•1903 - Nasce em Brodósqui, no Estado de São Paulo. Filho de
imigrantes italianos. Cursa apenas o curso primário.
•1918 - Vai para o Rio e, na Escola Nacional de Belas-Artes,
estuda pintura.
•1929-1931
- Temporada em Paris.
•1931 - Volta renovado, com mudança na estética das obras,
valorizando mais as cores e a ideia da obra.Retrata o povo
brasileiro nas suas telas.
•1936 - Painéis no Monumento Rodoviário, na Via Dutra;
afrescos do MEC (Rio), temática social,
que será o fio condutor de toda a sua obra a partir de então.
•1943 - Executa oito painéis conhecidos como Série Bíblica,
com influência picassiana de “Guernica”
e sob o impacto da Segunda Guerra Mundial.
•No final da década de
quarenta deixa de lado a dramaticidade expressiva e a temática social e busca temas históricos através da
afirmação do muralismo.
•MURALISMO: arte e técnica da pintura ou da composição de
murais. Corrente artística do século XX caracterizada pela execução de grandes
pinturas murais sobre temas populares ou de propaganda nacional.
•1948 - Portinari se autoexila no
Uruguai, por motivos políticos, onde pinta o painel “A Primeira Missa no
Brasil”. Dá início à exploração dos temas históricos através da afirmação do
muralismo.
•1949 - Grande painel “Tiradentes”, episódios do julgamento e
execução do herói brasileiro. Por este trabalho recebeu, em 1950, a Medalha de
Ouro do júri do Prêmio Internacional da Paz
(Varsóvia).
•1952 - Painel com temática histórica:” A Chegada da Família
Real Portuguesa à Bahia”, e esboços dos painéis “Guerra e Paz”, de 14m x 10m
cada, doados pelo governo brasileiro à
sede da ONU.
•1954 - Realiza o painel “Descobrimento do Brasil”. Tem
sintomas de intoxicação por tintas.
•1961 - O pintor tem diversas recaídas da doença que o atacara
em 1954 - a intoxicação pelas tintas.
• 1962 - Tendo produzido
cerca de cinco mil obras, Cândido Portinari falece no dia 6 de fevereiro,
vítima de intoxicação pelas tintas que utilizava.
Característica
da produção de Candido Portinari
•Forte influência cubista: uso de figuras geométricas;
geometrização das formas.
•Deformação geométrica das pessoas.
•Uso de tons mais escuros.
•Expressionismo: sua
produção exprime a crueza da realidade dos brasileiros. Sua abordagem é
realista, não idealiza a condição dos sofrimentos do homem nascido aqui. A
miséria, a fome e também a revisão crítica da história da pátria compõem sua
obra.
•Valorização da cultura brasileira ao tematizar o brasileiro e
sua condição de lutador frente às dificuldades do viver.
•Retrato dos tipos humanos do Brasil: do trabalhador braçal ao
sofredor nordestino.
•Temática social.
Na "Primeira missa"
•Revisão
crítica da história brasileira: ao tematizar a “primeira
missa”, Portinari “apaga” a presença do índio, tal como a aculturação fez com o
nativo. Na perspectiva de Portinari, a primeira missa não fora oferecida a
todos, mas apenas a uma elite dominante formada por religiosos, comerciantes e
integrantes da coroa portuguesa.
•O tema está retratado com uma criticidade tipicamente
moderna, diferente do que acontece na produção de Victor Meirelles. O cenário
apresentado é artificial, pouco natural, o que denota a pouca reverência
religiosa da tela. No centro, uma grande caixa representa o altar, mas não há ali
uma figura explícita que remonte à cruz católica, a não ser a da bandeirola,
posta de lado, que sugere mais uma representação de um símbolo militar, já que
o militarismo está presente na produção. Portinari dispõe em grupos frades,
fidalgos, marujos e soldados.
•Não há presença de vegetação ou qualquer alusão à flora e
fauna brasileira.
Comparando
as telas: Victor Meirelles e Cândido Portinari
Enquanto a versão de Vitor Meirelles [era] nitidamente
naturalística, subordinada à realidade histórica, a detalhes pitorescos da
natureza, com índios espantados em volta (…) em Portinari, essa suposta
realidade histórica não existe. Tampouco se preocupa ele com as descrições da
carta de Pero Vaz, com o pitoresco (natureza exuberante) intrínseco à cena,
paisagens e personagens coloridas, mataria tropical densa, selvagens nus ou
seminus, de cocares e penas, bichos.
A CARTA DE CAMINHA: O ENCONTRO ENTRE COLONIZADOR E
COLONIZADOS
Os portugueses chegaram ao Brasil em suas
expedições no dia 22 de abril, do ano de 1500. Logo avistaram um monte – o qual
foi denominado Monte Pascoal –, depois seguiram para um lugar mais reservado no
sul da Bahia, em Porto Seguro, mais especificamente na praia da Coroa Vermelha.
Foi ali onde se realizou aprimeira missa no Brasil.
A primeira missa brasileira foi realizada pelofrei Henrique de Coimbracom a ajuda de seus assistentes, poucos dias após odescobrimento do Brasil, em 26 de abril. Nela estavam presentes
portugueses e índios da região. Existem poucos relatos sobre o desenrolar dessa
missa, mas, pelo que se sabe, foi uma cerimônia consideravelmente fácil. Os
índios por natureza eram ligados a certos tipos de rituais, assim, facilitaram
o processo de realização da missa. Conta-se também que os índios ao verem os
portugueses em seus preparativos, talhando a madeira com ferramentas de ferro,
ficaram surpreendidos e admirados.
