3 de nov. de 2013

A SANTA INÊS: O VERSO DO APÓSTOLO DO BRASIL

PAES 2013: “A SANTA INÊS”, PE. JOSÉ DE ANCHIETA

Literatura Jesuítica
As conquistas expansionistas europeias possuíam um duplo ensejo: ao espírito capitalista-mercantil associavam certo ideal religioso e salvacionista. Por essa razão, dezenas de religiosos acompanhavam as expedições a fim de converter os gentios.
            Como consequência da Contrarreforma, chegam, em 1549, os primeiros jesuítas ao Brasil. Incumbidos de catequizar os índios e de instalar o ensino público no país, fundaram os primeiros colégios, que foram, durante muito tempo, a única atividade intelectual existente na colônia.
            Primeiros traços de literatura:
            Do ponto de vista estético, os jesuítas foram responsáveis pela melhor produção literária do Quinhentismo brasileiro. Além da poesia de devoção, cultivaram o teatro de caráter pedagógico, inspirado em passagens bíblicas, e produziram documentos que informavam aos superiores na Europa o andamento dos trabalhos.
O instrumento mais utilizado para atingir os objetivos pretendidos pelos jesuítas (moralizar os costumes dos brancos colonos e catequizar os índios) foi o teatro. Para isso, os jesuítas chegaram a aprender a língua tupi, utilizando-a como veículo de expressão. Os índios não eram apenas espectadores das peças teatrais, mas também atores, dançarinos e cantores.
            Principais jesuítas no Brasil:
            Os principais jesuítas responsáveis pela produção literária da época foram o padre Manuel da Nóbrega, o missionário Fernão Cardim e o padre José de Anchieta.

JOSÉ DE ANCHIETA
Nascido em 1534 na ilha de Tenerife, Canárias, o padre da Companhia de Jesus veio para o Brasil em 1553 e fundou, no ano seguinte, um colégio na região da então cidade de São Paulo. Faleceu na atual cidade de Anchieta, litoral do Espírito Santo, em 1597.
Conhecido como o grande piahy ("supremo pajé branco"), Anchieta deixou como legado a primeira gramática do tupi-guarani, verdadeira cartilha para o ensino da língua dos nativos (Arte da gramática da língua mais usada na costa do Brasil). Destacou-se também por suas poesias e autos, nos quais misturava a moral religiosa católica aos costumes dos indígenas.        Entre as peças de teatro da época, destaca-se o Auto de São Lourenço, escrita pelo padre José de Anchieta. Nela, o autor conta em três línguas (tupi, português e espanhol) o martírio de são Lourenço, que preferiu morrer queimado a renunciar a fé cristã. Anchieta intentou conciliar os valores católicos com os símbolos primitivos dos habitantes da terra e com aspectos da nova realidade americana. O sagrado europeu ligava-se aos mitos indígenas, sem que isso significasse contradição, pois as ideias que triunfavam nos espetáculos eram evidentemente as do padre. A liberdade formal das encenações saltava aos olhos: o teatro anchietano pressupunha o lúdico, o jogo coreográfico, a cor, o som.
A obra do padre Anchieta também merece destaque na poesia. Além de poemas didáticos, com finalidade catequética, também elaborou poemas que apenas revelavam sua necessidade de expressão. Os poemas mais conhecidos de José de Anchieta são: “Do Santíssimo Sacramento” e “A Santa Inês”.

A SANTA INÊS: O VERSO DO APÓSTOLO DO BRASIL

Objetivo geral:
Converter os índios e manter o catolicismo entre os colonos.
CARACTERÍSTICAS GERAIS:
Poesia como recurso didático;
Incentivo à prática da fé religiosa;
Linguagem simples visando maior alcance religioso;
A temática do poema revela o confronto entre o bem e o mal: a chegada da Santa espanta o mal e revigora a fé do povo.
Características de anunciação da fé religiosa que prenuncia características barrocas: o uso da antítese “pecado X perdão” é um exemplo. Aceitar o exemplo a Santa é sair da escuridão e entrar na luz.
Nota explicativa: Inês: mártir da Igreja do século IV. Jovem romana, foi decapitada por ter se recusado a perder a virgindade. É considerado o símbolo e a guardiã da castidade cristã.
José de Anchieta foi um jesuíta que na sua fé buscava a salvação na Santa Eucarística. O jesuíta, em servos, explorava a musicalidade com o objetivo de facilitar a memorização. A linguagem utilizada por ele é simples, sendo esta a sua principal preocupação, tendo com isso, o objetivo de mostrar uma ideia medieval, centrada no catolicismo.
A estrutura do poema:
Dividido em três partes, sendo que a primeira parte é composta por nove versos e quatro estrofes; a segunda é composta por dez versos e quatro estrofes e a última parte tem cinco versos e quatro e cinco estrofes.
No poema o autor utiliza "rimas cruzadas" que são aquelas que se alternam num quarteto de modo que o primeiro verso rima, com o terceiro, e o segundo rima com o quarto.
Na terceira parte utiliza rimas enlaçadas, ou seja, o primeiro verso rima com o quarto e o segundo e terceiro versos rimam em parelha.
Linguagem e recursos:
Pe. José de Anchieta exalta a santa por meios de adjetivos, metáforas e substantivos. Quando o autor se refere à santa como "padeirinha", "pão", "massa", "trigo", "doce bolo", "trigo sem farelo", o autor que dizer que assim como o alimento é essencial à vida, e precisa-se dele para viver, a Santa Inês é como se fosse o alimento para a alma e o homem precisa dela.
Também, utilizando a metáfora, ele se refere à santa como "mesinha", ou seja, remetendo a ideia de que a santa é o remédio que vai curar o povo.
No imagístico, o autor chama a santa de "rainha", o que intensifica a ideia de santidade da devota católica.
A Santa Inês, também é chamada de "cordeirinha", ou seja, ela é obediente, serva de Deus. Virgem, sem mácula, e sem nenhum farelo, ou seja, pura. O uso do diminutivo explora o tratamento afetuoso.
Pe. José de Anchieta também menciona o povo em seu poema, fazendo acusações sobre eles, de não andarem famintos pelo trigo novo, (Santa Inês), chamando povo de tolo e clama ajuda da santa para vir como remédio sarar, curar o povo. Acusa ainda o homem de não ter miolo: o “miolo” refere-se à essência, afinal, sem as referências católicas o homem não é nada; é néscio, pois, é um pecador e não tem fome do "pão novo".

