A Autora: Júlia Valentim da Silveira Lopes
de Almeida nasceu no Rio de Janeiro, em 24 de setembro de 1862. Poeta,
cronista, romancista e dramaturga, Júlia Lopes começou a escrever ainda na
adolescência, quando foi descoberta pela irmã, que “denunciara” ao pai, o
médico português Valentim José da Silveira, produções literárias da autora de A Falência. Mas ao contrário do que
esperava a jovem Júlia Lopes – que escrevia às escondidas por acreditar que
aquele ofício poderia ser mal visto por seus pais –, o futuro Visconde de São
Valentim acolheu com entusiasmo o talento da filha e a inseriu no círculo
literário da época. Nos anos 1880, Lopes de Almeida já contribuía com críticas
e crônicas literárias para o Gazeta de
Campinas, periódico da cidade paulistana, para onde se mudara com a família
nos anos 1860. Enquanto morava em Portugal, onde passara a residir a partir de
1886, passou escrever também para o Gazeta
de Notícias, periódico carioca. Em 1887, de volta ao Rio de Janeiro,
casa-se com o escritor português Filinto de Almeida (1857 – 1945), ao lado de
qual passa a conviver com os principais nomes da literatura daqueles anos.
Lopes de Almeida, então, destaca-se pela produção de dramas, romances e
crônicas, que tratam principalmente da figura feminina na sociedade brasileira,
quando a publicidade em torno da escrita produzida por mulheres era raríssima
nesse meio dominado pelos homens. Nesse período, a escritora fez parte do grupo
de escritores que fundou a Academia Brasileira de Letras, mas ficou de fora de
sua primeira formação. Em seu lugar, tomou posse o marido, que, em entrevista
concedida ao cronista João do Rio (1881 – 1921), reconheceu o talento da
esposa, afirmando que não era ele “quem deveria estar na Academia [Brasileira
de Letras], era ela”. Ao lado da irmã, a escritora Adelina Lopes Vieira (1865 –
1918), Júlia Lopes de Almeida também foi pioneira na produção de literatura
infantil no Brasil, tendo publicado, entre outros títulos, a antologia Contos Infantis, que veio a lume em
1886. Júlia Lopes de Almeida faleceu em 30 de maio de 1934, na mesma cidade
onde nascera. Principais Obras: A Viúva Simões (1897 – Romance), A Falência (1904 – Romance), A Intrusa (1908 – Romance), Eles e Elas (1910 – crônicas).
A Obra: Publicado em 1901, o romance urbano A Falência, de Júlia Lopes de Almeida, discute a condição da mulher brasileira no
final do século XIX, em uma sociedade machista e hipócrita, conservadora e
provinciana, que entre outras distrações, entretém-se bisbilhotando e
divulgando principalmente os fatos indiscretos sobre a vida alheia. Embora não
se declarasse como uma militante da causa feminista, Lopes de Almeida pode ser
considerada uma escritora a frente de seu tempo pelo olhar crítico com que
encara o tratamento dispensado à mulher na sociedade
patriarcal do final do século XIX e início do século XX.
Principais Temáticas: Adultério Feminino: O romance
traz como tema central o adultério.
O enredo de Almeida não se quer uma visão amoralista do adultério, mas evita se
esconder por trás de um farisaísmo superficial e decide não ignorar esse tema
delicado. Por meio de uma linguagem realista, crítica, A Falência nos mostra que, enquanto a infidelidade masculina era encarada com certa condescendência pela
sociedade, os relacionamentos
extraconjugais protagonizados pelas mulheres era alvo de uma severa censura
coletiva. Na trama, ao contrário do marido, que matinha um relacionamento
com a prostituta Sidônia desde o início do casamento, o relacionamento de
Camila com o Dr. Gervásio, ainda que não seja divulgado publicamente – e por
isso o marido não toma conhecimento desse caso –, é alvo das constantes
recriminações dos conhecidos. Esse é o crítico ponto de vista de Camila no Cap.
II, quando desabafa para Gervásio sobre o moralismo dos romances que lia, os
quais sempre culpavam as mulheres pelas infrações conjugais. Camila, como uma
Emma Bovary dos trópicos, vive um farsesco triângulo da qual para aquela
sociedade ela parece ser a única digna de punição. Júlia Lopes de Almeida,
embora não apoie o adultério, denuncia que temos aqui dois pesos e duas
medidas, ou, como ela mesma afirma em sua obra Eles e Elas, uma “malha” de dois tamanhos, em que a mulher sempre
ficara com a parte de tamanho inferior a do homem. Mas o ponto contundente da abordagem desse tema em A Falência é ilustrado pelo do homicídio
cometido pelo pai de Catarina e Capitão Rino que matara a esposa quando
descobrira que ela matinha um relacionamento extraconjugal. O crime que acabara
por ficar impune mostra a intolerância daquela sociedade quando o assunto era a
infidelidade feminina e que não tratava com o mesmo rigor as traições cometidas
pelos homens, algo tão comum naquela época – o que revolta a jovem Catarina,
que jamais perdoara o pai pelo que este fizera. Segundo Ivana Ferrante Rebello,
no ensaio “Com malhas de dois tamanhos”, o adultério que já fora tema de
diversas narrativas realistas – com destaque para a obra Dom Casumurro (1899), de Machado de Assis – é aqui exposto de forma
mais legítima na obra de Lopes de Almeida: “Ainda que o criador de Capitu tenha
legado à literatura brasileira uma galeria de mulheres fortes que, por via da
ironia ou do deboche, desestabilizaram os padrões e convidaram aos
questionamentos, a questão do adultério
feminino – tão fortemente arraigada nos princípios
morais da sociedade civilizada – só teria tratamento diferenciado e mais
abrangente na voz de uma mulher.”