A PRIMEIRA MISSA
Pero Vaz de Caminha, escrivão mais
notório da esquadra portuguesa, narrou em sua carta ao rei de Portugal alguns
de seus pontos de vista, além de relatos sobre a primeira missa. Depois de
quarenta e sete dias de viagem pelo mar, todos os preparativos para a missa
encontravam-se terminados. À frente da missa estava o frei, oito missionários e
franciscanos, além de alguns sacerdotes. Um altar foi erguido, e nele, o
capitão Pedro Álvares Cabral portando “a bandeira de Cristo” convocou seus marinheiros, oficiais e subalternos, que
totalizavam mil homens, todos armados à maneira europeia. Da praia do
continente,
cerca de duzentos
índios acompanhavam atentamente a missa que se passava naquela ilha, a qual foi
“ouvida por todos com muito prazer e devoção”.
Caminha também faz
esta citação: “E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos
todos em pé, com as mãos levantadas, eles (os índios) se levantaram conosco e
alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado: e então tornaram-se a assentar
como nós… e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez
muita devoção.”
A MISSA E A CATEQUIZAÇÃO
Ao terminar a
missa, o sacerdote subiu em uma cadeira alta e fez uma “solene e proveitosa pregação”, onde foi narrada a vinda
dos portugueses. Com a concretização da missa, acreditava-se que a ideia de uma
futura catequização dos indígenas não seria algo difícil, pois
estes, conforme relatos de Caminha, foram muito respeitosos durante a
cerimônia, assim, apenas bastaria uma seleção de bons padres e a conversão dos
índios ao catolicismo seria possível.
INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A TELA E A CAPTURA
DO MOMENTO HISTÓRICO
-
Quatro dias depois da chegada de Pedro
Álvares Cabral no Brasil, exatamente num domingo de páscoa, foi celebrada a
primeira missa no Brasil pelo
Frei Henrique Soares
Coimbra em Porto Seguro na Bahia. A missa foi retratada pelo pintor Victor
Meirelles (1832-1903), irmão do também pintor Aurélio de Figueiredo, autor da
tela acima. O pensamento cristão dominante está representado pela cruz, em
paralelo a aceitação e curiosidade indígena demonstrado na tela.
Sobre
o autor: Victor Meirelles
-
O autor da “Primeira Missa no Brasil” nasceu em Desterro, atual Florianópolis,
capital do Estado de Santa Catarina, em agosto de 1832, na casa atualmente
transformada em museu e na rua que hoje leva o seu nome.
-
A pintura foi produzida em Paris, durante a longa viagem de estudos do artista
(1853–1861) como bolsista da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de
Janeiro.
-
Tentativa de retratar o país e sua cultura.
-
Projeto civilizatório: Família Real no Brasil - 1808
-
1816 – Missão Artística Francesa no Brasil: objetivo: desenvolver a cultura
artística no Brasil. Esse fato se consolidou mais tarde, em 1826, com a criação
da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro.
-
1822 – Independência do Brasil: necessidade de construção de uma identidade
nacional.
-
Referência ao descobrimento do país
-
Identidade brasileira associada ao catolicismo
INTERTEXTUALIDADE: “Lê Caminha, pinta e então caminha”: CConselho
dado por Manuel Araújo Porto-Alegre, diretor da academia de Belas Artes do
Brasil produzida após a leitura da Carta
do Achamento, de Pero Vaz de Caminha.
-
Nativismo; uso de cores vivas.
-
Presença do nativo brasileiro, indígena.
-
Portugueses posicionados ao lado direito da tela, ao lado do mar. Ideia de
invasão, mesmo com a ausência de atos violentos (trata-se de uma invasão
cultural).
-
Polarização na tela: desencontro, mundos antagônicos.
-
Perfeição na representação do corpo
humano.
- Predominância da cultura portuguesa: catolicismo.
-
Cruz no centro: imposição religiosa,
aculturação indígena.
-
Índios: descontraídos, curiosos e
irreverentes.
-
Imposição X conversão
Victor
Meirelles: o pintor e sua colaboração no projeto de construção nacional
O
autor da “Primeira Missa no Brasil” nasceu em Desterro, atual Florianópolis,
capital do Estado de Santa Catarina, em agosto de 1832, na casa atualmente
transformada em museu e na rua que hoje leva o seu nome. Seu interesse precoce
pela aprendizagem do ofício de pintar, habilidade que começou a desenvolver
quando ainda era menino e vivia em sua ilha natal, fez com que, aos 14 anos incompletos, fosse conduzido ao Rio de Janeiro para integrar o grupo de estudantes da
Imperial Academia de Belas Artes, onde iniciou uma trajetória de estudos que o
levou ao Prêmio de Viagem à Europa, nos principais centros artísticos de então,
na Itália e na França.
PROJETO CIVILIZATÓRIO
DO BRASIL
A “Primeira Missa no
Brasil”, antes de ser a produção isolada de um artista, é uma síntese visual do
“Projeto Civilizatório” de cunho nacionalista do Segundo Império. Por isso,
para compreender esta pintura é necessário ir àquele contexto.
A
“Primeira Missa no Brasil” é o resultado de uma complexa rede de relações entre
as ideias e utopias que se desenvolveram dentro do chamado “Projeto Civilizatório”, presente no imaginário da elite cultural e
política do século XIX brasileiro. Este projeto se torna mais evidente, de
forma direta ou indireta, com a transferência da Corte Portuguesa ao Rio de
Janeiro, em 1808, e se consolida com as monarquias que se seguiram depois
(1822–1889).
Com
a vinda da Corte, o Rio de Janeiro
se modernizava, perdendo aos poucos o aspecto colonial. Em torno dela se
desenvolveu uma cultura laica, mundana, cortesã e aristocrática. A Corte
divertia-se com touradas, cavalhadas, teatros, saraus e musicais. É neste
cenário que emergiu a primeira academia de arte do País.