Segue o texto:


I - Cordeirinha linda,
como folga o povo
porque vossa vinda
lhe dá lume novo!
Cordeirinha santa,
de Iesu querida,
vossa santa vinda
o diabo espanta.
Por isso vos canta,
com prazer, o povo,

porque vossa vinda
lhe dá lume novo.
Nossa culpa escura
fugirá depressa,
pois vossa cabeça
vem com luz tão pura
Vossa formosura
honra é do povo,
porque vossa vinda
lhe dá lume novo.
Virginal cabeça
pela fé cortada,
com vossa chegada,
já ninguém pereça.
Vinde mui depressa
ajudar o povo,

pois com vossa vinda
lhe dais lume novo.
Vós sois, cordeirinha,
de Iesu formoso,
mas o vosso esposo
já vos fez rainha.
Também padeirinha
sois de nosso povo,
pois, com vossa vinda,
lhe dais lume novo. 
II - Não é d’Alentejo
este vosso trigo,
mas Jesus amigo
é vosso desejo.
Morro porque vejo
que este nosso povo
não anda faminto
deste trigo novo.
Santa padeirinha,
morta com cutelo,
sem nenhum farelo
é vossa farinha.
Ela é mezinha
com que sara o povo,
que, com vossa vinda,
terá trigo novo.
O pão que amassastes
dentro em vosso peito,
é o amor perfeito
com que a Deus amastes.
Deste vos fartastes,
deste dais ao povo,
porque deixe o velho
pelo trigo novo.
Não se vende em praça
este pão de vida,
porque é comida
que se dá de graça.
Ó preciosa massa!
Ó que pão tão novo
que, com vossa vinda,
quer Deus dar ao povo!
Ó que doce bolo,
que se chama graça!
Quem sem ele passa
é mui grande tolo,
Homem sem miolo,
qualquer deste povo,
que não é faminto
deste pão tão novo!
 III - CANTAM:
Entrai ad altare Dei
virgem mártir mui formosa,
pois que sois tão digna esposa
de Iesu, que é sumo rei.
Debaixo do sacramento,
em forma de pão de trigo,
vos espera, como amigo,
com grande contentamento.
Ali tendes vosso assento.
Entrai ad altare Dei,
virgem mártir mui formosa,
pois que sois tão digna esposa
de Iesu, que é sumo rei.
Naquele lugar estreito
cabereis bem com Jesus,
Pois ele, com sua cruz,
vos coube dentro no peito,
ó virgem de grão respeito.
Entrai ad altare Dei,
virgem mártir mui formosa,
pois que sois tão digna esposa
de Iesu, que é sumo rei.



PAES 2013 – Análise literária: "HISTÓRIA DA PROVÍNCIA DE SANTA CRUZ A QUE VULGARMENTE CHAMAMOS BRASIL"

Sobre o autor
Pero Magalhães de Gândavo (Braga,1540 - Portugal, 1579).
Sabe-se pouco sobre Pero de Magalhães de Gândavo. Nasceu em Braga, norte de Portugal. Tem este nome porque sua família veio de Gand, próspera cidade flamenga de Flandres (hoje Bélgica). Foi amigo de Luís de Camões. Escreveu uma gramática com regras da língua portuguesa.
Pero teria estado no Brasil na década de 1560. Dessa viagem resultou o Tratado da província do Brasil, que, numa versão posterior, ganharia o título de Tratado da terra do Brasil e, finalmente, numa terceira versão passaria a chamar-se História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. O projeto inteiro  ocupou dez anos de sua vida. Tanto título e tanto tempo de trabalho se justificam, provavelmente, porque o Tratado já não podia dar conta da grandeza e complexidade em que se transformara o Brasil, tarefa reservada á solenidade da História.  Assim, somente em 1576 entregou a uma tipografia o que foi a terceira e definitiva versão de "História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil". Esta obra é considerada a primeira sobre a história do Brasil. Nome que, aliás, detestava, por julgar sua referência à mera tintura. Pero de Magalhães de Gândavo esteve no Brasil, provavelmente, entre 1558 e 1572.
Pero de Magalhães de Gândavo é o pioneiro de uma longa e nobre linhagem de descritores do Brasil. Sabe-se que foi membro da corte de D. Sebastião, onde desempenhava as funções de “Moço de Câmara”, uma espécie de Ajudante de Ordens, como se diz no exército. E que, além disso, trabalhou como copista na Torre do Tombo. Nos termos técnicos da época, “que trasladava livros”. Sabe-se ainda, mas não muito mais, que foi
nomeado “Provedor da Fazenda” em Salvador, mas não há registro de que tenha  assumido tal cargo.
Típico renascentista, Gândavo é homem de gabinete e de aventura. Quanto ao  primeiro aspecto, é autor de umas Regras que ensinam a maneira de escrever e  ortographia da língua portuguesa, publicadas em 1574, pela mesma “Ophicina” de  Antonio Gonsalvez. O mesmo editor que, dois anos antes, dera a público Os Lusíadas, de Luiz de Camões, de quem Gândavo era admirador e amigo, e dois anos depois publicaria sua versão definitiva da História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil.
Sua escrita possui clara finalidade de estimular a emigração portuguesa.

QUINHENTISMO
Quinhentismo é a denominação genérica de todas as manifestações literárias ocorridas no Brasil durante o século XVI, no momento em que a cultura europeia foi introduzida no país. Note que, nesse período, ainda não se trata de literatura genuinamente brasileira, a qual revele visão do homem brasileiro. Trata-se de uma literatura ocorrida no Brasil, ligada ao Brasil, mas que denota a visão, as ambições e as intenções do homem europeu mercantilista em busca de novas terras e riquezas. As manifestações ocorridas se prenderam, basicamente, à descrição da terra e do índio, ou a textos escritos pelos viajantes, jesuítas e missionários que aqui estiveram.
Literatura Informativa
A Carta de Caminha inaugura o que se convencionou chamar de Literatura Informativa sobre o Brasil. Este tipo de literatura, também conhecido como literatura dos viajantes ou literatura dos cronistas, como consequência das Grandes Navegações, empenha-se em fazer um levantamento da “terra nova”, de sua floresta e fauna, de seus habitantes e costumes, que se apresentaram muito diferentes dos europeus. Daí ser uma literatura meramente descritiva e, como tal, sem grande valor literário.
Literatura informativa HOJE
Para o leitor de hoje, a literatura informativa satisfaz a curiosidade a respeito do Brasil nos seus primeiros anos de vida, oferecendo o encanto das narrativas de viagem. Para os historiadores, os textos são fontes obrigatórias de pesquisa. Mais adiante, com o movimento modernista, esses textos foram retomados pelos escritores brasileiros, como Oswald de Andrade, como forma de denúncia da exploração a que o país sofrera desde então.
Veja os principais documentos que compõem a nossa literatura informativa:
1. Carta do descobrimento (Pero Vaz de Caminha): foi escrita no ano de 1500 e publicada pela primeira vez em 1817.
2. Tratado da terra do Brasil (Pero de Magalhães Gândavo): foi escrito por volta de 1570 e impresso pela primeira vez em 1826.
3. História da Província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil (Pero de Magalhães Gândavo): foi editado em 1576.
4. Diálogo sobre a conversão dos gentios (Padre Manuel da Nóbrega): foi escrito em 1557 e impresso em 1880.
5. Tratado descritivo do Brasil (Gabriel Soares de Sousa): escrito em 1587 e impresso por volta de 1839.

