25 de out. de 2015

O DEMÔNIO FAMILIAR, José de Alencar

Análise literária

SOBRE O AUTOR:
José Martiniano de Alencar nasceu no dia primeiro de maio de 1829, em Mecejana, Ceará, e faleceu no Rio de Janeiro, em 12 de dezembro de 1877, aos 48 anos de idade. Morreu de tuberculose, doença que se fez presente durante grande parte da sua vida. Filho de um senador do império, foi ainda menino para a então capital federal do Brasil, o Rio de Janeiro. Aos catorze anos, em 1843, mudou-se para São Paulo, formando-se em Direito no ano de 1850. Formado, retornou ao Rio de Janeiro e exerceu a profissão de advogado. Foi jornalista, político (sendo repetidas vezes deputado conservador pela sua Província) e ministro da Justiça, não conseguindo, entretanto, chegar a senador, que era sua grande meta.
A carreira literária de José de Alencar principia, realmente, com as crônicas que depois reuniu sob o título de “Ao correr da pena”(1856). Mas a notoriedade foi devida aos artigos polêmicos do mesmo ano, contra o poema épico A confederação dos tamoios, de Gonçalves de Magalhães, nos quais traçava o programa de uma literatura nacional, baseada nas tradições indígenas e na descrição da natureza, mas norteada por uma rigorosa consciência estética. Para juntar o exemplo à teoria, publica em 1857 O Guarani, que fora precedido por um pequeno romance, Cinco Minutos.
A partir daí não cessaria mais de escrever e publicar com relativa abundância, em três fases mais ou menos distintas.
Na primeira, que vai de 56 a 64, publica alguns de seus romance mais importantes e quase todo o teatro. De 66 a 69, apenas escritos políticos, inclusive as famosas Cartas a Erasmo, nas quais exortava o imperador a exercer efetivamente seus poderes, a fim de pôr cobro à tirania das cliques governamentais. De 70 a 75, postos de lado a política e o teatro, entra em nova fase criadora, publicando oito livros de ficção. O último romance, acabado em 77, Encarnação, foi publicado depois da sua morte, assim como o belo fragmento autobiográfico, como e por que sou romancista.
A obra de Alencar permite a seguinte classificação:
a)     Romance Urbano ou Social: Cinco Minutos ( 1856 ), A Viuvinha ( 1860 ), Lucíola ( 1862 ), Diva ( 1864 ), A Pata da Gazela ( 1870 ), Sonhos d’ouro   (1872) , Senhora ( 1875 ), Encarnação ( 1893 ).
b)    Romance Regionalista: O Gaúcho( 1870 ), O Tronco do ipê ( 1871 ), Til (1872) , O Sertanejo ( 1875 ).
c)     Romance Histórico: As Minas de Prata ( 1865 ), Guerra dos Mascates ( 1873 ).
d)    Romance Indianista: O Guarani ( 1857 ), Iracema ( 1865 ), Ubirajara ( 1874 ).
e)     Teatro: Demônio Familiar ( 1857 ), Verso e Reverso ( 1857 ), As asas de um anjo ( 1860 ), Mãe ( 1862 ), O Jesuíta ( 1875 ).

Alencar escreveu ainda obras de não-ficção e poesias. Devido à diversidade de temas, Alencar é considerado o mais importante escritor do Romantismo Brasileiro.

O ESTILO DE EPOCA
O movimento romântico brasileiro coincide com o momento decisivo de autonomia da pátria. Os escritores tomam para  si a missão de reconhecer e valorizar o passado brasileiro, conferindo à literatura cores locais, esforçando-se  para criar uma literatura legitimamente brasileira, capaz de revelar as qualidades grandiosas da pátria que se tornara independente. Neste sentido, José de Alencar aparece na literatura brasileira como o consolidador do romance, realizando na prosa de ficção a tendência nacionalista que vinha sendo reclamada pela crítica, sobretudo em romances como O Guarani e Iracema. O gosto pelo teatro foi uma das características marcantes do romantismo em todos os países. No brasil, coube a  Gonçalves de Magalhães a encenação da primeira tragédia, intitulada Antônio José ou  O poeta e a inquisição, no dia 13 de março de 1863, no palco do Constitucional Fluminense, no Rio de Janeiro, sob os cuidados do ator João Caetano. O grande nome do teatro romântico brasileiro é o de Martins pena, considerado o inventor da comédia de costumes brasileira.
O teatro de José de Alencar é marcado por uma preocupação moral. A comédia O demônio familiar apresenta a figura do menino escravo Pedro, o “demônio familiar”,  como um malandro e aproveitador, capaz apenas de fazer o mal  para a família brasileira.


A OBRA

A peça O demônio familiar foi encenada pela primeira vez no Teatro do Ginásio do Rio de Janeiro, no dia 5 de setembro de 1857, fundindo uma temática europeia, como a interferência do dinheiro nas relações afetivas, com uma temática brasileira, a atuação do escravo no interior das casas das famílias brasileiras.
O objetivo de José de Alencar era produzir uma peça original e de efeito moral, capaz de revelar a singularidade da comédia brasileira e de educar as famílias no combate ao vício, o de permitir, no interior das casas, a figura do escravo. Quanto ao aspecto formal, a peça não apresenta novidades, pois emprega recursos típicos da tradição teatral para a solução dos problemas de enredo.
Na peça em questão, o recurso do inesperado como solução para os problemas surge na forma de uma carta de alforria ao moleque Pedro, funcionando como um instrumento de punição para a personagem. A técnica que liga um ato ao outro da peça é conhecida como “técnica do gancho”, porque cria um pequeno suspense no final do ato para prender a atenção do espectador.
Quanto ao aspecto temático, O demônio familiar apresenta uma ideia curiosa. A peça, aparentemente, é avançada para a época. Em 1857 (ano da estreia da peça), trinta anos antes da abolição da escravidão, o tema do abolicionismo soaria aos ouvidos da plateia como algo avançado e contrário aos interesses da elite dominante. Entretanto, a apologia da liberdade é apenas aparente, pois a liberdade na peça é vista como um instrumento de punição. A liberdade traria para o escravo consequências severas, porque ele teria que aprender com a vida o que não conseguiu assimilar como escravo, como o respeito e a educação.
Em outras palavras, a escravidão é um mal não porque o branco subjuga o negro, mas porque a maldade vem do negro. Este paga com tramas e desejos mesquinhos o bem que lhes queria seus senhores.
Em suma: não se trata de livrar o negro da crueldade do branco, mas de preservar o branco das maldades do negro.
Como a “classe” branca era econômica e politicamente a dominadora, podia falar e escrever o que quisesse, como a mensagem interpretada acima.
José de Alencar emprega recursos convencionais para se fazer entender pelo público, objetivando a educação moral das famílias brasileiras. As principais lições são: a escravidão é um mal, porque expõe a família à falta de escrúpulo dos negros; a família é mais importante que a sociedade, pois é ela que fornece as bases para que o indivíduo possa evitar os prazeres excessivos da vida social; na família, a mulher, por desconhecer os perigos do mundo, deve sempre agir em nome do verdadeiro amor; o dinheiro interfere de forma negativa nas relações afetivas.
Em O demônio familiar, todas as lições de moral são dadas pelo personagem Eduardo.

