ANÁLISE FÍLMICA
A história do gênio que amou, sofreu e se tornou uma
glória das artes brasileiras
Direção:
Filme
lançado em 2000, o longa retrata, através de flashback, a trajetória de Antônio Francisco Lisboa - o escultor
mineiro que ficou conhecido como Aleijadinho. Suas obras estão principalmente
nas cidades de Ouro Preto, Sabará, São João Del Rei e Congonhas.
Contexto histórico:
Século
XVII: epopeia dos bandeirantes: ouro, pedraria e muita ambição nas terras
brasileiras. É o momento em que surge a Vila Rica de Albuquerque, antigo nome
da atual Ouro Preto.
Século
XVIII: chegam ao Brasil artistas, artesãos e arquitetos portugueses, além de
milhares de escravos africanos. É o grande momento do resplendor artístico e
religioso em Minas Gerais, momento este que terá como figura ilustre Antônio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
No
plano político, há luta pela emancipação e liberdade conduzida pelos inconfidentes
e reprimida de forma violenta pelo colonizador.
Século XIX (1858): um
historiador, Rodrigo José Ferreira Bretas, ouviu da parteira Joana Lopes, nora
de Aleijadinho, a história narrada no filme “Aleijadinho: paixão, glória e
suplício”.
A
produção fílmica começa com um percurso histórico por Vila Rica. Rodrigo Bretas
caminha pela cidade enquanto nos conta sobre o arraial onde Antônio Dias e
outros bandeirantes encontraram as primeiras jazidas de ouro. A partir desse
fato, vieram para as muitas minas do Brasil levas de portugueses e escravos. O
historiador nos conta sobre o Arraial do Ouro Podre, o Morro da queimada...
Fala sobre as casas de fundição, onde o ouro era trabalhado, e também conta
sobre as revoltas causadas pela cobrança do quinto,
o exorbitante imposto. São citados os primeiros revoltosos contras os abusos da
metrópole - Pascoal da Silva, Felipe dos
Santos, Chico Rei – e o fim terrível que tiveram. A época é marcada por
humilhações, miséria e sofrimento para os brasileiros e escravos do período.
Ainda
em seu passeio pela cidade, Bretas apresenta os chafarizes, os quais, além de
serem responsáveis pelo fornecimento de água às casas, também eram onde os
amantes da cidade se encontravam, a exemplo do enlace amoroso de Maria Doroteia
de Seixas e Tomás Antônio Gonzaga, eternizados na obra Marília de Dirceu.
Rodrigo
Bretas vai até a casa de Joana, mulher em torno dos cinquenta anos, que fora
nora de Aleijadinho
(ela era casada com Manuel, filho do artista, que foi morar no Rio de Janeiro
assim que a doença do pai iniciara – o filme não o apresenta). Joana foi
testemunha ocular de muitos dos sofrimentos de Antônio Francisco.
Enredo do filme:
A
primeira cena traz Bretas e Joana sentados na cozinha da casa em que
Aleijadinho morrera 40 anos antes. O historiador diz à parteira que tudo o que
ela guardou de lembrança sobre o artista precisa ser preservado. A ex-escrava
então relata a história do escultor desde o seu nascimento. Joana afirma que
Antônio Francisco Lisboa nasceu em 29 de agosto de 1738, no Bairro de Antônio
Dias. Filho do arquiteto português Manoel Francisco Lisboa e de uma escrava,
Isabel. O pai, Manoel, afirma ao tomar o filho nos braços:
“
– Será um artista e deixará as meninas doidas” – fazendo referência ao fato de
que o bebê recém chegado
ao mundo continuaria os passos do seu pai, que também era artista. Dessa forma,
ainda menino, Antônio Francisco acompanha o pai em seus trabalhos, nas
restaurações, e, pouco a pouco, absorve o conhecimento e revela apurado
talento.
Há
uma passagem de tempo, e Antônio Francisco já aparece adulto.
Influências:
Em
sua trajetória, Antônio Francisco Lisboa recebe influência de apreciadores da arte
e de artistas de renome como João Gomes da Silva e Francisco Xavier de Brito.