A História da Província Santa Cruz ultrapassa as raias de um mero relato de viagem, pois oferece um amplo quadro dos primórdios da colonização. Assim, os textos de Gândavo colaboram para a divulgação do Brasil desde 1576. Desse modo, Pero de Magalhães Gândavo, juntamente com Caminha, testemunha a formação do país e do povo brasileiro, ao traduzir a realidade que brotava do aparente paraíso.


História da Província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil: resumo
No seu primeiro capítulo, o cronista vem descrever como se deu o descobrimento da província e por que razão que ela passou a se chamar de Santa Cruz e não de Brasil.
O segundo capítulo foi retirado da versão de estudos proposta pela Unimontes.
O terceiro capítulo refere-se as oito mais importantes capitanias dos portugueses na província; como se portavam os moradores daquele lugar; como se defendiam contra os inimigos; como eram os índios que ali estavam e sobre a dizimação de muitos deles pelos moradores que ali chegaram.
No seu quarto capítulo o autor trata sobre a forma de administrar essas províncias, com seus governantes, através da divisão dos poderes no norte e no sul das capitanias, com o melhoramento das edificações, a divisão do trabalho dentro delas e o espírito solidário e cooperativo entre eles.

PROPAGANDA QUINHENTISTA
Gândavo é o primeiro autor quinhentista a elaborar a experiência do conhecimento das terras brasileiras com o objetivo de publicá-la. Provavelmente, enquanto navegava longas distâncias entre as capitanias hereditárias, como provedor da capitania baiana, não deixava de tomar notas das cousas principais da terra e dos índios.
O objetivo que palpita nos textos gandavianos é muito claro: a divulgação do Brasil com a intenção de atrair o maior número de pessoas para a colônia no além-mar. A cada etapa os tópicos vão sendo detalhados, enriquecidos com informações cada vez mais precisas.  
 Ao longo do texto, várias interpretações sobre a vida e os costumes dos índios aparecem esparsas. Para ele, os habitantes vivem em uma terra “sem Fé, nem Lei, nem Rei”.
“A lingoa de que usam, toda pela costa, he huma: ainda que em certo vocábulos differe n’algumas partes; (...) carece de três letras, convem a saber, nam têm F, nem L, nem R, cousa digna despanto porque assi nam têm Fé, nem Lei, nem Rei, e desta maneira vivem desordenadamente sem terem alem disto conta, nem peso, nem medido” (História, 1980:123-124).


SOBRE A MUDANÇA DO NOME: RELIGIOSIDADE
Em História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil  evangelizar e explorar, em vez de opostas, eram atividades complementares naqueles tempos de Gândavo, bem sintetizadas nos versos de Camões, que cantarão “...as memórias gloriosas /Daqueles reis que foram dilatando/ A Fé, o Império, e as terras viciosas de África e de Ásia andaram devastando.” Levava-se a palavra de Deus aos confins do mundo e impunha-se o Seu nome a ferro, fogo e muito sangue. Daí que o devastar em Camões ganhe caráter positivo – para espanto dos nossos tempos de agora. Mas, é preciso compreender que se tratava de devastar “terras viciosas”, isto é, lugares que representavam verdadeira ofensa à existência de Deus. Era natural, assim, que, em reconhecimento a tanto esforço, Deus autorizasse seus servidores, a promover uma pilhagem aqui, um saque ali, uma invasão mais além, de modo a não voltar de mãos e naus vazias. Tratava-se de pequena  recompensa para tanto zelo em nome Dele.
Tal concepção só tem sua legitimidade posta em dúvida, e mais que isso, condenada, quando a ação ultrapassa o limite do “serviço de Deus”, para apresentar-se pura e simplesmente como efeito malévolo da cobiça humana, que aproxima o homem das forças do mal. Quando tal mudança é percebida, o castigo de Deus é iminente, embora ele quase nunca seja entendido assim, pois mesmo na guerra santa há sempre excessos, desculpáveis na proporção do fervor empregado.
É nessa direção que se deve entender a substituição da palavra Brasil por Santa Cruz nas duas versões da História. Nessa época, brasil remete, por sua cor, a um –  passe o paradoxo – verdadeiro El Dorado, objeto de disputa feroz entre portugueses e  invasores, particularmente os franceses, devido ao seu alto valor comercial: o pau-brasil.
Gândavo propõe, com a mudança do nome, uma volta às origens, posto a cobiça ter encoberto o projeto inicial sinalizado no nome Santa Cruz. O autor nada tinha contra a exploração comercial da madeira, somente que tal prática não pode nunca transformar-se em nome da terra, pois, nessa troca de madeira, substituir-se-ia a sagrada – a madeira da cruz! – pela mundana, na qual se manifesta a presença viva (e colorida) do diabo. É  pois uma batalha no nível do signo que Gândavo empreende.
Por onde não parece razoável que lhe neguemos esse nome [Santa Cruz], nem que nos esqueçamos dele tão indevidamente por outro que lhe deu o vulgo depois que o pau da tinta começou a vir para estes reinos. Ao qual chamaram brasil por ser vermelho e ter semelhança de brasa, e por isso ficou a terra com esse nome de Brasil. Mas para que nisto magoemos ao demônio, que tanto trabalhou e trabalha para extinguir a memória da santa cruz (mediante a qual fomos redimidos e livrados do poder de sua tirania) e desterrá-la dos corações dos homens, restituamos-lhe seu nome e chamemos-lhe, como em princípio, província de Santa Cruz (que assim o aconselha também aquele ilustre e famoso escritor João de Barros na sua primeira Década, tratando desse descobrimento) (HSC, 46).

Presença viva no cotidiano, Deus tem suas marcas deixadas por onde andam Seus seguidores. Abandonar tal prática nesse caso é entregar-se deliberadamente às manhas do demônio, que anda rondando sempre, tentando até mesmo o mais fiel dos fiéis.