PERSONAGENS
Eduardo:é o protagonista da peça. Órfão de pai, tornou-se o chefe da família, conduzindo-a sempre através dos princípios da justiça e da bondade, o que o faz ter o respeito de todos. Por trabalhar como médico, conhece as dores do mundo e, por isso mesmo, sabe dar importância à vida família.
Carlotinha:é a irmã de Eduardo. Suas ações revelam esperteza e inteligência. Como típica mulher romântica, é bonita e deixa-se levar pelo sentimento amoroso.
Jorge: irmão caçula de Eduardo e Carlotinha. Sua proximidade das artimanhas de Pedro determina sua pequena importância na peça.
D. Maria: viúva, mãe de Eduardo, Carlotinha e Jorge. Sem grande importância na trama, D. Maria é apresentada como mãe zelosa.
Pedro: escravo de Eduardo. Pedro é um “moleque” capaz de aprontar grandes confusões no seio da família, sendo, por isso mesmo, o “demônio familiar”. Sua grande ambição não é deixar de ser escravo; pelo contrário, o que almeja é ser cocheiro e, por isso, arma as tramas para que seus senhores obtenham posses e ele possa conduzir uma carruagem.
Alfredo:é, ao lado de Eduardo, outro ‘bom moço” da peça. Pretendente de Carlotinha, sua sinceridade e honestidade, bem como seu apego à cultura brasileira, logo angariam a amizade de Eduardo e o amor de Carlotinha.
Azevedo:é o oposto de Alfredo e Eduardo. Homem rico, excessivamente frívolo e afrancesado nos modos, é avesso ao amor e despreza as mulheres e tudo o que diz respeito ao Brasil. Sua função na peça é a de despertar a antipatia do público.
Henriqueta:amiga de Carlotinha e apaixonada por Eduardo. Os obstáculos que a separam do amado são as artimanhas de Pedro e as dívidas do pai com o moço Azevedo. Não tem o brilhantismo das mocinhas românticas.
Vasconcelos:pai de Henriqueta. Sua situação financeira instável o leva a negociar o casamento da filha como forma de quitação das dívidas. Insinua desejo de casar-se com D. Maria.

ESPAÇO
O registro espacial do drama de Alencar reproduz a preocupação central da peça, que é a de destacar a vida familiar.
Assim, todos os atos se passam na “casa de Eduardo”.
Cenário: Ambientada em casa de Eduardo
·         Ato Primeiro: Gabinete de estudo ( cena primeira a XV )
·         Ato Segundo: Jardim ( cena primeira a IX )
·         Ato Terceiro: Sala interior ( cena primeira a XVIII )
·         Ato Quarto: Sala de visitas ( cena primeira a XVII )
Vida urbana: Passeio Público, Rio de Janeiro.
Os espaços externos aparecem apenas indiretamente.
Temos referências à rua do Catete , aos hábitos urbanos, como o teatro, as lojas da moda, e outros recantos mundanos da cidade.

TEMPO
Os três primeiros atos da peça ocorrem em um único dia. O quarto ato ocorre um mês após os acontecimentos do final do terceiro ato.

LINGUAGEM

A linguagem do texto, especialmente na voz de Eduardo, é marcada pela grandiloquência, o didatismo pouco sutil, a expressão declamatória e a reprodução da sintaxe lusitana:
“(...) O coração que ama de longe, que concentra o seu amor por não poder exprimi-lo, que vive se parado pela distância, irrita-se com os obstáculos, e procura vencê-los para aproximar-se. Nessa luta da paixão cega todos os meios são bons: o afeto puro muitas vezes degenera em desejo insensato e recorre a esses ardis de que um homem calmo se envergonharia; corrompe os nossos escravos, introduz a imoralidade no seio das famílias, devassa o interior da nossa casa, que deve ser sagrada como um templo, por que realmente é o templo da felicidade doméstica.”
·               A coloquialidade e as gírias de Pedro quebram esse discurso de Eduardo.
·               Uso de onomatopeias:  “Pedro puxou as rédeas; chicote estalou; tá, tá, tá; cavalo, toc, toc, toc; carro trrr”.
·               O uso de pronome pessoal do caso reto como objeto direto (quando vê ele passar”, “a moça só espiando ele”).
Ainda o tratamento de intimidade que Pedro dedica aos amos ao chamar Carlotinha de “nhanhã”, é a manifestação linguística da familiaridade com que o demônio é recebido na casa.
·         O aspecto linguístico da personagem  Azevedo, que tem no uso e no abuso de estrangeirismos, principalmente de origem francesa, um dos símbolos da afetação que o caracteriza.
·         Uso do ditado popular: Pedro – Moça é como carrapato, quanto mais a gente machuca, mais ela se agarra.
·         Uso da metalinguagem: Pedro – Quando é esta coisa que se chama prosa, escreve-se o papel todo; quando é verso, é só no meio, aquelas carreirinhas.
·          Uso de Intertexto: Pedro – É isso mesmo. Esse barbeiro, Sr. Fígaro, homem fino mesmo, faz tanta cousa que arranja casamento de sinhá Rosinha com nhonhôLindório.
·          Uso de Figuras de Linguagem: Eduardo – A mulher não é, nem deve ser, um objeto de ostentação que se traga como um alfinete de brilhante ou uma jóia qualquer para chamar a atenção!

 

Ironias antirromânticas

·         A maneira como desfaz a imagem da mulher idealizada , comprova que Azevedo encarna o ceticismo antirromântico:
“(.,.) Um círculo de adoradores cerca imediata mente a senhora elegante, espirituosa, que fez a sua aparição nos salões de uma maneira deslumbrante! Os elogios, a admiração, a consideração social acompanharão na sua ascensão esse astro luminoso, cuja cauda é urna crinolina, e cujo brilho vem da casa do Valais ou da Berat, à custa de alguns contos de réis!”

 Apologia da arte nacional

·         Chama a atenção, no texto, uma discussão qual Alfredo e Azevedo discutem a existência ou não de uma genuína arte brasileira:
Azevedo:“A nossa Academia de Belas-Artes’? Pois temos isto aqui no Rio?(...) Uma caricatura, naturalmente,., Não há arte em nosso país.

Alfredo: A arte existe, Sr. Azevedo, o que não existe é o amor dela.

Azevedo: Sim, faltam os artistas.

Alfredo: Faltar,, os homens que os compreendam; e sobram aqueles que só acreditam e estimam o que vem do estrangeiro.
Azevedo: (com desdém) Já foi a Paris, Sr. Alfredo?

Alfredo: Não, senhor; desejo, e ao mesmo tempo receio ir.

Azevedo:Porque razão?
Alfredo: Porque tenho medo de, na volta, desprezar o meu país, ao invés de amar nele o que há de bom e procurar corrigir o que é mau.
·         As posições estão aí estabelecidas sem sutilezas, com maniqueísmo bem demarcado: Alfredo, um dos heróis, por ser um dos sustentáculos da moral da peça, defende a arte brasileira, enquanto Azevedo, seu antagonista imediato na disputa do amor de Carlotinha, e um representante do amoralismo, ataca esta arte.