O poder das aparências: Em uma sociedade provinciana, os personagem e
fatos apresentados em A Falência resultam
em realista metonímia da elite brasileira do século XIX. Na verdade, por trás
dessa contextualização geográfica e cultura, o que obra aborda é tema
inegavelmente universal: a força das aparências em uma sociedade que cria para
si um status quo, um ideal de valor a
ser reverenciado e buscado: “Sabia
Teodoro que o espírito e a posição de um homem se espelham nas roupas; por isso
as dele eram sempre graves”. Nesse sentido, a família de Teodoro é fruto
desse desejo de criar um quadro social no qual o chefe daquela casa poderia ser
contemplado e admirado por todos como um exemplo de lar ideal, vivendo no luxo
e no cumprimento aparente das regras comportamentais em voga. Com isso, a
frustração de Teodoro com a falência não é só por que se veria em dificuldades
para sustentar as filhas, mas principalmente por ver comprometida a imagem de
homem bem sucedido de que sempre se gabara diante dos amigos e colegas de
profissão. Teodoro é um gastador inveterado, sempre buscando atender a todos os
caprichos da mulher e das filhas. Francisco sempre está promovendo festas
luxuosas (“festas pantagruélicas”)
para mostrar a todos seu poderio econômico: “Todos os anos Francisco Teodoro celebrava os aniversários dele, de sua
mulher e dos filhos com banquetes de três e quatro mesas, vinho a rodo e danças
até a madrugada”. Seus gestos públicos de caridades, para se apresentar
socialmente como um homem “generoso”, suas atitudes espalhafatosas, as roupas
compradas para Mila, os brinquedos caros para as gêmeas, as aulas de música
para Ruth, tudo era uma forma de publicar seu portentoso patrimônio. Mas não é
só ele que vive refém dessa imagem social. Camila também é escrava da imagem
social que tenta construir. Depois da falência e da morte do marido, ela se
esconde de seus antigos pares de classe social, envergonhada com a miserável
condição a que agora precisa se submeter. A obra A Falência denuncia, pois, não só a falência financeira de Teodoro,
mas do status quo criado pela
burguesia ascendente, vítima das adversidades da vida, que desmascara as poses
e as imagens.
Emancipação feminina: Durante a
conversa narrada no Cap. VI tomamos conhecimento do surgimento do pensamento
feminista no Brasil: a luta pelo direito ao voto e as críticas, por parte da
militância em prol da emancipação feminina, a uma visão reducionista do papel
da mulher na sociedade. Esse discurso é representado por Catarina, personagem
que optou por não se casar para não se expor a uma “ditadura machista”. Entre
as reivindicações do ousado discurso da irmã do Capitão Rino (que para
Francisco Teodoro se resumiam na “na
emancipação e outras patranhas”), está principalmente o direito à participação
ativa da mulher na sociedade. Ao ser indagada por Gervásio se ela “lamenta não ser eleitor”, Catarina,
entre irônica e indignada, diz não fala por ela, não está legislando por um
desejo egoísta, mas estava pensando nas outras mulheres que “tenham atividade e coragem”. Embora não
seja uma “manual” radical de defesa dos direitos feministas, como pregava o
nascente movimento do século XIX, ou de apologia do celibato feminino, a obra
Júlia Lopes de Almeida defende que a mulher precisaria ser bem educada para não
depender das vicissitudes e dos homens e lutar por um lugar em mundo mais justo
e respeitoso. Segundo Rebello, no ensaio acima citado, a obra tenta explicitar
o regime de desigualdade entre homens e mulheres, onde a mulher era um simples
objeto de manipulação de uma sociedade de aparências. A obra evita o tom
panfletário, mas, nas palavras de Rebello, “alfineta” um arranjo social em que
a mulher era apenas um ser submisso, sustentado por um marido que tinha direito
a uma liberdade privada à figura feminina: “[...] ao provedor é dado o dever do
trabalho e o direito à liberdade, a quem se deixa prover, o direito ao ócio e o
dever da silenciosa resignação”.
Desigualdade social: A obra de
Lopes de Almeida apresenta um outro tema muito importante naquele período: a
marginalização dos pobres e negros em virtude de um agudo quadro de
desigualdade social e econômica. Ainda que em alguns casos a narrativa revele
um clima amigável entre os empregados e patrões na casa de Francisco Teodoro –
como vemos na relação entre a negra Noca e os integrantes daquela família – ou
a aparente amabilidade dispensada pelo mesmo Francisco Teodoro a alguns
funcionários da Casa Teodoro – em especial o mal-humorado seu Joaquim –; o que vemos, em linhas gerais, é um claro
distanciamento entre as partes que compõem dois extremos dessa sociedade
antitética. Se de um lado, temos os ricos – os patrões – gozando uma vida de
luxo, inacessível a grande maioria daquela população; de outro, vemos a vida
miserável de homens e mulheres que tentam sobreviver de forma digna expostos
aos serviços mais degradantes. Várias passagens da narrativa, vemos os
personagens pertencentes à elite – o Dr. Gervásio e o Capitão Rino –
transitando pelos subúrbios do Rio de Janeiro, vendo com seus próprios olhos a miséria
a que estavam relegados os socialmente desprovidos de qualquer assistência
social, sustentando os poderosos com sua força de trabalhando e vivendo de
migalhas que lhes ofereciam os rico. No Capítulo IV, por exemplo, quando
precisa subir o morro da Saúde para prestar assistência médica ao Mota,
funcionário de Francisco Teodoro, o arrogante Gervásio precisa encarar a
miséria que vitimava essa gente esquecida pelo governo e ignorada pela elite da
época. O que para ele poderia ser um “turismo” por um lugar “exótico”, acaba
por se transformar em uma visita a um “inferno” para seu mundo de conforto. O
que temos, enfim, nessa obra é uma crítica à cegueira da elite que “lucra” com
esse agudo quadro de desigualdade, muito bem representado pelo discurso da baronesa
da Lage: “Se
não fosse coisa de religião, eu não me meteria nisto. Já me têm pedido para
organizar festas em beneficio de escolas e de hospitais para pobres, como se na
nossa América houvesse pobreza... Creia, minha amiga, no Brasil não há
miseráveis, há ateus. Precisamos de regenerar o povo com exemplos de fé cristã”.