A obra: uma síntese
Na sua obra “História da Província de Santa Cruz”, Gândavo relata como ocorreu o descobrimento do Brasil: Companhias de navios saíram de Lisboa em 9 de março de 1500 com destino à Índia, por já terem um genérico mapa que os conduzissem, se deparam num meio de um temporal nas ilhas do Cabo Verde que por consequência separou os navios da companhia e alteraram sua rota. Ao passar de um mês navegando no sentido do vento, avistaram então a terra prometida e se depararam em sua costa, foram navegando por sua extensão até encontrarem um porto limpo e seguro, ao qual nomearam Porto Seguro. Ao passar a noite, Pedro Álvares saiu com um grande contingente de gente onde já tiveram o primeiro contato com tais nativos que deram o nome de índios (...) e entre eles rezaram uma missa. Aqueles nativos que ali se faziam presente se aglomeraram e ouviam tudo muito quietos.
Logo depois desse momento, os portugueses interpretaram que, devido aos índios de porem de joelhos e baterem no peito, eles tendiam à fé e assim estavam dispostos a receberem a doutrina cristã. Pedro Álvares, então, mandou logo navios com tal notícia para o rei Dom Manuel o qual ficou muito feliz e logo começou a mandar navios e vice-versa e assim a terra começou a pouco sendo conhecida e sucessivamente habitada.
Por ali se instalou por vários dias Pedro Álvares de Cabral que não poderia partir desta terra sem deixar um nome. Assim, alçou na maior árvore da redondeza uma cruz que foi comemorada com grande solenidade por alguns fiéis e sacerdotes, dando então, o nome de Santa Cruz, mas logo tal nome foi esquecido, depois que o pau-da-tinta começou a ser conhecido e cobiçado e também chamado de Brasil por ser vermelho e ter semelhança de brasa, daí aquelas terras antes Santa Cruz, passaram a ser conhecidas como Brasil. No entanto, prevaleceu o intuito católico: a terra voltou a ser chamada província de Santa Cruz. Como um pau que somente servia para tingir panos poderia ser o nome desta província?
Deste ponto Gândavo começa a caracterizar o Brasil e propagandeá-lo com fama de ser ótimo para os portugueses morarem. Fala da estrutura das casas, da abundância de frutos e promessa de uma vida melhor na terra descoberta. Descrevia o Brasil com condições de vida provincial bem melhor do que as de Portugal.
Gândavo também relata o motivo por qual estavam matando os índios: vários portugueses começaram a se instalar pela costa terrestre e lá também existiam vários índios os quais se levantaram contra os portugueses e faziam muitas traições. Os nativos tentavam se esquivar do desejo português de escravizar a mão-de-obra indígena. Os índios que sobreviviam migravam para o sertão.

Gândavo mencionou e caracterizou as terras dos primeiros capitães que conquistaram esta província:
1 – Capitania Tamaracá: Seu conquistador foi Pero Lopes de Sousa. É uma ilha onde ao norte encontramos terras viçosas e é lá onde o próprio mora.
2 – Capitania Pernambuco: seu conquistador foi Duarte Coelho,sua residência encontra-se a 4 léguas da ilha de Tamaracá, chama-se Olinda que é uma das mais nobres vilas da província. Uma característica muito importante é o fato de lá haverem muito escravos, com isso vários fazendeiros utilizaram-no para trabalho escravo.
3 – Capitania Bahia de Todos os Santos: Onde encontramos o governador e bispo, e ouvidor-geral de toda costa, quem conquistou foi Francisco Pereira Coutinho. Eliminou por toda a extensão vida indígena, pois os tinham como seus inimigos. Seu primeiro governador-geral foi Tomé de Souza. Existia uma cidade nobre e muito bonita onde morava o governador: Salvador.
4 – Capitania Ilhéus: Seu conquistador foi Jorge de Figueredo Correia, Estabeleceu uma vila a 30 léguas da Bahia de todos os santos muito formosa e de muitos vizinhos.
5 – Capitania Porto Seguro: Seu conquistador foi Pero do Campo Tourinho, famosa por ter um porto limpo e seguro.
6 – Capitania Espírito Santo: Seu conquistador foi Vasco Fernandes Coutinho. Sua população é situada em uma ilha pequena, dela nasce um rio com infinidade de peixes com extensão até o sertão. Portadora de terras férteis.
7 – Capitania Rio de Janeiro: Seu conquistador foi Mem de Sá, expulsaram numa batalha os índios que ali encontravam-se. Ele foi o governador geral dessas partes. Considerada segura e propicia para ser capital da província.
8 – Capitania de São Vicente: Seu conquistador foi Martim Afonso de Sousa, essa é uma terra bastante povoada.


O quarto capítulo da obra mostra a divisão do espaço brasileiro em dois governos gerais, a fim de facilitar o gerenciamento, e a convivência e ambientação dos portugueses que aqui habitavam, o que propiciou o desenvolvimento econômico.
Veja a nota do editor em uma das publicações que traz trechos da produção de Pero de Magalhâes Gândavo:
 “Em 1570, a Coroa Portuguesa resolveu dividir o Brasil em dois governos-gerais: um indo de Pernambuco a Porto Seguro, com capital em Salvador; e outro de ilhéus até o sul, com capital no Rio de Janeiro. A divisão ocorreu, segundo a Coroa, pois ‘sendo as terras da costa do Brasil tão grandes e distantes umas das outras e haver já agora nelas muitas povoações e esperanças de se fazer muito mais pelo tempo em diante, não podiam ser tão inteiramente governadas como cumpria, por um só governador, como até aqui nelas houve’” (Cronista do descobrimento; editora ática - Pero de Magalhães Gândavo).

Não podemos jamais esquecer que o índio foi importante para tamanho crescimento da província, uma vez que desempenhava, em primeiro momento, trabalho escravo. No entanto, o negro africano começava a ser trazido para o Brasil para que, pouco a pouco, substituísse a mão-de-obra dos nativos. Estes resistiam ao processo de escravização e contavam com o apoio da Igreja que também trabalhava para impedir a escravidão do índio, mas aplaudia a subserviência do negro.




