25 de out. de 2015

Filme "O primo Basílio"

Descortinando as armadilhas da educação romântica.
Observem como Eça de Queirós, à semelhança da obra machadiana, descortinará o real acobertado pelas armadilhas da fantasia e mostrará a verdadeira faceta do ser humano.

A adaptação fílmica é ótima, mas não supera o livro, tá?!!

A história se passa em São Paulo, em 1958. Luísa é uma jovem romântica, frágil e sonhadora, casada com Jorge, um engenheiro envolvido na construção da nova capital nacional, Brasília. O casal faz parte da alta sociedade de São Paulo. Quando Jorge é chamado para Brasília a trabalho, Luísa reencontra seu primo Basílio, sua paixão da juventude. Ela está entediada, sozinha em casa com as empregadas Juliana e Joana. Mas seu tédio não dura muito, pois o primo começa a visitá-la. E Basílio é pouco discreto sobre suas intenções e não demora muito para que ele conquiste Luísa com as histórias de suas viagens pela Europa. As saídas frequentes da moça com seu primo dão o que falar na vizinhança, mas o verdadeiro problema é a amarga empregada Juliana, que consegue provas para chantagear sua patroa.

À propósito da discussão sobre a loucura: história do manicômio de Barbacena

Manicômio de Barbacena




O alienista, Machado de Assis

Análise do conto de Machado de Assis


Alienista: nome dado, antigamente, ao profissional dedicado ao estudo da loucura. Uma espécie de psiquiatra.

“O alienista” ajuda a inaugurar a fase realista de Machado de Assis e apresenta diversas características que a obra desse escritor apresentará a partir de então, tais como a análise psicológica e a crítica social. Devido a sua extensão e outras características, alguns críticos afirmam tratar-se de uma novela; mas como este texto não apresenta as principais características de uma novela (uma maior preocupação com o enredo, superficialidade psicológica das personagens, etc), “O Alienista” é mais comumente classificado como um conto.
Com o narrador onisciente em terceira pessoa, Machado de Assis consegue mostrar e explorar o comportamento humano além das aparências, expondo com grande ironia toda a vaidade e egoísmo do homem. 

Machado de Assis coloca em questão nesse conto as fronteiras entre o que é normal e o que é anormal através de um médico que se esforça em tentar entender os distúrbios psicológicos da população. Dessa forma, pode-se dizer que há uma proximidade entre a personagem do Dr. Simão Bacamarte com o próprio Machado de Assis, uma vez que o autor também está interessado em analisar as atitudes das pessoas e suas relações sociais.

Em torno da figura quase mítica do Dr. Bacamarte, que segue com rigidez e frieza suas teorias científicas, Machado de Assis dispõe outras personagens ricas em detalhes. Dentre toda espécie de tipos sociais, aparece D. Evarista, esposa dedicada, que ama e admira o marido. Porém, por mais que ela respeite todo o conhecimento e sabedoria do alienista, ela não segue suas recomendações médicas e tem ciúmes da dedicação que ele tem aos estudos em detrimento dela. Em contrapartida, temos Crispim Soares, que é o botânico da cidade. Ele admira, respeita e segue tudo o que o Dr. Bacamarte diz, porém, apenas por interesses próprios, de forma a conseguir vantagens através do alienista. Além dessas duas personagens, temos o barbeiro Porfírio, homem que representa o político preocupado somente em obter vantagens pessoais.

Estrutura da obra
Trata-se de um conto um tanto longo, estruturado em treze capítulos. Quanto à montagem, é interessante observar que Machado de Assis se fundamenta em possíveis "crônicas". Observe que, com alguma freqüência, ele se refere aos "cronistas" e às "crônicas da vila de Itaguaí" como, aliás, tem início O Alienista:"As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas." .
Também o fecho do conto apresenta a mesma referência: "Dizem os cronistas que ele morreu dali a dezessete meses, no mesmo estado em que entrou, sem ter podido alcançar nada". 

Foco narrativo
O narrador é em 3ª pessoa, portanto, onisciente. A intenção do narrador é a análise do comportamento humano: vai além das aparências e procura atingir os motivos essenciais da conduta humana, descobrindo, no homem, o egoísmo e a vaidade. A intencionalidade crítica do narrador não se reflete somente ao ser humano de forma geral. Ele critica, também, a postura do cientista e do extremo cientificismo do final do século XIX. Conseqüentemente, o narrador termina por criticar a Escola Naturalista.

Características de Machado de Assis encontradas no conto O Alienista
1. Frases Curtas. 
2. Linguagem correta
3. Conversa com o Leitor.
4. Análise psicológica das personagens

Casa de Orates - "Casa de Loucos". E, aparentemente, ele deseja servir à ciência. Porém, por trás dos atos aparentemente bons, surpreende-se a intenção verdadeira de Bacamarte:atingir a glória e ser a pessoa mais importante de Itaguaí. É Machado desmascarando a hipocrisia humana.
O objetivo de Simão Bacamarte - Conhecer as fronteiras entre a razão e a loucura. Na realidade, ele pretendia buscara glória, através de um estudo da patologia cerebral.Obs.: através de Bacamarte, Machado de Assis critica os cientistas da época, que, para ele, não tinham os conhecimentos suficientes e necessários. Esse conhecimento era bazófia (da boca para fora).
Simão Bacamarte e o sanatório - A aprovação cessa quando Simão Bacamarte recolhe, na Casa Verde, pessoas em cuja loucura a população não acredita. Para Simão Bacamarte, o homem é considerado um caso que deve ser analisado cientificamente.Obs.: Machado de Assis critica a postura cientificista que não vê o ser humano na sua integridade corpo x alma.

As teorias de Simão Bacamarte
Teoria 1: são loucos aqueles que apresentarem um comportamento anormal de acordo com o conhecimento da maioria.
Teoria 2: ampliou o território da loucura: "A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades, fora daí, insânia, insânia e só insânia."
Teoria 3: os loucos agora são os leais, os justos, os honestos e imparciais. Dizia que se devia admitir como normal o desequilíbrio das faculdades e como patológico,o seu equilíbrio.
Teoria 4: o único ser perfeito de Itaguaí era o próprio Simão Bacamarte. Logo, somente ele deveria ir para a Casa Verde.
Tempo / Ação
Percebe-se que toda a história se passa no passado, havendo o uso do flashback: "As crônicas da Vila de Itaguaí dizem que, em tempos remotos, vivera ali um certo médico: o Dr. Sr. Bacamarte.
"O tempos remotos" a que se referem as crônicas, pelas indicações dadas, se remontam à primeira metade do século XVIII (= reinado de D. João V). 
A ação transcorre, como já se viu, em Itaguaí, "cidadezinha do Estado do Rio de Janeiro, comarca de Iguaçu", conforme declara o crítico Massaud Moisés em nota de pé-de-página da edição que estamos consultando.

O conto
1. Aspectos de crítica sócio-política: Na figura do Porfírio, analisa-se o político sempre buscando vantagens pessoais. No povo da cidade de Itaguaí, percebe-se a submissão, a fácil manipulação, bastando, para isso, conhecimento ou liderança.
2. Humor amargo de Machado de Assis - visão irônica e amarga que enfatiza aspectos negativos denunciadores da frustração humana: o autor utiliza o humor para criticar a hipocrisia humana, provocada por um sistema social regido pela falta de valores. O homem, para Machado, é acima de tudo, ganancioso e movido pela intenção de poder.
3. "Simão Bacamarte aparece como símbolo de um saber duvidoso, pois não se revela senão em estado de pânico em que põe o universo, quando ele procura determinar uma norma geral de conduta para o comportamento humano,igualando, rasteiramente, todos os indivíduos". "É a deformação do "cientista" que toma como verdade absoluta os pressupostos da ciência e comete, em seu nome, equívocos sucessivos sem dar pelo absurdo de suas pretensões". Machado de Assis chama a atenção para a relatividade da ciência. Observe-se que, a cada teoria que ele cria, ele pensa estar diante de uma verdade absoluta para, em seguida, perceber que isso não é verdade.

4. Em O Alienista, Machado de Assis revela uma visão satírica e irônica da mentalidade cientificista que marca o século XIX - O Naturalismo. O Realismo aproveita, também, nos seus romances, algumas características filosófico-científicas da época. Porém, condena os excessos do Naturalismo.

Personagens

Dr. Simão Bacamarte - é o protagonista da estória. A ciência era o seu universo – o seu "emprego único", como diz. "Homem de Ciência, e só de Ciência, nada o consternava fora da Ciência" (p. 189). Representa bem a caricatura do depotismo cientificista do século XIX (como está no próprio sobrenome). Acabou se tornando vítima de suas próprias idéias, recolhendo-se à Casa Verde por se considerar o único cérebro bem organizado de Itaguaí. 

D. Evarista - é a eleita do Dr. Bacamarte para consorte de suas glórias científicas. Embora não fosse "bonita nem simpática", o doutor a escolheu para esposa porque ela "reuni condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem", estando apta para dar-lhes filhos robustos, são e inteligentes". Chegou a ser recolhida à Casa Verde, certa vez, por manifestar algum desequilíbrio mental. 
Crispim Soares - era o boticário. Muito amigo do Dr. Bacamarte e grande admirador de sua obra humanitária. Também passou pela Casa Verde, pois não soube "ser prudente em tempos de revolução", aderindo, momentaneamente, à causa do barbeiro. 
Padre Lopes - era o vigário local. Homem de muitas virtudes, foi recolhido também à Casa Verde por isso mesmo. Depois foi posto em liberdade porque sua reverendíssima se saiu muito bem numa tradução de grego e hebraico, embora não soubesse nada dessas línguas. Foi considerado normal apesar da aureola de santo. 
Porfírio, o barbeiro - sua participação no conto é das mais importantes, posto que representa a caricatura política na satírica machadiana. Representa bem a ambição de poder, quando lidera a rebelião que depôs o governo legal. Foi preso na Casa Verde duas vezes; primeiro, por Ter liderado a rebelião; segundo, porque se negou a participar de uma Segunda revolução: "preso por Ter cão, preso por não Ter cão" (pg 229). 
Outros figurantes aparecem no conto. Cada um representando anomalias e possíveis virtudes do ser humano. Há loucos de todos os tipos no livro. Daí a presença de tanta gente...