CONCLUSÃO
Nota-se que José de Alencar, na obra em questão, mostrou alguns comportamentos cariocas do século XIX:  o rico influenciado pela cultura europeia e vivendo em função dela ( Azevedo ), o falso rico ( Sr. Vasconcelos ), o casamento por interesse financeiro ou social ( Vasconcelos e Azevedo ), a moça virginal e sonhadora ( Carlotinha ), o serviçal negro e fofoqueiro ( Pedro ), a viúva e mãe exemplar ( Dª Maria ), o verdadeiro amor ( Eduardo e Henriqueta ), e o jovem humilde e nacionalista ( Alfredo ).
A trama é leve, a linguagem é objetiva, mesclando termos da língua francesa e da língua portuguesa.
O objetivo da comédia é provocar riso no público e de forma graciosa mostrar os comportamentos ridículos de uma sociedade.
Diferente da crença de que os demônios são causadores do mal, Pedro, o serviçal, age de maneira pensada, desejando o  bem para ele e para os demais; quando percebe que causou algum mal ele volta e repara. O personagem está mais para anjo do que para diabo. É ele quem dá o tom de humor à narrativa através de uma série de confusões.
Nota-se, também, que era totalmente improvável o criado Pedro ser tratado como membro da família de Dª Maria, visto que era escravo.
As mulheres da época, superficiais e artificiais eram bonecas enfeitadas a fim de laçarem um marido o mais rapidamente possível e domesticá-los
Sem dúvida alguma, a peça O Demônio Familiar é abolicionista, vendo sobretudo a questão pelo lado do senhor ( o escravo Pedro introduz na casa de Eduardo a mentira, a fofoca e a intriga ), então, cabe à família, alforriá-lo ( punição ) pelo mau comportamento do negro escravo.




 OBRA


Contos gauchescos – João Simões Lopes Neto

Análise da obra

A obra Contos Gauchescos, editada pela primeira vez em 1912, é uma coleção de 19 contos que tem como ambientação no pampa gaúcho. Contadas pelo envelhecido vaqueano Blau Nunes, as histórias narram aventuras de peões e soldados. As narrativas são sempre sobre o gaúcho, guerreiro, trabalhador, rústico. Nelas a linguagem é sempre um dialeto característico do interior do Rio Grande do Sul e existe um enorme respeito pelos elementos deste estilo de vida: os animais, os instrumentos, a paisagem. Existe também uma grande exaltação do espírito guerreiro do gaúcho, especialmente nas narrativas de guerra, ambientadas na maioria das vezes na Revolução Farroupilha.
Ao fazer de Blau Nunes o narrador de Contos Gauchescos, Simões Lopes Neto enfrentou um problema que nenhum outro escritor brasileiro até então solucionara: que linguagem utilizar? A norma culta soaria falsa e artificial. O linguajar do peão romperia a convenção literária e se isolaria na forma de expressão de um grupo. Simões Lopes Neto solucionou esse problema da seguinte forma: fez largo uso do léxico e eventualmente da sintaxe próprios da linguagem da campanha, mas submetendo-os a morfologia da norma culta. Assim, ele manteve a “cor local”, própria do regionalismo, sem romper com a tradição literária, fazendo universal também a sua linguagem.
A linguagem utilizada no conto "Trezentas Onças" demonstra bem essa universalidade. Através de Blau é que percebemos o presente e o passado, estruturados na narrativa. Há o Blau moço, militar e o Blau velho, "genuíno tipo – crioulo – rio-grandense". Os demais que protagonizam os contos narrados por Blau são, quase sempre, iguais a ele. Isso pode ser identificado no primeiro conto da obra de Lopes Neto, "Trezentas Onças". Blau Nunes, que além de narrador (em 1ª pessoa) também é personagem do conto, é um vaqueano igual, tanto nas condições sociais como na honestidade, aos tropeiros que acharam e devolveram a sua guaiaca com as trezentas onças.
Blau Nunes põe-se a relatar as dezenove histórias (e mais um conjunto de adágios: "Artigos de fé do gaúcho") que integram os Contos gauchescos. Histórias que ele viveu diretamente ou apenas presenciou ou simplesmente ouviu narrar por outras vozes que agora ele recupera para recontá-las a seu interlocutor. Mais do que evocações líricas do passado, da terra e do povo rio-grandenses, estas lembranças do vaqueano estão impregnadas de uma tentativa de explicação do homem do pampa.






O gaúcho: um homem ambíguo

A perspectiva de Blau Nunes a respeito do gaúcho é ambígua. Por um lado, celebra-lhe as virtudes: a hombridade, a bravura, a honestidade etc. No conto "Trezentas onças", por exemplo, ele perde uma bolsa carregada de moedas de ouro que seu patrão lhe confiara para comprar uma tropa de bois. Diante da hipótese de ser considerado ladrão, Blau pensa objetivamente no suicídio. Um lampejo de consciência, desencadeado pela noite estrelada, impele-o à vida. Naturalmente as moedas de ouro lhe serão restituídas por tropeiros honestos e tudo acaba bem.
Por outro lado, Blau Nunes é essencialmente um gaudério, um homem que tem de seu apenas o cavalo e as habilidades campeiras e guerreiras. Alguém que pertence ao núcleo dos “de baixo” e que olhas para os “de cima” com certa desconfiança. Mais de uma vez, ele expressará a nostalgia de uma época em que a hierarquia social não fora totalmente estabelecida.
No conto "Correr eguada", o vaqueano lembra do tempo em que o gado ainda era xucro e sem dono. Lembra também que, quando os peões campeavam estes animais soltos na vastidão das coxilhas, tinham direito à sua “tropilhita nova”. A jornada dos contos não estabelece apenas um itinerário geográfico em busca das paragens típicas; também é um percurso existencial, pois o tapejara narra os casos de que participou, traçando a própria autobiografia. Mas esta coincide, ainda, com um período crucial da história do Rio Grande do Sul e a sucessão episódica oferece um panorama ao leitor: as lutas de fronteira, o desenvolvimento do contrabando, a Revolução Farroupilha, a Guerra do Paraguai, finalmente a transformação dos campos abertos em propriedade dos estancieiros-soldados que tudo mandam e tudo podem.

Linguagem e expressão artística

Ao ceder a voz narrativa a Blau Nunes, em Contos Gauchescos, Simões Lopes Neto resolveu um problema contínuo da ficção brasileira: como pode um narrador culto e citadino, expressar-se na forma quase dialetal de determinada região, sem cair no pitoresco e sem parecer falso?
O velho gaudério assume a narração de seus casos, valendo-se de uma espécie de linguagem popular campeira, imperante na campanha, pelo menos durante o século XIX, e que, certamente, já estava em desuso no início do século XX, quando o escritor a fixou literariamente. A fala de Blau Nunes é saborosa, sugestiva, em função de inúmeras e criativas metáforas, e nos dá a impressão de total naturalidade. Nela avultam espanholismos (despacito, entrevero etc.); arcaísmos (escuitar, peor etc.); corruptelas (vancê, desgoto etc.); e uma grande quantidade de termos específicos da região (china, bagual, chiru etc.); sem contar algumas variantes do próprio escritor. O discurso simoniano ultrapassa, portanto, o mero localismo pitoresco e, na sua abrangência, engloba a tradução de um código ético, o testemunho histórico, a revelação psicológica. No fundo de tudo isto reside o substrato folclórico, a utilização literária da fala dialetal, sempre confrontando o homem e a natureza, infundindo uma qualidade simbólica ao mundo imaginário. No resultado final encontramos um desses raros momentos em que o regionalismo brasileiro se desprende do simples documentário para beirar o território do mito.

