidade (mente - espírito - e corpo se separam, sendo o destino deste sofrer). Com essa fragmentação, o corpo é jogado ao inferno (e lá o movimento dos corpos sem cabeça praticando sexo mostram a associação que se faz entre sexo e pecado) e a cabeça - símbolo do espírito e da mente - é alçada ao céu, onde se cristaliza, torna-se eterna. Perceba, também, que nesta eternidade, a expressão dos anjinhos que se formam no céu é infeliz, sofrida, retorcida. Essa infelicidade é marcante no Barroco, visto que em sua visão de mundo o destino do homem é o sofrimento, sofrimento que vem de sua condição frágil e passageira na Terra. Ao contrário do Classicismo, movimento anterior, o Barroco é teocêntrico. Ele não acredita mais no poder humano de dirigir a própria vida, mas sim no fato de o ser humano estar submisso a uma entidade maior, que o controla por completo: Deus.
Esse modo de ver o mundo, profundamente pessimista, não é só fruto da revisão que o Barroco faz dos princípios do Classicismo. Ele também se coordena com o momento histórico que se vive na Europa e no Brasil. O Barroco coincide com o acirramento da Contra-Reforma em todos os países de maioria católica (Espanha e Portugal, principalmente, e também a Itália). Esse acirramento promoveu um sentimento de histeria coletiva profunda. Havia um policiamento ideológico e cultural tão fortes que as pessoas o tempo todo se policiavam para não cometerem atos que pudessem levar a uma denúncia ao Tribunal do Santo Ofício (conhecido também como Santa Inquisição). Era um período em que tudo o que se falasse e fizesse, em público ou na vida privada poderia ser usado contra as pessoas no tribunal. E até levar à condenção à morte.
Esse pessimismo, essa infelicidade, esse policiamento religioso vão resultar, na arte, numa fascinação pelo grotesco, característica que chamamos de feísmo. É uma característica do vídeo também: ver aquela degolação do bebê e o corpo cair, sem cabeça, engolido pela terra e, por fim, pilhas de corpos sem cabeça praticando sexo é uma coisa muito bizarra. Outra consequência é a angústia diante da vida, da inconstância das coisas que nos cercam, da inconstância do próprio homem, que está destinado a morrer. E, por fim, mais uma, que se nota particularmente no plano da linguagem, é a tensão das coisas do mundo em planos opostos.
Como assim? É o seguinte. O homem barroco, como qualquer outro, quer ser feliz. Não pense nele como um emo deprimido que adora chorar. Não, ele quer aproveitar o corpo, os prazeres mundanos, acreditar no poder do homem. Mas por uma questão religiosa, ele tem uma noção de que esses elementos são falsos. O corpo e os prazeres que ele pode dar são passageiros e levarão à perdição da alma, porque estão ligados ao pecado. Para salvar-se, o homem precisa valorizar o que está ligado à vida eterna, ao espírito. Então ele tenta conciliar estas duas dimensões, corpo e espírito, e aquilo que estará associado a elas: efêmero e eterno, pecado e salvação, inferno e paraíso. Tenta, mas não consegue resolver isso de forma satisfatória. Ou ele se resolve pela salvação (abandonando a realidade do corpo), ou demonstra sua insatisfação pelo fato de as coisas serem instáveis.
Por isso, no plano da linguagem, o movimento Barroco vai usar (e abusar) do uso da antítese, do paradoxo e de uma outra figura de linguagem: o hipérbato. Já que a existência dele é polarizada em coisas opostas, ele vai demonstrar isso através da oposição de idéias (antítese) e da criação de uma realidade contraditória e ilógica, em que as coisas opostas convivem ao mesmo tempo no mesmo ser (paradoxo). Assim ele assinala os conflitos da existência humana no plano da linguagem. E para mostar como é difícil para ele entender e organizar as impressões que ele tem deste mundo que o cerca, tão contraditório a si mesmo, ele usa o hipérbato, que consiste na inversão dos termos que formam uma oração.
Não entendeu o hipérbato? Lembre do Hino Nacional. Tente cantar os primeiros versos em ordem direta: "As margens plácidas do Ipiranga ouviram / O brado retumbante de um povo heróico". Sem ritmo, não é? É, é que além de demonstrar essa dificuldade de organização do mundo ao redor (esse é um uso particular do movimento Barroco) a inversão, ou hipérbato, auxiliam a manter o ritmo e a musicalidade de um texto, garantindo sua métrica e sua rima, por exemplo.

http://literarizando.blogspot.com/2008/05/barroco-pessimismo-e-religiosidade.html

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