Enredo

O protagonista, depois de títulos e feitos conquistados na Europa (apesar de suas ações aparentemente disparatadas, a personagem é alguém amplamente aceito pelo Estado, estabelece-se em Itaguaí com a ideia de criar um manicômio (Casa Verde), que lhe seria um meio de estudar os limites entre razão e loucura. No entanto, sua metodologia de estudo é que o diferenciará radicalmente de Machado de Assis. Em sua frieza analítica, Simão assumirá um tom tão rígido que acabará se tornando caricaturesco, falho e absurdo (parece haver aqui critica ao rigor analítico do determinismo cientificista que andava em moda na literatura da época de Machado de Assis, principalmente a de aspecto naturalista). O problema é que o especialista vem investido do apoio oficial de todo o aparelho do Estado, o que faz alguns críticos enxergarem nessa obra não uma preocupação com a abordagem psicológica, mas uma crítica de alcance político. O conto seria, portanto, uma forma de questionamento contra o autoritarismo massacrante do sistema. 
Os primeiros internados no hospício foram casos notórios e perfeitamente aceitos pela sociedade de Itaguaí. Mas começa a haver uma sequência de escolhas que surpreendem os cidadãos da pequena cidade. O primeiro é o Costa, que havia torrado sua herança em empréstimos que se tornaram fundo perdido. O pior é que se sentia envergonhado de cobrar seus devedores, passando a ser até maltratado por estes. Depois foi a prima do mão-aberta, que tinha ido defender seu parente com uma mirabolante história de que a decrepitude financeira se devia a uma maldição (o mais hilário é que essa mulher fora ao hospício para defender o primo e, após contar tal história, acaba sendo na hora internada. Aumenta, aqui, o terror sobre uma figura tão déspota e traiçoeira como Simão Bacamarte, pelo menos na visão do povo de Itaguaí).
Após esses, é internado o barbeiro Mateus (profissional que faz albardas, ou seja, selas para bestas de carga. É uma profissão bastante humilde, tanto que a palavra albarda também significa  humilhação. Há, portanto, uma carga negativa associada a essa profissão. Ter isso em mente ajuda na interpretação do episódio), que se deliciava em ficar horas admirando o luxo de sua enorme casa, ainda mais quando notava que estava sendo observado. Essa personagem serve para que reflitamos questões como a valorização exagerada do status e até mesmo uma análise do preconceito, pois a maioria da cidade não aceitava um homem de origem e trabalho humilde possuir e ostentar tanta riqueza. 
Apenas esses atos já foram suficientes para deixar a cidade em polvorosa. Assim, todos anseiam pela volta de D. Evarista, esposa de Simão Bacamarte, que havia ido para o Rio de Janeiro como maneira de compensar a ausência do marido, tão mergulhado que estava em seus estudos (é interessante lembrar a relação que o casal estabelece. Ela é extremamente apaixonada, algumas vezes dramática (se bem que o narrador deixa um tom de descrédito ao sempre afirmar que essa caracterização é baseada nos cronistas da época). Ele é frio, unindo-se a uma mulher não preocupado com sua beleza, mas com aspectos práticos, como a capacidade, o vigor para reprodução. Chega até a bendizer o fato de ela não ser bonita, pois seria menos dor de cabeça). Para os cidadãos, ela era a esperança de salvação daquele terror constante e aparentemente arbitrário. Por isso, a maneira festiva com que foi recebida.
No entanto, em meio a um jantar em homenagem à salvadora senhora, Martim Brito, um jovem dotado de exibicionismo de linguagem, faz um elogio um tanto exagerado: Deus queria superar a Si mesmo quando da concepção de D. Evarista. Dias depois, o janota estava internado.
Logo após, Gil Bernardes, que adorava cumprimentar todos, até mesmo crianças, de maneira até espalhafatosa, é confinado. Depois Coelho, que falava tanto a ponto de alguns fugirem de sua presença.
Pasma diante de aparente falta de critério, Itaguaí acaba tornando-se um barril de pólvora prestes a explodir. Aproveitando-se dessa situação, o barbeiro Porfírio, que há muito queria fazer parte da estrutura de poder, mas sempre tinha sido rejeitado, arma um protesto com intenções revolucionárias (note que a questão é pessoal: Coelho tinha negócios importantes com Porfírio que tinha sido interrompidos com a internação, sem mencionar o sonho por poder da personagem é disfarçada em preocupações altruístas). Bem machadiano esse aspecto dilemático da realidade). 
Depois de ter seu requerimento desprezado pela Câmara de Vereadores, une-se a vários outros descontentes. Há um esmorecimento quando se descobre que Simão havia pedido para não receber mais pelos internos da Casa Verde. Configura-se a ideia de que as inúmeras reclusões não eram movidas por corruptos interesses econômicos.
No entanto, Porfírio consegue fôlego e institui uma insurreição, que recebe até o seu apelido: Revolta dos Canjicas. Vão até a casa do alienista, mas este os recebe, de sua sacada, de forma equilibrada e sem a mínima disposição em se demover de sua metodologia científica. A fúria, que tinha sido momentaneamente aplacada pela frieza do oponente, é instigada quando este lhes dá as costas e volta aos seus estudos.
Providencialmente, a polícia da época (dragões) surge com a intenção de sufocar o levante. O mais espantoso é que, justo nesse momento em que o jogo parecia perdido para Porfírio, tudo se volta a seu favor: os componentes da guarda, provavelmente enxergando injustiça na ditadura científica, passam para o lado dos revoltosos. Era tudo o que o líder mais queria – poder absoluto.
Surpreendentemente (ou não), fortalecido, Porfírio esquece a Casa Verde e se dirige para a Câmara dos Vereadores para destituí-la. Senhor supremo, no dia seguinte encontra-se com o alienista, que já friamente (como de costume) esperava ser demitido. Impressionantemente, o novo governante afirma que não vai meter-se em questões científicas. 
Configura-se aqui uma crítica a tantas revoluções que ocorreram na História e que estão por ocorrer. Entende-se que elas são na realidade movidas por interesses coletivos autênticos, mas que acabam sendo manipuladas e servindo de trampolim para que determinadas pessoas subam ao poder por outros motivos, mais egoístas.
Provavelmente todas essas ideias passaram na mente de Simão no momento em que Porfírio veio expressar-lhe apoio em seu trabalho sanitário. Tanto que pergunta quantos pessoas haviam morrido na revolução. São os dois casos que descobre como matéria de estudo. O primeiro é o fato de gente ter perdido a vida por um levante que tinha a intenção de derrubar a Casa Verde e agora tudo ficar esquecido. O segundo é o Porfírio antes se levantar ferozmente contra Porfírio e agora considerá-lo de extrema utilidade para o seu novo governo. O que virá daí já se sabe.
Dias depois, 50 apoiadores da revolução são internados. Porfírio ficou desnorteado, mais ainda porque um seu opositor, o barbeiro João Pina, levanta-se contra. Na realidade, este não estava interessado em questões sociais, mas tinha uma rixa pessoal com o outro barbeiro. Conseqüência: arma uma balbúrdia tamanha que acaba derrubando o Canjica. 
Mas o novo poder não destitui a Casa Verde. Fortalece-a. Mais gente é confinada. Crispim, assistente e bajulador do alienista, que apóia Porfírio no momento que pensava que Simão havia caído. Depois o Presidente da Câmara dos Vereadores. O clímax deu-se quando a própria esposa do alienista, extremamente preocupada com jóias e vestidos, a ponto de não conseguir dormir por não saber como iria numa festa, acaba sendo internada. Ao mesmo tempo que era a prova de que Bacamarte não tinha intenções egoístas, pois até a própria consorte tinha se tornado vítima, tornava também patente a arbitrariedade a que Itaguaí estava submetida.
Certo tempo depois, como num feito rocambólico, a cidade recebe a notícia de que Simão determinou a soltura de todos os “loucos” da Casa Verde. Na verdade, o cientista havia notado que 75% dos moradores estavam confinados. Estatisticamente, portanto, sua teoria estava errada, merecendo ser refeita.
Esse recuo, além de demonstrar um rigor científico louvável, pois demonstra que o protagonista não está preocupado com vaidade, tanto que reconhece que erra, exibe mais elementos interessantes para a interpretação do conto. Pode-se dizer que exibe uma questão polêmica: quem é normal? O que segue a maioria? Se 75% apresentam desvios de personalidade, desvios do padrão (era essa, finalmente revelada, a regra que determinava quem era e quem não era são), então o normal seria não seguir um padrão. Fora essa questão polêmica, deve-se perceber a força que o Estado, por meio da Casa Verde (tanto é que mudavam os poderosos, mas o sistema continuava o mesmo), assumia em determinar quem estava na linha e quem não estava. Todos tinham de se encaixar a uma norma.
Enfim, dentro da nova teoria (louco era quem mantinha regularidade, firmeza de caráter), o terror recomeça. O vereador Galvão é o primeiro a ser internado, porque havia protestado contra uma emenda da Câmara que instituía que somente os vereadores é que não poderiam ser reclusos. Sua alegação era a de que os edis não podiam legislar em causa própria. A esposa dedicada de Crispim é também alocada na Casa Verde. O barbeiro fica louco. Um inimigo de Simão se vê na obrigação de avisar o alienista do risco de vida que o cientista corria. Por tal desprendimento, na hora acaba sendo confinado. Até Porfírio, volta a ser preso, pois, conclamado a preparar outra revolta, recusa-se, pois se tocou que gente havia perdido a vida na Revolta dos Canjicas para o resultado ser infrutífero. Ao ser preso, resumiu bem sua situação: preso por ter cão, preso por não ter cão.
Alguns casos são interessantes. Pessoas que se demonstram firmes em sua personalidade são consideradas curadas quando exibem algum desvio de caráter. Assim foi com um advogado de conduta exemplar que só não foi internado porque havia forçado um testamento a ter a partilha do jeito que queria. Ou então quando a esposa do Crispim xinga-o ao descobrir o verdadeiro caráter do marido.
Porém, fora esses casos, Simão vai percebendo que seu segundo método era falho, pois ninguém naturalmente tinha uma personalidade reta, perfeita. Com exceção dele próprio. É por isso que, após muita reflexão e muita conversa com pessoas notórias da cidade, principalmente o padre (que já havia sido internado), conclui que o único anormal era ele próprio. A despeito dos protestos de muitos, inclusive de D. Evarista, decide, pois, soltar todos mais uma vez e encerrar-se sozinho na Casa Verde para o resto de sua vida.


