4 de ago. de 2016

Análise Contos de Machado de Assis

I- AUTOR

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839 e faleceu na mesma cidade em 29 de setembro de 1908. Filho de um mulato carioca e de uma imigrante açoriana, Machado de Assis era um mestiço de origem humilde. Frequentou apenas a escola primária, pois precisou trabalhar desde a infância, e mesmo sem ter acesso a cursos regulares aprendeu sozinho francês, inglês e alemão.
Estreou na literatura em 1855, aos 15 anos de idade, com a publicação do poema Ela na revista Marmota Fluminense. Trabalhou como cronista, contista, poeta e crítico literário. Com esse currículo, foi reconhecido como intelectual. Assumiu vários cargos públicos ao longo de sua vida, o que lhe permitiu se entregar à vida de escritor.
Sua extensa e variada obra constitui-se de romances, peças teatrais, contos, poemas, sonetos e crônicas. A obra ficcional do escritor tendia para o Romantismo em sua primeira fase, mas num segundo momento voltou-se para o Realismo, tendo a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado, marcado o início desta fase no Brasil.
Como jornalista, utilizava os periódicos para publicar suas crônicas, nas quais demonstrava sua visão social, comentando e criticando os costumes da época, e, ainda, prevendo as mudanças tecnológicas que aconteceriam no século XX.
Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL) e eleito presidente da instituição, cargo que ocupou até a morte. Devido à importância do escritor, a ABL também é chamada de Casa de Machado de Assis.

Contos Escolhidos é uma coletânea composta de obras-primas de Machado de Assis. Em seus contos verificam-se constantemente os conjuntos de temáticas: ironia e humor, tragédia e comicidade, a loucura, o desejo pela perfeição não atingida, a dúvida, críticas às vaidades humanas entre outros. Por um lado, tem-se o lado psicológico das personagens, o que se passa em sua alma, por outra linha temos constantes diálogos que nos dão à sensação de estar escutando a fala das personagens, vendo as cenas e a observação de seu mundo exterior.

O pano de fundo da sua compacta obra é a Corte, a cidade do Rio de Janeiro de meados do século XIX, descrita sem ênfase ou afetação, com destaque e objetividade.
Muitos dos seus diálogos e monólogos têm a feição da oralidade, conforme a maneira dramática de contar.

Análise psicológica do comportamento humano:
Segundo a natureza dos assuntos, os contos dividem-se em duas categorias:
- os de análise psicológica em que predomina a dialética homem-mulher, 
- e os de observação da vida exterior.
Repare-se como em todos, não só nos apólogos, sobressai o filósofo e o moralista. Entre os recursos psicológicos machadianos, um dos mais constantes é a surpresa, surpresa do desfecho paradigmaticamente ligada a outra dominante, a das situações absurdas, paradoxais. Ao humor sorridente dos contos do primeiro Machado segue o sarcasmo feroz e a descrença no ser humano e na sociedade em que vive.
Para apresentar seus personagens o autor coloca-se na perspectiva de quem visa à possibilidade de desvendar o enigma do comportamento humano, mais propenso aos vícios do que às virtudes.

Em "Capítulo dos Chapéus", os trechos que fixam as pequenas discórdias entre marido e mulher valem-se da técnica que permite ao escritor prender a atenção do leitor para surpreendê-lo, com o humor e o sorriso aristocraticamente irônicos, frente às misteriosas aventuras humanas.

A face artística de Machado de Assis, apesar de estar livre de alusões autobiográficas, tem a ver com a sua natureza psíquica. O temperamento recolhido e discreto consente-lhe de dar forma às sensações da dor e da alegria, da paixão e da inanidade dos sentimentos sem recorrer aos acentos da sátira violenta ou da polêmica. A própria decepção amorosa não é expressa com tons atormentados, angustiantes ou sombrios, Machado aponta, aliás, para uma solução benévola, como o conto "Noite de Almirante" tão bem evidencia. O fim do amor de Genoveva por Deolindo tem notas de um fatalismo irônico:
        “ - Pois, sim, Deolindo, era verdade. Quando jurei, era verdade. Tanto era verdade que eu queria fugir com você para o sertão. Só Deus sabe se era verdade! Mas vieram outras cousas...Veio este moço e eu comecei a gostar dele...
- Mas a gente jura é para isso mesmo; é para não gostar de mais ninguém...
- Deixa disso, Deolindo. Então você só se lembrou de mim? Deixa de partes.”

Em "A Cartomante" e "O Enfermeiro” aparece tragicamente a certeza ou a suspeita do homicídio.
Já no caso de Jacobina, personagem do conto "O Espelho", uma discussão sobre a natureza da alma, faz  com que ele assevere que cada criatura humana guarda em si duas almas.