João Gomes reconhece a beleza do traçado de Francisco. A primeira obra do jovem
artista foi o busto de uma mulher, em 1752: um desenho para o chafariz do pátio
do Palácio dos Governadores, em Ouro Preto. Seu estilo aproximava-se do Barroco e do Rococó. Enquanto o
primeiro movimento artístico tem como principais características o contraste, a
dramaticidade e a exuberância, o segundo privilegia a delicadeza, temas leves e
cores claras.
Visão sobre a
escravidão:
O
artista presencia um negro apanhando e várias pessoas em volta gritando. A cena
foi rodada no Pelourinho situado próximo à Igreja São Francisco de Assis, um
dos principais pontos turísticos de Mariana – cidade que fica a 11Km de Ouro
Preto. Na cena seguinte, o artista discute com seu pai a situação dos negros no
país. Apesar de filho de português, Antônio
Francisco não esquece seu sangue africano. Alforriado no batismo, o jovem
não consegue ficar alheio à situação de sofrimento e desprezo vivida pelos seus
irmãos de cor, os negros que viviam em Vila Rica e eram duramente explorados e
maltratados nas minas de ouro. Perante seu pai, homem português que acha que
Aleijadinho deve simplesmente esquecer suas origens, o rapaz assume sua raça,
sua cor. Mas segue o conselho do pai: “- Cuide da tua arte, apenas da tua
arte.” Mesmo assim, Antônio Francisco permanece frequentando o lugar de
trabalho dos escravos, os quais servirão de inspiração para a originalidade de
suas produções.
Vida amorosa: Outro ponto
relevante da vida do artista, que é tratado no filme, é o envolvimento amoroso com Helena. Moça negra, bela e cheia de
encantos. Nasce então um romance que será o motivo de alegrias e também de
desencantos. É durante o desenrolar desse caso de amor que Antônio Francisco
será convidado por Claudio Manuel da Costa para produzir a parte artística da capela
de São Francisco de Assis juntamente com o pintor Manoel da Costa Athaíde, um
dos principais artistas do barroco mineiro. Essa capela se tornará a mais
importante obra assinada por Aleijadinho em Ouro Preto, antiga Vila Rica.
Estilo brasileiro: A amizade com Claudio Manuel da Costa, poeta árcade e
um dos líderes da Inconfidência Mineira, propiciará a Antônio Francisco visitas
à biblioteca do poeta. Com isso, Aleijadinho tem a possibilidade de ampliar
seus conhecimentos e ainda, com base nos ensinos, estar seguro para abandonar o
barroco e desenvolver um estilo próprio, um estilo brasileiro, uma abordagem
rococó. Sua pretensão é desenvolver uma obra original, duradoura e que reflita
o caráter do povo brasileiro. Sua produção é dividida em dois momentos: um são:
as obras são serenas, delicadas; e o outro da fase enferma: as produções trazem
expressões de angústia, de dor.
Período de lástimas
A doença: O pai de Antônio
Francisco sofre um ataque e morre. Porém o maior sofrimento começaria ali, em
torno dos quarenta e sete anos: uma doença terrível o assola, trazendo uma
carga de dor quase insuportável, e o pior: a atrofia das mãos. Mestre Antônio,
como era chamado, torna-se motivo de curiosidade entre as pessoas da cidade. A
doença o fez perder os dentes, a boca entortou, o queixo e o lábio “caíram”,
assumiu uma expressão de fera. Passa a sair de casa com trajes que encobriam
todo o seu corpo; vai trabalhar muito cedo, na escuridão do fim da madrugada,
para que não seja visto pela população. Mesmo assim, muitos veem vê-lo
trabalhar. Vila Rica se pergunta qual seria a doença que atormenta Antônio
Francisco, homem dado ao vinho, às mulheres e festejos: lepra, zamparina, febre
tifóide, sífilis, escorbuto...? Para continuar produzindo, ata os instrumentos
à mão e recebe a ajuda de Maurício, Januário e Agostinho, seus fiéis escravos e
ajudantes.