19 de out. de 2015

Análise da obra O pagador de promessas, Dias Gomes

Dados do autor

Dias Gomes (Alfredo de Freitas D. G.), romancista, contista e teatrólogo, nasceu em Salvador, BA, em 19 de outubro de 1922. Dias Gomes conquistou numerosos prêmios por sua atuação no Rádio e por sua obra para teatro, cinema e televisão. Poucas obras, no Brasil, foram tão premiadas quanto O pagador de promessas, que mereceu, dentre outros, a Palma de Ouro do Festival Internacional de Cinema de Cannes, em 1962. Outros trabalhos de Dias Gomes também foram distinguidos com os mais importantes prêmios nacionais em sua especialidade.

ASPECTOS ESTRUTURAIS
Publicada em 1959, trata-se de um texto escrito para teatro, ou seja, para ser levado ao palco, ser encenado. A peça é dividida em três atos, sendo que os dois primeiros ainda são subdivididos em dois quadros cada um. Após a apresentação dos personagens, o primeiro ato mostra a chegada do protagonista Zé do Burro e sua mulher Rosa, vindos do interior, a uma igreja de Salvador e termina com a negativa do padre em permitir o cumprimento da promessa feita. O segundo ato traz o aparecimento de diversos novos personagens, todos envolvidos na questão do cumprimento ou não da promessa e vai até uma nova negativa do padre, o que ocasiona, desta vez, explosão colérica em Zé do Burro. O terceiro ato é onde as ações recrudescem, as incompreensões vão ao limite e se verifica o dramático desfecho.
Tempo e espaço da narrativa
Tempo: a peça é contemporânea e universal. Podendo ser encenada em qualquer tempo.
Duração da história: 1 dia.
Há também a presença do tempo psicológico (flashbacks, lembranças)
Espaço: a história acontece no Estado da Bahia, na escadaria da igreja de Santa Bárbara.



QUESTÕES TEMÁTICAS
Intolerância, traição, intransigência, ambição, luxúria, sincretismo religioso e religiosidade.
A peça de Dias Gomes tem nítidos propósitos de evidenciar certas questões socio-culturais da vida brasileira, em detrimento do aprofundamento psicológico de seus personagens. Assim, ganha força no drama a visão crítica quanto:
a) à intolerância da Igreja católica, personificada no autoritarismo do Padre Olavo, e na insensibilidade do Monsenhor convocado a resolver o problema;
b) à incapacidade das autoridades que representam o Estado - no episódio, a polícia - de lidar com questões multiculturais, transformando um caso de diferença cultural em um caso policial;
c) à voracidade inescrupulosa da imprensa, simbolizada no Repórter, um perfeito mau-caráter, completamente desinteressado no drama do protagonista, mas muito interessado na repercussão que a história pode ter;       ·.
d) ao grande fosso que separa, ainda, o Brasil urbano do Brasil rural: Zé do Burro não consegue compreender porque lhe tentam impedir de cumprir sua promessa; os padres, a polícia, a imprensa não conseguem compreender quem é Zé do Burro, sua origem ingênua, com outros códigos culturais, outras posturas. Além disso, a peça mostra as variadas facetas populares: o gigolô esperto, a vendedora de quitutes, o poeta improvisador, os capoeiristas.
O final simbólico aponta em duas direções: em primeiro lugar a morte do Zé do Burro mostra-se com fim inevitável para o choque cultural violento que se opera na peça: ninguém, entre as autoridades da cidade grande, é capaz de assimilar o sincretismo religioso tão característico de grandes camadas sociais no Brasil, especialmente no interior nordestino. Em segundo lugar, a entrada dos capoeiristas na igreja, carregando a cruz com o corpo, sinaliza para rechaçar a inutilidade daquela morte: os populares compreenderam o gesto de Zé do Burro.
e) Há ainda a mistura do sagrado com o profano: um exemplo é a coexistência da Igreja e de “uma vendola, onde também se vende café, refresco e cachaça”, no mesmo espaço físico. A igreja de um lado, representando a oficialidade (defendida, no decorrer dos fatos, pela força policial), e a vendola do outro, como o símbolo do mundano, salientado principalmente pela alusão à cachaça.
f) Pluralidade e mistura dos mais variados estilos e gêneros, o que é a presença, no mesmo espaço público, do verso e a prosa, o sério e o cômico, o português, o espanhol e o “portunhol”, os discursos católicos e as mandingas, os cantos de capoeira, a poesia popular (os abecês), a entrevista e o texto jornalístico, os anúncios de feira, entre outras vozes que, interpenetrando-se, corrompem a pureza dos estilos.

Os choques entre a crença ingênua e a religião dogmática; a credulidade simples e a armação maliciosa; a sinceridade das intenções e a completa distorção dos fatos; a inocência e a malícia; a verdade e seu falseamento são alguns dos componentes do embate entre a cultura do campo e a da cidade, cuja raiz é a má vontade que coloca a incomunicabilidade como obstáculo intransponível a dividir as pessoas.

Elementos simbólicos:
A escadaria da igreja:
A grande maioria das cenas se passa na escadaria da Igreja Santa Bárbara. Ali, Zé do Burro, o protagonista, viverá seus momentos de maior alegria (por ter quase cumprido sua promessa e salvo seu burro Nicolau) e de maior agonia (por não reconhecer mais a mulher, por não compreender e não ser compreendido mais pela religião e, sobretudo, por não compreender os códigos morais e de conduta da grande cidade). Ali naquela escadaria, Zé do Burro encontrará seu fim. No entanto, a escada remete ao caminho a ser percorrido para a elevação espiritual, ou seja, o trajeto que Zé teria que percorrer para cumprir seu voto religioso.
A porta da igreja:
Considerando a escadaria como trajeto em busca do espiritual, a porta da igreja é justamente o que separa os dois mundos apresentados na obra de Dias Gomes: o universo sincrético dos populares, os quais estão fora da Igreja, e o mundo “oficial” do catolicismo, representado pelo interior da igreja. É atravessando a porta que o protagonista cumpriria sua promessa. Porém, essa passagem lhe é negada, o que impede a ascensão espiritual de Zé do Burro.
Zé do Burro: o nome dado ao personagem não é à toa. Primeiramente, é interessante observar que, o burro da história possui uma identidade, ele é Nicolau, enquanto que seu dono, mesmo humano, tem uma identidade dependente do animal, é o Zé do Burro. Zé é um nome genérico, traz consigo a ideia de “qualquer um”, não é sem razão que popularmente diz-se que uma pessoa sem importância é um “Zé-ninguém”. Isso mostra o quanto o personagem é uma alegoria daqueles que não têm vez nem voz na sociedade, é a minoria massacrada e oprimida, a qual não é permitida sequer uma escolha religiosa respeitada. Já o nome Nicolau significa “o que vence junto com o povo”. No final do filme, quando apenas depois de morto Zé do Burro, o sem identidade, consegue pagar sua promessa e entrar na igreja com a cruz, ele assume a identidade de seu burro, pois graças ao povo, numa vitória conjunta, ambos, Zé do Burro e o povo, conseguem adentrar o local sagrado, até então proibido para eles. Zé do Burro absorve o significado do nome Nicolau e vence junto com o povo.
Burro: além de ser o animal querido pelo personagem principal, é também sinônimo da teimosia e obstinação de Zé do Burro. Além disso, popularmente o animal é também uma imagem da ignorância.

 Zé do Burro: um personagem ambíguo

Desde o início da trama, Zé-do-Burro desperta a curiosidade das pessoas que circulam pela praça e muitas são as opiniões a seu respeito. O Bonitão o considera um idiota; Marli, um beato pamonha, carola de uma figa e corno manso; Minha Tia, um homem bom; Rosa, um homem bom até demais. Mais importante do que estas opiniões pessoais são aquelas que refletem a perspectiva do povo e da igreja. Segundo palavras de Rosa:
Rosa – Não brinque. Pelo caminho tinha uma porção de gente querendo que ele fizesse milagre. E não duvide. Ele é capaz de acabar fazendo. Se não fosse a hora, garanto que tinha uma romaria aqui, atrás dele (p. 24)

Em confronto com esta posição popular, temos a da igreja, expressa aqui pelo sacristão e pelo padre:
Sacristão – O senhor não ouviu ele [o padre Olavo] dizer? É Satanás! Satanás sob um dos seus múltiplos disfarces! (p. 59)
Seja visto como uma espécie de santo, seja visto como o diabo, a única constante em Zé-do-Burro é o signo ambivalente. E é esta visão que subsiste até no momento de sua morte: o pagador de promessas foi crucificado como Jesus Cristo e como Este, no dia de sua crucificação, teve os céus tempestuosos. No entanto, no caso de Zé-do-Burro, até os trovões possuem um duplo sentido: se por um lado fazem uma alusão à tempestade da cena bíblica, reforçando a simetria entre Cristo e Zé-do-Burro, por outro apontam para a esfera pagã da peça, sendo a própria representação dos poderes de “Iansan, a Santa Bárbara nagô”. Sua última “palavra” irônica a afirmar vitória pela entrada na igreja católica do seu pagador de promessas, o que significa a superação do universo oficial pelo universo sincrético e mundano.
Zé-do-Burro é a vítima-símbolo do criminoso, agressivo, massacrante e cruel sistema social e político de que até a religião se torna instrumento.

