Sobre o autor
Pero Magalhães de Gândavo (Braga,1540 - Portugal,
1579).
Sabe-se pouco sobre Pero de Magalhães de Gândavo.
Nasceu em Braga, norte de Portugal. Tem este nome porque sua família veio de
Gand, próspera cidade flamenga de Flandres (hoje Bélgica). Foi amigo de Luís de
Camões. Escreveu uma gramática com regras da língua portuguesa.
Pero teria estado no Brasil na década de 1560. Dessa
viagem resultou o Tratado da província do
Brasil, que, numa versão posterior, ganharia o título de Tratado da terra do Brasil e,
finalmente, numa terceira versão passaria a chamar-se História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. O projeto inteiro ocupou dez anos de sua vida. Tanto título e
tanto tempo de trabalho se justificam, provavelmente, porque o Tratado já não
podia dar conta da grandeza e complexidade em que se transformara o Brasil,
tarefa reservada á solenidade da História. Assim, somente em 1576 entregou a uma
tipografia o que foi a terceira e definitiva versão de "História da Província de Santa Cruz a que
vulgarmente chamamos Brasil". Esta obra é considerada a primeira sobre
a história do Brasil. Nome que, aliás, detestava, por julgar sua referência à
mera tintura. Pero de Magalhães de Gândavo esteve no Brasil, provavelmente,
entre 1558 e 1572.
Pero de Magalhães de Gândavo é o pioneiro de uma
longa e nobre linhagem de descritores do Brasil. Sabe-se que foi membro da
corte de D. Sebastião, onde desempenhava as funções de “Moço de Câmara”, uma
espécie de Ajudante de Ordens, como se diz no exército. E que, além disso,
trabalhou como copista na Torre do Tombo. Nos termos técnicos da época, “que
trasladava livros”. Sabe-se ainda, mas não muito mais, que foi
nomeado “Provedor da Fazenda” em Salvador, mas não há registro de que
tenha assumido tal cargo.
Típico renascentista, Gândavo é homem de gabinete e
de aventura. Quanto ao primeiro aspecto,
é autor de umas Regras que ensinam a maneira de escrever e ortographia da língua portuguesa, publicadas
em 1574, pela mesma “Ophicina” de Antonio
Gonsalvez. O mesmo editor que, dois anos antes, dera a público Os Lusíadas, de Luiz de Camões, de quem
Gândavo era admirador e amigo, e dois anos depois publicaria sua versão
definitiva da História da província Santa
Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil.
Sua escrita possui clara finalidade de estimular a emigração portuguesa.
QUINHENTISMO
Quinhentismo é a denominação genérica de todas as manifestações
literárias ocorridas no Brasil durante o século XVI, no momento em que a
cultura europeia foi introduzida no país. Note que, nesse período, ainda não se
trata de literatura genuinamente brasileira, a qual revele visão do homem
brasileiro. Trata-se de uma literatura ocorrida no Brasil, ligada ao Brasil,
mas que denota a visão, as ambições e as intenções do homem europeu
mercantilista em busca de novas terras e riquezas. As manifestações ocorridas
se prenderam, basicamente, à descrição da terra e do índio, ou a textos
escritos pelos viajantes, jesuítas e missionários que aqui estiveram.
Literatura
Informativa
A Carta de
Caminha inaugura o que se convencionou chamar de Literatura Informativa sobre o Brasil. Este tipo de literatura,
também conhecido como literatura dos viajantes ou literatura dos cronistas,
como consequência das Grandes Navegações, empenha-se em fazer um levantamento
da “terra nova”, de sua floresta e fauna, de seus habitantes e costumes, que se
apresentaram muito diferentes dos europeus. Daí ser uma literatura meramente descritiva e, como tal, sem grande valor
literário.
Literatura
informativa HOJE
Para o leitor de hoje, a literatura informativa
satisfaz a curiosidade a respeito do Brasil nos seus primeiros anos de vida,
oferecendo o encanto das narrativas de viagem. Para os historiadores, os textos
são fontes obrigatórias de pesquisa. Mais adiante, com o movimento modernista,
esses textos foram retomados pelos escritores brasileiros, como Oswald de
Andrade, como forma de denúncia da exploração a que o país sofrera desde então.
Veja os principais documentos que compõem a nossa
literatura informativa:
1. Carta do descobrimento (Pero Vaz de Caminha):
foi escrita no ano de 1500 e publicada pela primeira vez em 1817.
