Sobre o autor:
José Bento de
MONTEIRO LOBATO – Romancista, contista e jornalista brasileiro, nasceu em 18 de
abril de 1882, em Taubaté, São Paulo, e faleceu em 4 de julho de 1948, no mesmo
Estado.
Bacharel em
Direito, exerceu o cargo de Promotor Público, em São Paulo.
Monteiro Lobato é
um dos escritores brasileiros mais lidos e populares. Suas obras têm sido
traduzidas para quase todas as línguas e continua inspirando sentimentos
nacionalistas e, principalmente, a defesa do petróleo e minérios radioativos.Foi o criador da literatura infantil no
país e a sua produção, nesse gênero, é vultosa e importante. Tornou-se
autor de uma extensa produção na área da literatura infantil, que inclui
clássicos do gênero, como O Marquês de
Rabicó (1922), Reinações de Narizinho (1931), Memórias de Emília (1936),
Histórias de Tia Nastácia (1937) e O Sítio do Pica-pau Amarelo (1939). Sua
obra voltada para os adultos inclui diversas histórias escritas em estilo leve
e gracioso e são povoadas por tipos humanos interessantes.
Sua característica principal são o
regionalismo e o conteúdo crítico. Aliando a crítica de costumes à criação de
personagens como o caboclo Jeca-tatu,
o escritor descreve a decadência econômica e social do vale do Paraíba paulista
do início do século. O Sítio do Pica-pau
Amarelo foi transformado na década de 1970 em uma série infantil de TV, de
muito sucesso até hoje.
Contexto histórico e literário: Pré-Modernismo
O início do século
XX representou para a nação brasileira uma fase de enormes transformações,
inclusive no terreno artístico. O período conhecido como Belle époque influenciou a recém-instaurada República a implantar
no cenário já controverso (pós-escravidão e seus contrastes) um processo de
“europeização”, na tentativa de embelezar o país, especialmente São Paulo e Rio
de Janeiro. Tal processo trouxe a retirada das classes mais pobres para regiões
periféricas das cidades, o que causou, obviamente, muita revolta popular.
Além das mudanças
sociais, a visão Realista-Naturalista permanece, mas a linguagem afrouxa os
laços parnasianos, aderindo a um falar mais coloquial, próximo à fala
cotidiana. As vanguardas europeias começavam a ganhar público entre os artistas
brasileiros. Essa miscelânea de fatores acontecendo em um breve espaço de tempo
é que conhecemos como Pré-Modernismo, fase intermediária até a implantação das
ideias modernistas com a Semana de Arte Moderna de 1922.
Os
escritores desse período procuravam apresentar o Brasil e seus contrastes,
especialmente os regionais. No caso do autor de “Negrinha”, Monteiro Lobato,
retratou os costumes interioranos do caboclo do Vale do Paraíba, sua miséria,
hábitos e “causos”.
Análise do conto NEGRINHA: metonímia da vida
escrava
Publicado em 1920,
o conto demonstra como a escravidão, extinta na lei em 1888, ainda imprimia
hábitos e preconceitos na sociedade do período. O início do século
apresentava-se como uma etapa de grandes inovações e modernização no território
brasileiro, no entanto, o preconceito racial permanecia.
Tipo de narrador: 3ª pessoa, onisciente. Uso dos discursos direto, indireto e
indireto livre. A voz do narrador prevalece na obra. Apesar da 3ª pessoa,
esse narrador mostra-se compadecido para com os sofrimentos da pobre menininha
protagonista da narrativa.
Tendo a escravidão
como tema, o conto nos apresenta uma mulatinha escura, de sete anos, órfã desde
os quatro. Nascera na senzala e vivia pelos cantos da cozinha. Residia sob os
“cuidados” de D. Inácia, uma senhora rica e gorda, que não possuía apego por
crianças nem tinha filhos. Na verdade, a pobre menina vivia pela casa como um
animal sem dono e incômodo.
Usando o tempo cronológico na maior parte das vezes,
o narrador, de modo irônico e objetivo,
demonstra como, em um espaço universal
(não é citado o nome do local onde se passam os fatos) muitas “negrinhas”,
órfãos da escravidão, permanecem sofrendo os vestígios do passado escravagista.
Negrinha é
maltratada por D. Inácia. A ex-senhora de escravos, no entanto, posa de mulher
caridosa, recebendo do padre da região os elogios pelas ações de amor para com
o próximo.
Negrinha X D. Inácia:
Negrinha:não possuía nome, era amedrontada, subserviente,
pobre, marginalizada, condicionada ao sofrimento herdado dos antepassados
escravizados. Negrinha é uma metonímia
daqueles que, no processo pós-escravidão, ainda sentem os resultados da
condição do negro, ser desprezado e judiado. A menininha era tratada como
bicho, recebia apelidos depreciativos e servia como forma de sua patroa
descarregar suas tensões por meio dos diversos castigos aplicados à pequena.
D. Inácia: representa os que detêm o poder, é
rica, preconceituosa, impaciente, agressiva. Diante das instituições religiosas
apresenta-se como mulher virtuosa, que se compadece dos pobres e injustiçados;
na vida íntima é cruel, má. Nunca pudera ter filhos; parece com tal informação
do narrador que D. Inácia encarna o masculino rude e amargo, sem a doçura e
feminilidade típico do sexo que dá a luz.
Fatos marcantes:
O castigo do ovo: nessa passagem, mesmo a menina tendo
razão, afinal, a criada nova roubara “um pedacinho de carne que se vinha
guardando para o fim”, Negrinha é castigada pela patroa: a velha senhora coloca
na boca da menina um ovo quente, obrigando-a a suportar a queimadura.
§ O acontecimento
retrata o silenciamento de uma classe que não tem direito de se manifestar, de
reagir.
A vinda das
sobrinhas loiras:a presença de uma infância tolerável e não sujeita a castigos surpreende
Negrinha. D. Inácia trata as meninas com carinho e meiguice, o que
sugere que o horror da senhora não era para com as crianças de modo geral, mas
sim com os negros, os quais, criança ou não, ela não suportava.
§ O acontecimento
retrata a superioridade da raça branca, a aceitação do branco em detrimento do
negro.
§ As meninas aparecem
como anjos que amenizam os sofrimentos de Negrinha.
A “descoberta” da boneca: às meninas loiras
era dado o direito de brincar e seu objeto de deleite, a boneca, fora motivo de
deslumbramento para a pobre menina negra.
§ EPIFANIA: Ao segurar a boneca, brinquedo
feminino que Negrinha não conhecia, a menininha se descobre como criança, como
ser humano, com sentimentos iguais aos das outras crianças.
A morte de
Negrinha: a passagem das meninas loiras pela fazenda, ao dar a Negrinha a
consciência de quem ela era, impede a menina de continuar vivendo em servidão e
negação de identidade. A tristeza vai consumindo a pequena até que a morte lhe
consome.
§ A morte surge como
libertação da vida de opressão; ali, naquela casa, não havia lugar para a pobre
menina.
Em toda a
narrativa, o leitor não conhece a voz nem os pensamentos de Negrinha. Já D.
Inácia se faz vencer através do uso da palavra, seja ao dialogar com os padres
ou mesmo ao xingar a pobre órfã.
O passado histórico
terrível e destruidor e a crueldade com que os negros eram tratados são
encarnados na personagem Negrinha.
À protagonista de
Monteiro Lobato, após descobrir-se como sujeito e não objeto, resta-lhe apenas
a morte, tal como era dada a tantos negros desde o período das levas dos navios
negreiros.