PAES - "Negrinha", Monteiro Lobato

Sobre o autor:
José Bento de MONTEIRO LOBATO – Romancista, contista e jornalista brasileiro, nasceu em 18 de abril de 1882, em Taubaté, São Paulo, e faleceu em 4 de julho de 1948, no mesmo Estado.
Bacharel em Direito, exerceu o cargo de Promotor Público, em São Paulo.
Monteiro Lobato é um dos escritores brasileiros mais lidos e populares. Suas obras têm sido traduzidas para quase todas as línguas e continua inspirando sentimentos nacionalistas e, principalmente, a defesa do petróleo e minérios radioativos. Foi o criador da literatura infantil no país e a sua produção, nesse gênero, é vultosa e importante. Tornou-se autor de uma extensa produção na área da literatura infantil, que inclui clássicos do gênero, como O Marquês de Rabicó (1922), Reinações de Narizinho (1931), Memórias de Emília (1936), Histórias de Tia Nastácia (1937) e O Sítio do Pica-pau Amarelo (1939). Sua obra voltada para os adultos inclui diversas histórias escritas em estilo leve e gracioso e são povoadas por tipos humanos interessantes.
Sua característica principal são o regionalismo e o conteúdo crítico. Aliando a crítica de costumes à criação de personagens como o caboclo Jeca-tatu, o escritor descreve a decadência econômica e social do vale do Paraíba paulista do início do século. O Sítio do Pica-pau Amarelo foi transformado na década de 1970 em uma série infantil de TV, de muito sucesso até hoje.

Contexto histórico e literário: Pré-Modernismo
O início do século XX representou para a nação brasileira uma fase de enormes transformações, inclusive no terreno artístico. O período conhecido como Belle époque influenciou a recém-instaurada República a implantar no cenário já controverso (pós-escravidão e seus contrastes) um processo de “europeização”, na tentativa de embelezar o país, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro. Tal processo trouxe a retirada das classes mais pobres para regiões periféricas das cidades, o que causou, obviamente, muita revolta popular.
Além das mudanças sociais, a visão Realista-Naturalista permanece, mas a linguagem afrouxa os laços parnasianos, aderindo a um falar mais coloquial, próximo à fala cotidiana. As vanguardas europeias começavam a ganhar público entre os artistas brasileiros. Essa miscelânea de fatores acontecendo em um breve espaço de tempo é que conhecemos como Pré-Modernismo, fase intermediária até a implantação das ideias modernistas com a Semana de Arte Moderna de 1922.
            Os escritores desse período procuravam apresentar o Brasil e seus contrastes, especialmente os regionais. No caso do autor de “Negrinha”, Monteiro Lobato, retratou os costumes interioranos do caboclo do Vale do Paraíba, sua miséria, hábitos e “causos”.
Uma breve polêmica quando da exposição de Anitta Malfatti, em 1917, deixou transparecer os ideais tradicionalistas de um Lobato que não aceitava a arte brasileira como imitadora de modelos estrangeiros. O autor cria que o Brasil basta a si mesmo, com seu povo, sua gente, seus costumes.

Análise do conto NEGRINHA: metonímia da vida escrava

Publicado em 1920, o conto demonstra como a escravidão, extinta na lei em 1888, ainda imprimia hábitos e preconceitos na sociedade do período. O início do século apresentava-se como uma etapa de grandes inovações e modernização no território brasileiro, no entanto, o preconceito racial permanecia.
Tipo de narrador: 3ª pessoa, onisciente. Uso dos discursos direto, indireto e indireto livre. A voz do narrador prevalece na obra. Apesar da 3ª pessoa, esse narrador mostra-se compadecido para com os sofrimentos da pobre menininha protagonista da narrativa.
Tendo a escravidão como tema, o conto nos apresenta uma mulatinha escura, de sete anos, órfã desde os quatro. Nascera na senzala e vivia pelos cantos da cozinha. Residia sob os “cuidados” de D. Inácia, uma senhora rica e gorda, que não possuía apego por crianças nem tinha filhos. Na verdade, a pobre menina vivia pela casa como um animal sem dono e incômodo.
Usando o tempo cronológico na maior parte das vezes, o narrador, de modo irônico e objetivo, demonstra como, em um espaço universal (não é citado o nome do local onde se passam os fatos) muitas “negrinhas”, órfãos da escravidão, permanecem sofrendo os vestígios do passado escravagista.
Negrinha é maltratada por D. Inácia. A ex-senhora de escravos, no entanto, posa de mulher caridosa, recebendo do padre da região os elogios pelas ações de amor para com o próximo.

Negrinha X D. Inácia:
Negrinha: não possuía nome, era amedrontada, subserviente, pobre, marginalizada, condicionada ao sofrimento herdado dos antepassados escravizados. Negrinha é uma metonímia daqueles que, no processo pós-escravidão, ainda sentem os resultados da condição do negro, ser desprezado e judiado. A menininha era tratada como bicho, recebia apelidos depreciativos e servia como forma de sua patroa descarregar suas tensões por meio dos diversos castigos aplicados à pequena.
D. Inácia: representa os que detêm o poder, é rica, preconceituosa, impaciente, agressiva. Diante das instituições religiosas apresenta-se como mulher virtuosa, que se compadece dos pobres e injustiçados; na vida íntima é cruel, má. Nunca pudera ter filhos; parece com tal informação do narrador que D. Inácia encarna o masculino rude e amargo, sem a doçura e feminilidade típico do sexo que dá a luz.

Fatos marcantes:
A alegria de Negrinha ao ver o cuco: o cuco do relógio, única diversão da menininha, é uma representatividade da liberdade, afinal é um animal que voa, desprendido dos terrores dos pés no chão, da vida real. Negrinha não possuía tal liberdade, nem podia nem conhecia sonhos... Além disso, o cuco marca a passagem do tempo de tristezas da menina, pois ela só se diverte quando o objeto badala as horas.
O castigo do ovo: nessa passagem, mesmo a menina tendo razão, afinal, a criada nova roubara “um pedacinho de carne que se vinha guardando para o fim”, Negrinha é castigada pela patroa: a velha senhora coloca na boca da menina um ovo quente, obrigando-a a suportar a queimadura.
§  O acontecimento retrata o silenciamento de uma classe que não tem direito de se manifestar, de reagir.
A vinda das sobrinhas loiras: a presença de uma infância tolerável e não sujeita a castigos surpreende
Negrinha. D. Inácia trata as meninas com carinho e meiguice, o que sugere que o horror da senhora não era para com as crianças de modo geral, mas sim com os negros, os quais, criança ou não, ela não suportava.
§  O acontecimento retrata a superioridade da raça branca, a aceitação do branco em detrimento do negro.
§  As meninas aparecem como anjos que amenizam os sofrimentos de Negrinha.
 A “descoberta” da boneca: às meninas loiras era dado o direito de brincar e seu objeto de deleite, a boneca, fora motivo de deslumbramento para a pobre menina negra.
§  EPIFANIA: Ao segurar a boneca, brinquedo feminino que Negrinha não conhecia, a menininha se descobre como criança, como ser humano, com sentimentos iguais aos das outras crianças.
A morte de Negrinha: a passagem das meninas loiras pela fazenda, ao dar a Negrinha a consciência de quem ela era, impede a menina de continuar vivendo em servidão e negação de identidade. A tristeza vai consumindo a pequena até que a morte lhe consome.
§  A morte surge como libertação da vida de opressão; ali, naquela casa, não havia lugar para a pobre menina.

