4 de nov. de 2017

Tema: Desafios na doação de órgão no Brasil


Descanso ao “operário das ruínas
Por Daniele Ribeiro
O momento da morte é marcado pela dor. Em face do fim, os homens, comumente, refletem quanto ao sentido do ser e sobre como fazer da continuidade da existência um tempo valoroso. É por esse motivo que a doação de órgãos poderia ser o instante de oferecer vida àqueles que estão nas longas filas de espera por transplantes. A irreversibilidade da morte encefálica, tão comum, dado os elevados índices de óbitos no cotidiano do Brasil, não se converte em doações devido, especialmente, à negativa familiar e à, ainda, ineficiente gestão de saúde para que o processo seja rápido e de sucesso.
Verme – “operário das ruínas”. É com essa definição que o poeta incluso no rol dos pré-modernistas, Augusto dos Anjos, define o que estará em ação após a morte. No entanto, essa realidade pode ser amenizada já que alguns órgãos podem continuar a viver em outras pessoas. Contudo, o luto associado à falta de informação e mitos – quanto ao tráfico de órgãos e também a fé religiosa – impedem que as famílias façam a opção por doar. A ausência de altruísmo e a postura individualista da sociedade atual, características preditas por Bauman, definem, muitas vezes, a negativa, uma vez que a dor do momento, potencializada pela parca informação sobre a realidade das tristes filas de espera por uma esperança de vida, não dão espaço para que os corpos daqueles que faleceram cerebralmente  tenham um destino diferente da ação do “operário” descrito pelo “poeta do mau gosto”.
Além disso, mesmo sendo o Brasil reconhecido pelo sucesso nos transplantes que realiza, o país desperdiça parte dos órgãos que poderiam ser transplantados. Uma vez diagnosticada a morte encefálica, o que deve ser feito por um médico neurologista – profissional nem sempre presente, pelo menos de modo constante, nos hospitais públicos brasileiros -, o processo deve ser rápido e atendendo à vasta extensão territorial do país. Assim, as unidades hospitalares precisam ser ágeis na comunicação à Central de Captação de Órgãos, o que nem sempre acontece. Além disso, o corpo morto deve ser mantido em leitos, sob condições adequadas para que o transplante ocorra, atenção que, em um sistema público superlotado, nem sempre é prioridade, uma vez que esses leitos acabam sendo destinados a quem clinicamente tem condições de viver. Todos esses fatores frustram a esperança de que o corpo morto seja mais que “carne dada aos vermes” e formam um embaraço à vida de quem almeja um órgão.
“Não é da morte que temos medo, mas de pensar nela.” A constatação de Sêneca, filósofo romano, ajuda a ilustrar o quanto a falta de diálogo – social e familiar – colabora para a perpetuação do não aproveitamento dos órgãos no Brasil. Essa realidade pode ser atenuada por meio de propagandas constantes nos grandes canais de mídia sobre o assunto. Ademais, quanto ao aspecto técnico e estrutural, cabe ao Ministério da Saúde destinar verbas para a contratação de mais profissionais neurologistas para realizar, sem adiamentos ou demoras, a constatação precisa da “causa-mortis”. À tal Ministério, associado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, compete desenvolver um sistema integrado e ágil de modo a possibilitar comunicação e procedimentos mais velozes. As informações quanto a isso devem ser de conhecimento público, acessíveis em portais eletrônicos, a fim de que a população acompanhe o comprometimento das equipes de saúde, denuncie negligências e possa conhecer o destino dos órgãos doados, já que a aproximação entre as famílias também é um fator relevante para suscitar maior solidariedade entre os brasileiros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Powered By Blogger

Flickr