O narrador
Em Contos Gauchescos percebemos as qualidades do narrador e paralelamente, os seus limites. Tornam-se nítidos a fixação do mundo gauchesco, a oralidade e o regionalismo da linguagem. Para isso, muito vale a estratégia do autor, cedendo a palavra ao vaqueano Blau Nunes.
Contribui para o encantamento verbal a que o narrador nos submete o fato de falar com alguém, um homem mais jovem, possivelmente o próprio Simões Lopes Neto, a quem o gaúcho está contando o seu percurso existencial. Como ele tem um ouvinte, permite-se a indagações, assertivas, reticências, silêncios, criando uma expressão própria inconfundível e que, muito depois, seria retomada – na questão da forma de narrar – por João Guimarães Rosa.
Blau Nunes é o vaqueano que conduz o viajante através dos pagos. Trata-se aqui do portador de um conjunto de valores que expressa a imagem do gaúcho gerada pela tradição coletiva: a grandeza, a hospitalidade, a amizade, a confiança, a audácia e a perspicácia.  O vaqueano contará os seus casos, recolhidos no "trotar sobre tantíssimos rumos". E a sua fala - por ser teoricamente a de um gaudério, a de um peão sem trabalho fixo - se esquivará, por vezes, da exaltação dos pampas e da condição gaúcha, que no fundo, foi sempre uma autoexaltação dos oligarcas sulinos.
Há no tom narrativo de Blau certa neutralidade, destruída aqui e ali pela saudade dos antigos tempos e por certo moralismo de origem cristã. Porém a sua nostalgia vincula-se a uma época na qual o gado ainda xucro era campeado - conforme o relato "Correr eguada" - e os peões tinham direito a sua tropilha nova, fato que não se repetiria numa sociedade cada vez mais dividida entre fazendeiros e trabalhadores.
Por outro lado, a significação moral das histórias exige-se sobre um sentimento de relativo desconforto no narrador com a violência imperante no território gaúcho: a destruição do boi em serventia ("O boi velho"), a carnificina guerreira ("O anjo da vitória") etc.
Ainda que um esforço documental presida a obra, o registro dos costumes nunca é gratuito. Liga-se à ação dos contos e a psicologia simples dos indivíduos. Em três ou quatro narrativas, contudo, o valor do documento é superado por uma legítima sensibilidade artística: "Trezentas onças", "O contrabandista" e "O boi velho" transcendem à condição de espelho da região, atingindo a chamada universalidade das grandes produções literárias.
Se muitos contos permanecem apenas como registro de costumes ou como anedotas bem contadas, a linguagem em todos eles é viva e cheia de dialetismos, o que, em parte, dificulta a leitura. O linguajar gauchesco é reproduzido pelo escritor. Mas a utilização que Simões Lopes Neto faz do regionalismo lingüístico não visa o pitoresco, como acontece na maioria das manifestações artísticas dita regionais. Nele, a expressão típica é uma decorrência dos conteúdos trabalhados, e, por isso mesmo, somos capazes de superar as dificuldades de seu vocabulário.
Há em sua obra o cuidado de reconstruir o timbre familiar das vozes. E isso forneceria a mesma um efeito surpreendente de oralidade, encanto e frescor.
Simões Lopes Neto controla magistralmente os pontos de tensão de cada relato, açulando e, ao mesmo tempo, postergando a expectativa do leitor. A busca do dramático, em certos momentos, é tão intensa que os textos parecem ameaçados pelo excesso, isto é, pelo melodrama barato. No entanto, a intuição do artista mantém os contos nos limites verossímeis daquilo que é autêntica tragédia humana.
Em "Contrabandista", por exemplo, um pai atravessa a fronteira para buscar um vestido de noiva para a filha, mas no dia do casamento, enquanto o noivo, o padre e dezenas de convidados vão chegando, o pai não retorna com o presente. A espera, em plena festa matrimonial, pelo velho contrabandista e seus asseclas é uma das cenas mais exasperantes da ficção brasileira. Também o mísero destino de um animal, cruelmente morto por ricos fazendeiros a quem sempre servira com abnegação, em "O boi velho", é narrado de forma tão meticulosa por Blau Nunes que não há como fugir da comoção que o conto desperta:
O peão puxou da faca e dum golpe enterrou-a até o cabo, no sangradouro do boi manso; quando retirou a mão, já veio nela a golfada espumenta do sangue do coração...
Houve um silenciozito em toda aquela gente.
O boi velho sentindo-se ferido, doendo o talho, quem sabe se entendeu que aquilo seria um castigo, algum pregaço de picana, mal dado por não estar ainda arrumado... – pois vancê creia! – soprando o sangue em borbotões, já meio roncando na respiração, meio cambaleando, o boi velho deu uns passos mais, encostou o corpo ao comprido no cabeçalho do carretão, e meteu a cabeça, certinha, no lugar da canga... e ficou arrumado, esperando... (...)
E ajoelhou... e caiu... e morreu...


O drama humano
Os principais relatos do autor pelotense são aqueles denominados "contos de sangue e paixão". Apesar de todos estes contos documentarem os costumes e as singularidades da região pastoril e apresentarem personagens inseridos na “vida bárbara dos gaúchos”, há neles uma ciranda tão cega e intensa de sentimentos elementares que o puramente regional é ultrapassado por algo maior: o homem universal, com sua cegueira e seus desatinos.
A maldade dos estancieiros, em "O boi velho"; a luta fratricida entre dois comandantes farroupilhas provavelmente por causa de uma mulher, em "Duelo dos Farrapos"; a devoção do pai a sua filha em "Contrabandista"; o ódio e a vingança ilimitada, em "No manantial", "Os cabelos da china" e em "O negro Bonifácio"; a loucura do orgulho ferido, em "Jogo do osso"; o horror da guerra em "O Anjo da Vitória" são exemplos de relatos em que paixões humanas, instintivas e profundas, corrompem a ordem natural e lançam os seres no desconcerto e no aniquilamento.
O Anjo da Vitória, apelido do heróico general Abreu, que lutou contra as forças uruguaias de Artigas, por exemplo, é um desses “contos de sangue e paixão”. Escrito ao que tudo indica para celebrar a valentia épica do guerreiro rio-grandense, o texto acaba dilacerado entre a audácia do comandante que, mesmo após um brutal erro militar – o exército imperial bombardeara e destruíra suas próprias tropas – convoca a soldadesca à luta, e o desespero de Blau Nunes, então um menino de 10 anos que acompanhava um capitão (seu padrinho e protetor) durante o confronto. Assim, ele assiste a todo desastre bélico. No final da história, o canto do heroísmo é substituído pelo tormento do menino, solitário no campo de batalha, entre mortos e feridos.
Trata-se de uma cena devastadora:
Campeei o meu padrinho morto, também, caído ao lado do azulego, arrebentado nas paletas por um tiro de peça; ali junto, apertando ainda a lança, toda lascada, estrebuchava o Hilarião, sem dar acordo, só aiando, só aiando...
Deitado sobre o pescoço do cavalo, comecei a chorar.
Peguei a chamar:
- Padrinho! Padrinho!...
- Hilarião! Meu padrinho!...
Apeei, vim me chegando e chamando – padrinho!... padrinho!... E tomei-lhe a benção, na mão já fria... Puxei a manga do chiru, que já nem bulia.
Sem querer fiquei vendo as forças que iam-se movendo e se distanciando... E num tirão, quando ia montar de novo sem saber pra quê... foi que vi que estava sozinho, abandonado, gaudério e gaúcho, sem ninguém para me cuidar!... (...)
Comi do ruim... Veja vancê que eu era guri e já corria mundo...