O pagador de promessas como paródia do sacrifício de Cristo
  
Em O pagador de promessas, o grande movimento parodístico consiste no pagamento da promessa de Zé-do-Burro. Com esta promessa, Zé-do-Burro assume um papel semelhante ao de Jesus Cristo. No entanto, com uma diferença apontada pelo Padre Olavo:
 -Por que então repete a Divina Paixão? Para salvar
a humanidade? Não, para salvar um burro! (p.37).
Resulta disto a seguinte analogia: Zé-do-Burro está para Jesus Cristo assim como o burro Nicolau está para a humanidade. Há também o fato de ser vítima, assim como o Cristo e outras personagens beatificadas, de tentações que o colocam à prova por sedução e martírio. Durante todo seu percurso foi tentado a descansar no hotel, sair do jejum, abandonar sua missão para ir tomar satisfação com o Bonitão, trocar de promessa, além de outras tentações atribuídas por ele a própria santa que estaria querendo testar a dimensão de sua fé. Essa analogia é reforçada no desfecho da obra, quando Zé-do-Burro, depois de morto, é colocado “sobre a cruz, de costas, com os braços estendidos, como um crucificado” (p. 95). Visto por este prisma, O pagador de promessas pode ser considerado como uma espécie de paródia sacra, uma profanação e dessacralização da via crucis. Ao rebaixamento da via crucis junta-se a profanação de Santa Bárbara, identificada com “Iansan, a Santa Bárbara nagô” (p. 29), como vem estampado na rubrica que inicia o segundo quadro do primeiro ato. É importante perceber que, neste caso, a profanação da santa só ocorre aos olhos das autoridades eclesiásticas e daqueles que adotam a oficialidade católica como valor absoluto e superior. Zé-do-Burro, ao contrário, não tem a consciência da profanação, pois ele, em virtude de sua mentalidade sincrética (e carnavalesca!), não vê a santa como uma entidade católica distanciada em sua sublimidade e a encontra em um terreiro de candomblé, transfigurada em Iansan, sem que isto seja para a figura católica nenhum desmérito. Ele apenas segue a “verdade popular não-oficial” também expressa por Minha Tia: “A discurpe, Iaiá, mas Iansan e Santa Bárbara não é a mesma coisa?” (p. 90).

Linguagem e comunicação

É questionada na peça os vícios e deturpações da linguagem. Procura denunciar como os fatos podem ser mal interpretados não só pela "imprensa marrom",  mas também pelas próprias pessoas.
O texto é marcado pelas falas populares com sua informalidade típica.

Personagens mais importantes:
Zé-do-Burro: "homem ainda moço, de 30 anos presumíveis, magro, de estatura média. Seu olhar é morto, contemplativo. Suas feições transmitem bondade, tolerância e há em seu rosto um 'que' de infantilidade. Seus gestos são lentos, preguiçosos, bem como sua maneira de falar. “
Rosa: "pouco parece ter de comum com ele (Zé-do-Burro). É uma bela mulher, embora seus traços sejam um tanto grosseiros, tal como suas maneiras. Ao contrário do marido, tem 'sangue quente'. É agressiva em seu 'sexy', revelando, logo à primeira vista, uma insatisfação sexual e uma ânsia recalcada de romper com o ambiente em que se sente sufocar.”
Marli:  Seus gestos e atitudes refletem o conflito da mulher que quer libertar-se de uma tirania que, no entanto, é necessária ao seu equilíbrio psíquico - a exploração de que é vítima por parte de Bonitão vem, em parte, satisfazer um instinto maternal frustrado. Há em seu amor e em seu aviltamento, em sua degradação voluntária, muito de sacrifício maternal, ao qual não falta, inclusive, um certo orgulho.
Bonitão: explora mulheres, é interesseiro e mau caráter. "É insensível a tudo isso (a Marli e o que ela faz por ele). Ele é frio e brutal em sua 'profissão. Encara a exploração a que submete Marli e outras mulheres, como um direito que lhe assiste, ou melhor, um dom que a natureza lhe concedeu, juntamente com seus atributos físicos. Veste-se sempre de branco, colarinho alto, sapatos de duas cores."
Beata : Simboliza a figura clássica da mulher que vive para a igreja, talvez para preencher algum vazio em sua vida ou talvez por uma fé ingênua.
Padre Olavo : É o retrato da intransigência
religiosa. "É um padre moço ainda. Deve contar, no máximo, quarenta anos. Sua convicção religiosa aproxima-se do fanatismo. Talvez, no fundo, isto seja uma prova de falta de convicção e autodefesa. Sua intolerância - que o leva, por vezes, a chocar-se contra princípios de sua própria religião e a confundir com inimigos aqueles que estão de seu lado - não passa, talvez, de uma couraça com que se mune contra uma fraqueza consciente."
Dedé Cospe-Rima : "mulato, cabeleira de pixaim, sob o surrado chapéu de coco - um adorno necessário à sua profissão de poeta-comerciante. Traz, embaixo do braço, uma enorme pilha de folhetos: abecês, romances populares em versos. E dois cartazes um no peito, outro nas costas. Num se lê: 'ABC da Mulata Esmeralda - uma obra-prima' e no outro 'Saiu agora, tá fresco-ainda! O que o cego Jeremias viu na Lua'.
Por meio de seus versos denuncia os problemas locais. É o símbolo do poder literário de demonstrar a realidade.
Repórter : "é vivo e perspicaz". Encontra em Zé-do-Burro uma grande matéria para o seu jornal. É o símbolo do sensacionalismo e da imprensa desumana que tudo faz para conseguir uma reportagem, ainda que explorando informações inverídicas.  
Secreta : "o 'tira clássico. Chapéu enterrado até os olhos, mãos no bolsos, inspira mais receio que respeito. À primeira vista, tanto pode ser o representante da lei quanto da criminalidade.
Galego: comerciante de origem estrangeira. É dono de um bar na praça da igreja de Santa Bárbara. É ambicioso e interesseiro, pois deseja que Zé do Burro permaneça na portaria da igreja somente para que possa lucrar com a movimentação que a situação promovia.
Minha Tia: típica comerciante de quitutes baianos. É umbandista.
Delegado : simboliza a lei e mantenedor da ordem.
Mestre Coca : "é um mulato alto, musculoso e ágil. Veste calças brancas "boca de sino" e camisa de meia. Representa o espírito de coletividade e a força do povo contra as forças oficiais (lembre-se que é ele e seus companheiros que defendem Zé do Burro do ataque da polícia) 

6 de out. de 2015

Aleijadinho: indicação para a primeira etapa do PAES






Mestre Aleijadinho se tornou um dos símbolos da cultura nacional. Quem vai a Minas Gerais se encanta com os santos e altares feitos por ele. No bicentenário de sua morte, o Caminhos da Reportagem mostra a genialidade de Antônio Francisco Lisboa, passando pelas cidades mais importantes da trajetória do escultor: Ouro Preto, Sabará, São João Del Rei e Congonhas do Campo. O programa também apresenta a valorização das obras do artista, considerado um dos favoritos de falsários, e o imenso mercado gerado por peças falsas atribuídas ao mestre.
“Uma vez que essas imagens são publicadas em catálogo ou vão em uma exposição, amanhã se uma delas aparecer em um leilão adquire antecedentes e procedência para ser atribuída como um Aleijadinho verdadeiro. Então uma imagem dessas que não valia nada, passa a valer milhões”, explica o escultor Elias Layon.
Filho de um português com uma negra, Aleijadinho começou a aprender o ofício com a família e se tornou um artista mútiplo.
“Aleijadinho não foi simplesmente, como muitos pensam, um fazedor de santos. Para além da escultura, ele foi entalhador, arquiteto, perito, carapina e carpinteiro. Então, era um profissional de vários talentos”, define o biógrafo e promotor Marcos Paulo Miranda.
Os trabalhos de Aleijadinho floresceram no período dos estilos Barroco e Rococó. Época de peças trabalhadas, impactantes e expressivas. A doença que afetou seus movimentos não o impediu de criar algumas das mais belas esculturas brasileiras.
“É formidável a força das esculturas de Aleijadinho. São obras impressionantes, muito bem feitas, muito bem acabadas”, ressalta a restauradora  Beatriz Coelho,  professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Reportagem e produção: Carolina Pessôa
Imagens: Rogério Verçoza
Auxiliar técnico: Dailton Matos
Direção, roteiro e edição de texto: Rafael Casé
Edição de texto: Renata Cabral
Editora-assistente: Carolina Pessôa
Produção executiva: Linei Lopes
Edição de imagens, som e finalização: Fábio Melo
Edição de imagens: João Santolin
Sonorização: Maurício Azevedo

Análise literária Cartas Chilenas, Tomás Antônio Gonzaga

“De que te ris? Trocando os nomes, a fábula fala de ti...” 