Negro e a sociedade pós-abolicionista: Nessa
sociedade dominada por uma elite cega, insensível, vemos que, apesar do
tratamento dispensado à Noca na casa de Teodoro, o negro ainda é um ser fadado
à marginalidade. Habitante dos subúrbios, relegado ao serviço braçal, o negro
recém-liberto com a Lei Áurea, ainda é o ser subalterno, sujeito às vontades
dos brancos. Ilustra esse regime a forma como é tratada a negra órfã Sancha,
que vive em um regime de semiescravidão na casa da avarenta D. Itelvina, e da
beata D. Joana. Enquanto a primeira espanca a negra sob qualquer pretexto; a
segunda, apesar da aparência de caridade cristã, consente que a aquela
perversidade seja perpetuada por acreditar que a negra a roubava, quando, na
verdade, quem o fazia era a própria irmã. A vontade de se matar expressa por
Sancha, que pede a Noca que lhe compre arsênico, pode ser interpretado como um
claro sentimento de impotência do negro ante a consciência de que nesse mundo
não havia ninguém que se condoesse com sua situação de oprimido.
Estrutura: Apresentada a partir do foco narrativo de 3ª pessoa, a trama de
A Falência é estruturada no tempo cronológico, cobrindo, durante o
presente enfocado pelo narrador, aproximadamente três anos da vida dos
personagens a partir dos anos de 1891. Mas, ao utilizar do recurso da introspecção psicológica, adentrando no
universo mental desses personagens, o narrador nos apresenta vários flashbacks,
por meio dos quais nos inteira sobre fatos anteriores ao ano de 1891.
A linguagem
proposta nessa narrativa, vemos a predominância de uma linguagem culta (mas não eruditista a ponto de comprometer um
entendimento dos fatos narrados) no discurso do narrador, que, apesar de
algumas descrições de considerável teor
poético – marcas de uma sutil influência das narrativas românticas,
principalmente na descrição do ambiente luxuoso da casa de Teodoro e na
caracterização de algumas personagens femininas como Camila, Ruth e Catarina –,
prevalecem a linguagem objetiva e direta
da prosa realista e os traços das
narrativas naturalistas. Na fala dos personagens, a autora, busca por dar
maior verossimilhança aos diálogos descritos, evita o rebuscamento excessivo e
atribui a esses personagens uma linguagem
mais espontânea, como “o brasileiro de verdade” se expressa.
Enredo: A narrativa se inicia com a
apresentação da Casa de Teodoro, um próspero armazém de depósito e
comercialização do café no Rio de Janeiro no ano de 1891. Enquanto os homens –
negros e brancos – trabalham no despache e registro das sacas de café que
entram e saem do estabelecimento do imigrante português Francisco Teodoro, este
se encontra em seu escritório ao lado de João Ramos, Inocêncio Braga, Gama
Torres e Negreiro, na costumeira conversa vespertina, tomando um café servido
por Isidoro. Os comerciantes falam de política, a alta do café e da
prosperidade do orgulhoso Francisco Teodoro, um homem que se gabava ter chegado
ao Brasil sem um vintém no bolso, e que depois de muito trabalho, tornara-se um
dos mais ricos negociantes de café da capital. Durante essa conversa, Inocêncio
fala do Gamas Torres – referido como o Rottschild brasileiro –, destaque entre
os negociantes de café, por ter ascendido naquele ramo utilizando-se unicamente
da percepção inteligente das oportunidades, da esperteza (“conquistas nobres do pensamento e do cálculo”) com que soube
aproveitar dos benefícios das especulações financeiras, ao contrário de outros
que, como Teodoro, trabalhava “como um
negro”, seguindo a “rotina de seus
antepassados analfabetos”. Embora não se mostre ofendido, Francisco Teodoro
se sente ressentido diante da prosperidade daquele homem que construíra a sua fortuna
invejável sem ter passado por todo o sofrimento que ele, Francisco, passara.
Despedidos os companheiros de ramo, Francisco não esconde certo sentimento de
inveja do Gamas Torres, que parecia não ter medo de arriscar naquele mercado
volátil das bolsas de valores.
A caminho
de sua casa em Botafogo, Teodoro se lembra de tudo que passara desde sua
chegada ao Brasil, a vida de pobreza e trabalho duro, morando em um sobradinho
miserável “do beco de Bragança”, à consolidação
de seu patrimônio como negociante de café e, depois da comenda recebida, a
busca por se inserir de vez naquela sociedade de aparência – o almejado status social – arranjando um casamento
com uma “esposa dedicada” que lhe
desse “meia dúzias de filhos”, principalmente um filho
homem que seria sua “estátua viva”.