Devido
a mudanças políticas entre Portugal e a França, como parte de uma estratégia de
reaproximação dos dois países, que teria surgido a ideia de trazer para o
Brasil uma Missão Artística Francesa, em 1816, com a finalidade de
institucionalizar o ensino artístico no Brasil. Este fato se consolidou mais
tarde, em 1826, com a criação da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de
Janeiro.
O
País se firmava como nação independente. Pensava-se em criar uma identidade nacional,
e a arte era considerada um lugar privilegiado para pensar a sociedade e para
inventar uma nova identidade para a jovem nação, independente desde 1822.
O
índio brasileiro e o movimento romântico: o nativo como símbolo nacional
É
no movimento literário romântico que vamos encontrar a figura do índio tomando
forma desde 1826, quando o francês Ferdinand Diniz, empregado consular, chama a
atenção dos brasileiros para a necessária substituição das tendências clássicas
em favor das características locais. Defendia-se
a descrição da natureza e dos costumes, nos quais o índio devia ser valorizado
como primeiro e mais autêntico habitante do Brasil.
Assim,
a história da Imperial Academia de Belas Artes e a produção dos seus alunos não
podem ser dissociadas das significações maiores do Império. Esta história ainda
está por ser mais bem contada, principalmente no que diz respeito à existência
de um projeto civilizatório associado à construção do Estado e da nação.
A
“Primeira Missa no Brasil”
Imagem
simbólica da cultura brasileira, a “Primeira Missa no Brasil”, assim como seus
numerosos estudos preparatórios, hoje fazem parte das coleções do Museu
Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro sob o tombo nº 901. Foi produzida
durante o Império de D. Pedro II, na França, entre 1859 e 1860, chegando ao
Brasil em 1861.
A
“Primeira Missa no Brasil” tem importante papel na construção de uma
representação sobre o “Descobrimento”
e sobre a identidade brasileira vinculada ao catolicismo e ao sentido de
conversão que a navegação portuguesa trouxe consigo, o que amplia a importância
desta pintura na construção do nosso imaginário cultural.
Em
1845, D. Pedro passou a custear o Prêmio de Viagem, aberto anualmente, que
financiava estudos de alunos da Academia de Belas Artes no Exterior. O
Imperador recebeu o título de Fundador e Protetor Perpétuo da Academia
Imperial; proteger a Academia e os artistas era também uma forma de garantir a
produção da iconografia oficial. Da Academia e de seus artistas, além da
pintura “Primeira Missa no Brasil”, saíram os inúmeros retratos, as cenas
familiares e de poder da Família Real que até hoje ilustram nossa história. A pintura histórica era o gênero mais
valorizado na Academia em meados do século XIX. Como bem explicita Jorge Coli
(1998: 117)
Meirelles
atingiu a convergência rara das formas, intenções e significados que fazem com
que um quadro entre poderosamente dentro de uma cultura. Essa imagem do
descobrimento dificilmente poderá
vir
a ser apagada, ou substituída. Ela é a primeira missa no Brasil. São os poderes da arte fabricando a história.
Os
professores da Academia de Belas Artes e o corpo governamental do país estavam
esperando que surgissem talentos.
Meirelles: garoto
prodígio
Antes
de Victor Meirelles a Academia enviou outros artistas para a Europa, através do
sistema de bolsas de estudos, mas eles produziram pouco e voltaram logo. O
primeiro que realmente se vê nos documentos e que tinha noção do que estava
acontecendo é o pintor catarinense. Ele foi para a Europa e atendeu às
exigências da Imperial Academia no Brasil nas obrigações dele esperadas.
Enquanto os outros artistas mandavam um desenho ou dois, Victor Meirelles
mandava dez ou vinte. Então o Imperador e os intelectuais da Academia sentiram
que encontraram o artista que procuravam. E é por isso que Victor Meirelles
conseguiu a prorrogação da bolsa de estudos por oito anos. O período normal era
apenas de três anos.
Uma
vez feito o primeiro esboço da “Missa”, Victor Meirelles enviou-o para a
Academia no Brasil. A elite cultural queria criar esse tipo de imagem para
ficar na memória cultural do País. Por isso, uma vez aceito o esboço da
“Primeira Missa no Brasil”, o pintor de Desterro ganhou o financiamento para
mais dois anos de estada na França e para as despesas da execução da obra.
Victor
Meirelles analisou vasta documentação sobre o índio e sobre o Brasil, e também A carta de Caminha. Estudou a carta com
afinco para representar a missa descrita por Caminha.
Antes
de ser produto da mente isolada de um artista, a “Primeira Missa no Brasil” é
uma síntese visual do projeto civilizatório de cunho nacionalista do Segundo Império brasileiro, e Victor Meirelles
de Lima foi o homem que concretizou em forma de pintura as ideias deste
projeto.
Além
de estudar a carta de Caminha e de seguir uma minuciosa orientação de Manuel de
Araújo Porto Alegre, há um outro fato importante a considerar na construção da
obra em questão: Victor Meirelles buscou
inspiração para a cena principal de sua obra em outra missa, a do pintor
Francês Horace Vernet (1789–1863). A missa pintada por Vernet intitula-se
“Première messe en Kabyli” (1853), lembrando que o procedimento por citação é
absolutamente legítimo dentro do gênero Pintura Histórica. O desconhecimento das regras da pintura histórica pela
crítica de arte nacional causou grande polêmica quando a pintura chegou ao
Brasil, e Victor Meirelles inclusive foi acusado de plagiário.
Há
ainda a hipótese de que o tema da missa era então recorrente. No Museu Granet,
na Provença, França, encontramos outra missa intitulada “Une messe au Louvre
pendant la Terreur”, datada de 1847, de autoria de Marius Granet (1775–1849) . O
altar no centro, com um padre levantando a hóstia, e outro de joelhos segurando
suas vestes lembram a cena principal da “Missa” de Victor Meirelles. Este
procedimento também teria sido legítimo dentro do contexto cultural estético
das academias de arte do século XIX.