Em toda a narrativa, o leitor não conhece a voz nem os pensamentos de Negrinha. Já D. Inácia se faz vencer através do uso da palavra, seja ao dialogar com os padres ou mesmo ao xingar a pobre órfã.
O passado histórico terrível e destruidor e a crueldade com que os negros eram tratados são encarnados na personagem Negrinha.

À protagonista de Monteiro Lobato, após descobrir-se como sujeito e não objeto, resta-lhe apenas a morte, tal como era dada a tantos negros desde o período das levas dos navios negreiros.
ANÁLISE LITERÁRIA: CLARA DOS ANJOS, Lima Barreto



SOBRE O AUTOR:

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1881 - ano da publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis e de O Mulato, de Aluísio Azevedo. Mulato, pobre, socialista convicto, atormentado pela loucura do pai, não pôde completar um curso universitário.  O pai de Lima Barreto, João Henrique, era tipógrafo. Sua mãe, Amália Augusta, professora, dirigia em sua casa um pequeno colégio para meninas, o Santa Rosa, que foi fechado na época do nascimento do escritor, devido à situação econômica da família e do estado de saúde de sua mãe, que contraíra tuberculose. Em 1887, Amália morreu, deixando cinco filhos.
 Estudante brilhante, Lima Barreto ingressou na Escola Politécnica, em 1897. Teria sido um excelente aluno, não fosse o preconceito racial que sofria dentro da escola, que fez com que se isolasse dos colegas e sofresse a perseguição explícita do professor Licínio Cardoso. Sofria constantes reprovações injustas e, para agravar ainda mais a sua situação, seu pai enlouqueceu. Para cuidar do pai e sustentar os irmãos, ele abandonou o curso antes da formatura e foi trabalhar no funcionalismo público, em 1903. Sentindo-se frustrado profissionalmente, começa a beber e a frequentar cafés, livrarias e redações de jornais do Rio de Janeiro. Ingressa no jornalismo profissional em 1905, com uma série de reportagens no Correio da Manhã. Na mesma época inicia sua militância política, participando no comitê do Partido Operário Independente, de Pausílipo da Fonseca.
Em 1909, publica o seu primeiro romance, Recordações do Escrivão Isaías Caminha, elogiado no ano seguinte por José Veríssimo. Animado com o sucesso, Lima Barreto passa a trabalhar intensamente. Esta fase, porém, também  é marcada por muita pobreza e desgostos familiares, que o levam à primeira internação no hospício, em agosto de 1914. Quando sai, está completamente dominado pelo álcool.  
Revoltado contra as injustiças e os preconceitos de que também era vítima, dedica sua obra a desmascarar a falsidade dos poderosos: políticos, intelectuais, burocratas, jornalistas, militares, etc. Em 1917, foi um dos primeiros intelectuais brasileiros a saudar a Revolução Russa, e passou a defender o comunismo com ardor. Rejeitado pela Academia Brasileira de Letras, foi acusado de ser um escritor semianalfabeto, por insistir em utilizar uma linguagem coloquial, distante da norma culta parnasiana. Alcoólatra, depressivo, viveu, por vezes literalmente, na sarjeta e foi internado duas vezes no Hospício Nacional. A boêmia e o alcoolismo parecem não ter prejudicado seu trabalho intelectual, mas o levaram à morte prematura. Em 1o de novembro de 1922, morreu, aos 41 anos, de colapso cardíaco, em completa miséria. Dois dias depois, seu pai, João Henrique, também faleceu. Por ironia do destino, Lima Barreto morreu exatamente no ano da explosão do modernismo no Brasil, de que foi o maior precursor e que viria a provar o seu valor.

CONTRIBUIÇÃO MODERNISTA

O abandono do modo artificial e erudito de escrever, dominante em seu tempo, foi a principal contribuição de Lima Barreto para a literatura contemporânea. Adotou em seus romances a informalidade estilística própria do jornalismo e da fala cotidiana, colaborando para a soltura e descontração da frase, o que agradou parte dos escritores modernistas da Semana de Arte Moderna, de 1922. Registrou com riqueza de detalhes muitos aspectos da vida social e política do Rio de Janeiro no tempo da Primeira República, compondo, em suas obras, um interessante painel das pessoas remediadas do Rio de Janeiro.
A obra de Lima Barreto revela forte influência do naturalismo de Aluísio Azevedo, assim como de Machado de Assis, a quem dizia não admirar, Dostoievski e dos positivistas franceses, como Taine e Brunetière. Apesar dessas influências, é um dos autores mais independentes de nossa ficção. Partilhava da ideia de que a literatura devia expressar diretamente os sentimentos e as ideias pessoais do escritor. Por isso, quase todos os seus romances possuem lances autobiográficos. Julgava, ainda, que a função primordial da literatura é unir os homens e desmascarar os falsos valores e as instituições que exploram a inconsciência popular.

ANÁLISE DA OBRA

ESPAÇO
O romance passa-se no subúrbio carioca e Lima Barreto descreve o ambiente suburbano com riqueza de detalhes, como os vários tipos de “casas, casinhas, casebres, barracões, choças” e a vida das pessoas que ali vivem.

FOCO NARRATIVO e TIPO DE NARRADOR
O romance é narrado em 3ªpessoa. Conta a história, e ao mesmo tempo, vai descrevendo os personagens e espaço. É onisciente, foca a condição social, econômica étnica, cultural e psíquica dos personagens. Possui características do narrador flâneur: perambula pela cidade descrevendo seus espaços e habitantes típicos.

LINGUAGEM
O autor procura usar uma linguagem simples, aproximando-se da língua falada da época. O estilo da narrativa é objetivo, incorporando a linguagem do texto jornalístico, com frases espontâneas. Foi muito critico por escrever desse modo e mostra a questão social do uso da linguagem em trechos do livro.