Os relacionamentos com “mulheres fáceis”
como a prostitua Sidônia não era compatível com visão que era queria apresentar
à sociedade. É verdade que mesmo depois de casado continuaria a se encontrar
com Sidônia, mas esta não lhe servia para casar. Foi aí que, por meio de seu
amigo Matos, conheceu Camila, a filha mais velha dos Rodrigues e “a mais instruída”
(segundo a mãe, D. Emília) de uma família de sergipanos, que morava em uma casa
pobre no morro do Castelo. Sem fazer uma leitura maliciosa dos fatos que se
sucederam, Teodoro se lembra do seu primeiro encontro com a família da esposa;
as articulações de sua sogra para lançar sua filha naquela “loteria”
matrimonial; a exploração financeira promovida pelos pais de Camila que, a
partir dali, sempre enviarão do Sergipe – para onde voltaram depois do
casamento de Camila – cartas lamuriosas solicitando cada vez mais recursos ao
rico genro; os problemas criados por Joca, o irmão vagabundo e beberrão de
Camila.
Na casa de
Francisco Teodoro, um rico palacete em Botafogo, vivem Camila (tratada na
intimidade como Mila), apontada por todo Rio “como uma mulher formosa”; os filhos (o Mário; as gêmeas, Lia e
Rachel; e Ruth); a sobrinha Nina – fruto do relacionamento de Joca com uma
“mulher da vida” –; e os empregados, entre eles, a Noca, uma senhora negra
responsável por organizar os afazeres da casa. A vida de luxos – porém
superficial – dessa família é denunciada por meio de seus comportamentos mais
triviais entre as ricas salas e o jardim. O marido era um homem orgulhoso da
fortuna construída com muito trabalho. A mulher Camila é uma senhora
aparentemente fútil, acomodada àquela vida de luxo que nunca tivera na infância
e adolescência. Já no Cap. III – quando nos é narrado mais uma recepção na casa
de Teodoro, em que se encontram o Dr. Gervásio, Capitão Rino, o maestro Lélio –
tomamos conhecimento do caso amoroso com o médico, o Dr. Gervásio, que
aparecera pela primeira vez naquela casa para prestar assistência médica a uma
de suas filhas. No fundo Camila tem consciência da futilidade da vida que leva
e da farsa daquele arranjo social, no qual a mulher era apenas um ente
decorativo. Prova disso é sua identificação com o discurso ousado de Catarina,
no Cap. VI, quando a irmã de Rino discorda da visão compartilhada pelos outros
homens sobre o papel da mulher na sociedade. Acontece que Catarina se resignou
naquela zona de conforto ao lado do amante e da fortuna que tinha a seu dispor.
Camila não querer perder o que conquistara e muito menos não quer se indispor
com um sistema que já está consolidado e do qual se beneficia depois de uma infância
pobre. Assim, pode desfrutar do dinheiro do marido – a quem respeita como o
provedor da casa – e das carícias do amante.
Francisco
Teodoro é um dos poucos integrantes daquela casa que ignora o relacionamento
extraconjugal da esposa com o médico que goza de seu mais alto respeito. Era
Gervásio quem instruía Camila e os de sua casa quanto à maneira digna de se
portarem publicamente, apresentando-lhe uma série de regras de etiqueta condizente
com a fortuna que detinham. O médico ensinou Mila a se vestir bem, a agir
publicamente com elegância e sempre estava ao lado dela e de suas filhas dando
dicas de como soar respeitáveis àquela sociedade. O poder da influência de
Gervásio – que se orgulhava da “revolução” que promovera naquela casa – era tão
notório que ele estipula um dia da semana em que Camila poderia promover as
costumeiras e requintadas recepções em sua casa, quando recebia seus amigos e
amigas da elite – as esposas e filhas da família Braga, Gomes, entre outras –
em conversas regadas a música e pratos finos.
Mário, o
filho mais velho do casal é um fanfarrão hedonista, que, no começo da
narrativa, vive um caso amoroso com uma certa Luiza (uma francesa “bonita [...] e muito chic”, segundo o chofer Dionísio), a quem sustenta com o
dinheiro do pai. Arrogante, ele não aceita as exortações nem do pai –
decepcionado com aquele varão que jamais seria o homem de trabalho com que ele,
o pai, sonhara – nem da mãe. E no dia em que esta, sob a exigência colérica de
Francisco, exige que ele dê um ponto final no seu relacionamento com Luzia,
Mário joga na cara de Camila o relacionamento dela com o Dr. Gervásio. A partir
desse dia Camila teme confrontar o filho por acreditar que este poderia revelar
a Francisco Teodoro o seu caso com o Dr. Gervásio. Mas não era só Mário que
tinha conhecimento daquele “vergonhoso” caso da mãe. Com exceção de Francisco e
das filhas do casal, todos sabiam daquele “idílio amoroso”. No Cap. IV, por
exemplo, voltando de sua visita à casa do Mota, funcionário de Teodoro que
morava no subúrbio da Saúde, o Dr. Gervásio se encontra com D. Joana, a tia
beata de Camila, que o exorta dizendo que, com aquele caso, ele “estava empurrando Camila para o Inferno”.
Com isso, Camila, mais do que nunca, passa a temer que aquelas conversas
indecorosas cheguem aos ouvidos de seu marido. Gervásio tenta tranquilizar a amante,
mas apesar da aparente frieza, ele também reconhece as consequências trágicas que
poderiam advir de qualquer publicidade quanto àquele “idílio amoroso”. Mário,
que não tolera a presença do médico em sua casa, evita estar nos mesmos locais
onde o médico se encontrava, mas não tem coragem de revelar ao pai o que
acontece às ocultas entre a mãe e o amigo da família. Francisco, sempre cego
para tudo que acontece sob seu nariz, jamais compreendeu a antipatia de Mário
pelo médico.