ALGUNS CONTOS

Trezentas Onças
Conto narrado em 1ª pessoa, com muita descrição de paisagem. O narrador Blau Nunes conta que, certa vez, viajando sozinho a cavalo, acompanhado apenas de seu cachorro, levava na guaiaca trezentas onças de ouro, destinadas a pagar um gado que compraria para seu patrão. Um certo ponto da viagem, pára para sestear num passo, onde, depois de uma boa soneca, vai refrescar-se com alguns mergulhos na água fresca.
Tornando a vestir-se e a encilhar o zaino, parte em direção à estância da Coronilha, onde devia pousar. Logo que sai a trotar pela estrada, o gaúcho nota que seu cachorro estava inquieto, latindo muito e voltando sobre o rastro, como se quisesse chamar seu dono para o pasto outra vez. Mas Blau Nunes segue seu caminho até chegar à estância da Coronilha. Lá chegando, ao apear do cavalo e cumprimentar o dono da casa, nota que não estava com sua guaiaca. Anuncia que perdera trezentas
onças do patrão e, preocupadíssimo, monta o cavalo outra vez para voltar ao lugar onde teria deixado a guaiaca.
Depois de nova cavalgada, sempre acompanhado do fiel cãozinho, Blau Nunes chega ao passo, já de noite, e não mais encontra a guaiaca no lugar onde tinha certeza de que havia colocado quando se despira para o banho. Desespera-se tanto por imaginar que seu patrão o consideraria um desonesto, que pensa em suicidar-se. Chega a engatinhar o revólver e colocá-lo no ouvido, mas o cusco lambendo-lhe as mãos, o relincho de seu cavalo, o brilho das Três Marias, o canto de um grilo, tudo lhe invoca a presença e a força divina, que o demove daquele ato transloucado.
Assim, o gaúcho reequilibra-se e decide que venderá todos os seus bens e dará um jeito de pagar ao patrão o prejuízo da perda das trezentas onças. E volta para a pousada na estância da Coronilha. É então que tem uma feliz surpresa: sobre a mesa da sala do estanceiro, ao lado da chaleira com que se servia a água do mate, estava a sua guaiaca 'empanzinada de onças de ouro'. Uma comitiva de tropeiros, que chegava à estância no momento em que ele voltava ao passo de sesteada, havia encontrado a guaiaca e a trouxera intacta. E esta foi a saudação que ele recebeu quando entrou na sala: - Louvado seja Jesus Cristo, patrício! Boa noite! Entonces, que tal le foi de susto?
Há nessa narrativa um desequilíbrio ocasionado pela perda da guaiaca, que tenta recuperar-se quando Blau Nunes volta pelo trajeto que havia tropeado a fim de encontrá-la. Há, aí, outro desequilíbrio, através da vontade de se matar por não ter encontrado as trezentas onças. Através da natureza, dos animais, das estrelas, há um novo equilíbrio e Blau Nunes volta pra estância para prestar contas ao seu patrão.

No Manantial
Conto narrado em 3ª pessoa.
Na tapera do Mariano há um manantial. Bem no meio dele, uma roseira, plantada por um defunto, e gente vivente não apanha flores por ser mau agouro. Carreteiros que ali perto acamparam viram duas almas: uma chorava, suspirando; outra, soltava barbaridades. O lugar ficou mal-assombrado.  
Com Mariano morava a filha Maria Altina, duas velhas, a avó da menina e a tia-avó, e a negra Tanásia. Tudo em paz e harmonia. Certa vez foram a um terço na casa do brigadeiro Machado. Maria Altina encontrou o furriel André, e os dois se apaixonaram [conchavo entre o pai e o brigadeiro]. André lhe deu uma rosa vermelha. Em casa, ela plantou o cabo da rosa e a roseira cresceu e floresceu. Surgiu o trato do casamento...o enxoval...
Chicão, filho de Chico Triste, andava enrabichado pela Maria Altina, que não se interessava por ele e tinha-lhe medo. Na casa de Chico Triste houve um batizado. O pai e a tia-avó foram ajudar. Chicão aproveitou-se, foi à casa do Mariano, matou a avó e quis pegar à força Maria Altina. Esta, vendo a avó morta, pegou o cavalo e saiu às disparadas, entrando no manantial. Chicão atrás. Ela some e só fica a rosa do chapéu boiando.
Mãe Tanásia, que se escondera e vira tudo, vai à procura de Mariano. Nesse meio-tempo chegaram a casa os campeiros para comer. Viram a velha morta. Uns ficaram, e outros foram avisar Mariano e procurar Maria Altina...
Mariano apavorou-se, pensando que a filha fugira com o Chicão. Nisso chegou a mãe Tanásia e conta o sucedido. Todos vão ao manantial e encontram Chicão atolado, boiando. Mariano atira e acerta Chicão. O padre que ali está, coloca a cruz na boca da arma e pede que não atire mais. Mariano entra no lamaçal, luta com Chicão e os dois afundam e morrem.
A avó foi enterrada também na encosta do manantial. Uma cruz foi benzida e cravada no solo pelos quatro defuntos.
Mãe Tanásia e a tia-avó foram por caridade, morar na casa do brigadeiro Machado. E como lembrança do macabro acontecimento, ficou, sobre o lodo, ali no manantial, uma roseira baguala, roseira que nasceu do talo da rosa que ficou boiando no lodaçal no dia daquele cardume de estropícios.

O Contrabandista
Narração em 1ª pessoa. Informações históricas. O contrabandista é Jango Jorge. Mão aberta e por isso sem dinheiro. Foi chefe de contrabandistas. Conhecia muito bem lugares pelo cheiro, pelo ouvido, pelo gosto. Fora antes soldado do General José Abreu.
Estava pelos noventa anos, afamilhado com mulher mocetona, filhos e uma filha bela, prendada etc.
O narrador pousa na casa dele, era véspera do casamento da filha. Tudo preparado, Jango Jorge parte para comprar o vestido e os outros complementos de contrabando. É atacado, na volta, pelo guarda que pega o contrabando, mas ele não solta o pacote contendo o vestido e, por isso, é morto. Os amigos levaram o cadáver para casa, contaram como ocorreu e a alegria da festa vira tristeza geral.
No meio do conto é contada a história do contrabando na região, do comércio entre os lugares, os mascates...