Abandonado
e discriminado pelos republicanos, Victor Meirelles morreu pobre em 1903, no
Rio de Janeiro. Uma parte do texto acima foi adaptado da página: http://www.dezenovevinte.net/obras/vm_missa.htm
A história do gênio que amou, sofreu e se tornou uma
glória das artes brasileiras
Direção:
Geraldo
Santos Pereira e Renato Santos Ferreira.
Filme
lançado em 2000, o longa retrata, através de flashback, a trajetória de Antônio Francisco Lisboa - o escultor
mineiro que ficou conhecido como Aleijadinho. Suas obras estão principalmente
nas cidades de Ouro Preto, Sabará, São João Del Rei e Congonhas.
Contexto histórico:
Século
XVII: epopeia dos bandeirantes: ouro, pedraria e muita ambição nas terras
brasileiras. É o momento em que surge a Vila Rica de Albuquerque, antigo nome
da atual Ouro Preto.
Século
XVIII: chegam ao Brasil artistas, artesãos e arquitetos portugueses, além de
milhares de escravos africanos. É o grande momento do resplendor artístico e
religioso em Minas Gerais, momento este que terá como figura ilustre Antônio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
No
plano político, há luta pela emancipação e liberdade conduzida pelos inconfidentes
e reprimida de forma violenta pelo colonizador.
Século XIX (1858): um
historiador, Rodrigo José Ferreira Bretas, ouviu da parteira Joana Lopes, nora
de Aleijadinho, a história narrada no filme “Aleijadinho: paixão, glória e
suplício”.
A
produção fílmica começa com um percurso histórico por Vila Rica. Rodrigo Bretas
caminha pela cidade enquanto nos conta sobre o arraial onde Antônio Dias e
outros bandeirantes encontraram as primeiras jazidas de ouro. A partir desse
fato, vieram para as muitas minas do Brasil levas de portugueses e escravos. O
historiador nos conta sobre o Arraial do Ouro Podre, o Morro da queimada...
Fala sobre as casas de fundição, onde o ouro era trabalhado, e também conta
sobre as revoltas causadas pela cobrança do quinto,
o exorbitante imposto. São citados os primeiros revoltosos contras os abusos da
metrópole - Pascoal da Silva, Felipe dos
Santos, Chico Rei – e o fim terrível que tiveram. A época é marcada por
humilhações, miséria e sofrimento para os brasileiros e escravos do período.
Ainda
em seu passeio pela cidade, Bretas apresenta os chafarizes, os quais, além de
serem responsáveis pelo fornecimento de água às casas, também eram onde os
amantes da cidade se encontravam, a exemplo do enlace amoroso de Maria Doroteia
de Seixas e Tomás Antônio Gonzaga, eternizados na obra Marília de Dirceu.
Rodrigo
Bretas vai até a casa de Joana, mulher em torno dos cinquenta anos, que fora
nora de Aleijadinho
(ela era casada com Manuel, filho do artista, que foi morar no Rio de Janeiro
assim que a doença do pai iniciara – o filme não o apresenta). Joana foi
testemunha ocular de muitos dos sofrimentos de Antônio Francisco.
Enredo do filme:
A
primeira cena traz Bretas e Joana sentados na cozinha da casa em que
Aleijadinho morrera 40 anos antes. O historiador diz à parteira que tudo o que
ela guardou de lembrança sobre o artista precisa ser preservado. A ex-escrava
então relata a história do escultor desde o seu nascimento. Joana afirma que
Antônio Francisco Lisboa nasceu em 29 de agosto de 1738, no Bairro de Antônio
Dias. Filho do arquiteto português Manoel Francisco Lisboa e de uma escrava,
Isabel. O pai, Manoel, afirma ao tomar o filho nos braços:
“
– Será um artista e deixará as meninas doidas” – fazendo referência ao fato de
que o bebê recém chegado
ao mundo continuaria os passos do seu pai, que também era artista. Dessa forma,
ainda menino, Antônio Francisco acompanha o pai em seus trabalhos, nas
restaurações, e, pouco a pouco, absorve o conhecimento e revela apurado
talento.
Há
uma passagem de tempo, e Antônio Francisco já aparece adulto.
Influências:
Em
sua trajetória, Antônio Francisco Lisboa recebe influência de apreciadores da arte
e de artistas de renome como João Gomes da Silva e Francisco Xavier de Brito.
João Gomes reconhece a beleza do traçado de Francisco. A primeira obra do jovem
artista foi o busto de uma mulher, em 1752: um desenho para o chafariz do pátio
do Palácio dos Governadores, em Ouro Preto. Seu estilo aproximava-se do Barroco e do Rococó. Enquanto o
primeiro movimento artístico tem como principais características o contraste, a
dramaticidade e a exuberância, o segundo privilegia a delicadeza, temas leves e
cores claras.
Visão sobre a
escravidão:
O
artista presencia um negro apanhando e várias pessoas em volta gritando. A cena
foi rodada no Pelourinho situado próximo à Igreja São Francisco de Assis, um
dos principais pontos turísticos de Mariana – cidade que fica a 11Km de Ouro
Preto. Na cena seguinte, o artista discute com seu pai a situação dos negros no
país. Apesar de filho de português, Antônio
Francisco não esquece seu sangue africano. Alforriado no batismo, o jovem
não consegue ficar alheio à situação de sofrimento e desprezo vivida pelos seus
irmãos de cor, os negros que viviam em Vila Rica e eram duramente explorados e
maltratados nas minas de ouro. Perante seu pai, homem português que acha que
Aleijadinho deve simplesmente esquecer suas origens, o rapaz assume sua raça,
sua cor. Mas segue o conselho do pai: “- Cuide da tua arte, apenas da tua
arte.” Mesmo assim, Antônio Francisco permanece frequentando o lugar de
trabalho dos escravos, os quais servirão de inspiração para a originalidade de
suas produções.