MOVIMENTO LITERÁRIO
Durante as primeiras duas décadas do século XX, enquanto a Europa se via invadida pelos movimentos da vanguarda modernista, a literatura brasileira ainda se encontrava dominada pelos estilos surgidos no século anterior. Parnasianismo e simbolismo predominavam na poesia, Realismo e Naturalismo na prosa. Alguns escritores, no entanto, rompiam com estas quatro tendências, e, ainda que muito diferentes, não comungando de um estilo comum, antecipavam, cada um a seu modo, as inovações que seriam propagadas pelos modernistas de 1922, problematizando a realidade social e cultural brasileira. Entre estes escritores, destacam-se Graça Aranha (1868-1931), Simões Lopes Neto (1865-1916), e, principalmente, Euclides da Cunha (18 - 1909), Augusto dos Anjos (1884 - 1914), Lima Barreto (1881 - 1922) e Monteiro Lobato (1882 - 1948).
O olhar crítico de Lima Barreto frente à sociedade de seu tempo transparece na construção de várias de suas obras. No caso de Clara dos Anjos, esse olhar direciona-se, especialmente, para a questão do preconceito racial-social vivido por sua personagem principal e para o questionamento sobre a situação das mulheres do início do século XX. Lima Barreto traça um perfil lamentável de sua protagonista: Clara era de formação débil, sem força e nem ideias, sua principal preocupação é preparar-se para um casamento, no qual o marido tomaria as decisões por ela. O autor critica, desta forma, a inércia na formação de Clara que, mesmo pertencendo a uma família de baixa renda, tinha sido educada dentro dos parâmetros burgueses vigentes no momento – valores que primavam pela sujeição da mulher às ordens do marido, o provedor da casa. Os pais de Clara haviam cercado a menina de cuidados e atenções para que se preparasse para o esperado dia do casamento, assim não se preocuparam em instruí-la sobre a vida e muito menos ensinar um ofício a jovem, pois acreditavam não ser necessário, seu papel seria somente cuidar da casa e dos filhos quando estes viessem.
Lima Barreto não era necessariamente um defensor da causa feminista, ao contrário, sustentava várias críticas ao movimento feminista e em alguns momentos chegou a colocar em dúvida a capacidade do sexo feminino. Embora, tivesse deslanchado críticas ao movimento feminista brasileiro, essas não miravam as mulheres, mas, como dissemos, seu alvo era a maneira como a sociedade   as preparava, ricas ou pobres, para o futuro matrimônio. A imagem da imigrante Margarida – uma mulher forte, decidida, inimiga da inércia, delatora das injustiças sociais, e mesmo vivendo sem um marido (era viúva) mostrava-se capaz de trabalhar em inúmeras atividades e ainda conseguir educar seu filho, representava o protótipo da mulher ideal no imaginário do autor.   O autor sugere que a educação dada as jovens brasileiras deveria se pautar no modelo de Margarida, ou seja, em mulheres mais independentes que não precisariam necessariamente de um casamento, de um marido, para enfrentarem as dificuldades cotidianas.
Somente a instrução poderia gerar mais mulheres ao estilo de Margarida que estariam aptas a resistirem a influência de homens ao estilo de Cassi; homens que buscavam as mulheres mais frágeis socialmente, justamente por saberem que sairiam impunes de seus atos, podendo desta forma, continuar a buscar novas “presas” para satisfazerem seus egos moldados por uma educação que lhes garantia como legítima o busca do prazer, sem assumirem compromissos matrimoniais. Clara não foi instruída por seus pais que a deixaram alheia aos fatos da vida, sua mentalidade era formada por sonhos e desta forma foi fácil ser seduzida pelas melodias das cantigas de Cassi. Somente no final do livro é que Clara consegue desnudar sua situação, mas isso foi feito à base da dor moral ferida e da vergonha (valores sociais) que a cobriram ao perceber sua “ desonra” – o futuro planejado se manchara para sempre.  Para Lima Barreto, todo o drama vivido pelas inúmeras Claras teria outro final se o abandono social causado pela pobreza, o estigma “racial” ou a vigilância excessiva tivesse sido substituídos pelo esclarecimento e orientação franca que preparasse essas jovens para o enfrentamento da vida adulta.

CLARA DOS ANJOS: SÍNTESE DO ENREDO
Ambientado no subúrbio do Rio de Janeiro, Clara dos Anjos encena sobre a jovem e ingênua mulata Clara, filha do carteiro Joaquim dos Anjos, que é seduzida pelo malandro Cassi Jones. Cassi é um jovem branco e ignorante, que usa este sobrenome porque, supostamente, descende de um nobre inglês. Seu pai não fala mais com ele após suas diversas aventuras que desonraram várias donzelas e acabaram com vários casamentos (a mãe de uma das vítimas se suicidou; o marido que ela arranjou depois distribui anonimamente um dossiê sobre Cassi pelo RJ). Cassi toma Clara como seu próximo alvo e vai tentando se aproximar dela. Começa pela festa de aniversário desta e vai seguindo, apesar dos pais dela não deixarem e do padrinho e tantos outros falarem sobre ele. Clara não acredita e continua curiosa sobre Cassi.
Cassi passa a usar um velho, "dentista", que tratava de Clara; ele manda as cartas de um e outro. Depois de um tempo Cassi parte para São Paulo para um possível emprego; Clara está grávida. Após pensar em aborto, Clara revela a verdade à mãe, que vai falar à família de Cassi. Lá ela é tratada como só "mais uma mulatinha" e percebe a verdade total. Pontilhado com referências sobre o preconceito racial (um dos personagens é poeta Leonardo Flores; mulato e talentoso, fica pobre, pois foi explorado), este foi o primeiro romance de Lima Barreto, mas um dos últimos a ser publicado.
Todos os personagens são tipicamente suburbanos e o vocabulário já transpira a coloquialidade como é característico ao autor.