Jogo do Osso
Narrado em 1ª pessoa, o conto é bastante descritivo. Começa, dizendo que já viu jogar mulher num jogo. Depois descreve a vendola do Arranhão, um pouco para fora da vila, de propriedade de um meio-gringo, meio-castelhano, que tem faro para negócios: bebida, corrida, jogos etc.
Certo dia choveu e atrapalhou a jogatina. Cessada a chuvarada, resolvem jogar o osso. Explica como se desenvolve a jogatina. Os jogadores eram Osoro, mulherengo, compositor; e Chico Ruivo, domador e agregado num rincão da Estância das Palmas; vivia com Lalica.
Chico só perde e acaba apostando Lalica. Esta com raiva de ter sido incluída na aposta, começa a dançar com Osoro,o ganhador, provocando Chico Ruivo, que não agüentando mais, vara os dois ao mesmo tempo com um facão.
O povo à volta grita para que peguem Chico Ruivo, mas ele foge no cavalo de Osoro. -Pois é, jogaram, criaram confusão, mas nenhum pagou a comissão... Que trastes!..., falou o meio-gringo do bolicho.




Fonte: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/c/contos_gauchescos

Filme "O primo Basílio"

Descortinando as armadilhas da educação romântica.
Observem como Eça de Queirós, à semelhança da obra machadiana, descortinará o real acobertado pelas armadilhas da fantasia e mostrará a verdadeira faceta do ser humano.

A adaptação fílmica é ótima, mas não supera o livro, tá?!!

A história se passa em São Paulo, em 1958. Luísa é uma jovem romântica, frágil e sonhadora, casada com Jorge, um engenheiro envolvido na construção da nova capital nacional, Brasília. O casal faz parte da alta sociedade de São Paulo. Quando Jorge é chamado para Brasília a trabalho, Luísa reencontra seu primo Basílio, sua paixão da juventude. Ela está entediada, sozinha em casa com as empregadas Juliana e Joana. Mas seu tédio não dura muito, pois o primo começa a visitá-la. E Basílio é pouco discreto sobre suas intenções e não demora muito para que ele conquiste Luísa com as histórias de suas viagens pela Europa. As saídas frequentes da moça com seu primo dão o que falar na vizinhança, mas o verdadeiro problema é a amarga empregada Juliana, que consegue provas para chantagear sua patroa.

À propósito da discussão sobre a loucura: história do manicômio de Barbacena

Manicômio de Barbacena




O alienista, Machado de Assis

Análise do conto de Machado de Assis


Alienista: nome dado, antigamente, ao profissional dedicado ao estudo da loucura. Uma espécie de psiquiatra.

“O alienista” ajuda a inaugurar a fase realista de Machado de Assis e apresenta diversas características que a obra desse escritor apresentará a partir de então, tais como a análise psicológica e a crítica social. Devido a sua extensão e outras características, alguns críticos afirmam tratar-se de uma novela; mas como este texto não apresenta as principais características de uma novela (uma maior preocupação com o enredo, superficialidade psicológica das personagens, etc), “O Alienista” é mais comumente classificado como um conto.
Com o narrador onisciente em terceira pessoa, Machado de Assis consegue mostrar e explorar o comportamento humano além das aparências, expondo com grande ironia toda a vaidade e egoísmo do homem. 

Machado de Assis coloca em questão nesse conto as fronteiras entre o que é normal e o que é anormal através de um médico que se esforça em tentar entender os distúrbios psicológicos da população. Dessa forma, pode-se dizer que há uma proximidade entre a personagem do Dr. Simão Bacamarte com o próprio Machado de Assis, uma vez que o autor também está interessado em analisar as atitudes das pessoas e suas relações sociais.

Em torno da figura quase mítica do Dr. Bacamarte, que segue com rigidez e frieza suas teorias científicas, Machado de Assis dispõe outras personagens ricas em detalhes. Dentre toda espécie de tipos sociais, aparece D. Evarista, esposa dedicada, que ama e admira o marido. Porém, por mais que ela respeite todo o conhecimento e sabedoria do alienista, ela não segue suas recomendações médicas e tem ciúmes da dedicação que ele tem aos estudos em detrimento dela. Em contrapartida, temos Crispim Soares, que é o botânico da cidade. Ele admira, respeita e segue tudo o que o Dr. Bacamarte diz, porém, apenas por interesses próprios, de forma a conseguir vantagens através do alienista. Além dessas duas personagens, temos o barbeiro Porfírio, homem que representa o político preocupado somente em obter vantagens pessoais.

Estrutura da obra
Trata-se de um conto um tanto longo, estruturado em treze capítulos. Quanto à montagem, é interessante observar que Machado de Assis se fundamenta em possíveis "crônicas". Observe que, com alguma freqüência, ele se refere aos "cronistas" e às "crônicas da vila de Itaguaí" como, aliás, tem início O Alienista:"As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas." .
Também o fecho do conto apresenta a mesma referência: "Dizem os cronistas que ele morreu dali a dezessete meses, no mesmo estado em que entrou, sem ter podido alcançar nada". 

Foco narrativo
O narrador é em 3ª pessoa, portanto, onisciente. A intenção do narrador é a análise do comportamento humano: vai além das aparências e procura atingir os motivos essenciais da conduta humana, descobrindo, no homem, o egoísmo e a vaidade. A intencionalidade crítica do narrador não se reflete somente ao ser humano de forma geral. Ele critica, também, a postura do cientista e do extremo cientificismo do final do século XIX. Conseqüentemente, o narrador termina por criticar a Escola Naturalista.

Características de Machado de Assis encontradas no conto O Alienista
1. Frases Curtas. 
2. Linguagem correta
3. Conversa com o Leitor.
4. Análise psicológica das personagens

Casa de Orates - "Casa de Loucos". E, aparentemente, ele deseja servir à ciência. Porém, por trás dos atos aparentemente bons, surpreende-se a intenção verdadeira de Bacamarte:atingir a glória e ser a pessoa mais importante de Itaguaí. É Machado desmascarando a hipocrisia humana.
O objetivo de Simão Bacamarte - Conhecer as fronteiras entre a razão e a loucura. Na realidade, ele pretendia buscara glória, através de um estudo da patologia cerebral.Obs.: através de Bacamarte, Machado de Assis critica os cientistas da época, que, para ele, não tinham os conhecimentos suficientes e necessários. Esse conhecimento era bazófia (da boca para fora).
Simão Bacamarte e o sanatório - A aprovação cessa quando Simão Bacamarte recolhe, na Casa Verde, pessoas em cuja loucura a população não acredita. Para Simão Bacamarte, o homem é considerado um caso que deve ser analisado cientificamente.Obs.: Machado de Assis critica a postura cientificista que não vê o ser humano na sua integridade corpo x alma.

As teorias de Simão Bacamarte
Teoria 1: são loucos aqueles que apresentarem um comportamento anormal de acordo com o conhecimento da maioria.
Teoria 2: ampliou o território da loucura: "A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades, fora daí, insânia, insânia e só insânia."
Teoria 3: os loucos agora são os leais, os justos, os honestos e imparciais. Dizia que se devia admitir como normal o desequilíbrio das faculdades e como patológico,o seu equilíbrio.
Teoria 4: o único ser perfeito de Itaguaí era o próprio Simão Bacamarte. Logo, somente ele deveria ir para a Casa Verde.
Tempo / Ação
Percebe-se que toda a história se passa no passado, havendo o uso do flashback: "As crônicas da Vila de Itaguaí dizem que, em tempos remotos, vivera ali um certo médico: o Dr. Sr. Bacamarte.
"O tempos remotos" a que se referem as crônicas, pelas indicações dadas, se remontam à primeira metade do século XVIII (= reinado de D. João V). 
A ação transcorre, como já se viu, em Itaguaí, "cidadezinha do Estado do Rio de Janeiro, comarca de Iguaçu", conforme declara o crítico Massaud Moisés em nota de pé-de-página da edição que estamos consultando.