Vida amorosa: Outro ponto
relevante da vida do artista, que é tratado no filme, é o envolvimento amoroso com Helena. Moça negra, bela e cheia de
encantos. Nasce então um romance que será o motivo de alegrias e também de
desencantos. É durante o desenrolar desse caso de amor que Antônio Francisco
será convidado por Claudio Manuel da Costa para produzir a parte artística da capela
de São Francisco de Assis juntamente com o pintor Manoel da Costa Athaíde, um
dos principais artistas do barroco mineiro. Essa capela se tornará a mais
importante obra assinada por Aleijadinho em Ouro Preto, antiga Vila Rica.
Estilo brasileiro: A amizade com Claudio Manuel da Costa, poeta árcade e
um dos líderes da Inconfidência Mineira, propiciará a Antônio Francisco visitas
à biblioteca do poeta. Com isso, Aleijadinho tem a possibilidade de ampliar
seus conhecimentos e ainda, com base nos ensinos, estar seguro para abandonar o
barroco e desenvolver um estilo próprio, um estilo brasileiro, uma abordagem
rococó. Sua pretensão é desenvolver uma obra original, duradoura e que reflita
o caráter do povo brasileiro. Sua produção é dividida em dois momentos: um são:
as obras são serenas, delicadas; e o outro da fase enferma: as produções trazem
expressões de angústia, de dor.
Período de lástimas
A doença: O pai de Antônio
Francisco sofre um ataque e morre. Porém o maior sofrimento começaria ali, em
torno dos quarenta e sete anos: uma doença terrível o assola, trazendo uma
carga de dor quase insuportável, e o pior: a atrofia das mãos. Mestre Antônio,
como era chamado, torna-se motivo de curiosidade entre as pessoas da cidade. A
doença o fez perder os dentes, a boca entortou, o queixo e o lábio “caíram”,
assumiu uma expressão de fera. Passa a sair de casa com trajes que encobriam
todo o seu corpo; vai trabalhar muito cedo, na escuridão do fim da madrugada,
para que não seja visto pela população. Mesmo assim, muitos veem vê-lo
trabalhar. Vila Rica se pergunta qual seria a doença que atormenta Antônio
Francisco, homem dado ao vinho, às mulheres e festejos: lepra, zamparina, febre
tifóide, sífilis, escorbuto...? Para continuar produzindo, ata os instrumentos
à mão e recebe a ajuda de Maurício, Januário e Agostinho, seus fiéis escravos e
ajudantes.
A traição: No reduto familiar,
sua esposa sente nojo daquele homem: a doença lhe deu uma aparência monstruosa,
assustadora. Helena começa a trair Antônio Francisco com José Romão, tenente do
governador Luis da Cunha Meneses,
governador de Vila Rica.
Em
certa ocasião, Luis da Cunha Meneses encomenda a Aleijadinho uma imagem de São Jorge para uma procissão que ocorreria nos
próximos dias. Tomado pelo ódio da traição, Antônio Francisco produz sim uma imagem,
porém o “são Jorge” possuía a cara abobalhada e assustada de Zé Romão, amante de Helena e oficial de
Meneses. Toda
a cidade assiste ao ocorrido. Zé Romão vira motiva de piada. O fato desagrada
Cunha Meneses. O governador envia Romão para o Rio de Janeiro. No entanto,
Romão levará consigo Helena, esposa de Antônio Francisco Lisboa.
Aleijadinho
não mostra nenhum tipo de reverência ao governador Meneses. Em uma das cenas do
filme, Cunha Meneses é enxotado da igreja em que Antônio Francisco trabalha, no
caso a capela de São Francisco de Assis.
O
sofrimento físico, em decorrência da doença, e moral, pela traição de Helena,
abatem ainda mais o artista mineira.
A inconfidência
Mineira
A
narrativa fala sobre um importante episódio da História do Brasil: a Inconfidência Mineira. Como Antônio
Francisco era amigo do poeta Cláudio Manuel da Costa, presenciou algumas
reuniões em que o escritor Tomás Antônio Gonzaga e outros intelectuais planejavam
uma revolta pela independência de Minas Gerais. Quando os envolvidos são
denunciados, Aleijadinho visita Cláudio Manuel na prisão. A cena parece ter
sido rodada na Mina da Passagem, localizada no distrito de Passagem de Mariana.
Atualmente, a mina transformou-se em um famoso ponto turístico da cidade,
recebendo visitantes de todo o país. Durante a visita de Antônio Francisco,
Cláudio Manuel fala ao amigo que foi Joaquim Silvério quem delatou o movimento.
O poeta dá a entender que já sabia do interesse de Joaquim em pagar suas
dívidas à coroa portuguesa, e não nos ideais dos parceiros.
Congonhas do Campo: Após os
acontecimentos, o longa-metragem
mostra Antônio Francisco de partida para Congonhas do Campo, em Minas Gerais.
Ali ele construirá os famosos “profetas de Aleijadinho”: o conjunto
deesculturasem pedra sabãofeitas
entre 1794 a 1804. Durante a construção, um dos escravos e ajudantes de
Aleijadinho morre. Aos 72 anos Antônio Francisco retorna de Congonhas do Campo.
Já bastante debilitado pela doença, perde a visão e fica dois anos acamado.
Falece em 1814, aos 74 anos.
Fim do filme: Nesse momento a
narrativa se desloca para o ano de 1858, quando a nora de Aleijadinho conversa
com o historiador.