Pouco
tempo depois, tomamos conhecimento que Mário deixara a francesa, mas não
largara, no entanto, a vida de devassidão. Era sempre visto de braços dados com
outras mulheres, frequentando casas de jogo e sempre chegando tarde em casa.
Revoltado, Francisco quer punir o filho, confrontá-lo, mas seus projetos de
correção esbarram na condescendência dos outros membros da casa, que tentam a
todo custo proteger o mimado Mário. Tentam protegê-lo a mãe (a certa altura
motivada pelo temor de que Mário revelasse ao pai o caso extraconjugal dela com
Gervásio), a negra Noca e a prima Nina, apaixonada por Mário e ignorada por
ele. Nina que ajuda nos afazeres da casa, é uma jovem apagada, cuja presença na
casa é pouco notada pelos tios. Ela devota a Mário um verdadeiro sentimento de
adoração e sofre com a rejeição do primo. Certa feita, no dia em que Teodoro exige
que a porta da casa fosse trancada para que Mário, quando chegasse de suas
farras noturnas, não pudesse entrar, Nina, que passara a noite em claro
esperando o amante, abre a porta para Mário, salvando-o de ficar ao relento,
fustigado pela chuva que caía naquela noite.
Além desses
personagens da família de Teodoro, vale destacar a jovem Ruth. Amante de
música, que tem a seu dispor um professor particular, o maestro Lélio, essa
jovem vive em uma redoma social, tendo tudo o que queria a seu dispor. Entre
livros e as músicas que executa, o mundo lhe figura sempre perfeito. Embora
seja uma moça sensível, boa, em alguns momentos, parece-nos alheia aos
problemas do mundo que a cerca. Era comum encontrá-la sob uma árvore do quintal
da casa, feliz ou melancólica, lendo um livro ou tocando um violino.
Um outro
personagem de destaque nessa trama é o Capitão Rino. Amigo da família, esse
comandante da Marinha é apaixonado por Camila, mas reconhece que não tem lugar
para ele no coração de Mila, preenchida pelo arrogante Gervásio, que o tem como
um simples homem bruto do mar, sem instrução ou sensibilidade. No Cap. VI, a
família de Teodoro e o Dr. Gervásio são convidados por Rino para um passeio em
seu navio Netuno. É lá que eles
conhecem Catarina, a irmã de Rino. Entre conversas sobre política e
comportamento social, os presentes discutem a condição da mulher na sociedade
brasileira, dando a oportunidade para que Catarina exponha suas ousadas
opiniões. Nesse passeio, Gervásio equivocadamente passa a desconfiar que Camila
poderia se interessar por Rino. O que o deixa bastante enciumado. A partir dali
se dão alguns desentendimentos entre o casal de amantes, mas nada que viesse a comprometer
a continuidade daquele caso. Já em terra firme, Gervásio acompanha Camila e
Ruth até a casa da família, quando cruzam com uma mulher toda vestida de preto.
Camila percebe uma sugestiva troca de olhares entre Gervásio e essa misteriosa
mulher. Mordida de ciúmes, Camila passa a desconfiar que o médico possa ter
outra. E ela que jamais se revoltara com os casos do marido, mostra-se
ressentidas com a suposta traição do amante.Paralelo a isso, vemos as
tentativas de Rino de se aproximar de Camila querendo tomar o lugar de Gervásio
naquele triângulo amoroso. Mas a certa altura, consciente de que não teria o
amor de Camila, Rino resolve partir mais uma vez a bordo do seu Netuno, enterrando de vez o desejo de
ter um relacionamento com Mila.
Enquanto isso,
Mário resolve abrir mão da vida boêmia e aceita, depois de muito relutar, casar-se
com Paquita, irmã da baronesa da Lage e integrante da família Meireles. Com
esse casamento, Mário pode gozar da vida de luxos que sempre desejara sem
precisar aturar o pai e a vexame de ter que viver sob o mesmo teto que a mãe
adúltera. Depois do casamento, Mário parte com a geniosa esposa para a Europa,
onde vão ficar uma longa temporada.
No Cap. XI
temos um fato que dá um novo mundo à narrativa: com a alta do preço do café,
Inocêncio Braga tenta convencer Francisco a investir no mercado especulativo da
bolsa, um universo de risco responsável pelo abrupto enriquecimento de Gama
Torres. Por um longo período, Francisco teme se expor àquela “loteria”, e adia o
momento em que daria uma resposta definitiva a Inocêncio. Depois de muito
relutar consigo mesmo, Teodoro resolve entrar naquela sociedade, repassando a
Inocêncio uma vultosa quantia em dinheiro, sendo que parte dela veio de
empréstimos de seus credores. Pouco depois, vem a grande decepção. Com uma
repentina baixa do preço do café – no contexto histórico conhecido como
Encilhamento, ocorrido durante o governo de Deodoro da Fonseca (1889 – 1891) –,
Teodoro se vê em apuro. É a falência anunciada no título da obra. Inocêncio,
que deve ter se resguardados de futuras surpresas, e possivelmente desviado
dinheiro de seus sócios, está partindo para a Europa, deixando o falido sócio
na mão. Fugindo dos credores e envergonhado diante dos funcionários, Francisco
sente vergonha de dizer para sua família que está quebrado. Seus funcionários
tomam cada um seu rumo, e Francisco sente que seu mundo está ruindo. Orgulhoso,
ele não quer depender da esmola ou da piedade de ninguém. Pensa em pedir ajuda
à baronesa da Lage, cunhada de Mário, mas vê naquela atitude um gesto de
humilhação para um homem como ele. Entre as cartas que escreve durante aqueles
dias, endereça duas missivas ao Meireles e a seu filho Mário, informando-lhes do
ocorrido. Resistindo assumir para a família sua atual condição financeira,
resolve procurar Gervásio que servirá de mediador junto à esposa e às filhas
daquela triste nova. No outro dia Gervásio procura Camila e lhe conta tudo. E é
naquela noite que Teodoro se mata com um tiro na cabeça na frente de Camila. Camila
agora está sozinha no mundo com as duas filhas. Fugindo de seus antigos pares
de classe social, ela resolve se mudar para uma casinha que então pertencia a
Nina, presente de Teodoro. As tias, Joana e Itelvina, não lhe oferecem nenhum
auxílio, embora tenham dinheiro guardado. O único ponto de apoio é mesmo do Dr.