Sobre o autor: Tomás Antônio Gonzaga - nasceu no Porto, a 11 de agosto de 1744. Com oito anos, é trazido ao Brasil e matriculado no Colégio da Bahia. De volta a Portugal, forma-se em direito (Coimbra). Depois de tentar a carreira universitária, abraça a magistratura. Em 1782, está em vila Rica (Minas Gerais) como ouvidor. Apaixona-se por Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, que imortalizaria com o pseudônimo de Marília. Implicado na conjuração mineira (1789) é preso e levado para a Ilha das Cobras. Em 1792, condenado ao exílio, segue para Moçambique, onde refaz sua vida casando-se com Juliana de Sousa Mascarenhas, viúva rica e analfabeta. Prestigiado e abastado, falece em 1810. Sua obra divide-se em poética (Liras, duas partes, 1792 e 1799; Cartas Chilenas, 1845, edição incompleta; 1863 edição completa) e em prosa Tratado de Direito Natural, 1942. Tomás 

Antônio Gonzaga e a Vila Rica do século XVIII 

A capitania (Vila Rica) era o centro de negociações do ouro e diamantes extraídos nas riquíssimas redondezas. Mas o ouro não era nosso, a política da Coroa portuguesa seguia uma única receita: tratar a colônia como a "vaca americana" - na famosa expressão de d. João IV - da qual era preciso arrancar a todo o custo o leite, o couro e os ossos. Como consequência de tanta exploração e espoliação, os minérios começavam a esgotar-se. Além do mais, era impossível fazer face aos impostos excessivos garroteados pelo insaciável fisco português. A maior parte dos contribuintes de Vila Rica - ricos e médios - devia fortunas à Coroa. Somavam-se a esse abuso o alto preço da mão-de-obra escrava e dos instrumentos de mineração e, ainda, os altos donativos exigidos pelo clero. O ambiente da capitania era extremamente tenso. Configurava-se um estado de coisas que não podia continuar, sob pena de gerar um conflito aberto com as autoridades portuguesas. A 10 de outubro de 1783, o capitão-general Luís da Cunha Meneses assumia o governo. Seu autoritarismo e inúmeros desmandos iriam agravar a situação. O governador desrespeitava sistematicamente as decisões da Justiça sobre concessões de negócios e questões administrativas, decretava medidas ilegais, vendia cargos, títulos etc. Para sustentar-se no poder, valeu-se de um grupo de arrivistas e privilegiados. Militarizou o governo, aumentando exageradamente a tropa, e usou a força militar para a cobrança da taxa dos dízimos. 

Tomás, Cunha Meneses e as Cartas 

Gonzaga, em seu cargo de ouvidor, via com frequência suas decisões desrespeitadas. Reagiu com firmeza e opôs-se ao governador, contestando seus atos e protestando junto às autoridades superiores. Por fim, enviou um carta à rainha em que relatava o "notório despotismo" de Cunha Meneses. Cauteloso, sem correr riscos desnecessários, fez que o poema circulasse clandestinamente. Atribuiu o poema a um autor chileno, também escondido sob o pseudônimo Critilo. 

Cartas Chilenas 
As Cartas Chilenas são num total de 13 cartas escritas por Tomás Antônio Gonzaga, o qual usava o pseudônimo de Critilo, no entanto, esse pseudônimo ficou por muito tempo obscuro. Tais Cartas relatavam os desmandos, os atos corruptos, o nepotismo, o abuso do poder, a falta de conhecimento dos cidadãos e tantos outros erros administrativos, jurídicos e morais do governador. As cartas foram escritas em relatos na forma de versos decassílabos (versos que contém dez sílabas poéticas) brancos (sem rima). Gonzaga finge escrever do Chile, contando a um amigo os abusos do governo, na cidade de Santiago. Mas percebe-se pelas circunstâncias relatadas que o país não é Chile, mas retrata Minas Gerais; que a cidade não é Santiago, mas Vila Rica e que o amigo é Cláudio Manuel da Costa, cujo pseudônimo é Doroteu, e que os abusos estavam acontecendo no governo de Cunha Meneses. As Cartas Chilenas contam as injustiças e violências que Cunha Meneses "Fanfarrão" executou em seu governo. Essas Cartas circularam em Vila Rica pouco antes da Inconfidência Mineira, em 1789. Nelas podemos encontrar a sátira do poeta à mediocridade administrativa. 

O momento histórico e o Arcadismo: 

A época do Arcadismo tem início em 1768, com o aparecimento das Obras de Cláudio Manuel da Costa, e desenvolve-se até 1836, ocasião em que Gonçalves de Magalhães publica Suspiros poéticos e Saudades, dando começo a revolução romântica. Movimento eminentemente poético, de repúdio às demasias perpetradas pelo Barroco, arregimentou pela primeira vez em nossa história literária um grupo de escritores mais ou menos coeso em seus desígnios e com um relativo sentido corporativo: Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto, Basílio da Gama, Frei José de Santa Rita Durão. Assim, nesse período em que a Europa vivia a Revolução Francesa, o Brasil também se agitava com os movimentos nativistas, como a própria história conta, as Minas Gerais era uma verdadeira "mina" para a Coroa Portuguesa e o povo precisa ter voz, portanto, ninguém melhor que os homens letrados para despertar o sentimento nacional, pois só a Literatura consegue, usando a palavra como sua matéria-prima, dizer o que muitos já podem ter dito, de um jeito tão próprio que encanta aquele que percebe a maneira tão peculiar de usar a palavra. 

Características gerais da obra: 

• Cartas como crônicas de um tempo marcado pela corrupção, pela política de favorecimento, pelo abuso de poder. 
 • Fanfarrão é um antiexemplo: suas atitudes autoritárias e de desordem administrativa devem ser lidas, observadas e evitadas pelos demais governantes. 
• Há na obra a dessacralização da epopeia: não há feitos grandiosos de um herói; produção mais próxima da crônica. 
• Teor satírico. 
• Predomínio da razão, Iluminismo. 
• Presença da paisagem física e social da época. 

Intertextualidades 
• Dom Quixote e Sancho Pança: associação irônica entre os ideais e nobreza de alma dos personagens de Miguel de Cervantes e a ausência dessas características no governador das Minas. A loucura de Sancho estava em governar bem, a do Fanfarrão está em não governar com sabedoria. Dom Quixote é louco por acredita nos ideais, naquilo que é bom e ideal. Fanfarrão Minésio é um governador louco por depreciar os bons valores e trazer a baderna prejudicial à sociedade. 
• Referências a diversos personagens e acontecimentos bíblicos. 
• Nero, governador de Roma: associação entre o autoritarismo de Minésio e o personagem romano. 
• Virgílio, Camões e lendas mitológicas. 

Associações necessárias: 
• Chile: Minas Gerais 
• Santiago: Vila Rica 
• Espanha: Portugal 
• Madrid: Lisboa 
• Salamanca: Coimbra 
• Fanfarrão Minésio: d. Luis da Cunha Meneses 
• Critilo: Tomás Antônio Gonzaga 
• Doroteu: Claudio Manuel da Costa. 

 Estrutura da obra: 
Prólogo: O prólogo é uma conversa com o leitor onde o autor explica do que se trata a obra, neste caso, ele diz que encontrou um cavalheiro instruído nas letras e que trazia com ele uns manuscritos onde eram relatadas todas as desordens no governo de Fanfarrão Minésio, general do Chile. O autor então supostamente traduz esse manuscrito e confessa que mudou algumas coisas para melhor entendimento. 
Dedicatória: escrita aos grandes de Portugal. Além de dedicar as cartas aos nobres portugueses, esse tradutor conclama-os a se tornarem mecenas e protetores de sua publicação. 
Treze cartas: compostas por 4268 versos, nos quais Critilo, escrevendo de Santiago do Chile, remete a Doroteu, que está na Espanha. 
Epístola a Critilo: é a resposta de Doroteu a Critilo. Nessa epístola, Doroteu expõe suas emoções diante dos fatos narrados e explicita os efeitos que as cartas provocarão nos chefes ruins e impuros. Todas as treze cartas relatam desde a chegada de Fanfarrão ao Chile até a última carta, a de número treze onde ele mostra que o povo se acostuma ao sistema, que chegou de mansinho, justificado não pela virtude de quem o trouxe, mas pelo falso zelo religioso. 