Joana
mostra a Bretas o quarto no qual o escultor morreu e entrega a ele recibos e
desenhos do artista que ainda estavam na casa. A ex-escrava desabafa sobre a
possibilidade da obra de Aleijadinho estragar-se e do artista não ser lembrado
com o passar do tempo. O historiador lembra à Joana que irá escrever sobre o
escultor e que, além dele, muitos outros o farão e, assim, o artista e sua obra
não serão facilmente esquecidos. A fala do historiador deixa clara a intenção
do diretor em mostrar ao espectador a importância
de registrar os patrimônios que temos – materiais, culturais ou imateriais
– através de livros ou filmes (já que o enredo do longa é inspirado nos
escritos do historiador Rodrigo José Ferreira Bretas). É possível deduzir,
portanto, que além de preservar os patrimônios presentes no conteúdo da
película - de extrema importância para a história do país - também é essencial
a preocupação em conservar os meios pelos quais tal conteúdo foi registrado.
Dias Gomes (Alfredo de Freitas D. G.),
romancista, contista e teatrólogo, nasceu em Salvador, BA, em 19 de outubro de
1922. Dias Gomes conquistou numerosos prêmios por sua atuação no Rádio e por
sua obra para teatro, cinema e televisão. Poucas obras, no Brasil, foram tão
premiadas quanto O pagador de promessas,
que mereceu, dentre outros, a Palma de Ouro do Festival Internacional de Cinema
de Cannes, em 1962. Outros trabalhos de Dias Gomes também foram distinguidos
com os mais importantes prêmios nacionais em sua especialidade.
ASPECTOS ESTRUTURAIS
Publicada
em 1959, trata-se de um texto escrito para teatro, ou seja, para ser levado ao
palco, ser encenado. A peça é dividida em três atos, sendo que os dois
primeiros ainda são subdivididos em dois quadros cada um. Após a apresentação
dos personagens, o primeiro ato mostra a chegada do protagonista Zé do Burro e
sua mulher Rosa, vindos do interior, a uma igreja de Salvador e termina com a
negativa do padre em permitir o cumprimento da promessa feita. O segundo ato
traz o aparecimento de diversos novos personagens, todos envolvidos na questão
do cumprimento ou não da promessa e vai até uma nova negativa do padre, o que
ocasiona, desta vez, explosão colérica em Zé do Burro. O terceiro ato é onde as
ações recrudescem, as incompreensões vão ao limite e se verifica o dramático
desfecho.
Tempo e espaço da narrativa Tempo: a peça é contemporânea e universal. Podendo ser encenada em
qualquer tempo.
Duração da história: 1 dia.
Há também a presença
do tempo psicológico (flashbacks, lembranças) Espaço: a história acontece no Estado da Bahia, na escadaria da igreja
de Santa Bárbara.
QUESTÕES TEMÁTICAS
Intolerância, traição, intransigência,
ambição, luxúria, sincretismo religioso e religiosidade.
A peça de Dias Gomes
tem nítidos propósitos de evidenciar certas questões socio-culturais da vida
brasileira, em detrimento do aprofundamento psicológico de seus personagens.
Assim, ganha força no drama a visão crítica quanto:
a) à intolerância da Igreja católica,
personificada no autoritarismo do
Padre Olavo, e na insensibilidade do Monsenhor convocado a resolver o problema;
b) à incapacidade das autoridades que representam o Estado - no episódio, a polícia - de lidar
com questões multiculturais, transformando um caso de diferença cultural em um caso policial;
c) à voracidade
inescrupulosa da imprensa,
simbolizada no Repórter, um perfeito mau-caráter, completamente desinteressado
no drama do protagonista, mas muito interessado na repercussão que a história
pode ter; ·.
d) ao grande fosso que separa, ainda, o Brasil urbano do Brasil rural: Zé do Burro não consegue compreender porque lhe
tentam impedir de cumprir sua promessa; os padres, a polícia, a imprensa não
conseguem compreender quem é Zé do Burro, sua origem ingênua, com outros
códigos culturais, outras posturas. Além disso, a peça mostra as variadas facetas
populares:
o gigolô esperto, a vendedora de quitutes, o poeta improvisador, os
capoeiristas.
O final
simbólico aponta em duas direções: em primeiro lugar a morte do Zé do Burro
mostra-se com fim inevitável para o choque
cultural violento que se opera na peça: ninguém, entre as autoridades da
cidade grande, é capaz de assimilar o sincretismo
religioso tão característico de grandes camadas sociais no Brasil,
especialmente no interior nordestino.
Em segundo lugar, a entrada dos capoeiristas na igreja, carregando a cruz com o
corpo, sinaliza para rechaçar a inutilidade
daquela morte: os populares compreenderam o gesto de Zé do Burro.
e)
Há ainda a mistura do sagrado com o
profano: um exemplo é a coexistência da Igreja e de
“uma vendola, onde também se vende café, refresco e cachaça”, no mesmo espaço
físico. A igreja de um lado, representando a oficialidade (defendida, no
decorrer dos fatos, pela força policial), e a vendola do outro, como o símbolo
do mundano, salientado principalmente pela alusão à cachaça.
f) Pluralidade e mistura dos mais variados estilos e gêneros, o
que é a presença, no mesmo espaço público, do verso e a prosa, o sério e o
cômico, o português, o espanhol e o “portunhol”, os discursos católicos e as mandingas,
os cantos de capoeira, a poesia popular (os abecês), a entrevista e o texto
jornalístico, os anúncios de feira, entre outras vozes que, interpenetrando-se,
corrompem a pureza dos estilos.