Gervásio. Ruth resolve ajudar a família dando aulas de música. As gêmeas
parecem estar se acostumando com aquela vida modesta e com a gente simples da
periferia. Em um gesto de empatia com seus novos vizinhas, certo dia, as duas
caçulas de Camila pedem a mãe um ajuda para uma família necessitada que residia
na redondeza. Já Nina e Noca auxiliam Camila naquele duro período. Dias depois
da morte de Francisco, uma irônica cena: chega mais uma das cartas vindas do
Sergipe, em que os pais de Camila, solicitam ao genro alguma quantia em
dinheiro.
É nesse
período que Mário retorna da Europa. Esbanjando superioridade, ele acusa a mãe
de estar sendo um péssimo exemplo para suas irmãs, vivendo em fornicação com
Gervásio, e envergonhando o legado da família e o nome que ele, genro do senhor
Meireles, tinha por zelar. Depois de decidir sobre o futuro das gêmeas, que
iriam morar com ele, Mário sugere que sua mãe se case de vez com Gervásio.
Apesar de
ressentida com a arrogância do filho, Camila resolve propor ao médico que eles
se casem. Mas Gervásio assume que já era casado. Não vivia mais com a mulher –
aquela senhora vestida de luto com que cruzaram na rua tempos antes –, mas estava
judicialmente vinculado a ela. Ciente de que não teria de Gervásio o que
desejava, ela resolve recomeçar a vida de forma autônoma, sustentando com o
suor de seu rosto a si e suas filhas. Exige que Ruth vá pegar as meninas na
casa de Mário e que elas serão alfabetizadas pela irmã mais velha sob aquele
teto. O romance termina com Rino, retornando ao Rio de Janeiro dois anos depois
do suicídio de Teodoro. Em conversa com Catarina, eles falam de Camila e a irmã
sugere que ele a visite – ao que Rino afirma: “ – Para quê?” Passado tanto tempo, ela já não está no seu campo de
desejos. Interessava-lhe apenas a imagem da Camila casada vivendo uma casa de
luxo.
Personagens:
Francisco Teodoro – De origem
portuguesa, Francisco Teodoro chega ao Brasil ainda muito jovem. Não sendo um
homem culto, trabalhou “como um negro” em seus primeiros anos em terra
estrangeira e consegue com muito esforço construir seu enorme patrimônio. Depois
de criar um império no ramo cafeeiro, ele se mostra um ser orgulhoso de suas
riquezas, querendo mostrar para todos o fruto de seu árduo trabalho. Ele que
jamais ajudaria uma pessoa que precisasse de algum valor para “um começo de vida” como a dele no
passado, não poupava dinheiro para suas festas luxuosas e para atender aos
caprichos da esposa e dos filhos. Seus gestos caridosos são motivados por uma
personalidade tipicamente farisaica, pois suas contribuições para a construção
de escolas, igrejas e outras obras filantrópicas são uma forma de atrair para
si os holofotes, e pousar como homem generoso. Sua dedicação obsessiva ao
trabalho o torna cego para pequenos detalhes que se desenrolam em sua casa: o
filho, que tornara o oposto do que sonhara, e a esposa que vive nos braços de
outro. Embora se mostre afetuoso para com as filhas e a esposa, Teodoro
acredita que o dinheiro é a única forma de demonstrar seu cuidado para com
filhos. Teodoro é declaradamente machista e possui um discurso marcadamente conservador.
Antirrepublicano, esse personagem está sempre criticando o novo regime que
levou ao poder o Marechal Deodoro, alegando que aqueles que expulsaram dali o
Imperador D. Pedro II iriam afundar o país. Depois de sua falência, sem
dinheiro para pagar os credores e envergonhado por ter sido vítima da própria
ganância, Teodoro se mata.
Camila – Essa personagem esférica representa o drama e a complexidade da mulher
da elite brasileira do século XIX. Se por um lado ela é conivente com as
futilidades de seu meio; por outro, tem uma leve consciência de quão medíocre era
a vida que levava. Embora simpatize com os discursos feministas que questionam
a posição “decorativa” da figura feminina, ela não ousa questionar esse sistema
que lhe garante o conforto e o luxo. Embora fosse de origem humilde, Camila era
uma jovem bem instruída, segundo a mãe, a D. Emília, preparada para ser a
mulher que Francisco desejava. Apaixonada por Gervásio, Camila vê no médico a
imagem do amante refinado que a instruiria e a conduziria naquele mundo de luxo
que jamais conhecera em sua infância pobre. Refém das aparências e de suas culpas,
essa mulher se comporta segundo as conveniências do seu meio e das
circunstâncias. Em um dado momento da narrativa, porém, ela assume ao amante
que amava o marido, apesar de todos os pesares: o fato de Francisco a trair e
não obstante ter um caso extraconjugal. Ao final da trama, essa mulher nos
surpreende assumindo uma posição mais autônoma quando se recusando a depender
da esmola afetiva e financeira de qualquer homem.