O conto
1. Aspectos de crítica sócio-política: Na figura do Porfírio, analisa-se o político sempre buscando vantagens pessoais. No povo da cidade de Itaguaí, percebe-se a submissão, a fácil manipulação, bastando, para isso, conhecimento ou liderança.
2. Humor amargo de Machado de Assis - visão irônica e amarga que enfatiza aspectos negativos denunciadores da frustração humana: o autor utiliza o humor para criticar a hipocrisia humana, provocada por um sistema social regido pela falta de valores. O homem, para Machado, é acima de tudo, ganancioso e movido pela intenção de poder.
3. "Simão Bacamarte aparece como símbolo de um saber duvidoso, pois não se revela senão em estado de pânico em que põe o universo, quando ele procura determinar uma norma geral de conduta para o comportamento humano,igualando, rasteiramente, todos os indivíduos". "É a deformação do "cientista" que toma como verdade absoluta os pressupostos da ciência e comete, em seu nome, equívocos sucessivos sem dar pelo absurdo de suas pretensões". Machado de Assis chama a atenção para a relatividade da ciência. Observe-se que, a cada teoria que ele cria, ele pensa estar diante de uma verdade absoluta para, em seguida, perceber que isso não é verdade.

4. Em O Alienista, Machado de Assis revela uma visão satírica e irônica da mentalidade cientificista que marca o século XIX - O Naturalismo. O Realismo aproveita, também, nos seus romances, algumas características filosófico-científicas da época. Porém, condena os excessos do Naturalismo.

Personagens

Dr. Simão Bacamarte - é o protagonista da estória. A ciência era o seu universo – o seu "emprego único", como diz. "Homem de Ciência, e só de Ciência, nada o consternava fora da Ciência" (p. 189). Representa bem a caricatura do depotismo cientificista do século XIX (como está no próprio sobrenome). Acabou se tornando vítima de suas próprias idéias, recolhendo-se à Casa Verde por se considerar o único cérebro bem organizado de Itaguaí. 

D. Evarista - é a eleita do Dr. Bacamarte para consorte de suas glórias científicas. Embora não fosse "bonita nem simpática", o doutor a escolheu para esposa porque ela "reuni condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem", estando apta para dar-lhes filhos robustos, são e inteligentes". Chegou a ser recolhida à Casa Verde, certa vez, por manifestar algum desequilíbrio mental. 
Crispim Soares - era o boticário. Muito amigo do Dr. Bacamarte e grande admirador de sua obra humanitária. Também passou pela Casa Verde, pois não soube "ser prudente em tempos de revolução", aderindo, momentaneamente, à causa do barbeiro. 
Padre Lopes - era o vigário local. Homem de muitas virtudes, foi recolhido também à Casa Verde por isso mesmo. Depois foi posto em liberdade porque sua reverendíssima se saiu muito bem numa tradução de grego e hebraico, embora não soubesse nada dessas línguas. Foi considerado normal apesar da aureola de santo. 
Porfírio, o barbeiro - sua participação no conto é das mais importantes, posto que representa a caricatura política na satírica machadiana. Representa bem a ambição de poder, quando lidera a rebelião que depôs o governo legal. Foi preso na Casa Verde duas vezes; primeiro, por Ter liderado a rebelião; segundo, porque se negou a participar de uma Segunda revolução: "preso por Ter cão, preso por não Ter cão" (pg 229). 
Outros figurantes aparecem no conto. Cada um representando anomalias e possíveis virtudes do ser humano. Há loucos de todos os tipos no livro. Daí a presença de tanta gente...