 Análise das cartas
 • Primeira carta: Durante toda a primeira carta, o leitor é apresentado ao Fanfarrão e percebe o quanto o novo governante é inadequado para governar as Minas Gerais. Toda a carta gira em torno da chegada do mesmo em Santiago do Chile (Vila Rica) e sua prepotência ao tratar as pessoas da região. • Segunda carta: texto que salienta quem se mostrava ser o Fanfarrão Minésio: quis parecer piedoso, chega a fazer cena de religioso na Igreja. No entanto, intromete-se em decisões que deveriam caber à justiça, porta-se com autoritarismo, liberta presos culpados, não pune conforme as leis e ensina o povo a porta-se também de modo corrupto. 
 Terceira carta: a partir da terceira carta, surgem em episódios sucessivos os atos de desmando, de desprezo e humilhação às outras autoridades e aos ilustres da terra, os favorecimentos ilícitos, o grupo de favoritos e privilegiados do poder, a corrupção. São relatadas as injustiças ocorridas por causa da construção de uma cadeia, hoje Museu da Inconfidência: Pretende, Doroteu, o nosso chefe Erguer uma cadeia majestosa, Que possa escurecer a velha fama Da torre de Babel e mais dos grandes, Custosos edifícios que fizeram Para sepulcros seus, os reis do Egito. A construção da cadeia é tida como inadequada para a região, de mau gosto, construída com mão de obra escrava. É relatado o gasto do dinheiro público, os atos do governante que contrariam as leis vigentes, as injustiças ao prender pessoas simples que cometeram crimes brandos... 3ª Carta faz alusão também aos homens de pele negra que são mantidos em cadeias que prendem os seus corpos físicos, mas não conseguem prender suas mentes, seus espíritos, seus sonhos. 
Quarta carta: Continua a se falar da cadeia, da condição terrível a que os operários são submetidos, a exploração do homem do campo, mais de quinhentos homens amontoados na cadeia, más condições de vida, o mau cheiro... Fanfarrão manda ainda que os carros da igreja fiquem a sua disposição. 
 • Quinta e sexta carta: Contam os exageros de Luis da Cunha Meneses ao festejar, em terras brasileiras, o casamento de D. João VI e Carlota Joaquina. São detalhados os luxos da festa e todo a exploração que a colônia viverá para poder suster o evento: impostos são aumentados e as reservas públicas são sugadas. A sexta carta relata como os membros do governo portam-se de modo indecente em “festas” promovidas por Fanfarrão em sua casa. Moral: um mau governo gera um povo também mau.
• Sétima carta: Fanfarrão transgride as leis que regulam a concessão de áreas para extração de ouro. Com isso, beneficia a quem convém, e prejudica a quem deseja proceder corretamente. Maldito, Doroteu, maldito seja O pai de Fanfarrão, que deu ao mundo, Ao mundo literário tanta perda, Criando ao hábil filho numa corte, Qual morgado, que habita em pobre aldeia! 
 • Oitava carta: Carta fragmentada (em algumas edições esta é a carta sétima) O teor da epístola é sobre o quanto o Fanfarrão é ignorante, sem cultura. “Maldito, Doroteu, maldito seja O pai de Fanfarrão que o deu ao mundo Ao mundo literato tanta perda Criando ao hábil filho numa Corte, Qual morgado, que habita em pobre aldeia! Sabendo apenas ler redonda letra, Que abismo não seria, se soubesse Verter o breviário em tosca prosa!” 
 • Nona carta: As tropas militares eram organizadas por Minésio: a seu modo e gosto. Havia pessoas sem nenhum tipo de habilidade militar, outros eram ainda garotos, alguns doentes. A alguns concede títulos militares: muitas vezes pessoas sem nenhum respaldo moral. 
 • Décima carta: Agora, Minésio interfere no tribunal de justiça. Mistura dos poderes. Ele se faz a única lei cabível e aceitável para Vila Rica. 
Décima primeira carta: A carta retoma as muitas arbitrariedades de Fanfarrão Minésio: autoritarismo, desmandos, desrespeito à justiça, venda de cargos e títulos... 
Décima segunda carta: Fala das trapaças e corrupções do Fanfarrão Minésio. 
Décima terceira carta: Carta incompleta. Fala sobre a manipulação que os governos e as crenças imputam ao povo. Crítica a falta de razão. 20 --Também este sistema: ao seu ouvido / Acostuma a chegar-se a mansa pomba. / A nação, ignorante, se convence / De que este seu profeta conhecia / Os segredos do céu, por este meio. 25 -- Não há meu Doroteu, não há um chefe, / Bem que perverso seja, que não finja, /Pela religião, um justo zelo, / E, quando não o faça por virtude, /Sempre, ao menos, o mostra por sistema. E finaliza com uma despedida dizendo que a virtude cobrará daquele que é soberbo. 

 As Cartas e o seu poder de crítica 

Não há nada nas Cartas que corresponda a um sentimento de nacionalismo e rebeldia contra o domínio português ou contra o sistema de poder . Sua crítica dirige-se à violação da justiça constituída, ao abuso de poder, à corrupção palaciana e aos desmandos apoiados na militarização do governo ("Não há, não há distúrbio nesta terra / De que a mão militar não seja autora"). As Cartas têm um tom de realismo e de vigor de linguagem raros para a época, um tanto asfixiada pelas convenções e vagas generalidades do Arcadismo. Em vários trechos, a linguagem das Cartas traz a presença da paisagem física e social brasileira. A crítica contida nela ultrapassa as circunstâncias de um determinado governo para desnudar as bases do autoritarismo colonial, com seu sistema de privilégios e sua mão militar.

5 de out. de 2015

ESAÚ E JACÓ: UM RETRATO MACHADIANO DO BRASIL EM FINS DO SÉCULO XIX

Sobre o autor: Machado de Assis [1839 - 1908] foi um dos mais geniais escritores. Prolífico, produziu crônica, poesia, contos, romances, crítica e peças de teatro. Seu estilo é marcado pela ironia, pela digressão, linguagem e profunda análise psicológica, mergulhando na alma humana e revelando seus segredos mais obscuros e ocultos.
Destacou-se principalmente como contista e romancista. Entre seus mais famosos romances destacamos Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, D. Casmurro. Entre os livros de contos, vale citar Papéis Avulsos, Histórias sem Data, Várias Histórias e Relíquias da Casa Velha. 

INTRODUÇÃO
Publicado em 1904, Esaú e Jacó foi de modo geral considerado um romance de menor importância, se comparado aos três romances machadianos da fase realista: Memórias Póstumas de Brás Cubas [1881], Quincas Borba [1891] e Dom Casmurro [1899].
Julgava-se que em relação a estes, Machado de Assis nele teria suavizado seu realismo, tornando-o menos explícito e contundente, abrandando seu humor ácido e sua crítica mordaz à sociedade de seu tempo e ao homem burguês. Chegou-se mesmo a classificá-lo como um simples 'romance de costumes'...
Hoje, porém, cada vez mais se descarta essa visão simplista e já se admite que Esaú e Jacó seja um dos romances esteticamente mais elaborados de Machado de Assis e, possivelmente, o de mais difícil compreensão e interpretação.
Vamos, então, destacar alguns pontos cruciais dessa obra, procurando compreendê-la um pouco em sua complexidade.
O ESPAÇO E O TEMPO DA NARRATIVA: como quase todas as narrativas machadianas o espaço onde se ambienta a história é o centro urbano carioca. Temos um tempo histórico cronológico bem definido, segunda metade do século XIX até o início da República, com o governo de Floriano Peixoto.
O TÍTULO
O título ESAÚ E JACÓ é uma alusão aos gêmeos bíblicos filhos de Isaac, que brigam no ventre da mãe antes do nascimento, e que, segundo consulta que a mãe fizera a Deus, seriam pai de duas grandes nações inimigas, representadas hoje pelos judeus e palestinos. Os gêmeos do romance chamam-se Paulo e Pedro, nome dado pela tia Perpétua, em homenagem aos dois maiores apóstolos do cristianismo. Assim como aqueles foram grandes homens, esses também hão de ser.

NARRADOR
A primeira grande questão é exatamente esta: quem é o narrador em Esaú e Jacó? Machado de Assis, antes do primeiro capítulo, escreveu uma advertência, na qual esclareça que 'Quando o Conselheiro Aires faleceu, acharam-se-lhe na secretária sete cadernos manuscritos [...].'
Os seis primeiros formavam um volume, que se transformaria no romance Memorial de Aires [que será publicado em 1908], e o sétimo, intitulado Último, constituía uma narrativa à parte, que ele, Machado de Assis, estava agora publicando com outro título também proposto pelo próprio Aires, qual seja: Esaú e Jacó.
Portanto, Machado de Assis considerava-se apenas um editor do romance, cujo verdadeiro autor / narrador seria o Conselheiro Aires. Devemos, porém, nos lembrar que isto nada mais é do que uma estratégia narrativa de Machado de Assis, já que esse diplomata aposentado é obviamente uma criatura ficcional, ou seja, um ser imaginário inventado pelo escritor.
O Conselheiro Aires é também personagem de história, contada em Esaú e Jacó, cuja atuação começa a partir do capítulo XI.
No entanto, embora Aires seja ao mesmo tempo narrador e personagem, observa-se que a narrativa não é contada em primeira pessoa, como seria de se esperar nesse caso.