Dr.
Gervásio – Médico da família e amante de Camila. Esse homem se destaca pela
arrogância e pela personalidade controladora. Chegou naquele família depois que
foi chamado para atender a uma das filhas de Francisco, e dali nunca mais saiu.
Gabava-se do seu refinamento intelectual e esnobava qualquer pessoa que
aparentemente não detivesse seu nível cultural, como é o caso do Capitão Rino,
a quem despreza por ser a certa altura para ele apenas um rude homem do mar. Quando
percebe que Rino não era tão inculto quanto ele pensava, Gervásio se sente
afrontado e se torna obcecado com a ideia de descobrir quem de fato era aquele
homem. É Gervásio o responsável pela mudança de comportamento de Camila e dos
de sua casa, instruindo-os a como se comportar publicamente, demonstrando a
elegância esperada de uma família com alto poder aquisitivo. Em suas conversas
com Ruth – uma verdadeira “tábula rasa” de seus ensinamentos – vemo-lo tentando
convencer a filha de Camila que a educação que recebe não serviria apenas para
o amadurecimento intelectual, mas principalmente para o refinamento comportamental,
a funcionalidade social dessa instrução, consolidada por uma formação que deveria
vir de berço: “A instrução é a força com
que aparelhamos o nosso espírito para a vida, lança e escudo para ataque e
defesa; a educação é o perfume que os pais inteligentes derramam na alma dos
filhos e que por tal jeito se infiltra neles, que nunca mais se evapora, seja
qual for o ambiente em que vivam depois.”. O médico goza da irrestrita
confiança de Teodoro que jamais descobrira que o médico tinha um caso com sua
esposa. No final da trama sabemos que ele é casado com a senhora com que certa
feita ele e Mila cruzaram na rua. Não vivia mais com a esposa, mas estava
judicialmente vinculado a ela e por isso alega que não poderia se casar com a
viúva Teodoro.
Nina – Filha de Joca com uma
mulher da vida, Nina é uma agregada da família. Uma jovem apagada, um ser
modesto e praticamente invisível naquela casa de luxo, ela é apaixonada por
Mário, que, em sua arrogância, simplesmente a ignora. No Cap. XXII somos
informados que quando criança Mário surrava Nina com chicote, o que jamais
comprometeu a paixão que nutria pelo primo. Vista mais como uma empregada do
que um membro legitimo da família, é ela quem ajudava Noca nos serviços
domésticos, principalmente cuidando das filhas de Camila e Francisco, algumas
das poucas criaturas que ali lhe dispensavam algum afeto. Em um dado momento da
narrativa, Ruth pede ao pai que no aniversário de Nina lhe dê um presente a
altura de sua importância naquela casa. É quando Francisco transfere para o
nome de Nina um de seus imóveis, de cujo aluguel ela poderia tirar algum renda.
É para essa casa que Camila e suas filhas se mudariam depois do suicídio de
Francisco e da venda da mansão do Botafogo.
Noca – Empregada da casa de
Francisco Teodoro. Testemunha e “leitora” de todos os fatos protagonizados
pelos membros daquela casa, a negra Noca – que goza do respeito de Camila e
Teodoro – é uma personagem importante nessa narrativa, que constantemente, por
meio do olhar introspectivo do narrador, enfoca seu ponto de vista e mostra sua
sábia percepção de mundo. Embora estejamos diante de uma obra realista, não
percebemos por parte do narrador em 3ª pessoa uma leitura depreciativa das
crenças e crendices expostas por Noca. “Alegre,
forte, faladora e arrongange”, ela jamais hesita em expor suas opiniões,
embora em nenhum momento confronte seus patrões. Noca representa na obra a
sabedoria sofrida do povo negro.
Mário – O filho mais velho de
Francisco e Camila. Esse jovem fanfarrão, arrogante e hedonista é a grande
decepção do pai que queria um filho homem para prosseguir com seu legado comercial.
Mário odeia o Dr. Gervásio e acusa a mãe de envergonhar a família com aquele
caso vergonhoso. Hipócrita, Mário não vê que suas aventuras amorosas também
servem de opróbrio para seus pais. Casa-se com a viúva Paquita, de quem poderia
explorar financeiramente sem precisar prestar satisfação a ninguém.
Ruth – Uma das filhas de Camila e
Francisco. Amante de arte, ela quase sempre é vista acompanhada de seu violino,
dedicando-se com disciplina à música, sua maior paixão. Acostumada com o luxo,
ela parece não ter noção da vida dura para além dos muros de sua casa. Mas ao
contrário do irmão, ela não é arrogante e demonstra um surpreendente senso de
justiça social. Quando está na casa de suas tias Itelvina e Joana, ela descobre
que sua tia-avó espanca a negra Sancha. Tomando as dores da jovem órfã, ela
sugere que Sancha fuja e promete dar a ela um emprego na casa de Botafogo. No
final dessa narrativa, depois da morte do pai, ela nos surpreende ao tomar uma
radical atitude: irá ministrar aulas de música para ajudar no sustento da
família.