Os
choques entre a crença ingênua e a religião dogmática; a credulidade simples e
a armação maliciosa; a sinceridade das intenções e a completa distorção dos
fatos; a inocência e a malícia; a verdade e seu falseamento são alguns dos
componentes do embate entre a cultura do campo e a da cidade, cuja raiz é a má
vontade que coloca a incomunicabilidade como obstáculo intransponível a dividir
as pessoas.
Elementos
simbólicos:
A
escadaria da igreja:
A
grande maioria das cenas se passa na escadaria da Igreja Santa Bárbara. Ali, Zé
do Burro, o protagonista, viverá seus momentos de maior alegria (por ter quase
cumprido sua promessa e salvo seu burro Nicolau) e de maior agonia (por não
reconhecer mais a mulher, por não compreender e não ser compreendido mais pela
religião e, sobretudo, por não compreender os códigos morais e de conduta da
grande cidade). Ali naquela escadaria, Zé do Burro encontrará seu fim. No
entanto, a escada remete ao caminho a ser percorrido para a elevação
espiritual, ou seja, o trajeto que Zé teria que percorrer para cumprir seu voto
religioso.
A porta da igreja:
Considerando
a escadaria como trajeto em busca do espiritual, a porta da igreja é justamente
o que separa os dois mundos apresentados na obra de Dias Gomes: o universo
sincrético dos populares, os quais estão fora da Igreja, e o mundo “oficial” do
catolicismo, representado pelo interior da igreja. É atravessando a porta que o
protagonista cumpriria sua promessa. Porém, essa passagem lhe é negada, o que
impede a ascensão espiritual de Zé do Burro.
Zé do Burro: o nome dado ao
personagem não é à toa. Primeiramente, é interessante observar que, o burro da
história possui uma identidade, ele é Nicolau,
enquanto que seu dono, mesmo humano, tem uma identidade dependente do animal, é
o Zé do Burro. Zé é um nome
genérico, traz consigo a ideia de “qualquer um”, não é sem razão que
popularmente diz-se que uma pessoa sem importância é um “Zé-ninguém”. Isso
mostra o quanto o personagem é uma alegoria daqueles que não têm vez nem voz na
sociedade, é a minoria massacrada e oprimida, a qual não é permitida sequer uma
escolha religiosa respeitada. Já o nome Nicolau significa “o que vence junto
com o povo”. No final do filme, quando apenas depois de morto Zé do Burro, o
sem identidade, consegue pagar sua promessa e entrar na igreja com a cruz, ele
assume a identidade de seu burro, pois graças ao povo, numa vitória conjunta,
ambos, Zé do Burro e o povo, conseguem adentrar o local sagrado, até então
proibido para eles. Zé do Burro absorve o significado do nome Nicolau e vence
junto com o povo.
Burro: além de ser o animal
querido pelo personagem principal, é também sinônimo da teimosia e obstinação
de Zé do Burro. Além disso, popularmente o animal é também uma imagem da
ignorância.
Zé do Burro: um personagem ambíguo
Desde o início da trama, Zé-do-Burro desperta a curiosidade das
pessoas que circulam pela praça e muitas são as opiniões a seu respeito. O
Bonitão o considera um idiota; Marli, um beato pamonha, carola de uma figa e
corno manso; Minha Tia, um homem bom; Rosa, um homem bom até demais. Mais
importante do que estas opiniões pessoais são aquelas que refletem a
perspectiva do povo e da igreja. Segundo palavras de Rosa:
Rosa – Não brinque. Pelo caminho tinha uma porção de gente
querendo que ele fizesse milagre. E não duvide. Ele é capaz de acabar fazendo.
Se não fosse a hora, garanto que tinha uma romaria aqui, atrás dele (p. 24)
Em
confronto com esta posição popular, temos a da igreja, expressa aqui pelo
sacristão e pelo padre:
Sacristão – O senhor não ouviu ele [o padre Olavo] dizer? É
Satanás! Satanás sob um dos seus múltiplos disfarces! (p. 59)
Seja visto como uma espécie de santo, seja visto como o diabo, a
única constante em Zé-do-Burro é o signo ambivalente. E é esta visão que
subsiste até no momento de sua morte: o pagador de promessas foi crucificado
como Jesus Cristo e como Este, no dia de sua crucificação, teve os céus
tempestuosos. No entanto, no caso de Zé-do-Burro, até os trovões possuem um
duplo sentido: se por um lado fazem uma alusão à tempestade da cena bíblica,
reforçando a simetria entre Cristo e Zé-do-Burro, por outro apontam para a
esfera pagã da peça, sendo a própria representação dos poderes de “Iansan, a
Santa Bárbara nagô”. Sua última “palavra” irônica a afirmar vitória pela
entrada na igreja católica do seu pagador de promessas, o que significa a
superação do universo oficial pelo universo sincrético e mundano.
Zé-do-Burro
é a vítima-símbolo do criminoso, agressivo, massacrante e cruel sistema social
e político de que até a religião se torna instrumento.
O pagador de
promessas como paródia do sacrifício de Cristo
Em O pagador de promessas, o grande movimento parodístico
consiste no pagamento da promessa de Zé-do-Burro. Com esta promessa,
Zé-do-Burro assume um papel semelhante ao de Jesus Cristo. No entanto, com uma
diferença apontada pelo Padre Olavo:
-Por que então repete a
Divina Paixão? Para salvar
a humanidade? Não, para salvar um burro! (p.37).