2. Tratado da terra do Brasil (Pero de Magalhães
Gândavo): foi escrito por volta de 1570 e impresso pela primeira vez em 1826.
3. História da Província de Santa Cruz, a que
vulgarmente chamamos Brasil (Pero de Magalhães Gândavo): foi editado em
1576.
4. Diálogo sobre a conversão dos gentios (Padre
Manuel da Nóbrega): foi escrito em 1557 e impresso em 1880.
5. Tratado descritivo do Brasil (Gabriel Soares de
Sousa): escrito em 1587 e impresso por volta de 1839.
A
História da Província Santa Cruz
ultrapassa as raias de um mero relato de viagem, pois oferece um amplo quadro
dos primórdios da colonização. Assim, os textos de Gândavo colaboram para a divulgação
do Brasil desde 1576. Desse modo, Pero de Magalhães Gândavo, juntamente com Caminha,
testemunha a formação do país e do povo brasileiro, ao traduzir a realidade que
brotava do aparente paraíso.
História da Província de Santa Cruz, a que
vulgarmente chamamos Brasil: resumo
No seu primeiro
capítulo, o cronista vem descrever como se deu o descobrimento da província
e por que razão que ela passou a se chamar de Santa Cruz e não de Brasil.
O segundo
capítulo foi retirado da versão de estudos proposta pela Unimontes.
O terceiro
capítulo refere-se as oito mais importantes capitanias dos portugueses na
província; como se portavam os moradores daquele lugar; como se defendiam
contra os inimigos; como eram os índios que ali estavam e sobre a dizimação de
muitos deles pelos moradores que ali chegaram.
No seu quarto
capítulo o autor trata sobre a forma de administrar essas províncias, com
seus governantes, através da divisão dos poderes no norte e no sul das
capitanias, com o melhoramento das edificações, a divisão do trabalho dentro
delas e o espírito solidário e cooperativo entre eles.
PROPAGANDA
QUINHENTISTA
Gândavo
é o primeiro autor quinhentista a elaborar a experiência do conhecimento das
terras brasileiras com o objetivo de publicá-la. Provavelmente, enquanto
navegava longas distâncias entre as capitanias hereditárias, como provedor da capitania baiana, não
deixava de tomar notas das cousas
principais da terra e dos índios.
O
objetivo que palpita nos textos gandavianos é muito claro: a divulgação do Brasil com a intenção de atrair o maior número de
pessoas para a colônia no além-mar. A cada etapa os tópicos vão sendo
detalhados, enriquecidos com informações cada vez mais precisas.
Ao longo do texto, várias interpretações sobre a vida e os costumes dos índios
aparecem esparsas. Para ele, os habitantes vivem em uma terra “sem Fé, nem Lei,
nem Rei”.
“A
lingoa de que usam, toda pela costa, he huma: ainda que em certo vocábulos
differe n’algumas partes; (...) carece de três letras, convem a saber, nam têm
F, nem L, nem R, cousa digna despanto porque assi nam têm Fé, nem Lei, nem Rei,
e desta maneira vivem desordenadamente sem terem alem disto conta, nem peso,
nem medido” (História, 1980:123-124).
SOBRE A MUDANÇA
DO NOME: RELIGIOSIDADE
Em História
da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil evangelizar e explorar, em vez de opostas,
eram atividades complementares naqueles tempos de Gândavo, bem sintetizadas nos
versos de Camões, que cantarão “...as memórias gloriosas /Daqueles reis que
foram dilatando/ A Fé, o Império, e as terras viciosas de África e de Ásia
andaram devastando.” Levava-se a palavra de Deus aos confins do mundo e
impunha-se o Seu nome a ferro, fogo e muito sangue. Daí que o devastar em
Camões ganhe caráter positivo – para espanto dos nossos tempos de agora. Mas, é
preciso compreender que se tratava de devastar “terras viciosas”, isto é,
lugares que representavam verdadeira ofensa à existência de Deus. Era natural,
assim, que, em reconhecimento a tanto esforço, Deus autorizasse seus
servidores, a promover uma pilhagem aqui, um saque ali, uma invasão mais além,
de modo a não voltar de mãos e naus vazias. Tratava-se de pequena recompensa para tanto zelo em nome Dele.