A esse respeito é muito importante o capítulo XII, intitulado 'Esse Aires', e que inicia assim: 'Esse Aires que aí aparece [referência ao cap. XI] conserva ainda agora algumas das virtudes daquele tempo, e quase nenhum vício. [...] Não me demoro em descrevê-lo.' E a seguir o narrador traça um preciso perfil físico e psicomoral do diplomata aposentado.
Ora, quem é esse autor? Notamos então que a narrativa vem sendo feita [e será toda feita] por um narrador externo à história, ou seja, que não atua como personagem, e que, embora usando às vezes a forma da primeira pessoa, caracteriza-se como um típico narrador de terceira pessoa, onisciente - ou seja, que sabe tudo sobre a vida externa e interna das personagens e que, de cima, tem a visão global da sociedade e da geografia nas quais eles se movem.
Quem é esse narrador? É o Conselheiro Aires, que se disfarça e se duplica, falando de si mesmo em terceira pessoa, num processo de distanciamento e pretensa objetividade? Ou é o próprio Machado de Assis que, editor fictício, apropria-se da narrativa e torna-se narrador, transformando-se também num ser ficcional - ou seja, invenção de si mesmo?
Muitos estudiosos consideram o Conselheiro Aires um alterego de Machado de Assis, isto é , um seu dublê, um porta-voz de suas opiniões, senão sempre, ao menos em muitas situações.
Nesse caso, o narrador de Esaú e Jacó não seria um terceiro elemento, um híbrido, um narrador - síntese que integra Machado de Assis [autor real, implícito] e o Conselheiro Aires [autor fictício e personagem]?
Vemos por aí o quanto Machado de Assis problematizou um dos elementos mais importantes da narrativa: o narrador. Esse procedimento constitui uma novidade para seu tempo e caracteriza-se como um traço de sua modernidade.
A esta altura é importante também observar que: 'A narrativa do romance de Esaú e Jacó se submete à visão de mundo do Conselheiro Aires. Os fatos falam através do seu ponto de vista. [...] Aires representa alguém que ironicamente possui a verdade, ou sobre ela reflete. É a sua posição ideológica que fundamenta a narrativa [...]. ele é quem opina sobre a significação da matéria narrada, mesmo que não possa esclarecer todos os enigmas.' [Dirce Cortes Riedel - Um romance 'histórico'?]
REALISMO?
Embora Machado de Assis, após o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, seja classificado dentro do Realismo, a verdade é que se torna difícil e inadequado confirmar sua obra nos limites estritos de escolas e movimentos literários.
O enredo de Esaú e Jacó, por exemplo, gira ao redor da permanente rivalidade entre os gêmeos Pedro a Paulo. Já começaram brigando no ventre materno e continuam se desentendendo vida afora. Pedro, mais dissimulado; Paulo, mais agressivo. Pedro, conservador; Paulo, agitado. Pedro, monarquista; Paulo, republicano [variadas situações serão criadas ao redor dessa polarização]; Pedro, médico, no Rio de Janeiro; Paulo, advogado, em São Paulo; ambos eleitos deputados, mas por partidos contrários...
Essa oposição sistemática só é interrompida duas vezes pela trégua momentânea motivada pela morte das duas figuras femininas que capitalizam o afeto dos gêmeos: Flora [a indecisa amada dos ambos] e Natividade [a mãe].
Ora, o leitor logo percebe o quanto de inverossímil, de artificial, de forçado mesmo, existe nessa oposição sistemática entre os gêmeos. O irrealismo dessa situação só se compara ao irrealismo de Flora, personagem vaga, sem outra substância que não seja vivenciar, na indecisão, o conflito do amor duplo de que é alvo por parte dos gêmeos. Conflito e indecisão que, de certo modo, levarão à morte.
Verdade que o próprio narrador, às vezes de forma ambígua, às vezes de forma irônica, reconhece a inverossimilhança e o irrealismo dessas situações... Portanto, não se trata de um realismo do tipo 'espelho fiel e exato' da vida real. Apesar disso, porém, identificamos no romance uma dimensão realista no sentido de que nele ocorre momentos e cenas de forma verossímil, plausíveis, representam [imitam] situações da vida real, parecendo, portanto, um típico 'romance de costumes'.
ROMANCE POLÍTICO?
É do ponto de vista da história política, no entanto, que o romance parece ancorar-se mais solidamente no Realismo. Historicamente a narrativa se passa no período da transição do Império para a República, e esse acontecimento é referido diversas vezes e sob diversos aspectos.
Há estudiosos que chegam mesmo a considerar Esaú e Jacó um romance histórico ou político, centrado exatamente nesse conflito: República X Império; conflito do qual os gêmeos seriam simbolicamente a personificação.
Numa perspectiva bem-humorada e acidamente irônica, o conflito é salientado no famoso episódio da tabuleta do Custódio [cap. XLIX, LXII e LXIII]. Dono da Confeitaria do Império, Custódio precisou trocar a tabuleta que já estava bem velha, mandando pintar uma nova. Nesse meio tempo, porém, aconteceu a mudança de regime, com a proclamação da República.
Custódio ficou temeroso do nome de sua confeitaria e achou prudente mudá-lo. Na dúvida, foi então consultar o Conselheiro Aires, na esperança de encontrar um novo nome para seu estabelecimento, o qual não fosse politicamente comprometedor e ao mesmo tempo lhe garantisse a fidelidade da freguesia.
O episódio tem vários aspectos. A referência irônica à República, porém, está principalmente em dois comentários similares de Custódio diante das sugestões de Aires. O primeiro é quando o Conselheiro lhe propõe trocar o nome para Confeitaria da República, e ele pondera: '- Lembrou-me isso, em caminho, mas também me lembro que, se daqui a um ou dois meses, houver nova reviravolta, fico no ponto em que estou hoje, e perco outra vez o dinheiro.' E o segundo comentário, ao final do mesmo capítulo LXIII, é quando Aires então sugere Confeitaria do Custódio, e o comerciante considera: '- Sim, vou pensar, Excelentíssimo. Talvez convenha esperar um ou dois dias, a ver em que param as modas [...].'
Percebe-se, por aí, a insinuação de que seria de pouca seriedade e duração a República recém-proclamada. Esse ponto de vista depreciativo, aliás, aparece em outros momentos do romance, reafirmando a conhecida preferência do cidadão Machado de Assis pelo Império.
Várias vezes o escritor se manifestou a esse respeito, opinando que, por razões históricas e culturais, o regime imperial era o mais adequado à realidade brasileira. Por outro lado, Machado de Assis também tinha consciência de que o Império apresentava rachaduras e estava se desmoronando.
Flora, simbolicamente, personifica essa perplexidade: não pode ficar só com Pedro [Monarquia] nem só com Paulo [República]. Seu desejo é a fusão, a síntese do que de melhor houvesse nos dois: ideal irrealizável!
A não-conciliação dos gêmeos representaria, então, a impossibilidade de se chegar a um regime político ideal, o que, nessa obra, explica o já tão comentado pessimismo e ceticismo machadiano.
Para Machado, República foi apenas a troca de fachada
Coube a Machado de Assis (1839-1908), em seu penúltimo romance, "Esaú e Jacó" (1904), transformar em ficção os acontecimentos que culminaram na queda da monarquia no Brasil. Com o olhar cético e a ironia de sempre, Machado tratou a proclamação como fez as "Memórias Póstumas de Brás Cubas": com "a pena da galhofa e tinta da melancolia".
O cerne do que pensava o escritor sobre a proclamação pode ser resumido em uma passagem célebre, batizada pela crítica como o episódio da "tabuleta do Custódio". Dono da "Confeitaria do Império" há mais de 30 anos, Custódio manda, depois de muita relutância, reformar a tabuleta que leva o nome de sua loja. "Estava rachada e comida de bichos. Pois cá de baixo não se via", diz o doceiro. A alusão ao império é óbvia. Um regime comprometido e sem base de sustentação que ruiu sem manifestação popular, "pois cá de baixo não se via".
Às vésperas da inauguração da nova tabuleta, Custódio ouve rumores da revolução e "vagamente da república". Manda um bilhete ao pintor com o seguinte recado: "Pare no d.". Não sabia se era melhor concluir a pintura com a palavra Império ou República. O bilhete chega tarde e Custódio, "um simples fabricante e vendedor de doces e, principalmente, respeitador da ordem pública", vai ao desespero. Além de perder dinheiro, ainda punha em perigo "seus deliciosos pastéis de Santa Clara" e a própria vida. Pensa em adotar a palavra república na tabuleta, mas volta atrás: "se daqui um ou dois meses houver nova reviravolta, fico no ponto em que estou hoje, e perco outra vez o dinheiro."
Machado de Assis arranca o riso do leitor ao reduzir a proclamação da república a mera troca de tabuletas, questão de enfeite mais do que de substância.
República e Império se equivalem e são rótulos de fachada porque, na verdade, o "buraco" do país era mais embaixo. Se a monarquia era uma vergonha, o ideal republicano parecia postiço no Brasil. Machado capta esse mal-estar congênito da vida nacional, com o qual republicanos e monarquistas se debatiam e não raro quebravam a cara. São as ideias fora do lugar.
INTERTEXTUALIDADE E POLIFONIA
O texto literário realiza-se como um espaço no qual se cruzam diversas linguagens, variadas vozes, diferentes discursos. O procedimento pelo qual se estabelece esse múltiplo diálogo é a intertextualidade. Ora, as vozes que se cruzam nesse espaço intertextual são vozes diferentes e às vezes opostas - caracterizando-se portanto o fenômeno da polifonia.
O romance Esaú e Jacó é rico nesses dois procedimentos. Sirva de modelo o capítulo I. Natividade e sua irmã Perpétua sobem o Morro do Castelo para consultar Bárbara, a cabocla vidente. Essa motivação e a cena da entrevista com a adivinha caracterizam o discurso mítico, a esfera da religiosidade e da crendice. Nesse caso, relacionado a um contexto popular. Mas o narrador faz referência a Ésquilo, considerado o criador da tragédia grega, a sua peça As eumênides e à personagem Pítia, sacerdotisa do templo de Apolo que pronunciava oráculos. Temos aqui novamente o discurso mítico, só que agora no contexto da antiguidade clássica, ambientado na sofisticada Grécia.
A referência ao teatro, por sua vez, remete a uma outra linguagem, e temos então a voz narrativa do romance dialogando com a voz da personagem teatral.
Observe-se, ainda, que durante a consulta, lá fora o pai da advinha tocava viola e cantarolava 'uma cantiga do sertão do Norte' - portanto, outra voz / outro discurso se cruzando com os demais: a música e a poesia sertaneja.