Veja o enredo de alguns contos:
Em “Missa do galo” – primeiro conto - temos a narração de Nogueira contando uma conversa que teve com Conceição, uma senhora casada de trinta anos, quando ele tinha dezessete anos e estava hospedado na casa de Meneses, esposo de Conceição. Uma narrativa tensa, na qual a perspicácia de um leitor assíduo faz supor que havia um suposto triangulo amoroso, porém não se tem a certeza de nada, mas no diálogo dos personagens há muitas insinuações sedutoras, deixando uma brecha de dúvida no relacionamento entre Nogueira e Conceição.  Em “Uns Braços” temos também um relacionamento de atração de um rapaz jovem por uma mulher mais velha, em um jogo escondido de sedução feminina.
 
Os contos “Um homem Célebre” e “Cantigas de Esponsais” narram à ambição artística de dois músicos populares que anseiam compor uma boa música e ser lembrado por ela após sua existência, porém não conseguem e morrem antes, todos de maneira trágica e ao mesmo tempo cômica. Em “Teoria do medalhão” temos um conto feito totalmente de diálogos entre um pai e um filho, sendo que o segundo poucas vezes interfere na conversa, no qual o pai dá conselhos medíocres para o filho se tornar um medalhão (sábio que consegue respeito e fama) e conseguir facilmente sucesso na vida. Temos neste conto uma visão crítica da sociedade da época, que ainda está presente na contemporaneidade.

O conto “O Espelho” é uma narração contendo constantemente alegorias envolvendo por um lado à contradição humana, e a crença religiosa e por outro uma crítica disfarçada às crenças da sociedade. Uma narrativa cheia de simbologias e mistérios envolvendo traços de loucura em luta com a sanidade de um homem que afirma que o ser humano possui duas almas. Reflexões, filosofia, questionamentos, religiosidades entre outros traços estão presentes no conto.

Em “A Cartomante” temos mais uma narração perfeita de um triângulo amoroso, constituído por Rita mulher de Vilela e Camilo, seu amante e melhor amigo de Vilela. Com uma narrativa tensa com traços humorísticos e críticos é exposta a ingenuidade do homem em frente às artificialidades dos misticismos e crenças por oportunistas como a velha cartomante e as reviravoltas que trás consequentemente o amor, principalmente quando esse parece ser impossível socialmente e se concretizado tendo um final infeliz.

Nos contos “A chinela turca” e “Marcha fúnebre” temos um contraponto temático entre realidade e fantasia dos personagens protagonistas, temos a dúvida, a incerteza, questionamentos psicológicos do mundo interior das personagens e até reflexões filosóficas diante dos acontecimentos narrados. O primeiro trata da história de um bacharel que diante de um acontecimento tedioso acaba fantasiando uma realidade paralela na qual vive um pesadelo e a segunda história trata de um homem que após saber da morte de seu inimigo e de no caminho de casa ficar sabendo da morte de um homem que morreu "do nada", fica tendo sensações e fantasias de como seria morrer, assim de repente, sem sentir dor e, ainda imagina, como seria a repercussão de sua morte.

Em “Pai contra Mãe” tem-se uma visão crítica do comportamento egoísta e desumano do homem, isso no momento em que para poder ficar com o filho recém-nascido, Cândido Neves (espécie de caçador de escravos fujões) entrega uma escrava fugitiva e grávida para seu dono em troca de uma recompensa em dinheiro que consequentemente lhe daria a condição de ficar com o filho e não ter que abandoná-lo. Porém essa escolha traz consequências para a escrava, que acaba abortando o filho.

Em “Miss Dollar” temos um conto dividido em oito capítulos narrando a historia de um médico apaixonado e colecionador de cães que após achar e devolver para sua dona uma cadelinha galga – Miss Dollar - acaba por conhecer o amor de sua vida, porém para esse amor se concretizar ele passa por diversos contratempos, numa narrativa por vezes com traços de humor, e até mesmo romântica, apesar do final trágico e engraçado da cadelinha.

“Conto de Escola" é narrado em primeira pessoa por um narrador já adulto, que retorna e analisa criticamente um episódio ocorrido em sua infância.
A história contada por Pilar - o narrador - é a seguinte: numa segunda-feira, pela manhã, Pilar decidia se brincaria no morro de São Diogo ou no campo de Sant''Anna. Lembrando-se, porém, da sova de marmeleiro que o pai lhe dera por causa de dois suetos* na semana anterior, decide ir à aula.
Na aula, é interpelado por Raimundo - filho do professor que lhe oferece uma moedinha de prata ganha em seu aniversário. Em troca, Raimundo pede a Pilar que lhe explique a lição. Pilar aceita, mas, durante o negócio, percebe que Curvelo, um outro colega, prestava atenção neles. Curvelo, logo a seguir, delata os colegas ao professor Raimundo. Este, furioso, atira a moeda pela janela e castiga os meninos com a palmatória, recriminando-os seriamente pela transação.
Depois disso, Pilar promete a si mesmo que daria uma sova em Curvelo. Na saída, persegue-o , mas Curvelo consegue escapar.
Na manhã do outro dia, depois de ter sonhado com a tal moedinha, Pilar sai com a intenção de procurá-la, mas sua atenção é desviada pelo batalhão de fuzileiros, que marchavam ao som de tambores. Desiste das moedas e segue-os marchando. Conta-nos que voltou tarde para casa, " sem pratinha nos bolsos nem ressentimentos na alma" no final pondera que Raimundo e Curvelo foram os primeiros a lhe dar a noção da corrupção e da delação.