Tal concepção só tem sua legitimidade posta em
dúvida, e mais que isso, condenada, quando a ação ultrapassa o limite do
“serviço de Deus”, para apresentar-se pura e simplesmente como efeito malévolo
da cobiça humana, que aproxima o homem das forças do mal. Quando tal mudança é
percebida, o castigo de Deus é iminente, embora ele quase nunca seja entendido
assim, pois mesmo na guerra santa há sempre excessos, desculpáveis na proporção
do fervor empregado.
É nessa direção que se deve entender a substituição
da palavra Brasil por Santa Cruz nas duas versões da História. Nessa época, brasil remete, por sua cor, a um – passe o paradoxo – verdadeiro El Dorado,
objeto de disputa feroz entre portugueses e
invasores, particularmente os franceses, devido ao seu alto valor
comercial: o pau-brasil.
Gândavo propõe, com a mudança do nome, uma volta às
origens, posto a cobiça ter encoberto o projeto inicial sinalizado no nome Santa
Cruz. O autor nada tinha contra a exploração comercial da madeira, somente que
tal prática não pode nunca transformar-se em nome da terra, pois, nessa troca
de madeira, substituir-se-ia a sagrada – a madeira da cruz! – pela mundana, na
qual se manifesta a presença viva (e colorida) do diabo. É pois uma batalha no nível do signo que
Gândavo empreende.
Por onde não parece razoável que lhe neguemos esse nome [Santa Cruz],
nem que nos esqueçamos dele tão indevidamente por outro que lhe deu o vulgo
depois que o pau da tinta começou a vir para estes reinos. Ao qual chamaram
brasil por ser vermelho e ter semelhança de brasa, e por isso ficou a terra com
esse nome de Brasil. Mas para que nisto magoemos ao demônio, que tanto
trabalhou e trabalha para extinguir a memória da santa cruz (mediante a qual
fomos redimidos e livrados do poder de sua tirania) e desterrá-la dos corações
dos homens, restituamos-lhe seu nome e chamemos-lhe, como em princípio,
província de Santa Cruz (que assim o aconselha também aquele ilustre e famoso
escritor João de Barros na sua primeira Década, tratando desse descobrimento) (HSC, 46).
Presença viva no cotidiano, Deus tem suas marcas
deixadas por onde andam Seus seguidores. Abandonar tal prática nesse caso é
entregar-se deliberadamente às manhas do demônio, que anda rondando sempre,
tentando até mesmo o mais fiel dos fiéis.
A obra: uma
síntese
Na sua obra “História da Província de Santa Cruz”,
Gândavo relata como ocorreu o
descobrimento do Brasil: Companhias de navios saíram de Lisboa em 9 de
março de 1500 com destino à Índia, por já terem um genérico mapa que os
conduzissem, se deparam num meio de um temporal nas ilhas do Cabo Verde que por
consequência separou os navios da companhia e alteraram sua rota. Ao passar de
um mês navegando no sentido do vento, avistaram então a terra prometida e se
depararam em sua costa, foram navegando por sua extensão até encontrarem um
porto limpo e seguro, ao qual nomearam Porto
Seguro. Ao passar a noite, Pedro Álvares saiu com um grande contingente de
gente onde já tiveram o primeiro contato com tais nativos que deram o nome de
índios (...) e entre eles rezaram uma
missa. Aqueles nativos que ali se faziam presente se aglomeraram e ouviam
tudo muito quietos.
Logo depois desse momento, os portugueses interpretaram
que, devido aos índios de porem de joelhos e baterem no peito, eles tendiam à fé
e assim estavam dispostos a receberem a doutrina cristã. Pedro Álvares, então,
mandou logo navios com tal notícia para o rei Dom Manuel o qual ficou muito
feliz e logo começou a mandar navios e vice-versa e assim a terra começou a pouco
sendo conhecida e sucessivamente habitada.
Por ali se instalou por vários dias Pedro Álvares
de Cabral que não poderia partir desta terra sem deixar um nome. Assim, alçou
na maior árvore da redondeza uma cruz que foi comemorada com grande solenidade
por alguns fiéis e sacerdotes, dando então, o nome de Santa Cruz, mas logo tal nome foi esquecido, depois que o pau-da-tinta começou a ser conhecido e
cobiçado e também chamado de Brasil por ser vermelho e ter semelhança de
brasa, daí aquelas terras antes Santa Cruz, passaram a ser conhecidas como Brasil.