E assim vamos encontrar ao longo do romance inúmeras referências, alusões, citações [inclusive em francês e latim], situações... - relacionadas com a Bíblia, com personagens famosos do mundo da política, da literatura, do teatro, da filosofia, da mitologia.
É bom salientar que um dos procedimentos intertextuais mais curiosos é o fato de, com certa frequência, o narrador transcreve trechos do romance Memorial de Aires - uma espécie de diário do diplomata aposentado, e que ainda não havia sido publicado!
LINGUAGEM E LUDISMO
A linguagem é um procedimento pelo qual o narrador, em certos momentos, interrompe o fluxo narrativo para fazer reflexões e comentários sobre a própria narrativa, sobre o ato de narrar, a técnica, o estilo, a construção do enredo das personagens, etc. Ou seja, o ato de escrever torna-se objetivo de análise de própria escrita.
A Advertência que Machado de Assis colocou já antes do primeiro capítulo tem esse caráter metalinguistico, pois se trata de um 'esclarecimento' sobre um dos elementos-chave da narrativa: o autor [fictício] da história.
Há várias estratégias através das quais esse procedimento se realiza ao longo da obra. A mais evidente, conhecida por todos os que leem Machado de Assis, é o capítulo XXVII - De uma reflexão intempestiva, em que o narrador finge zangar-se contra o possível comentário de uma leitora, que estaria querendo adiantar-se aos fatos. O narrador é explícito: 'Francamente, eu não gosto de gente que venha adivinhando e compondo um livro que está sendo escrito com método.'
O capítulo XII - A epígrafe é, a esse respeito, um dos mais elucidativos. O processo de elaboração e desenvolvimento do romance é comparado ao desenrolar de uma partida de xadrez, durante o qual, 'por uma lei de solidariedade', o leitor e os próprios personagens colaboram com o autor / narrador [o enxadrista].
Já no final do romance, a metáfora lingüística usada é a da viagem - o percurso da escrita e da leitura se compara ao transcorrer de uma viagem.
Observar que nos dois casos fica também evidenciado o caráter lúdico da escrita e da leitura: é como se fosse um jogo, uma brincadeira, uma diversão, um lazer.
AS PERSONAGENS
São personagens tipos. Cada uma representa um tipo social: os jovens estudantes abastados, o banqueiro, o político, o diplomata, a velha viúva, a mãe cuidadosa, a moça, a esposa avarenta, o irmão das almas que se torna um rico capitalista, de modo meio obscuro.
1. Os Gêmeos: são personagens mais alegóricas, não há nenhuma profundidade na análise dessas personagens. Suas complexidades se dão mais quando comparados um ao outro: fisicamente iguais ideologicamente diferentes. Pedro será conservador, defendendo a monarquia, Paulo, liberal, defendendo a república; mais tarde, quando já implantada a república, Pedro, o conservador monarquista, aceita o novo regime, Paulo, que antes defendia, vai fazer-lhe oposição. Paulo torna-se advogado, Pedro, médico. Por fim os dois tornam-se deputados de por partidos que se opõem.  A narrativa termina com os dois brigados, sem que o narrador saiba nos dizer o motivo. São essas as palavras do conselheiro Aires “_Mudar? Não mudaram nada; são os mesmos”.  O conflito é algo natural entre eles. Parece um fado, um determinismo ao qual não podem escapar. Nasceram para serem rivais, não importa o motivo da rivalidade, o importante é estarem em contenda, cada um se achando o único e vendo no irmão algo a ser desprezado, não no físico, por serem semelhantes, mas nas convicções. Em nenhum momento há sofrimento em qualquer um deles por causa disso. São, portanto, personagens planas, sem conflitos. Se por um lado Flora agonia-se sem ter como decidir entre um e outro a qual entregar o seu amor, nenhum deles se dispõe em ceder um milímetro que seja ao outro.
2. Flora: Objeto de amor e disputa entre os gêmeos, acaba alucinada por não decidir entre um e outro. Flora é uma personagem complexa. É o que conselheiro Aires chama de “uma moça inexplicável”. Ela é assim apresentada no capítulo XXXI:
Tinham uma filha única, que era tudo o contrário deles. Nem a paixão de D. Claudia, nem o aspecto governamental de Batista distinguia a alma ou a figura da jovem Flora. Quem a conhecesse, por esses dias, poderia compará-la a um vaso quebradiço ou à flor de uma só manhã, e teria matéria para uma doce elegia.”
Mais adiante, no capítulo LIX, Aires faz-lhe essa descrição:
“acho-lhe um sabor particular naquele contraste de uma pessoa assim, tão humana e tão fora do mundo,tão etérea e tão ambiciosa, ao mesmo tempo, de uma ambição recôndita...”
Para em seguida desabafar: “Que o diabo a entenda, se puder; eu, que sou menos que ele, não acerto de a entender nunca.”
Ama igualmente aos dois irmãos, sente igualmente a falta tanto de um quanto de outro, tem prazer na presença de ambos. Apesar de dividida por esse amor, o narrador lança sobre ela a suspeita de um amor confuso, quase, penso eu, querendo deixar transparecer nela atração homossexual pela mãe dos gêmeos a baronesa Natividade. Veja esse trecho: “Pai nem mãe podia entendê-la, os rapazes também não, e talvez Santos e Natividade menos que ninguém. Tu, mestra de amores ou aluna, deles, tu, que escutas a diversos, concluís que ela era...” É assim mesmo que termina com o uso das reticências. Mais na frente diz “Pitangueira não dá manga. Não, Flora não dava para namorados.” O verbo dar, aqui, está no sentido de “levar jeito”. Alguém pode interpretar da seguinte forma: Flora não namoraria mais de um rapaz, ou ainda, Flora não tem jeito para ter namorados, (cap. LXX). No capítulo CV quando Flora está convalescendo, e Natividade lhe faz companhia há esse trecho:
“Veio visitar a moça, e, a pedido desta, ficou alguns dias. _ Só a senhora me pode curar, disse Flora; não creio nos remédios que me dão. As suas palavras e que são boas, e os seus carinhos...”
Veja novamente o uso das reticências, isso é muito significativo. No capítulo LXXXIV, lê-se:
“Flora cada vez gostava mais de Natividade. Queria-lhe como se ela fosse sua mãe, duplamente mãe, uma vez que não escolhera ainda nenhum dos filhos. A causa podia ser que as duas índoles se ajustassem melhor que entre Flora e D. Claudia. A princípio, sentiu não sei que inveja amiga, antes desejo, quando via que as formas da outra, embora arruinadas pelo tempo, ainda conservavam alguma linha da escultura antiga.”
Sofreria a menina Flora apenas de carência materna ou quis maldosamente o narrador deixá-la sob suspeita como Bentinho deixou Capitu em Dom Casmurro, sendo essa de adultério e aquela de lesbianismo?
Assim termina a personagem mais complexa da história:
“A morte não tardou. Veio mais depressa do que se receava agora. Todas e o pai acudiram a rodear o leito, onde os sinais da agonia se precipitavam. Flora acabou como uma dessas tardes rápidas, não tanto que não façam ir doendo as saudades do dia; acabou tão serenamente que a expressão do rosto, quando lhe fecharam os olhos, era menos de defunta que escultura. As janelas, escancaradas, deixavam entrar o sol e o céu.”
A morte de Flora no capítulo CVI, não põe fim a disputa entre os irmão que continuam a disputar quem a visita mais cedo ao cemitério, quem se demora mais na visita.
3. Natividade: é a personagem tipo mãe protetora. A preocupação com os filhos é tão grande que a faz procurar a vidente para saber-lhe o futuro e fia-se nas palavras vagas como se fosse uma profecia divina a ser cumprida: “coisas futuras”, “serão grandes”. No penúltimo capítulo da narrativa, “vai morta a velha Natividade”, “morreu de tifo”. Poucas semanas antes de sua morte, Natividade participa da posse dos filhos as cadeiras de deputados, o narrador fez a seguinte ponderação:
Natividade não quis confessar qje a ciência não bastava. AA glória cientifica parecia-lhe comparativamente obscura; era calada, de gabinete, entendida de poucos. Política, não. Quisera só a política, mas que não brigassem, que se amassem, que subissem de mão dadas... Assim ia pensando consigo, enquanto Aires, abrindo mão da ciência, acabou declarando que, sem amor não se faria nada.”
A vida de Natividade vai ser movida por esses dois objetivos: unir os filhos e vê-los grandes homens.
4.  O Conselheiro Aires: a mais intelectual e experiente de todas as personagens da narrativa. Diplomata aposentado, elegante e inteligente. Observa, e, em certo ponto, manipula as pessoas que o cerca. Toma nota de tudo o que acontece no dia a dia de seu ciclo de amizade, escrevendo o seu Memorial. Não gosta, no entanto, de se meter em discussão, por isso prefere sempre concordar com o que as pessoas dizem. Isso pode ser considerado um ato de desprezo, como se nada tivesse com o que acontece com o outro, como se fora apenas um observador de tudo, um deus transcendental e não um ser humano imanente. Não tem conflito, chega até a ter consciência de sua missão cumprida na vida, já velho, aposentado, prepara-se para deixar a vida sem nenhum desespero nisso.
5. Santos: é o típico capitalista, bancário, preocupa-se apenas em obter lucros e status. Assim consegue o título de barão. É o pai provedor de tudo que a família precisa. Espírita, prefere os conselhos do mestre Plácido as palavras da vidente. Fica meio apagado do meio para o fim da história. Personagem plana sem conflitos.
6.   Os Batistas: são os país de Flora, essa é a importância deles na narrativa. São apresentados a partir do capítulo XXIX. “Batista, o pai da donzela, era homem de quarenta e tantos anos, advogado do cível, ex-presidente de província e membro do partido conservador”. É um político desarticulado que tenta a indicação a qualquer custo, motivado pela mulher, D. Cláudia, a indicação para presidência de uma província. Mais tarde, quando os liberais assumem o poder, seguindo aos conselhos de D. Cláudia, declara-se liberal. Na iminência que receber uma indicação para uma província do norte, é proclamada a república e muda todo o quadro político. Ele e a esposa vão lamentar os fatos. Não há conflito de consciência entre eles.
7. As demais personagens que aparecem são mais para completar o quadro que se emoldura em torno dessas personagens principais.  Todavia, entre essas personagens menores, há o Nóbrega, no princípio da história, o irmão das almas, que mendigava moedas para missas das almas. E que após receber de Natividade uma doação de 2 mil-réis, prefere embolsar essa quantia a entregá-la ao sacristão. Daí desparece da narrativa, vindo aparecer como um rico capitalista, já no final da história e se propõe a casar com Flora quando essa está na casa da irmã do conselheiro. Como veio a transformar a doação feita pela Baronesa em fortuna não fica claro na história narrada.






Powered By Blogger

Flickr