Enredo

O protagonista, depois de títulos e feitos conquistados na Europa (apesar de suas ações aparentemente disparatadas, a personagem é alguém amplamente aceito pelo Estado, estabelece-se em Itaguaí com a ideia de criar um manicômio (Casa Verde), que lhe seria um meio de estudar os limites entre razão e loucura. No entanto, sua metodologia de estudo é que o diferenciará radicalmente de Machado de Assis. Em sua frieza analítica, Simão assumirá um tom tão rígido que acabará se tornando caricaturesco, falho e absurdo (parece haver aqui critica ao rigor analítico do determinismo cientificista que andava em moda na literatura da época de Machado de Assis, principalmente a de aspecto naturalista). O problema é que o especialista vem investido do apoio oficial de todo o aparelho do Estado, o que faz alguns críticos enxergarem nessa obra não uma preocupação com a abordagem psicológica, mas uma crítica de alcance político. O conto seria, portanto, uma forma de questionamento contra o autoritarismo massacrante do sistema. 
Os primeiros internados no hospício foram casos notórios e perfeitamente aceitos pela sociedade de Itaguaí. Mas começa a haver uma sequência de escolhas que surpreendem os cidadãos da pequena cidade. O primeiro é o Costa, que havia torrado sua herança em empréstimos que se tornaram fundo perdido. O pior é que se sentia envergonhado de cobrar seus devedores, passando a ser até maltratado por estes. Depois foi a prima do mão-aberta, que tinha ido defender seu parente com uma mirabolante história de que a decrepitude financeira se devia a uma maldição (o mais hilário é que essa mulher fora ao hospício para defender o primo e, após contar tal história, acaba sendo na hora internada. Aumenta, aqui, o terror sobre uma figura tão déspota e traiçoeira como Simão Bacamarte, pelo menos na visão do povo de Itaguaí).
Após esses, é internado o barbeiro Mateus (profissional que faz albardas, ou seja, selas para bestas de carga. É uma profissão bastante humilde, tanto que a palavra albarda também significa  humilhação. Há, portanto, uma carga negativa associada a essa profissão. Ter isso em mente ajuda na interpretação do episódio), que se deliciava em ficar horas admirando o luxo de sua enorme casa, ainda mais quando notava que estava sendo observado. Essa personagem serve para que reflitamos questões como a valorização exagerada do status e até mesmo uma análise do preconceito, pois a maioria da cidade não aceitava um homem de origem e trabalho humilde possuir e ostentar tanta riqueza. 
Apenas esses atos já foram suficientes para deixar a cidade em polvorosa. Assim, todos anseiam pela volta de D. Evarista, esposa de Simão Bacamarte, que havia ido para o Rio de Janeiro como maneira de compensar a ausência do marido, tão mergulhado que estava em seus estudos (é interessante lembrar a relação que o casal estabelece. Ela é extremamente apaixonada, algumas vezes dramática (se bem que o narrador deixa um tom de descrédito ao sempre afirmar que essa caracterização é baseada nos cronistas da época). Ele é frio, unindo-se a uma mulher não preocupado com sua beleza, mas com aspectos práticos, como a capacidade, o vigor para reprodução. Chega até a bendizer o fato de ela não ser bonita, pois seria menos dor de cabeça). Para os cidadãos, ela era a esperança de salvação daquele terror constante e aparentemente arbitrário. Por isso, a maneira festiva com que foi recebida.
No entanto, em meio a um jantar em homenagem à salvadora senhora, Martim Brito, um jovem dotado de exibicionismo de linguagem, faz um elogio um tanto exagerado: Deus queria superar a Si mesmo quando da concepção de D. Evarista. Dias depois, o janota estava internado.
Logo após, Gil Bernardes, que adorava cumprimentar todos, até mesmo crianças, de maneira até espalhafatosa, é confinado. Depois Coelho, que falava tanto a ponto de alguns fugirem de sua presença.
Pasma diante de aparente falta de critério, Itaguaí acaba tornando-se um barril de pólvora prestes a explodir. Aproveitando-se dessa situação, o barbeiro Porfírio, que há muito queria fazer parte da estrutura de poder, mas sempre tinha sido rejeitado, arma um protesto com intenções revolucionárias (note que a questão é pessoal: Coelho tinha negócios importantes com Porfírio que tinha sido interrompidos com a internação, sem mencionar o sonho por poder da personagem é disfarçada em preocupações altruístas). Bem machadiano esse aspecto dilemático da realidade). 
Depois de ter seu requerimento desprezado pela Câmara de Vereadores, une-se a vários outros descontentes. Há um esmorecimento quando se descobre que Simão havia pedido para não receber mais pelos internos da Casa Verde. Configura-se a ideia de que as inúmeras reclusões não eram movidas por corruptos interesses econômicos.
No entanto, Porfírio consegue fôlego e institui uma insurreição, que recebe até o seu apelido: Revolta dos Canjicas. Vão até a casa do alienista, mas este os recebe, de sua sacada, de forma equilibrada e sem a mínima disposição em se demover de sua metodologia científica. A fúria, que tinha sido momentaneamente aplacada pela frieza do oponente, é instigada quando este lhes dá as costas e volta aos seus estudos.
Providencialmente, a polícia da época (dragões) surge com a intenção de sufocar o levante. O mais espantoso é que, justo nesse momento em que o jogo parecia perdido para Porfírio, tudo se volta a seu favor: os componentes da guarda, provavelmente enxergando injustiça na ditadura científica, passam para o lado dos revoltosos. Era tudo o que o líder mais queria – poder absoluto.
Surpreendentemente (ou não), fortalecido, Porfírio esquece a Casa Verde e se dirige para a Câmara dos Vereadores para destituí-la. Senhor supremo, no dia seguinte encontra-se com o alienista, que já friamente (como de costume) esperava ser demitido. Impressionantemente, o novo governante afirma que não vai meter-se em questões científicas. 
Configura-se aqui uma crítica a tantas revoluções que ocorreram na História e que estão por ocorrer. Entende-se que elas são na realidade movidas por interesses coletivos autênticos, mas que acabam sendo manipuladas e servindo de trampolim para que determinadas pessoas subam ao poder por outros motivos, mais egoístas.
Provavelmente todas essas ideias passaram na mente de Simão no momento em que Porfírio veio expressar-lhe apoio em seu trabalho sanitário. Tanto que pergunta quantos pessoas haviam morrido na revolução. São os dois casos que descobre como matéria de estudo. O primeiro é o fato de gente ter perdido a vida por um levante que tinha a intenção de derrubar a Casa Verde e agora tudo ficar esquecido. O segundo é o Porfírio antes se levantar ferozmente contra Porfírio e agora considerá-lo de extrema utilidade para o seu novo governo. O que virá daí já se sabe.
Dias depois, 50 apoiadores da revolução são internados. Porfírio ficou desnorteado, mais ainda porque um seu opositor, o barbeiro João Pina, levanta-se contra. Na realidade, este não estava interessado em questões sociais, mas tinha uma rixa pessoal com o outro barbeiro. Conseqüência: arma uma balbúrdia tamanha que acaba derrubando o Canjica. 
Mas o novo poder não destitui a Casa Verde. Fortalece-a. Mais gente é confinada. Crispim, assistente e bajulador do alienista, que apóia Porfírio no momento que pensava que Simão havia caído. Depois o Presidente da Câmara dos Vereadores. O clímax deu-se quando a própria esposa do alienista, extremamente preocupada com jóias e vestidos, a ponto de não conseguir dormir por não saber como iria numa festa, acaba sendo internada. Ao mesmo tempo que era a prova de que Bacamarte não tinha intenções egoístas, pois até a própria consorte tinha se tornado vítima, tornava também patente a arbitrariedade a que Itaguaí estava submetida.
Certo tempo depois, como num feito rocambólico, a cidade recebe a notícia de que Simão determinou a soltura de todos os “loucos” da Casa Verde. Na verdade, o cientista havia notado que 75% dos moradores estavam confinados. Estatisticamente, portanto, sua teoria estava errada, merecendo ser refeita.
Esse recuo, além de demonstrar um rigor científico louvável, pois demonstra que o protagonista não está preocupado com vaidade, tanto que reconhece que erra, exibe mais elementos interessantes para a interpretação do conto. Pode-se dizer que exibe uma questão polêmica: quem é normal? O que segue a maioria? Se 75% apresentam desvios de personalidade, desvios do padrão (era essa, finalmente revelada, a regra que determinava quem era e quem não era são), então o normal seria não seguir um padrão. Fora essa questão polêmica, deve-se perceber a força que o Estado, por meio da Casa Verde (tanto é que mudavam os poderosos, mas o sistema continuava o mesmo), assumia em determinar quem estava na linha e quem não estava. Todos tinham de se encaixar a uma norma.
Enfim, dentro da nova teoria (louco era quem mantinha regularidade, firmeza de caráter), o terror recomeça. O vereador Galvão é o primeiro a ser internado, porque havia protestado contra uma emenda da Câmara que instituía que somente os vereadores é que não poderiam ser reclusos. Sua alegação era a de que os edis não podiam legislar em causa própria. A esposa dedicada de Crispim é também alocada na Casa Verde. O barbeiro fica louco. Um inimigo de Simão se vê na obrigação de avisar o alienista do risco de vida que o cientista corria. Por tal desprendimento, na hora acaba sendo confinado. Até Porfírio, volta a ser preso, pois, conclamado a preparar outra revolta, recusa-se, pois se tocou que gente havia perdido a vida na Revolta dos Canjicas para o resultado ser infrutífero. Ao ser preso, resumiu bem sua situação: preso por ter cão, preso por não ter cão.
Alguns casos são interessantes. Pessoas que se demonstram firmes em sua personalidade são consideradas curadas quando exibem algum desvio de caráter. Assim foi com um advogado de conduta exemplar que só não foi internado porque havia forçado um testamento a ter a partilha do jeito que queria. Ou então quando a esposa do Crispim xinga-o ao descobrir o verdadeiro caráter do marido.
Porém, fora esses casos, Simão vai percebendo que seu segundo método era falho, pois ninguém naturalmente tinha uma personalidade reta, perfeita. Com exceção dele próprio. É por isso que, após muita reflexão e muita conversa com pessoas notórias da cidade, principalmente o padre (que já havia sido internado), conclui que o único anormal era ele próprio. A despeito dos protestos de muitos, inclusive de D. Evarista, decide, pois, soltar todos mais uma vez e encerrar-se sozinho na Casa Verde para o resto de sua vida.


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