No entanto, prevaleceu o intuito católico: a terra voltou a ser chamada
província de Santa Cruz. Como um pau que
somente servia para tingir panos poderia ser o nome desta província?
Deste ponto Gândavo começa a caracterizar o Brasil
e propagandeá-lo com fama de ser ótimo para os portugueses morarem. Fala da
estrutura das casas, da abundância de frutos e promessa de uma vida melhor na
terra descoberta. Descrevia o Brasil com condições de vida provincial
bem melhor do que as de Portugal.
Gândavo também relata o motivo por qual estavam
matando os índios: vários portugueses começaram a se instalar pela costa
terrestre e lá também existiam vários índios os quais se levantaram contra os
portugueses e faziam muitas traições. Os nativos tentavam se esquivar do desejo
português de escravizar a mão-de-obra indígena. Os índios que sobreviviam
migravam para o sertão.
Gândavo mencionou e caracterizou as terras dos
primeiros capitães que conquistaram esta província:
1 – Capitania Tamaracá: Seu conquistador foi Pero Lopes de Sousa. É uma ilha onde ao norte
encontramos terras viçosas e é lá onde o próprio mora.
2 – Capitania Pernambuco: seu conquistador foi Duarte Coelho,sua residência encontra-se a 4
léguas da ilha de Tamaracá, chama-se Olinda que é uma das mais nobres vilas da
província. Uma característica muito importante é o fato de lá haverem muito
escravos, com isso vários fazendeiros utilizaram-no para trabalho escravo.
3 – Capitania Bahia de
Todos os Santos: Onde encontramos o governador e bispo, e
ouvidor-geral de toda costa, quem conquistou foi Francisco Pereira Coutinho.
Eliminou por toda a extensão vida indígena, pois os tinham como seus inimigos.
Seu primeiro governador-geral foi Tomé de Souza. Existia uma cidade nobre e
muito bonita onde morava o governador: Salvador.
4 – Capitania Ilhéus: Seu conquistador foi Jorge de Figueredo Correia, Estabeleceu uma vila a
30 léguas da Bahia de todos os santos muito formosa e de muitos vizinhos.
5 – Capitania Porto Seguro: Seu conquistador foi Pero do Campo Tourinho, famosa por ter um porto
limpo e seguro.
6 – Capitania Espírito
Santo: Seu conquistador foi Vasco Fernandes Coutinho. Sua
população é situada em uma ilha pequena, dela nasce um rio com infinidade de
peixes com extensão até o sertão. Portadora de terras férteis.
7 – Capitania Rio de
Janeiro: Seu conquistador foi Mem de Sá, expulsaram numa
batalha os índios que ali encontravam-se. Ele foi o governador geral dessas
partes. Considerada segura e propicia para ser capital da província.
8 – Capitania de São
Vicente: Seu conquistador foi Martim Afonso de Sousa, essa
é uma terra bastante povoada.
O quarto
capítulo da obra mostra a divisão do espaço brasileiro em dois governos
gerais, a fim de facilitar o gerenciamento, e a convivência e ambientação dos
portugueses que aqui habitavam, o que propiciou o desenvolvimento econômico.
Veja a nota do editor em uma das publicações que
traz trechos da produção de Pero de Magalhâes Gândavo:
“Em 1570, a Coroa Portuguesa
resolveu dividir o Brasil em dois governos-gerais: um indo de Pernambuco a
Porto Seguro, com capital em Salvador; e outro de ilhéus até o sul, com capital
no Rio de Janeiro. A divisão ocorreu, segundo a Coroa, pois ‘sendo as terras da
costa do Brasil tão grandes e distantes umas das outras e haver já agora nelas
muitas povoações e esperanças de se fazer muito mais pelo tempo em diante, não
podiam ser tão inteiramente governadas como cumpria, por um só governador, como
até aqui nelas houve’” (Cronista do descobrimento; editora ática - Pero de
Magalhães Gândavo).
Não podemos jamais esquecer que o índio foi
importante para tamanho crescimento da província, uma vez que desempenhava, em
primeiro momento, trabalho escravo. No entanto, o negro africano começava a ser
trazido para o Brasil para que, pouco a pouco, substituísse a mão-de-obra dos
nativos. Estes resistiam ao processo de escravização e contavam com o apoio da
Igreja que também trabalhava para impedir a escravidão do índio, mas aplaudia a
subserviência do negro.