A traição: No reduto familiar,
sua esposa sente nojo daquele homem: a doença lhe deu uma aparência monstruosa,
assustadora. Helena começa a trair Antônio Francisco com José Romão, tenente do
governador Luis da Cunha Meneses,
governador de Vila Rica.
Em
certa ocasião, Luis da Cunha Meneses encomenda a Aleijadinho uma imagem de São
Jorge para uma procissão que ocorreria nos
próximos dias. Tomado pelo ódio da traição, Antônio Francisco produz sim uma imagem,
porém o “são Jorge” possuía a cara abobalhada e assustada de Zé Romão, amante de Helena e oficial de
Meneses. Toda
a cidade assiste ao ocorrido. Zé Romão vira motiva de piada. O fato desagrada
Cunha Meneses. O governador envia Romão para o Rio de Janeiro. No entanto,
Romão levará consigo Helena, esposa de Antônio Francisco Lisboa.
Aleijadinho
não mostra nenhum tipo de reverência ao governador Meneses. Em uma das cenas do
filme, Cunha Meneses é enxotado da igreja em que Antônio Francisco trabalha, no
caso a capela de São Francisco de Assis.
O
sofrimento físico, em decorrência da doença, e moral, pela traição de Helena,
abatem ainda mais o artista mineira.
A inconfidência
Mineira
A
narrativa fala sobre um importante episódio da História do Brasil: a Inconfidência Mineira. Como Antônio
Francisco era amigo do poeta Cláudio Manuel da Costa, presenciou algumas
reuniões em que o escritor Tomás Antônio Gonzaga e outros intelectuais planejavam
uma revolta pela independência de Minas Gerais. Quando os envolvidos são
denunciados, Aleijadinho visita Cláudio Manuel na prisão. A cena parece ter
sido rodada na Mina da Passagem, localizada no distrito de Passagem de Mariana.
Atualmente, a mina transformou-se em um famoso ponto turístico da cidade,
recebendo visitantes de todo o país. Durante a visita de Antônio Francisco,
Cláudio Manuel fala ao amigo que foi Joaquim Silvério quem delatou o movimento.
O poeta dá a entender que já sabia do interesse de Joaquim em pagar suas
dívidas à coroa portuguesa, e não nos ideais dos parceiros.
Congonhas do Campo: Após os
acontecimentos, o longa-metragem
mostra Antônio Francisco de partida para Congonhas do Campo, em Minas Gerais.
Ali ele construirá os famosos “profetas de Aleijadinho”: o conjunto
de esculturas em pedra sabão feitas
entre 1794 a 1804. Durante a construção, um dos escravos e ajudantes de
Aleijadinho morre. Aos 72 anos Antônio Francisco retorna de Congonhas do Campo.
Já bastante debilitado pela doença, perde a visão e fica dois anos acamado.
Falece em 1814, aos 74 anos.
Fim do filme: Nesse momento a
narrativa se desloca para o ano de 1858, quando a nora de Aleijadinho conversa
com o historiador.
Joana
mostra a Bretas o quarto no qual o escultor morreu e entrega a ele recibos e
desenhos do artista que ainda estavam na casa. A ex-escrava desabafa sobre a
possibilidade da obra de Aleijadinho estragar-se e do artista não ser lembrado
com o passar do tempo. O historiador lembra à Joana que irá escrever sobre o
escultor e que, além dele, muitos outros o farão e, assim, o artista e sua obra
não serão facilmente esquecidos. A fala do historiador deixa clara a intenção
do diretor em mostrar ao espectador a importância
de registrar os patrimônios que temos – materiais, culturais ou imateriais
– através de livros ou filmes (já que o enredo do longa é inspirado nos
escritos do historiador Rodrigo José Ferreira Bretas). É possível deduzir,
portanto, que além de preservar os patrimônios presentes no conteúdo da
película - de extrema importância para a história do país - também é essencial
a preocupação em conservar os meios pelos quais tal conteúdo foi registrado.