“O caso da vara”
Conta a história de um seminarista fugitivo, que tem medo de voltar para casa, pois sabe que o pai o levará de volta ao seminário. Então, Damião foge e se esconde na casa de Sinhá Rita. A mulher promete ajudá-lo e por isso Damião permanece. Porém, Sinhá Rita, tem uma escrava chamada Lucréia, uma garota que é maltratada por Sinhá Rita. Damião, vendo a situação, promete a si mesmo que iria apadrinhar Lucréia. Mas chega um momento, em que Sinhá Rita vai castigar Lucréia e pede a vara a Damião, que fica em dúvida entre ajudar Lucréia ou entregar a vara e receber a ajuda de Sinhá Rita. Por fim, ele decide entregar a vara.

“Uns braços”
É a história de Inácio, jovem de 15 anos que vai trabalhar como ajudante do ríspido solicitador (funcionário do Judiciário, algo entre procurador e advogado) Borges, morando na casa deste. É lá que acaba se encantando com os braços de D. Severina, companheira do seu patrão. Deve-se lembrar que na época em que se passa a história, 1870, não era comum uma mulher exibir tal parte do corpo. Mas, antes que se pense que ela era despudorada, deve-se lembrar que só o fazia por passar por certas dificuldades que tornava o seu vestuário falto de peças mais adequadas. Ainda assim, os breves momentos em que via a mulher e principalmente os braços dela eram, para Inácio, o grande alívio diante de um cotidiano tão massacrante. Até que um dia D. Severina percebe o interesse que desperta no moço. Demora a aceitar, pois considera-o apenas uma criança. Mas, quando vê o homem já na forma do menino, entra num sentimento conflitante, misto de vaidade e pudor. Por isso oscila entre tratar mal o rapaz e mostrar preocupação com o seu bem-estar. Até que num domingo ocorre a cena mais importante da história. D. Severina encontra Inácio dormindo na rede. Dá-lhe um leve beijo na boca. A senhora não sabe que naquele exato instante o garoto sonhava com o beijo dela e ele não sabe que era beijado realmente enquanto estava mergulhado na fantasia do seu sono. Pouco tempo depois, Borges dispensa o garoto de forma admiravelmente amistosa. O menino não vê mais D. Severina, guardando a sensação daquela tarde como algo que não ia ser superado em nenhum relacionamento de sua existência.

A análise do conto A Causa Secreta, mostra que na perfeita normalidade social de Fortunato - um senhor rico, casado e de meia-idade, que demonstra interesse pelo sofrimento, socorrendo feridos e velando doentes - reside, na verdade, um sádico, que transformou a mulher e o amigo num par amoroso inibido pelo escrúpulo. Este escrúpulo, que gera o sofrimento do par, é a causa secreta do prazer de Fortunato e de sua atitude de manipulação de que o rato, no conto, é símbolo (Garcia, o protagonista, estaca perante a representação do horror. Fascinado perante o gesto frio de Fortunato, Garcia não faz sequer um gesto. Apenas contempla o sócio torturar lentamente um rato. Cortes meticulosos, pata a pata, precediam a queima do mesmo no fogo. O lento ritual prolongava o prazer. O narrador não resume a cena em poucas palavras, mostrando-a por inteiro ao leitor).

“Mariana”: é um conto de lição cruel, mas realista, ao narrar as mudanças por que passou uma paixão no espaço de 18 anos.
Evaristo e Mariana mantiveram uma relação tórrida e descabelada, entrando em crise no momento em que, por pressões, ela estava para se casar com Xavier. Diante do amante, nosso protagonista, jura que a união “oficial” não ia diminuir a intensidade do enlace que, clandestinamente, estabeleciam. Pouco depois, por meio de flashback, sabemos que Mariana havia tentado suicídio, provavelmente em nome do sentimento que tinha por Evaristo, conflitante com a união que iria contrair. Este é impedido de vê-la. Parte, então, para a Europa num quase autoexílio, desligando-se quase que por completo das coisas do Brasil.
Sem grande explicação, 18 anos depois sente necessidade de voltar à pátria. Ao chegar, visita Mariana, encontrando-a mergulhada na dor de ter o marido, Xavier, doente terminal. É o que o impede de um contato mais aprofundado. Com a morte do moribundo, fica sabendo por meio de várias pessoas da intensidade do amor que havia entre o casal, o que já tinha sido indicado pela dor dela quando do último suspiro do esposo. Pouco depois, flagra-a voltando da igreja e percebe que ela fez de conta que não o havia visto.


Uma paixão tão fulminante fora esmagada pelo tempo, pois terminava de forma tão fria, ela evitando-o, ele encarando o fato num misto de indiferença e chiste.

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