PERSONAGENS
Marrameque - Poeta modesto, semiparalisado, Marramaque frequentara uma pequena roda de boêmios e literatos e dizia ter conhecido Paula Nei e ser amigo pessoal de Luís Murat. Lima Barreto denuncia, na figura de Marramaque, a influência das rodas literárias, grupos fechados que abundam no Brasil; a cultura da oralidade, dos que aprendem “muita coisa de ouvido e, de ouvido, falava de muitas delas”, tendo um cultura superficial, de verniz; e o azedume dos que não conseguem brilhar nas “rodas de gente fina”.
Clara: a “natureza elementar” - Clara era a segunda filha do casal, “o único filho sobrevivente…os demais…haviam morrido.” Tinha dezessete anos, era ingênua e fora criada “com muito desvelo, recato e carinho; e, a não ser com a mãe ou pai, só saía com Dona Margarida, uma viúva muito séria, que morava nas vizinhanças e ensinava a Clara bordados e costuras.”
O autor reitera sempre a personalidade frágil da moça – sua “alma amolecida, capaz de render-se às lábias de um qualquer perverso, mais ou menos ousado, farsante e ignorante, que tivesse a animá-lo o conceito que os bordelengos fazem das raparigas de sua cor” – como resultado de sua educação reclusa e “temperada” pelas modinhas: “Clara era uma natureza amorfa, pastosa, que precisava mãos fortes que a modelassem e fixassem. Seus pais não seriam capazes disso. A mãe não tinha caráter, no bom sentido, para o fazer; limitava-se a vigiá-la caninamente; e o pai, devido aos seus afazeres, passava a maioria do tempo longe dela. E ela vivia toda entregue a um sonho lânguido de modinhas e descantes, entoadas por sestrosos cantores, como o tal Cassi e outros exploradores da morbidez do violão. O mundo se lhe representava como povoado de suas dúvidas, de queixumes de viola, a suspirar amor.”
Cassi: o corruptor - Por intermédio de Lafões, o carteiro Joaquim passa a receber em casa o pretendente de Clara, Cassi Jones de Azevedo, que pertencia a uma posição social melhor. Assim o descreve Lima Barreto: Era Cassi um rapaz de pouco menos de trinta anos, branco, sardento, insignificante, de rosto e de corpo; e, conquanto fosse conhecido como consumado "modinhoso", além de o ser também por outras façanhas verdadeiramente ignóbeis, não tinha as melenas do virtuose do violão, nem outro qualquer traço de capadócio. Vestia-se seriamente, segundo as modas da rua do Ouvidor; mas, pelo apuro forçado e o degagé suburbanos, as suas roupas chamavam a atenção dos outros, que teimavam em descobrir aquele aperfeiçoadíssimo "Brandão", das margens da Central, que lhe talhava as roupas. A única pelintragem, adequada ao seu mister, que apresentava, consistia em trazer o cabelo ensopado de óleo e repartido no alto da cabeça, dividido muito exatamente ao meio — a famosa "pastinha". Não usava topete, nem bigode. O calçado era conforme a moda, mas com os aperfeiçoamentos exigidos por um elegante dos subúrbios, que encanta e seduz as damas com o seu irresistível violão.”
Joaquim dos Anjos - carteiro, acredita-se músico escreveu a polca, valsas, tangos e acompanhamentos de modinha. polca: siri sem unhas; valsa: magos do coração. Uma polca sua - "Siri sem unhas" - e uma valsa - "Mágoas do Coração: - tiveram algum sucesso, a ponto de vender ele a propriedade de cada uma, por cinquenta mil-réis, a uma casa de músicas pianos da Rua do Ouvidor. O seu saber musical era fraco; adivinha mais do que empregava noções teóricas que tivesse estudo. Aprendeu a "artinha" musical da terra do seu nascimento, nos arredores de Diamantina, em cujas festas de igrejas a sua flauta brilhara, e era tido por muitos como o primeiro flautista do lugar. Embora gozando desta fama animadora, nunca quis ampliar os seus conhecimentos musicais. Ficara na "artinha" de Francisco Manuel, que sabia de cor, mas não saíra dela, para ir além“. Natural de Diamantina, filho único. A convite de um inglês, pesquisador, foi para o Rio de Janeiro e lá ficou. Confiava em todos que o rodeavam.
Dona Engrácia - era católica, romana, filhos trazidos na mesma religião, era caseira, insegura, e rude.
Calado - músico e compositor brasileiro (polcas "Cruzes, minha prima!")
João Pintor - era um cidadão que visitava "os bíblias" aqueles que pregavam o evangelho. "era preto retinto, grossos lábios, malares proeminentes, testa curta dentes muito bons e muitos claros, longos braços, manoplas enormes, longas pernas e uns tais pés que não havia calçado."
            Mr. Shays - chefe da seita bíblica, homem tenaz cheio de eloquência bíblica faz seus adeptos ouvir a palavra. Quando os adeptos se acham preparados põem-se a propagá-la.
Eduardo Lafões - religiosamente ia aos domingos à casa de Joaquim para jogar o solo. Eduardo Lafões gostava dos assuntos do comércio. Era um homem simplório, que só tinha agudeza de sentidos para o dinheiro. Vivendo sempre em círculos limitados, habituado a ver o valor dos homens nas roupas e no parentesco, ele não podia conceber que torvo indivíduo era o tal Cassi; que alma suja e má era dele para se interessar generosamente por alguém.
Manuel Borges de Azevedo e Salustiana Baeta de Azevedo - pais de Cassi. O pai não gostava dos procedimentos do filho, enquanto a mãe, cobria-lhe as desfeitas com as proteções.
Dona Margarida Weber Pestana - viúva, mãe de Ezequiel, descendente de Alemão; ela, russa. Casou no Brasil com tipógrafo que falecera dois anos após o casamento. Era dona de uma pensão, mulher corajosa.
D. Laurentina Jácone - gostava de rezAr, ficar zelando a igreja.
D. Vicêntina - cartomante. "Além desta, havia uma digna de nota: era Dona Vicência. Morava na vizinhança também e vivia a deitar cartas e cortar "cousas feitas". O seu procedimento era inatacável e exercia a sua profissão de cartomante com toda a seriedade e convicção."
Praxedes Maria dos Santos - gostava de ser tratado por doutor Praxedes. Foi um dos convidados de Joaquim. Era um homem bom. Ficou indeterminada das correspondências de Clara com o Cassi.
Etelvina - crioula, colega de Clara, notou a impaciência de Clara porque o rapaz Cassi ainda não chegara à festa.
Leonardo Flores - grande poeta.
Velho Valentim - era português.
Barcelos - um português fichado na detenção.
Arnaldo - era um colega do grupo dos valdevino (desocupados que andavam com Cassi).
Menezes - o dentista da família. Intermediário dos bilhetes e cartas de Cassi para Clara.
Senhor Monção - caixeiro vendedor;
Belmiro Bernedes & Cia. - "tocava realejo", era um moço português, simpático, educado, e bom porte.
Helena - tia de Marramaque, econômica, prendada, costurava para o arsenal do governo.
D. Castolina - mulher de Meneses.

Leopoldo - marinheiro. Cedo, saiu de seio da família para melhorar de vida. Há 30 anos não via família. Meneses com a sua pobreza tratou de visitar o irmão já que eram os únicos vivos da família.
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