Recomeçamos nossos estudos abrindo com o Pré-Modernismo, período que, como já disse em sala, não é um movimento literário, mas sim uma época de transição das estéticas vigentes ainda em fins do século XIX e início do XX (Realismo-Naturalismo, Simbolismo e Parnasianismo) para o Modernismo.
O fator característico dessa fase é o nacionalimso temático: um nacionalismo crítico, questionador, muito diferente da visão idealizada dos românticos e muito próximo da perspectiva de país contornada pelo Modernismo a partir de 1922.
Observe os versos de Drummond:
Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio,
O Brasil está dormindo, coitado.
Agora, a letra escrita por Milton Nascimento e Fernando Brant:
A novidade é que o Brasil não é só litoral
é muito mais, é muito mais que qualquer zona sul
tem gente boa espalhada por esse Brasil
que vai fazer dese lugar um bom país
Uma notícia tá chegando lá do interior
não deu no rádio, no jornal ou na televisão
ficarde frente para o mar, de costas pro Brasil
não vai fazer desse lugar um bom país.
A literatura passa a ser um instrumento para que os brasileiros conheçam melhor o seu Brasil. O fazer literário se torna uma forma de ação social. No entanto, essa literatura não era a que agradava aos governantes do país: para os tais, o texto literário deveria expor a face bela e modernizante que o Brasil vivia. Era o período da Belle époque - expressão francesa que denomina o período entre 1885 e 1918, no qual Paris exportava cultura e modelos de comportamento -, e o Brasil passava por melhorias urbanas, especialmente no Rio de Janeiro, então capital brasileira.
Essa não era, entretanto, a verdade geral. Havia enormes diferenças sociais entre as regiões brasileiras. A literatura então se engaja e denuncia as inverdades da propaganda oficial, que procurava transmitir a sensação de que a República (1888) era a chegada da modernidade e da democracia para o país como um todo.
Os escritores pré-modernistas se encarregaram de revelar o Brasil não-oficial, não propagandeado, o país dos contrastes, os locais onde a modernidade não chega, inclusive, até os dias de hoje. Os tipos humanos marginalizados, como o sertanejo nordestino, o habitante dos subúrbios cariocas, o caipira paulista, ganharam espaço - e com eles a realidade de que faziam parte. O Brasil encontrou-se com os diferentes "Brasis" nesse trabalho de investigação e análise da realidade cultural.
Características:
Ruptura com o passado: inovação nas obras, rompimento com os moldes pré-estabelecidos das obras dos períodos anteriores. A linguagem de Augusto dos Anjos, por exemplo, é cheia de palavras não-poéticas (cuspe, vômito, escarro, vermes...), oposição direta ao modelo parnasiano, ainda em vigor na época.
Denúncia da realidade brasileira: o Brasil deixa de ser idealizado e os verdadeiros problemas são mostrados, avesso da idealização romântica.O Brasil não-oficial dos nordestinos, caboclos e caipiras é exposto.
Regionalismo: descrição do universo brasileiro: o norte e nordeste são mostrados por meio da obra de Euclides do Cunha; o interior paulista com Monteiro Lobato; o Espírito Santo com Graça Aranha e o subúrbio carioca com Lima Barreto.
Ligação com fatos políticos, econômicos e sociais: diminui a distância entre a realidade e a ficção. Em Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, por exemplo, é retratado o governo de Floriano Paeixoto e a Revolta da Armada; Os Sertões, de Euclides da Cunha, demonstra a crueldade da Guerra de Canudos; Canaã, de Graça Aranha, documenta a imigração alemã no Espírito Santo.
O marco do Pré-Modenismo no Brasil é a publicação, em 1902, de Os Sertões, obra na qual Euclides da Cunha denuncia o absurdo da Guerra de Canudos. Com forte teor determinista, segundo o qual homem é fruto do meio, é o primeiro pré-modernista a aproximar literatura e História. A estrutura do livro é a seguinte:
A terra: caracteriza o sertão nordestino: clima, solo, relevo, vegetação...
O homem: quem é o sertanejo e quem foi Antonio Conselheiro.
A luta: confronto: narração da luta entre as tropas oficiais e os seguidores de Conselheiro. O livro termina com a descrição da queda do Arraial de Canudos e a destruição de todas as casas erguidas no local.
Foto de 1897, de Flavio Barros. Mulheres e crianças prisioneiras na Guerra de Canudos.
Dois olhares para o mesmo conflito:
Euclides da Cunha, no final de Os Sertões, registrava:
Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.
Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos...
Já Olavo Bilac, poeta parnasiano, escrevendo sobre o mesmo epísódio, comemorava:
Enfim, arrasada a cidadela maldita!enfim, dominado o antro negro, cavado no centro do abusto sertão, onde o Profeta das longas barbas sujas concentrava sua força diabólica, feita de fé e de patifaria, alimentada pela superstição e pela rapinagem!
Aqui, é importante a visão crítica do leitor ao comparar os textos:
é fato que interpretação da história é feita de acordo com o olhar ideológico de cada um.
O primeiro trecho deixa claro o desequilíbrio entre as forças do Governo e os seguidores de Antônio Conselheiro. Euclides da Cunha foi testemunha ocular dos acontecimentos e constata a crueldade e desproporção da luta.
O segundo demonstra a visão de Olavo Bilac, o qual está sob a influência do "discurso oficial" do Governo brasileiro, para quem os seguidores do beato eram uma horda de fanáticos que desejavam destruir a ordem nacional.
é fato que interpretação da história é feita de acordo com o olhar ideológico de cada um.
O primeiro trecho deixa claro o desequilíbrio entre as forças do Governo e os seguidores de Antônio Conselheiro. Euclides da Cunha foi testemunha ocular dos acontecimentos e constata a crueldade e desproporção da luta.
O segundo demonstra a visão de Olavo Bilac, o qual está sob a influência do "discurso oficial" do Governo brasileiro, para quem os seguidores do beato eram uma horda de fanáticos que desejavam destruir a ordem nacional.
Uma outra questão curiosa sobre a história de Canudos é que a profecia de Antônio Conselheiro que dizia que o sertão iria virar mar se cumpriu: hoje, o arraial de Canudos, à beira do rio Vaza-barris, em pleno sertão bahiano, encontra-se submerso nas águas do açude de Cocorobó. E mais: para reforçar a profecia do beato, outra imensa região do sertão bahiano virou mar. No vale do rio São Francisco foi construída a imensa barragem de Sobradinho, deixando submersas várias cidades.
Veja a letra da canção Sobradinho, de Sá a Guarabira, acqual confirma o cumprimento do dito de Antônio Conselheiro:
O homem chega e já desfaz a natureza
Tira a gente põe represa, diz que tudo vai mudar
O São Francisco lá prá cima da Bahia
Diz que dia menos dia vai subir bem devagar
E passo a passo vai cumprindo a profecia
Do beato que dizia que o sertão ia alagar
O sertão vai virar marDá no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão
Tira a gente põe represa, diz que tudo vai mudar
O São Francisco lá prá cima da Bahia
Diz que dia menos dia vai subir bem devagar
E passo a passo vai cumprindo a profecia
Do beato que dizia que o sertão ia alagar
O sertão vai virar marDá no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão
É isso, para um dia de domingo já está de bom tamanho.
Depois, deixo outra postagem sobre a obra de Augusto dos Anjos e Lima Barreto, viu?
Beijão!