Catarina – Irmã do Capitão Rino, ela
carrega um grande trauma em sua vida: a morte da mãe, assassinada pelo pai. Por
ter consciência da “ditadura” machista de seu tempo, optou por não se casar, e
sempre é vista defendendo ideias ousadas. É a favor do voto feminino e da
emancipação da mulher. Essa personagem simboliza os ideais feministas de
Almeida e suas críticas ao machismo.
Lia e Rachel – As filha
gêmeas de Camila e Francisco. Pequenas, elas ainda foram alfabetizadas. São a
grande preocupação da mãe depois do suicídio de Francisco.
D. Itelvina – Tia de
Camila, ela é símbolo da avareza. Ao contrário da irmã, a D. Joana, ela não tem
qualquer apego às crenças católicas. Perversa, ela vive castigando a negra
Sancha, negra órfã, que vive em um regime de semiescravidão na casa do Castelo.
Ruth descobre que quem rouba as esmolas recolhidas por D. Joana para os
trabalhos da igreja é Itelvina e não Sancha, como acreditava Joana.
D. Joana – Uma típica beata
provinciana que representa o rigor moral de alguns representantes do
catolicismo, que buscam a salvação por meio de preceitos moralistas e de
sacrifícios extremos e se esquece de que o Cristianismo também é misericórdia.
Viúva, sua vida se resume às práticas que envolvem a fé que professa,
perambulando durante todo dia de um templo a outro para assistir às missas,
rezas constantes e possivelmente sessões de autoflagelo. Segundo dizem, ela já
declarara que quando morresse seus bens seriam destinados para um líder dos
capuchinhos. É comum vê-la pelas ruas do Rio a cata de esmolas para os trabalhos
da igreja ou vendendo bilhetes para alguma festividade religiosa. Como a
narrativa não nos esclarece sobre a fonte de sustento dela e da irmã, é
possível que D. Joana desvie os valores arrecadados em suas andanças pelo Rio
de Janeiro. No Cap. XVIII Francisco Teodoro se indaga onde elas escondiam suas
“fortunas”. Apegando a seus princípios éticos, está sempre censurado os
personagens que não coadunam em sua praticas àquilo em que ela acredita, entre
eles, a sobrinha Camila. Cega em seu farisaísmo religioso, ela não vê o que o Cristianismo
é ações supostamente caridosas que ela protagoniza, mas também zelo pelos
desassistidos, permitindo que a irmã espanque a negra Sancha.
Capitão Rino – Amigo da
família, Rino é apaixonado por Camila, mas se esbarra no relacionamento dela
com o Dr. Gervásio. Embora aparente ser mais um homem rude do mar, por suas
leituras – que surpreende o arrogante Gervásio – vemos seu nível cultural e sua
sensibilidade poética. Entre os personagens pertencentes à elite, ele é um dos
poucos que ainda demonstra simpatia pelos mais humildes. Ele é um homem
solitário, que buscou no mar uma forma de se distanciar dos conflitos com os
homens, mas em um dado momento se arrepende por ter optado por um estilo de
vida que o distanciava de sua gente. Republicano e nacionalista, Rino contesta as
opiniões de Francisco, acreditando que o Brasil pode ser um dia um país muito
próspero. Frustrado em seu plano de conquistar Camila, ele parte para uma longa
viagem no Netuno, o seu navio. No
final da trama, percebemos nele um caráter meio obscuro quando afirma que não
havia por que procurar Camila agora que ela era apenas uma viúva pobre. Por meio
desse personagem, Almeida nos deixa entrever um poético nacionalismo,
retratando de forma sensível as belezas tropicais desse país depreciado por
imigrantes arrogantes.
Inocêncio Braga – Negociante
de café. Ao contrário do que possa sugerir o seu nome, ele é um ardiloso
negociante que se aproveita da inocência de Francisco para empurrá-lo para um
negócio arriscado. Depois do episódio do Encilhamento que leva Francisco à
falência, ele parte para Londres, fugindo do falido sócio.
Gamas Torres – Um rico
negociante de café que fez sua carreira aproveitando-se, com esperteza, do
mercado de especulações. Esse personagem, apresentado como o novo Rottschild
brasileiro, é apenas evocado na narrativa.
Sancha – Negra órfã que trabalha na
casa das tias de Camila. Humilhada e surrada por Itelvina, ela é uma metonímia
do tratamento dispensado aos negros em uma sociedade que os submete ainda a um
regime de quase escravidão. Sua frustração é tão grande que ela deseja se matar
com arsênico.
Mota – Funcionário da Casa
Teodoro. Vive com sua filha em uma favela. Ao longo da narrativa tomamos
conhecimento que ele quebrara uma perna e ficara impedido de trabalhar.
Francisco demonstra certa preocupação com o funcionário e pede que Gervásio
preste assistência medica a ele.
Baronesa da Lage – Cunhada de
Mário, a irmã de Paquita é uma viúva rica que representa o pragmatismo e a
insensibilidade da elite brasileira.
Matos – Amigo de Francisco, é ele
quem apresenta o rico negociante de café à família de Camila
Seu Joaquim – Funcionário da Casa
Teodoro. Ele é caixeiro e se destaca pelo jeito espontâneo e aparentemente
ranzinza. Apesar desse seu jeito, é muito respeitado por Francisco.
Negreiros – Negociante
de café.
Lemos – Negociante de café.
Paquita – Esposa de Mário, Paquita é
uma mulher mimada e geniosa.
Ribas – Funcionário da Casa Teodoro. É
ele que, no Cap. IV, conduz Gervásio à casa de Mota.
Autor do estudo: Guilherme Rodriguês
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