Resulta disto a seguinte analogia: Zé-do-Burro está para Jesus Cristo assim como o burro Nicolau está para
a humanidade. Há também o fato de ser vítima, assim como o Cristo e outras
personagens beatificadas, de tentações que o colocam à prova por sedução e
martírio. Durante todo seu percurso foi tentado a descansar no hotel, sair do
jejum, abandonar sua missão para ir tomar satisfação com o Bonitão, trocar de
promessa, além de outras tentações atribuídas por ele a própria santa que
estaria querendo testar a dimensão de sua fé. Essa analogia é reforçada no
desfecho da obra, quando Zé-do-Burro, depois de morto, é colocado “sobre a
cruz, de costas, com os braços estendidos, como um crucificado” (p. 95). Visto
por este prisma, O pagador de promessas pode ser considerado como uma espécie
de paródia sacra, uma profanação e dessacralização da via crucis. Ao
rebaixamento da via crucis junta-se a profanação de Santa Bárbara,
identificada com “Iansan, a Santa Bárbara nagô” (p. 29), como vem estampado na
rubrica que inicia o segundo quadro do primeiro ato. É importante perceber que,
neste caso, a profanação da santa só ocorre aos olhos das autoridades eclesiásticas
e daqueles que adotam a oficialidade católica como valor absoluto e superior.
Zé-do-Burro, ao contrário, não tem a consciência da profanação, pois ele, em
virtude de sua mentalidade sincrética (e carnavalesca!), não vê a santa como
uma entidade católica distanciada em sua sublimidade e a encontra em um terreiro
de candomblé, transfigurada em Iansan, sem que isto seja para a figura católica
nenhum desmérito. Ele apenas segue a “verdade popular não-oficial” também
expressa por Minha Tia: “A discurpe, Iaiá, mas Iansan e Santa Bárbara não é a
mesma coisa?” (p. 90).
Linguagem
e comunicação
É questionada na peça os vícios e deturpações
da linguagem. Procura denunciar como os fatos podem ser mal interpretados não
só pela "imprensa marrom", mas
também pelas próprias pessoas.
O texto é marcado pelas falas populares com
sua informalidade típica.
Personagens
mais importantes:
Zé-do-Burro: "homem ainda moço, de 30 anos
presumíveis, magro, de estatura média. Seu olhar é morto, contemplativo. Suas
feições transmitem bondade, tolerância e há em seu rosto um 'que' de
infantilidade. Seus gestos são lentos, preguiçosos, bem como sua maneira de
falar. “
Rosa: "pouco parece ter de comum com ele
(Zé-do-Burro). É uma bela mulher, embora seus traços sejam um tanto grosseiros,
tal como suas maneiras. Ao contrário do marido, tem 'sangue quente'. É
agressiva em seu 'sexy', revelando, logo à primeira vista, uma insatisfação
sexual e uma ânsia recalcada de romper com o ambiente em que se sente sufocar.”
Marli: Seus
gestos e atitudes refletem o conflito da mulher que quer libertar-se de uma
tirania que, no entanto, é necessária ao seu equilíbrio psíquico - a exploração de que é vítima por parte de
Bonitão vem, em parte, satisfazer um instinto maternal frustrado. Há em seu
amor e em seu aviltamento, em sua degradação voluntária, muito de sacrifício
maternal, ao qual não falta, inclusive, um certo orgulho.
Bonitão: explora mulheres, é interesseiro e
mau caráter. "É insensível a tudo isso (a Marli e o que ela faz por ele).
Ele é frio e brutal em sua 'profissão. Encara a exploração a que submete Marli
e outras mulheres, como um direito que lhe assiste, ou melhor, um dom que a
natureza lhe concedeu, juntamente com seus atributos físicos. Veste-se sempre
de branco, colarinho alto, sapatos de duas cores."
Beata : Simboliza a figura clássica da mulher que
vive para a igreja, talvez para preencher algum vazio em sua vida ou talvez por
uma fé ingênua.
Padre Olavo : É o retrato da intransigência
religiosa. "É um padre moço ainda. Deve
contar, no máximo, quarenta anos. Sua convicção religiosa aproxima-se do
fanatismo. Talvez, no fundo, isto seja uma prova de falta de convicção e
autodefesa. Sua intolerância - que o leva, por vezes, a chocar-se contra
princípios de sua própria religião e a confundir com inimigos aqueles que estão
de seu lado - não passa, talvez, de uma couraça com que se mune contra uma
fraqueza consciente."
Dedé Cospe-Rima : "mulato,
cabeleira de pixaim, sob o surrado chapéu de coco - um adorno necessário à sua
profissão de poeta-comerciante. Traz, embaixo do braço, uma enorme pilha de
folhetos: abecês, romances populares em versos. E dois cartazes um no peito, outro nas
costas. Num se lê: 'ABC da Mulata Esmeralda - uma obra-prima' e no outro 'Saiu
agora, tá fresco-ainda! O que o cego Jeremias viu na Lua'.
Por meio de seus versos denuncia os problemas
locais. É o símbolo do poder literário de demonstrar a realidade.
Repórter : "é vivo e perspicaz".
Encontra em Zé-do-Burro uma grande matéria para o seu jornal. É o símbolo do
sensacionalismo e da imprensa desumana que tudo faz para conseguir uma
reportagem, ainda que explorando informações inverídicas.
Secreta : "o 'tira clássico. Chapéu
enterrado até os olhos, mãos no bolsos, inspira mais receio que respeito. À
primeira vista, tanto pode ser o representante da lei quanto da criminalidade.
Galego: comerciante de origem estrangeira. É dono
de um bar na praça da igreja de Santa Bárbara. É ambicioso e interesseiro, pois
deseja que Zé do Burro permaneça na portaria da igreja somente para que possa
lucrar com a movimentação que a situação promovia.
Minha Tia: típica comerciante de quitutes
baianos. É umbandista.
Delegado : simboliza a lei e mantenedor da
ordem.
Mestre Coca : "é um mulato alto, musculoso e ágil. Veste calças
brancas "boca de sino" e camisa de meia. Representa o espírito de
coletividade e a força do povo contra as forças oficiais (lembre-se que é ele e
seus companheiros que defendem Zé do Burro do ataque da polícia)